Academia.eduAcademia.edu
Universidade de São Paulo Museu de Arqueologia e Etnologia Programa de Pós-Graduação em Arqueologia O Músico na Iconografia da Cerâmica Ritual Mochica: Um Estudo da Correlação Entre as Representações de Instrumentos Sonoros e os Atributos das Elites de Poder Museu Etnográfico de Berlim. Daniela La Chioma Silvestre Villalva São Paulo 2016 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA O MÚSICO NA ICONOGRAFIA DA CERÂMICA RITUAL MOCHICA: UM ESTUDO DA CORRELAÇÃO ENTRE AS REPRESENTAÇÕES DE INSTRUMENTOS SONOROS E OS ATRIBUTOS DAS ELITES DE PODER. Daniela La Chioma Silvestre Villalva Tese de Programa Doutorado de apresentada Pós-Graduação ao em Arqueologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo. Área de Concentração: Arqueologia Linha de Pesquisa: Identidade Orientadora: Profa. Dra. Maria Isabel D’Agostino Fleming Co-Orientadora: Profa. Dra. Marcia Maria Arcuri Suñer São Paulo 2016 Arqueologia e Tengo tu amor y tu suerte Y un caminito empinado Tengo el mar del otro lado Tu eres mi norte y mi sur. Gian Marco Zignago - Hoy Pampa Grande, Vale de Lambayeque, Peru. Foto da autora. Sumário Resumo............................................................................................................. I Abstract............................................................................................................. I Agradecimentos................................................................................................ III Lista de Figuras................................................................................................. IX Lista de Tabelas................................................................................................ XI Lista de Gráficos............................................................................................... XII Abreviaturas das Instituições Visitadas............................................................. XIV Introdução............................................................................................................ 1 Capítulo I. A Convergência entre a Etnoarqueomusicologia e a Semiótica: Um Marco Teórico para o Estudo da Iconografia Musical Mochica............ 5 I.I. A Etnoarqueomusicologia Andina e as fontes........................................ 6 I.II. Arte e Iconografia.................................................................................. 11 I.III. Arqueologia Cognitiva, Semiótica e Agência....................................... 12 I.III.I.Semiótica................................................................................................... 13 I.III.II. Agência.................................................................................................... 14 I.IV. Preceitos da Cosmovisão Andina e a Interpretação Iconográfica..... 17 I.V. Perfil dos dados e Critérios de Análise................................................ 25 I.V.I. Objetivos Específicos................................................................................ 27 I.V.II.Metodologia de Análise e Critérios de Classificação................................ 27 I.VI. Premissas.......................................................................................... 29 Capítulo II. Contextualização do Mundo Mochica.................................................. 33 II. I. Panorama e Localização............................................................................................ 33 II.II. Poder e Organização Sociopolítica............................................................................ 35 II.II.I. As elites e seu papel cerimonial.............................................................................. 39 II. III. Os Estudos da Cerâmica Ritual................................................................................ 42 II.III.I. Características formais e fases cronológicas da cerâmica Mochica.......................... 43 II. III.II. Nossos dados frente às cronologias relativas da cerâmica Moche......................... 45 II.III.III. O Período Moche Médio e a iconografia do poder............................................................... 48 II.III.IV. A Iconografia Mochica e o contexto arqueológico: seu potencial explanatório.. 51 II.III.V. Os precursores dos estudos iconográficos Mochica e a análises da semântica visual............................................................................................................................... 52 II. III.V.I A síntese de Gölte: semiótica e cosmovisão...................................................... 56 II. III.V.II. A abordagem semiótica com pinceladas de agência: Margaret Jackson......... 58 II. III.V.III. Jeffrey Quilter e a agência de Gell.................................................................. 61 II.IV. Música e Organologia no Mundo Moche....................................................... 63 II.IV.I. Aerofones............................................................................................................... 65 II.IV.I.I. Antara...................................................................................................... 65 II.IV.I.II. Quena..................................................................................................... 65 II.IV.I.III. Ocarina.................................................................................................. 65 II.IV.I.IV. Trombeta............................................................................................... 65 II.IV.I.V. Pututo..................................................................................................... 66 II.IV.II. Membranofones.................................................................................................... 66 II.IV.II.I. Tinya....................................................................................................... 66 II.IV.II.II. Wankar................................................................................................... 66 II.IV.III. Idiofones................................................................................................................ 67 II.IV.III.I. Idiofones de Golpe Direto Horizontal 67 II.IV.III.II. Idiofones Suspensos Conjugados...................................................................... 67 II.IV.III.III. Idiofones de Campânula Fusiforme................................................................... 67 II.IV.III.IV. Idiofones de Golpe Indireto............................................................................... 67 II.IV.IV. Organologia Simbólica.......................................................................................... 68 Capítulo III. Música, Performance e Poder: Os Músicos Oficiais......................... 72 Parte I. Performance, Ritual e Poder no Mundo Moche........................................ 73 III. I.I. Personalidades Iconográficas e Papéis de Autoridade no Mundo Moche.. 77 III.I.II.. A Cerimônia do Sacrifício: Religião, Ritual e Poder.................................... 