Política

CPI tentou criminalizar reforma agrária

Debora Nunes, do MST/AL, foi citada pela relatoria, mesmo sem ter sido ouvida pela Comissão, em Brasília

Por Emanuelle Vanderlei / Colaboradora com Tribuna Independente 04/10/2023 08h03 - Atualizado em 04/10/2023 18h12
CPI tentou criminalizar reforma agrária
Debora Nunes fala sobre sua militância nos movimentos sociais e a luta do MST pela reforma agrária - Foto: Sandro Lima / Arquivo

A última CPI do MST, encerrada no dia 27 de setembro sem sequer ter o relatório votado, chegou a eleger alvos alagoanos para pedir indiciamento. Um desses alvos foi Debora Nunes, liderança histórica do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Em conversa com a Tribuna Independente, Debora falou sobre CPI, fome, êxodo rural, solidariedade e o papel social que o MST exerce no país.

Tribuna Independente: Na sua compreensão, o que representou essa CPI?

Débora Nunes: Essa CPI mais uma vez, não foi a primeira, mas é mais uma que tinha como principal questão criminalizar a luta pela terra, criminalizar aqueles que lutam pela terra, pela reforma agrária no Brasil, e também de tentar encurralar o governo. Era uma forma de fazer com que o governo se sentisse encurralado e não avançasse nas pautas referentes à reforma agrária. Então esse foi esse foi o objetivo, porque a CPI poderia cumprir o papel de debater a questão agrária, a questão fundiária do nosso país, as consequências do Brasil ser um dos países um dos maiores concentradores de terra do mundo. A CPI poderia debater como é que um país que tem um modelo agrícola hegemônico que é o agronegócio, que se diz é tech, é pop... Coexiste com 33 milhões de brasileiros e brasileiras passando fome. Poderia discutir a invasão pelo garimpo, pelo agronegócio, nas terras indígenas. Esse retorno do Brasil ao mapa da fome. No entanto essa CPI não debateu isso. O único propósito era criminalizar, tentar construir narrativa e vender para a sociedade a narrativa de que o movimento que caminha para 40 anos no Brasil é um movimento que não tem uma contribuição efetiva.

Tribuna Independente: E no relatório final eles sugeriram o indiciamento de 11 pessoas, você estava entre elas. O que você compreende que levou a isso?

Débora Nunes: Eu acho que o que aconteceu, é que tinha a grande tentativa de criar fatos, criar vídeos que pudessem alimentar os derrotados de 2022. Foi uma grande armação. É importante dizer que apenas uma pessoa em Alagoas foi ouvida pela diligência da CPI, e dentro de uma construção e dentro de uma armação mesmo. Alagoas, sempre esteve entre os Estados com maior conflito Agrário. Os conflitos acontecem em decorrência do processo de concentração, do processo de desigualdade social. O MST é um movimento organizado que faz os enfrentamentos, faz a denúncia, faz a ocupação de terra como uma reivindicação do direito de pessoas disponíveis de terra poderem ser sua terra como meio de vida como forma de existência. A gente compreende que não tem a ver com o indivíduo, tem a ver com o papel do indivíduo na história. Eu sou eu sou dirigente, sou coordenadora do movimento. Atuo na luta popular e na luta política do estado de Alagoas, mas a gente precisa compreender o próprio contexto. Isso também é um traço histórico do nosso país, as elites brasileiras, elas sempre tentaram pegar os indivíduos. Querem pegar a coletividade, a organização, mas tem os indivíduos também. E todo indivíduo tem um papel na história, se a gente for pegar no nosso estado mesmo, o que eles fizeram com Zumbi, que hoje é uma referência de luta pela liberdade, Zumbi foi perseguido justamente por lutar pela terra por lutar para que o povo escravizado pudesse ser livre pudesse ter acesso. Zumbi foi perseguido, capturado, morto, esquartejado e exposto em praça pública. Nesse ato tinha uma tentativa de servir de exemplo para os outros “olha o que a liderança de vocês o que aconteceu com ela”. Muito recentemente fizeram isso com o nosso Presidente, a elite brasileira teve a coragem, a ousadia de prender a principal referência popular do mundo.

Tribuna Independente: Como lidou com a informação de que seu nome estava na lista da CPI?

