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Por Marcos Uchoa, Rodrigo Araújo e Victor La Regina — Belgrado, Sérvia


Em novembro do ano passado, Mladen Krstajic recebeu uma notícia que mudaria a sua vida. O ex-zagueiro de 44 anos, que jogou a Copa do Mundo de 2006 por Sérvia e Montenegro, soube que iniciaria a sua carreira de treinador com uma responsabilidade enorme: comandar a seleção do seu país de volta a um mundial depois de oito anos.

Krstajic era assistente de Slavonjub Muslin, técnico que classificou a Sérvia para a Copa de 2018, mas que era duramente criticado por não dar espaço a jovens revelações no time. Demitido um mês após classificar a equipe, Muslin viu o seu braço direito assumir a seleção.

O técnico novato incorporou rapidamente a missão de renovação. Em dois amistosos no ano passado, escalou o meia Milinkovic-Savic, considerada a principal revelação do futebol local, no time titular.

O ex-zagueiro é firme e sério, características que marcaram sua carreira nos gramados, em especial, seus nove anos no futebol alemão, por Werder Bremen e Schalke 04. Krstajic também é pouco afeito a entrevistas, mas recebeu o Globoesporte.com na sede da Federação Sérvia, em Belgrado, para falar sobre o seu grande desafio e suas preocupações a dois meses da Copa.

Mladen Krstajic, técnico da Sérvia — Foto: Victor La Regina

A Sérvia não foi muito bem no amistoso contra o Marrocos e depois fez um grande jogo contra a Nigéria. Qual análise você faz das mudanças que você fez entre esses dois jogos?

É para isso que existem amistosos. Para que cada técnico, seja na seleção, seja num clube, tente fazer algo e introduzir coisas novas. Por isso na partida contra o Marrocos, eu experimentei um novo sistema, já que tínhamos muitos jogadores jovens que trouxemos à seleção, que são o futuro do futebol sérvio. A princípio, a primeira partida não foi do jeito que a torcida esperava, principalmente por causa da nossa derrota por 2 a 1. Da mesma forma, poderíamos ter vencido e as pessoas diriam que fomos bem, porém ninguém veria algumas coisas que não são boas para nós que trabalhamos com isso. Por isso, a princípio, estou satisfeito com esses dois amistosos.

Qual setor do time você acha que tem que melhorar?

Em relação ao jogo contra a Nigéria, posso me considerar satisfeito com a performance compacta de toda a equipe durante os 90 minutos, tanto na defesa quanto no ataque. O que podemos ainda trabalhar, mas não temos tempo como as outras seleções, é a compactação entre as linhas do time, tanto na defesa, quanto no meio-campo e no ataque. Essas são algumas coisas às quais vamos nos dedicar em maio quando nos reunirmos dia 28 de maio e vamos potencializar essa compactação entre as linhas, tanto na defesa quanto no ataque.

Amistoso entre Sérvia e Nigéria — Foto: Daniel Leal-Olivas / AFP

Você acha que a ordem dos adversários no grupo E da Copa - Costa Rica, Suíça e Brasil - é boa ou ruim para a Sérvia?

Os adversários na Copa do Mundo com certeza não são fáceis. Quando vemos que a Costa Rica está na 25ª posição no ranking da FIFA, a Suíça é a 6ª, o Brasil o 2º e a Sérvia 35ª, isso indica o momento que nos encontramos. Porém, por outro lado, certamente não vamos nos render ao grupo e vemos nossa chance na maneira que vamos passar cada partida individualmente. Sobre a primeira partida, a Costa Rica é entre aspas a “seleção mais fraca”, segundo o ranking da FIFA, depois vem a Suíça e em terceiro o Brasil. O mais importante é que vamos à Rússia com boas vibrações, para os jogadores estarem saudáveis e analisarmos jogo a jogo, ou seja, passo a passo. Começamos com a Costa Rica. Vamos nos dedicar também à Suíça e ao Brasil, mas a essência de tudo é que a primeira partida é sempre a mais importante.

O que aconteceu com o futebol sérvio? Vocês não se classificaram para as Eurocopas de 2012 e 2016 e nem para a Copa do Mundo de 2014. O que você acha que aconteceu? Foi uma mudança de gerações?

Essas são algumas coisas que doem para nós na Sérvia, que simplesmente nos últimos oito anos não participamos de nenhum grande campeonato, nem europeu nem mundial. Essas coisas são dignas de uma análise mais profunda, mas nós com certeza temos bons jogadores, que jogam em 95% dos casos no exterior e acredito que têm habilidade suficiente para conquistar algo mais. Antes das classificatórias, a Áustria era a favorita junto com a Irlanda e o País de Gales. Nós estávamos ali como uma quarta equipe que não significava muito para as outras, mas com boas vibrações e a amizade que nos acompanharam durante as classificatórias, ficamos em primeiro lugar e nos classificamos para a Copa do Mundo.  Por isso considero que esses jogadores têm tanta qualidade quanto caráter para jogar um grande campeonato como será a Copa do Mundo na Rússia.

