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Esportes Copa 2018

Saiba como 'mistura belga' pode ser ameaça ao Brasil nas quartas

Adversários da seleção têm dois fluentes em português: Lukaku e Witsel
Romelu Lukaku vibra ao lado de Axel Witsel: dupla belga é fluente em português Foto: KIRILL KUDRYAVTSEV / AFP
Romelu Lukaku vibra ao lado de Axel Witsel: dupla belga é fluente em português Foto: KIRILL KUDRYAVTSEV / AFP

ROSTOV-DO-DON — Axel Witsel, volante belga de 29 anos, responde pacientemente em francês aos jornalistas do país, ansiosos por suas previsões após a vitória sobre o Japão, nas oitavas da Copa do Mundo, e a classificação para enfrentar o Brasil nas quartas. Alguns metros à frente, na zona mista — um corredor por onde passam os jogadores — do estádio de Rostov, a reportagem do GLOBO o aguarda com uma pergunta em bom português: “Pode responder também para os brasileiros?”. Witsel nem faz menção de desviar o rosto de olhos azuis, ornamentado pelo cabelo estilo black power, e devolve: “Sim, claro. Vamos lá”.

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Witsel aprendeu a falar português na temporada que passou no Benfica-POR, há seis anos. E continuou praticando logo depois, ao se transferir para o Zenit de São Petersburgo, na Rússia, quase ao mesmo tempo que o brasileiro Hulk. Foram os primeiros jogadores negros de um clube com histórico racista. Hulk afirmou recentemente, em entrevista ao portal russo “Sputnik”, que ficou “especialmente próximo” a Witsel, seu “melhor amigo” naquele período.

Romelu Lukaku, centroavante de 25 anos, é outro que aprendeu português graças ao futebol: quando surgiu no time belga Anderlecht, no início da década, atuou com brasileiros e não demorou a pegar o idioma. Em entrevista à “ESPN”, Lukaku já revelou que gosta de feijoada e guaraná, e apontou Adriano Imperador como um de seus ídolos.

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Ambos, Lukaku e Witsel, são símbolos de uma Bélgica multiétnica: vários jogadores da seleção são imigrantes de primeira geração — nascidos no país, com pai ou mãe estrangeiros. Acostumaram-se a absorver diferentes culturas desde cedo, nas idas e vindas entre casa e escola. A aproximação com o Brasil, através do idioma e das amizades, transformou os dois em trunfos para as quartas de final dentro de um time que, com auxílio desta mistura de influências, se destaca pelo leque variado de qualidades físicas e técnicas.

— Eu falo português, Lukaku também, e temos alguns jogadores que entendem um pouco. Bem, não sei se ajuda, mas se eu ouvir os brasileiros falando alguma coisa em campo, é claro que vou contar para os meus colegas — respondeu Witsel, com um sorriso.

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A Copa de 2014, no Brasil, foi a primeira de Lukaku, Witsel e de outros 13 jogadores desta seleção belga que alcançou as quartas de final na Rússia. Há quatro anos, foi eliminada na mesma fase pela Argentina. A campanha e, principalmente, o nível de futebol apresentado naquele Mundial, abaixo das expectativas, colocaram um ponto de interrogação sobre aquela geração. As dúvidas se intensificaram após nova queda nas quartas de final, agora na Eurocopa de 2016, contra País de Gales.

Sob o comando do ex-jogador Marc Wilmots — que enfrentou o Brasil nas oitavas de final da Copa de 2002 —, a Bélgica era criticada, tanto pela imprensa do país quanto por jornais estrangeiros, como um time sem mentalidade vencedora. Vieram, depois da Eurocopa, o técnico espanhol Roberto Martínez e o ex-atacante francês Thierry Henry com o objetivo de iniciar uma revolução tática e mental na Bélgica. Em campo, Martínez passou a armar o time numa ousada formação 3-4-3, que ainda apresenta debilidade defensiva. Para virar o jogo contra o Japão, Martínez mudou o esquema para um 4-1-4-1 com as entradas dos meias Fellaini e Chadli, também com ancestralidade estrangeira - ambos têm pais marroquinos.

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— Nos treinos, o técnico (Martínez) sempre procura nos dividir em dois, três times, em qualquer atividade. É uma forma de incentivar a competição sempre, de fazer com que os jogadores queiram ganhar. Isso faz com que a mentalidade mude. É sempre ganhar, ganhar e ganhar — explicou Witsel.

Lukaku, filho de congoleses, apontou em relato publicado no site “The Players’ Tribune”, no último mês, que as críticas já recebidas por seu desempenho na seleção têm um componente além de aspectos táticos e técnicos. “Quando as coisas vão bem, os jornais me chamavam de ‘Romelu Lukaku, o atacante belga’”, lembrou o jogador. “Mas quando as coisas não iam bem, me chamavam de ‘Romelu Lukaku, o atacante belga descendente de congoleses’”.

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“Se você não gosta da forma como eu jogo, tudo bem. Mas eu nasci na Bélgica. Cresci na Antuérpia, sonhei em jogar no Anderlecht. Posso começar uma frase em francês e terminá-la em holandês, e ainda acrescento um pouco de espanhol, português ou lingala (uma das línguas do Congo), dependendo de qual vizinhança eu estiver. Somos todos belgas, e é isto que torna nosso país incrível”, escreveu Lukaku.

Quando marcou um gol sobre os EUA, nas oitavas de final da Copa de 2014, Lukaku correu para a câmera e, em francês, gritou um “pai, eu te amo” em homenagem a Roger, ex-jogador na seleção do Congo e o maior incentivador de que o filho escolhesse a seleção belga para a carreira. A renovação do elenco nos últimos anos abriu espaço para outros jovens de ascendência africana, como Batshuayi, Tielemans e Boyata. O meia Yannick Carrasco, que tem pai português e mãe espanhola, trouxe o castelhano para as rodas de conversa. Vincent Kompany, capitão da equipe, filho de um congolês e de uma belga, dá entrevistas fluentemente em francês ou em holandês, idioma preferido por parte do elenco. É nas combinações culturais que a Bélgica busca sua força para conseguir a maior vitória desta geração até aqui — e cuja importância é deixada no ar por Lukaku, na zona mista após a partida contra o Japão, ao recusar bem humorado (e em português) um pedido de entrevista:

— Por favor, hoje não. Depois do jogo contra o Brasil eu falo!