Débora Nunes: A gente passou por essa por esse momento com muita serenidade por conta da certeza de ser parte, a certeza dos passos, porque os nossos passos são públicos. O que a gente faz, quem a gente é, é uma coisa pública. As pessoas nos conhecem, sabem quem nós somos, as pessoas sabem qual é a nossa trajetória, qual é a nossa militância. Então, apesar de ser uma coisa incômoda, porque ninguém quer essa exposição desnecessária e mentirosa. Mas o fato de pertencer a uma organização e de construir caminhar lado a lado a muitas outras organizações com pessoas que militam com pessoas que defendem uma outra sociedade. Por acreditar justamente nisso nós passamos com as preocupações e cuidados necessários, mas com a serenidade e a tranquilidade de que a justiça, a verdade, ela aparece. E além disso a solidariedade de muita gente de muitas organizações também nos ajudou a passar por essa esse momento.

Tribuna Independente: Conte um pouco da sua trajetória, como se tornou liderança do MST?

Débora Nunes: A gente é fruto e é resultado de um jeito coletivo que é organização e eu sou uma mulher de organização. Eu sou filha de retirante nordestino, meu pai vem da roça, nasceu e se criou agricultor, mas ao ser maior idade ele vai para naquela ideia de que as pessoas iam para São Paulo, iam para o centro sul do país. Mas durante muito tempo, e pelas próprias condições, vivi na cidade. Minha mãe é bancária aposentada, então sempre teve um processo de inserção na classe trabalhadora de luta.
Na universidade, principalmente com o professor Luiz Sávio de Almeida, tive a oportunidade de conhecer outra Alagoas. Alagoas do povo que resiste. De Dandara, de Nise da Silveira. Alagoas de Zumbi, de Aqualtune e de tantos outros nomes que construíram uma outra versão de Alagoas. Não é Alagoas da corrupção, não é Alagoas das oligarquias, mas a Alagoas do povo que resiste. Lá tive a oportunidade de ter uma relação mais prova próxima com os povos indígenas, com os terreiros, com agrupamentos dos movimentos populares, de outras formas organizativas da sociedade que resistem historicamente em Alagoas. Então com isso também conheci o MST de perto e por dentro porque eu fui estagiária do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. Conheci de perto o MST e foi quando defini pela minha militância nesse movimento. Me formei, fiz várias outras coisas, mas teve um momento que decidi que ali era um espaço que eu me identificava, ali era um espaço que eu poderia contribuir. A partir a partir da vivência, mas também a partir dos conhecimentos dos aprendizados também da Universidade nessa relação do conhecimento acadêmico, mas com a vivência com os saberes populares com saberes tradicionais, então foi quando eu entrei na militância do Movimento Sem Terra.

Tribuna Independente: Então o MST não é um movimento só de trabalhadores rurais?

Débora Nunes: O MST, na sua formação, na sua constituição, se identifica como movimento que tem vários caráteres. Tem um caráter da luta econômica, da luta sindical. Justamente isso, a reivindicação da terra, das condições para que para que os camponeses e as camponesas possam permanecer no campo. Esse é um caráter do movimento, a reivindicação que a terra seja democratizada para atender a sua função e contribuir para que muitos possam viver da terra. Tem também esse caráter central, social, tem o caráter político e tem um caráter popular. Esse caráter popular do MST foi nos mostrando que, por mais que seu nome seja, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra na sua origem, eu costumo dizer o movimento surgiu porque naquele momento histórico havia os desconstruídos da terra sendo expulsos do campo a partir do êxodo rural do processo de chegada das máquinas dos Químicos no campo então tinha os dispositivos. Mas na sua trajetória o movimento foi construído também como movimento popular, ou seja, um movimento que é muito mais amplo do ponto de vista, inclusive das suas reivindicações. O movimento tem a clareza que a luta pela terra e a luta pela reforma agrária sozinha, não vão resolver os problemas que existem no Brasil de fome, e aí ele foi absorvendo na sua constituição, na sua formação e nas suas orientações políticas esse caráter Popular que possibilita hoje o MST ser um movimento para além de rural e Sem Terra. Hoje, nós temos várias pessoas na sociedade que estão inclusive nas universidades que estão no sindicato, que estão nas diversas frentes do país.