Daniela Alves: de jogadora da Seleção Brasileira a treinadora do Uberlândia

Uma das jogadoras de mais sucesso da história do futebol brasileiro, Daniela Alves é uma das principais personagens do Campeonato Mineiro Feminino de 2023

Por: Ana Mascarenhas, Lívia Boscatti e Vinícius Brito

Uma atleta que iniciou a carreira profissional aos 13 anos. Foi ídola no Brasil e no exterior. Durante os anos 2000, ao lado de Marta, Cristiane e Formiga, foi uma das principais jogadoras de futebol feminino do Brasil. Conquistou as medalhas olímpicas de prata em Atenas e em Pequim e a de ouro no Pan-Americano de 2007, no Rio de Janeiro. Atualmente, é treinadora de futebol. Já sabe de quem estamos falando?

Em entrevista à Revista Marta, Daniela Alves, ex-treinadora da equipe feminina do Uberlândia – ela foi desligada da equipe durante o andamento do Campeonato Mineiro Feminino de 2023-, contou sobre a primeira experiência como técnica no futebol profissional, relembrou momentos de quando era jogadora e deu relatos da vida pessoal.

O fim precoce

Daniela Alves vivia o auge da carreira. Aos 25, a meia-atacante já era experiente na modalidade, mas ainda estava muito jovem. O ano era 2009. Poucos meses depois da derrota frustrante para os Estados Unidos, na final dos Jogos Olímpicos de Pequim, por 1 a 0, com gol de Carli Lloyd na prorrogação. Daniela, que foi titular naquela partida, amargou a segunda medalha de prata olímpica seguida, depois de também subir ao pódio nas Olimpíadas de Atenas.

Daniela Alves durante partida pela Seleção Brasileira

Créditos: Divulgação

Mas isso já tinha ficado para trás. Agora, Daniela era a craque do St. Louis Athletica, equipe dos Estados Unidos que disputava a liga norte-americana.

Em um duelo contra Washington Freedom, a brasileira tinha uma atuação de gala. Aos 34 minutos da etapa final, sua equipe vencia por 3 a 2, sendo que ela havia ‘guardado’ duas bolas na rede. Ao receber a bola no círculo central, em uma jogada trivial, Daniela Alves domina deixando a bola escapar um pouco e uma atleta adversária chega em um carrinho com os dois pés levantados, em um ato de clara desproporcionalidade de força, erra a bola e atinge a perna direita da meia-atacante.

No mesmo momento, Daniela Alves cai no chão em desespero. Exames médicos posteriores constataram que a atleta rompeu dois ligamentos do joelho e fissurou a tíbia. Foi o fim da carreira como jogadora de futebol profissional.

Depois de passar por três cirurgias e inúmeras sessões de fisioterapia, a brasileira resolveu se aposentar. O motivo foi que, caso voltasse aos gramados, poderia enfrentar grave consequência, de acordo com os médicos: nunca mais voltar a andar. Além disso, segundo ela, poderia colocar em risco o sonho de ser mãe.

“Eu serviria a seleção, mas depois o meu país ia me servir quando eu não servisse mais?”

A adversária que cometeu a falta foi a superestrela estadunidense Abby Wambach. Em 2012, dois anos depois da entrada ‘criminosa’, Wambach foi premiada com o prêmio da Bola de Ouro da FIFA e se consagrou como a melhor jogadora do mundo. 

Enquanto isso, nesse mesmo ano, Daniela estava, propositalmente, longe do futebol e se ocupava com um trabalho inusitado: era dona de um açougue, que administrava ao lado de um tio, em São Paulo.

Do açougue aos gramados

Daniela ficou à frente do açougue por mais ou menos cinco anos, tudo para ficar afastada do futebol. Nesse período, ela engravidou do único filho, Denny, de quem fala com muito carinho e a quem chama de ‘parceiro de vida’. 

Após a aposentadoria prematura e forçada, Daniela conta que foi difícil reencontrar a felicidade. Foi difícil lidar com a nova vida e com o sonho frustrado de continuar a carreira de jogadora. Ao olhar para trás, ela afirma: “Provavelmente eu tive uma pequena depressão”.

Mas foi durante o tempo no açougue que a treinadora começou a dar os primeiros passos para retornar ao esporte. E o retorno foi da mesma forma que a carreira como jogadora começou: batendo bola e brincando com os amigos. 

Depois da lesão, ela jogava um dia, descansava uma semana para se recuperar das dores e voltava a jogar. Aos poucos, Daniela Alves se reacostumou ao futebol, grande paixão da vida, e foi se distanciando do açougue. Foi nesse momento que ela também retomou o contato com as antigas companheiras.

Daniela Alves (meio) comemorando gol com ex-companheiras de Seleção Brasileira

Créditos: Divulgação

Era inevitável: insatisfeita, Daniela largou o açougue para mudar de vida.

“Passarinho solto não vive preso. Me sentia numa gaiola e vi que não estava feliz. Aí eu resolvi sair do açougue, mas sem destino e sem rumo”.

