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Esportes Copa 2018

Taison: 'Se ficássemos mais um dia em Donetsk, não sei se estaríamos vivos'

Atacante do Shakhtar lembra experiência com Tite e fala de pedido por Luan em seu lugar
Taison em ação pelo Brasil no amistoso contra o Japão, em novemrbo de 2017 Foto: Lucas Figueiredo/CBF
Taison em ação pelo Brasil no amistoso contra o Japão, em novemrbo de 2017 Foto: Lucas Figueiredo/CBF

KIEV — Pela ordem alfabética, Taison foi o último dos 23 nomes anunciados pelo técnico Tite na convocação da seleção brasileira para a Copa do Mundo de 2018. Entrou no limite. Há quatro anos, numa outra tarde de maio, o atacante do Shakhtar também flertou com a margem de erro, mas para sair. Deixou a Ucrânia uma semana após conquistar o título da liga nacional, de olho nas férias. Ao pousar no Brasil, soube que o aeroporto de Donetsk, de onde tinha partido, havia sido alvo de rebeldes separatistas pró-Rússia no dia seguinte. O combate travado pelo governo ucraniano pela retomada do aeroporto deixou dezenas de mortos, incluindo dois civis.

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Naquele ano, Taison assistiu à Copa do Mundo em casa. Mesmo com a guerra de Donbass, não encerrada até hoje, seguiu no Shakhtar, que se mudou para a capital Kiev. Ao receber a reportagem do GLOBO em seu apartamento, na terça-feira, riu ao falar que “as pessoas devem achar que o Taison é maluco” por ter completado oito anos no futebol ucraniano, divididos entre cinco de Shakhtar e três de Metalist, para onde rumou após deixar o Internacional de Porto Alegre. Antes, falando mais sério, detalhou seu carinho pela Ucrânia, comentou as críticas à sua convocação e deixou claro que os últimos quatro anos foram muita coisa, menos brincadeira .

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— Sempre trabalhei muito focado no trabalho, no dia a dia. Estava focado porque queria muito ir à Copa do Mundo. Botei na minha cabeça que eu queria a Copa.

 

O GLOBO — Você sente que teve que trabalhar ainda mais para ser convocado, por estar no Shakhtar?

Taison — É difícil pra um jogador que joga no leste europeu, as pessoas não acompanham no Brasil. O campeonato é muito abaixo de vários outros, todo mundo sabe também. Mas como eu sempre digo: não podem comparar um Brasileiro, um Paulista, um Carioca com uma Champions League uma Europa League. Não tem comparação. O nível já é totalmente diferente. Não menosprezando as equipes brasileiras, nunca, tem algumas equipes boas, mas tem outras não tão boas a nível de Europa. E essas comparações no Brasil que às vezes as pessoas fazem, a imprensa fala muito: "Como vai convocar um jogador do Shakhtar e não um do Corinthians, Flamengo, Grêmio?". Só que não dá pra comparar Champions com Paulista e Gaúcho. Não tem comparação. E isso a gente sofre muito aqui, né? Eu, Fred... "Ah, como vão convocar dois caras do Shakhtar que jogam no Campeonato Ucraniano, de um nível muito abaixo?" Mas a gente não joga só o Campeonato Ucraniano. É isso que as pessoas têm que entender. Todo ano jogamos Champions League e sempre fazemos campanhas muito boas, porque todo ano o Shakhtar chega nas oitavas ou nas quartas.

Também chegaram à semifinal da Liga Europa em 2016...

Isso, já fomos às semifinais de Liga Europa, saímos para o Sevilla que foi o campeão. E isso as pessoas não lembram no Brasil. Não veem o que tu faz aqui. Não falam que o Taison tem 80 jogos em Champions e Europa League, não veem isso. Falam: "Ah, esse campeonato (ucraniano) não pode". É criticar pelo local onde está jogando. É isso que falo sempre, as pessoas não veem teu jogo. E como vai falar do jogador que está sendo convocado para a seleção brasileira se tu não assiste os jogos? Jogamos contra Napoli, Roma, Manchester City, e as pessoas não assistem. Quando assistir o Shakhtar, aí sim pode falar. Mas nos criticar sem assistir…

Você tem atuado numa posição mais centralizada no Shakhtar. Como isso começou?