Essas são algumas coisas que doem para nós na Sérvia, que simplesmente nos últimos oito anos não participamos de nenhum grande campeonato, nem europeu nem mundial.

Adversária do Brasil na Copa, Sérvia perde para o Marrocos em amistoso

Adversária do Brasil na Copa, Sérvia perde para o Marrocos em amistoso

Você jogou durante anos na Alemanha e, ao mesmo tempo, o futebol sérvio tem a herança dos tempos da Iugoslávia de serem chamados de "brasileiros da Europa". Você vai conseguir trazer o melhor do futebol alemão e o melhor dos brasileiros da europa para o seu time?

Com certeza os nove anos que joguei na Alemanha foram um período durante o qual aprendi muito, tanto em campo quanto fora de campo, como um homem deve se comportar. Essas são algumas coisas que permanecem na minha memória, na minha cabeça, e influenciam no meu caráter... De um homem pronto e educado que veio para outro país para mostrar e provar que é capaz e representar o país de onde veio. Essas são coisas que significam muito para mim no meu trabalho e certamente, apesar de ter jogado na defesa, uma posição na qual sempre se veem mais os erros do que o trabalho bem feito, eu gostava às vezes de arriscar no futebol e, simplesmente, tentava improvisar e jogar um futebol ofensivo. Até hoje, época em que o futebol é jogado com muita velocidade, de olho no resultado e de forma compacta, eu gosto que a equipe jogue de forma ofensiva para os torcedores e para a partida em si como um todo. Essas são coisas que me completam, mas por outro lado tenho que ficar atento porque, afinal de contas, o mais importante é o resultado. Podemos ter um jogo lindo e tudo o mais, mas se não tivermos resultado no final, não conta.

Mladen Krstajic, técnico da Sérvia — Foto: Victor La Regina

Com certeza é um privilégio ser o técnico da Sérvia. Mas ao mesmo tempo, é uma pressão enorme, os torcedores não têm tanta paciência. Como você lida com essa pressão?

Já é um privilégio ser um torcedor nas arquibancadas apoiando o seu país numa partida importante, imagina ser o homem que leva a equipe num grande campeonato como a Copa do Mundo. Principalmente no meu caso, que trabalhei dois anos na Federação, fui parte da comissão técnica nas classificatórias. Com certeza é um grande dever e responsabilidade, mas também uma honra poder apresentar seu país da melhor maneira. Em relação à pressão, acho que é completamente normal que ela exista. Ao longo da minha carreira, me acostumei com essa pressão de, em momentos difíceis, assumir a equipe ou assumir a responsabilidade de algumas situações em que nos encontrávamos. Assim aconteceu após as classificatórias, quando ficamos sem técnico e eu assumi a equipe. Não tenho nenhum medo, tenho ótimos companheiros na comissão técnica. Os conhecimentos que eu tenho e os que me faltam são bem complementados pela minha comissão técnica. Com o passar do tempo, vou ganhar cada vez mais segurança e experiência para fazer bem meu trabalho.

Não tenho nenhum medo, tenho ótimos companheiros na comissão técnica. Os conhecimentos que eu tenho e os que me faltam são bem complementados pela minha comissão técnica.

O tempo é tão importante para um técnico. Tempo para treinar, tempo para conversar com os jogadores. Você vai reunir sua equipe no dia 28 de maio, menos de 20 dias antes do jogo de estreia. Você acha que terá tempo suficiente para acertar a equipe para a Copa?

Independentemente do quanto tempo temos, sempre temos pouco tempo – essa é a regra básica. Temos que trabalhar com o fato de que ao mesmo tempo temos e não temos tempo suficiente. O tempo não pode ser usado como desculpa caso não façamos nosso trabalho como havíamos planejado. Simplesmente, estamos nessa situação, temos essa quantidade de tempo e os jogadores que chegam depois das partidas da temporada com certeza estão cansados. Não temos como mudar isso. Temos que dar nosso melhor em preparar nossos jogadores física e psicologicamente, para que estejam descansados e prontos para os jogos da Copa do Mundo. Não há espaço para desculpas e temos que trabalhar com isso. Isso está constantemente na minha cabeça.

Qual foi o impacto das guerras no futebol sérvio?

Influenciou em toda nossa sociedade, não apenas no futebol. No futebol, aconteceu que muitos jogadores foram para o exterior... As pessoas simplesmente estavam indo para lugares onde se sentiam melhor. A situação no nosso país não era como deveria ser, não deveria ter acontecido nada. Esse tempo deve servir de lição para todos para que nunca se repita.

Mladen Krstajic, técnico da Sérvia, nos tempos de jogador — Foto: Reprodução / Panini

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