O recomeço foi como professora em uma escolinha de futebol. A mesma em que ela começou a jogar. Com a chegada de Daniela, a escolinha, que ia ‘mal das pernas’, se reorganizou e voltou ao bom funcionamento. 

Depois disso, nunca mais saiu do futebol. Da escolinha, foi convidada para ser comentarista esportiva de uma emissora de televisão e, posteriormente, de uma de rádio. 

A primeira experiência em uma comissão técnica foi logo na Seleção Brasileira, como auxiliar técnica, a convite de Marco Aurélio Cunha, ex-coordenador de futebol feminino da CBF. Antes de chegar ao Uberlândia, Daniela Alves foi treinadora nas divisões de base do Corinthians.

Agora como treinadora

Respeito e educação. Esse é o mantra de Daniela Alves enquanto treinadora. Por toda a experiência no esporte e por valorizar a saúde mental das atletas, ela tem uma maneira especial de comandar as equipes.

“Ser treinadora ou ser treinador é gerir pessoas e gerir problemas. Não é só lidar com uma prancheta, um campo e montar o treino. Eu prezo muito por elas primeiro como ser humano para depois eu começar a exigir como atleta”.

Além disso, a treinadora acredita que o fato de ser mulher é um diferencial no relacionamento com as jogadoras. Daniela, que é mãe, afirma que o próprio trabalho tem lados maternais ao valorizar sempre o cuidado e a atenção.

“O homem, por mais que ele tente, não vai ter essas noções de que aquela atleta está no menstrual. Ela pode ser um cavalo treinando como ela pode ser extremamente sensível e vir chorando. Então, você tem que entender esses momentos, você tem que entender que algumas têm cólicas extremas e não vão conseguir render nada. Aí você fala: ‘Ó, pode sair, senta e assiste ao treino’, porque não vai render. Tem muitas coisas que a mulher consegue ter o feeling que o homem, por mais que tente, não não vai ter”.

Um desafio chamado Uberlândia

No final de 2022, Daniela Alves aceitou o desafio de treinar o time feminino do Uberlândia Esporte Clube. Mais do que comandar os treinos, ela foi uma das responsáveis pela implementação da modalidade no clube. Estava nas mãos dela a criação da primeira equipe feminina do Uberlândia.

“Eu tive que montar a equipe em duas semanas. Então, é desafio sobre desafio”.

Daniela Alves comandando treino no Uberlândia

Créditos: Divulgação

E o primeiro ano foi de grande sucesso. O time foi campeão mineiro do interior, o que o credenciou para a disputa do Campeonato Brasileiro Série A3. Para o Mineiro de 2023, a meta é grande: além de repetir o feito da última temporada, Daniela traçou com as atletas o objetivo de chegar à final. E a equipe acredita que o sonho é possível.

E a treinadora crê que isso só será possível com trabalho duro. Desde os tempos de atleta, Daniela Alves nunca gostou de perder e sempre procura formas de evoluir para conseguir melhorar os resultados. Quando perde uma partida, perde também a fome e a vontade de dormir. 

“Tem um ditado que diz que a gente aprende nas derrotas, né? Eu prefiro morrer burra, não quero aprender então”.

Os próximos passos

Depois de uma carreira de muitos objetivos alcançados, fica até difícil imaginar o que mais Daniela Alves sonha em conquistar. Mas ela segue firme e afirma que ainda há muito a viver e vencer no esporte.

“Os meus sonhos são sempre muito coletivos. É fazê-las chegar ao topo. O meu prazer é vê-las felizes. Semear a modalidade. É isso que me deixa feliz. Hoje, eu estou aqui no Uberlândia Esporte Clube. Se eu sair daqui e olhar para trás e ver que seguiu a modalidade, eu vou estar feliz, porque eu entendo que eu plantei a sementinha, ela germinou e deu frutos”. 

Ao final da entrevista, Daniela ainda deixou um recado para os leitores da Revista Marta:

“Quero deixar aqui que tudo é possível. Tudo em que você acredita é possível, independentemente da dificuldade. É você buscar, colocar o foco, mirar e estudar. Ninguém te para. Se você quiser, você chega no seu sonho. Nunca deixe ninguém ninguém te parar. Nunca deixe ninguém te frustrar. Siga sempre em frente e acreditando em você”.

Fim do ciclo no Uberlândia

Durante o processo de produção dessa reportagem, Daniela Alves foi desligada do Uberlândia Esporte Clube. O anúncio ocorreu em uma segunda-feira, 16 de outubro, por meio de nota oficial no perfil do Instagram da equipe. Em seu perfil pessoal, a treinadora também fez um pronunciamento, em que agradeceu o período vivido no Uberlândia.

“Que venham novos caminhos.”

Autor: Laboratório de Comunicação e Esporte

O Laboratório de Comunicação e Esporte é uma disciplina de graduação ofertada anualmente no Departamento de Comunicação Social (DCS) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) pela professora Ana Carolina Vimieiro.

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