Foi o (treinador português) Paulo Fonseca que mudou. Porque ele queria fazer eu e Bernard (ex-Atlético-MG) jogarmos juntos. E a gente não jogava junto com o Lucescu (Mircea, técnico romeno). E ele falou: "Taison, vou te botar de meia". Falei: "Não tem problema, vou me acostumar". Isso me ajudou bastante também na seleção brasileira, porque posso fazer essas duas funções. Por dentro e por fora, pelo lado esquerdo.

“O Paulo Fonseca que mudou (minha posição). Ele falou: 'Taison, vou te botar de meia'. Isso me ajudou também na seleção brasileira, porque posso fazer duas funções, por dentro e por fora”

Taison
Sobre a versatilidade que pode trazer ao time de Tite

Tite chegou a falar contigo sobre esse posicionamento?

Não o Tite, mas as pessoas que vieram aqui observar nossos jogos. Ele veio aqui uma vez em dezembro com o Edu (Gaspar, coordenador de seleções), depois a comissão técnica veio aqui, falaram com o Fonseca também sobre essa minha função. E ele falou que eu estava me saindo muito bem nessa e na outra, que era a minha original, pela esquerda. E eles falaram que era muito bom, porque sempre é bom ter um jogador que possa fazer duas funções.

Essa versatilidade te ajudou a entrar na lista então? Tite estava buscando alguém que pudesse fazer essa função pelo meio.

Eu acho que foi por isso, sim. Giuliano também joga ali (pelo meio). Arthur também, mas acho que um pouco mais atrás, como segundo volante. Luan joga ali no Grêmio, mas às vezes também um pouco mais aberto, ou também como 9. É um cara que eu respeito muito. As pessoas no Brasil estão falando que ele tinha que estar na Copa, e a imprensa fica botando às vezes a gente um contra o outro, que o Luan é isso, que o Taison é aquilo... Cara, eu gosto muito do Luan, de ver ele jogar. Estive com ele numa convocação em Porto Alegre da seleção brasileira. Até falei para ele que já está na hora de vir pra Europa. Como o Arthur também. Até quero falar um pouco do Luan, cara, porque não tenho nada contra ele. É um baita guri, gosto muito de ver jogar, tem um futuro brilhante pela frente.

Sobre o que mais vocês conversaram?

Falei até brincando com ele, que na época estava brigando para ser campeão da Libertadores. “Cara... vou torcer por ti, mas não quero que o Grêmio seja campeão, porque sou Colorado doente" (risos). Mas falei também: "Tô te esperando lá (na Europa)".

Alisson, Fred e você surgiram no Inter. Cássio, Douglas Costa iniciaram do Grêmio, que ainda tem o Geromel nesta convocação. Por que o Sul é tão forte?

As pessoas lá trabalham muito sério. O Alisson, por exemplo, estava subindo para os juniores na época em que joguei lá. E o irmão dele, o Muriel, que também era goleiro do Inter, sempre falava que o Alisson ia chegar. Na minha época, o Alisson era baixo ainda. Ele cresceu em dois anos uma coisa assim… Antes tinha um problema na base que só contratavam jogador alto. Tinha que ter altura, não podia ser baixo e magro. Aí depois pararam com isso. Depois do Progresso, o clube de Pelotas onde comecei a jogar, o Inter foi quem me abriu as portas e me aguentou bastante. Eu cheguei no Inter com 15, 16 anos. E sentia saudade de casa. Jogava sábado, tinha que me reapresentar segunda-feira, mas sempre me apresentava depois. Então a diretoria do Inter me ajudou bastante. Conseguiram me tornar um profissional. O Inter e as pessoas que trabalham por trás disso tudo.

“Luan é um cara que eu respeito muito. As pessoas no Brasil falam que ele tinha que estar na Copa, e a imprensa fica botando a gente um contra o outro. Luan tem um futuro brilhante pela frente”

Taison
Sobre 'concorrência' com Luan por vaga na Copa do Mundo

Você trabalhou com Tite no Internacional em 2008 e 2009. O quão importante foi essa experiência prévia para ser lembrado nas convocações?

Em 2008, eu já estava treinando com profissionais do Inter quando o Tite chegou, e no primeiro Gre-Nal já me botou para jogar. E eu pensei: "caramba, cara, um Gre-Nal assim… Vou ter que ir, né”. Não tem outro jeito. Aí tinha um treinamento de bola parada, um dia antes assim, não me esqueço mais, lembro até hoje. Eu bati duas bolas paradas mal, ele parou o treino e gritou, tava tooodo mundo da imprensa assim (em volta): "E aí cara, se tu entrar amanhã com isso aqui lotado tu vai bater as faltas assim?" Me assustei na hora, né. Eu tinha 20 anos. Pensei: "Se eu errar essa falta nunca mais na vida vou jogar no Inter".

E aí naquele jogo você foi muito elogiado [Inter e Grêmio empataram em 1 a 1, com Taison apontado como um dos melhores em campo] .

Então, sempre tive uma boa coisa com o Tite. Sempre ajudei ele, pude fazer o que me pediu. Depois de 2009 ele foi embora, eu saí em 2010 e nunca mais tivemos contato, mas continuei torcendo por ele, conquistou muita coisa no Corinthians. É uma pessoa que merece, trabalha muito sério, respeita muito todas as pessoas, nunca vi desrespeitar ninguém. Então a minha convivência com o Tite foi muito boa. E ele sabe, não caí na seleção por acaso. As pessoas falam: "porque o Tite subiu o Taison, isso e aquilo". Não. Eu segui trabalhando bem mesmo longe dele, cara. Depois de 2009, quando ele foi embora, eu segui e fiquei oito anos aqui na Ucrânia, trabalhando e não menosprezando ninguém. Sempre fiz boas campanhas aqui na Ucrânia. Mas tenho que agradecer a ele por ter me botado para jogar no Internacional. Cheguei lá um menino e ele me botou pra jogar. Tenho que agradecer a ele sempre.

Qual é a principal diferença do Taison de hoje para o daquela época?

Aprendi muito na vida depois que vim para a Ucrânia. Cheguei do Brasil em um ambiente totalmente diferente. Aprendi uma língua diferente, que é difícil de aprender, o russo. Fiquei seis meses, um ano sozinho vivendo na Ucrânia. O frio, apesar de o Sul ser frio, mas não tem nem comparação com o frio europeu aqui da Ucrânia. Hoje não faço mais tanta burrada como fazia quando era jovem. Cara, sou uma pessoa bem melhor, mais focada nos meus objetivos. Depois que tive a oportunidade de ser convocado, falei: "ah, eu vou brigar para estar na Copa do Mundo". Respeitando todos, mas eu vou brigar, quero estar lá, realizar meu sonho. E como profissional pude jogar uma Champions League que eu nunca imaginei que ia jogar. Jogava Champions League pelo videogame e na hora que joguei me arrepiei todo. Quando tu escuta aquele hino tu se arrepia.

Qual foi a maior burrada que você fez?

Já briguei com treinador no vestiário. Com o Fossati (Jorge, técnico uruguaio), lá na época do Inter, em 2010. Cheguei em casa e tomei dura de todo mundo. Aí pensei: "isso é errado". Eu saí de um jogo bravo, jogando garrafa no chão, cheguei no vestiário e briguei com ele. E não posso desrespeitar o treinador, afinal ele que manda nas coisas. Aqui no Shakhtar também tive umas brigas, mas nada perto dessa que tive no Inter. Até com o Paulo Fonseca, quando ele chegou, tive uma briga aqui. Mas nada demais.

“Hoje, não faço mais tanta burrada.Sou uma pessoa melhor, focada nos meus objetivos. Depois que fui convocado, falei: 'ah, vou brigar para estar na Copa'. Quero estar lá, realizar meu sonho”

Taison
Sobre mudança de mentalidade com o amadurecimento

Como foi a experiência de ter que deixar Donetsk por conta da guerra no leste da Ucrânia?

Naquela época, início de 2014, um dia a cidade estava dominada pelo governo ucraniano, no outro dia pelos rebeldes… A gente dormia, escutava tiro, eu pensando que era foguete e já era tiro. Eu acordava assustado, ficava na janela, a minha noiva Gabriela ficava assustada também. No outro dia a gente foi jantar num restaurante e aí aconteceu... era numa praça, deu tiro e tudo. Aí na manhã seguinte chegamos no treinador, o Lucescu, e contamos. Ele falou que não era nada demais, isso e aquilo. E eu fiquei, tá bom, se ele está falando que nao é nada demais, tudo bem né. No final da temporada aconteceu: pegamos um avião, fomos embora para a Alemanha, e quando chegamos no Brasil no outro dia eles invadiram o aeroporto. Foi coisa de Deus ter nos tirado de lá. Se ficássemos mais um dia não sei se estaríamos vivos pra contar essa história, porque foi um negócio muito pesado. [Os rebeldes] Pegaram o aeroporto de primeira, para que ninguém saísse da cidade.

Vocês sentem falta de Donetsk?

A gente sente falta da cidade, do calor da torcida, daquele povo de Donetsk, porque a gente joga fora de casa praticamente todos os jogos do campeonato, né. Estamos fora mas continuamos falando da cidade, e as pessoas de Donetsk que estão espalhadas pela Ucrânia conseguem ir assistir nossos jogos. Eu sinto saudade de Donetsk, não tem como não sentir, do nosso estádio, de tudo que a gente deixou lá.

Qual foi o tamanho do impacto desta mudança do Shakhtar?

O clube perdeu muita coisa, o presidente (Rinat Akhmetov, oligarca ucraniano) também. Eu mesmo, quando começou a guerra, pensei que ele ia fechar o clube. Pensei que todo mundo ia ter que ir embora, porque ele não teria condições de pagar nossos salários, pagar prêmio, isso e aquilo. Porque ele perdeu tudo, Donetsk era praticamente quase tudo dele.

Mas o Shakhtar, mesmo após quatro anos longe, não perdeu o Donetsk do nome, né?

As pessoas não vão conseguir tirar Donetsk do Shakhtar. Isso vai ficar para sempre.

Você pensou em sair?

No momento eu pensei em sair pelo medo de ficar. Medo pela minha família. Minha mãe estava toda hora ligando, perguntando isso e aquilo, então eu fiquei com medo, né? Só que nosso presidente, para nos deixar ir embora, ele é muito [cerra o punho]. Ele fala: "Beleza, quer ir embora? Paga a multa". E as multas aqui são altas, chegam a 40 milhões, 50 milhões de euros. No ano passado mesmo eu estava acabando meu contrato e ele me chamou: "Olha, tem proposta disso, disso e disso aqui, mas o Shakhtar vai cobrir essas propostas. E aí?". Ele falou assim: "Se tu gosta de mim, tu assina". Ele é bem assim. "Se tu acha que eu te ajudei, tu assina". Aí falei, “vou pensar, presidente”. E ele, “não tem que pensar não, Taison. Se tu gosta de mim, tu assina”. E aí fiquei, porque já tô acostumado ao clube. Mas para outros brasileiros mais novos, como Fred, que agora tem proposta pra ir embora, eu torço para sair daqui. Porque é um patamar diferente para o Fred. Ele é um menino de 25 anos. Espero que o presidente deixe ele sair. Porque ele teve proposta agora pra sair, mas houve uma briga, não deixaram... Por causa da multa rescisória que é alta. Vamos ver se agora depois da Copa deixam ele sair.

Já se falou muito que os brasileiros só usavam o Shakhtar como trampolim, mas você é hoje o capitão e um dos líderes do elenco depois de cinco anos de clube. Você sente que quebrou alguns estereótipos sobre os brasileiros?

Para eles, os brasileiros não chegariam a capitão do time porque gostavam só de alegria, de curtir. Só que mudou, e mudou muito. Eu e Marlos [ex-Coritiba e São Paulo] somos os que mais falamos a língua, porque estamos há mais tempo. E os ucranianos têm respeito por nós, até porque nós respeitamos muito eles. A Copa da Ucrânia deste ano foi a primeira taça que levantei como capitão, e fiz com uma homenagem ao Dario (Srna, lateral-direito croata e ex-capitão do Shakhtar). Botei a camisa dele na hora de levantar a taça. Ele estava no estádio e se emocionou, chorou. Porque ele está em um momento difícil, foi pego no doping, e sentimos falta dele no time. Era um líder com 14 anos de clube, e 14 não são dois, três. Na segunda-feira mesmo ele me mandou uma mensagem, me parabenizando pela convocação. Há um tempo atrás eu nem sonhava em convocação, mas o Dario sempre falava: “Continua trabalhando porque sua hora vai chegar”.

Não quis assistir à convocação?

Eu não gosto, cara. Fico muito nervoso. Nunca assisto. Deixo para que as pessoas me avisem. E convocação de Copa do Mundo é pior ainda... Acordei e fiquei o dia todo olhando o celular, descia do prédio e caminhava de um lado pro outro. O tempo passava muito devagar. Quando chegou perto da hora, desci na rua, caminhei, e um amigo meu ficou no celular assistindo e eu perguntando: "E aí, já saiu o nome?". Começou a falar os nomes e graças a Deus aconteceu. Meu nome ainda foi o último! Mas deu tudo certo. Queria gritar, sair correndo, chutar as coisas à minha volta. Uma felicidade imensa. Liguei para a minha mãe, ela não estava vendo também, e a gente nem combinou nada! Fiquei caminhando, ela também.