79 Parte II. Identificação dos Músicos Oficiais............................................................ 86 III. II. I. Oficiantes A: Sacerdotes Guerreiros e Sacerdotisas................................. 88 III. II.A.1. Senhores Noturnos (Adoradores).................................................................................. 88 III. II.A.1.1. O Senhor Noturno e as Tumbas de Sipán..................................................... 89 III. II.A.1.2. A Tumba 14 e a peça do Fowler Museum...................................................... 100 III. II.A.1.3. A Tumba 16 e o Senhor dos Pututos 106 III. II.A.1.4. A Tumba 15 e o Guerreiro Coruja................................................................. 108 III. II.A.1.5. Senhores Noturnos Escultóricos.................................................................. 109 III. II.A.2. Senhor Solar................................................................................................................. 110 III. II.A.3.Toucados de Dois Círculos............................................................................................ 112 III. II.A.4. Toucados de Diadema Semilunar................................................................................. 115 III. II.A.5. Toucados de Cabeça de Animal................................................................................... 116 III. II.A.6. Toucados de Duas Mãos (Tomadores de Coca).......................................................... 117 III. II.A.7. Outros tipos de toucados.............................................................................................. 120 III. II.A.8. Sacerdotisas................................................................................................................. 120 III. II.A.9. Quenistas de Turbante.................................................................................................. 125 III.II.II. Oficiantes B: Guerreiros, Acompanhantes e Anunciantes.......................... 128 III. II.B.1. Guerreiros......................................................................................................... 128 II.B.1.1. A Tumba 5 De Sipán: o “Guerreiro Músico”........................................... 129 III. II.B.2. Acompanhantes................................................................................................ 132 III. II.B.3. Tocadores de Pututos – Anunciantes............................................................... 133 III. II.B.4. Mulheres Percussionistas................................................................................. 135 III. II.B.5. Antaristas simples da região Moche Sul........................................................... 138 Parte III. Danças, Batalhas e Procissões: Performances Musicais em Cerimônias Oficiais..................................................................................... 138 III. III.I. A Comitiva dos “Sikuris Moche”: Interpolação e Tinku.................... 139 III. III.II. Danças e Batalhas Rituais............................................................. 159 III. III.II.I. Dança da corda protagonizada pelo Senhor Solar............................. 160 III.III.II.II. Dança da Corda protagonizada pelo Senhor Noturno........................ 166 III.III.II.III. Danças de Guerreiros com atributos de Senhor Solar ...................... 167 III.III.II.IV. Danças de Guerreiros em Espiral...................................................... 168 III.III.II.V. Dança Circular de Guerreiros com Corda........................................... 170 III.III.II.VI. Batalhas com Tocadores de Pututos.................................................. 171 III.III.II.VII. Outros............................................................................................... 173 III. III.III. Procissões.................................................................................... 174 III. III.IV. Discussão..................................................................................... 176 III.IV. Considerações sobre os Músicos Oficiais.................................................... 178 Capítulo IV. Os Músicos Sobrenaturais e os Sons do Mais Além.......................... 188 Parte I: Divindades................................................................................................. 190 IV.I.A. Ai Apaec............................................................................................192 IV.I.A.I. Análise de atributos................................................................................. 198 IV.I.A.II. Análise Temática..................................................................................... 200 IV.I.B. A Divindade da Terra.............................................................. 203 IV.I.II Discussão da Parte I.......................................................................... 204 Parte II. Músicos Antropozoomorfos e Fitomorfos................................................. 205 IV.II.I. Músicos Antropozoomorfos.............................................................. 205 IV.II.I. A. Macacos............................................................................................... 206 IV.II.I. B. Iguanas................................................................................................ 209 IV.II.I.C. Lobos Marinhos................................................................................... 211 IV.II.I.D. Raposas.............................................................................................. 212 IV.II.I.E. Corujas................................................................................................. 213 IV.II.I.F. Aves Marinhas....................................................................................... 214 IV.II.I.G. Veados................................................................................................. 215 IV.II. II. Músicos Fitomorfos........................................................................ 215 IV.II.II.A. Ulluchus............................................................................................... 215 IV.II.II.B. Tubérculos........................................................................................... 216 IV.II.II.C. Amendoins………………………………………………………………….. 218 IV.II.III. Discussão da Parte II..................................................................... 219 Parte III. Os Músicos Mortos e o Inframundo........................................................ 220 IV. III.I. Músicos Esqueléticos e/ ou Cadavéricos Escultóricos.................. 221 IV. III.I.A. Antaristas Esqueléticos e/ ou Cadavéricos........................................ 221 IV. III.I.B. Quenistas Esqueléticos e/ ou Cadavéricos....................................... 225 IV. III.I.C.Percussionistas Esqueléticos e/ ou Cadavéricos............................... 225 IV.III.II. Músicos Esqueléticos e/ou Cadavéricos Pictóricos...................... 226 IV.III.II.A. As Danças do Inframundo.............................................. 226 IV.III.II.A.I. Tema 1. Duplas de antaristas............................................. 227 IV.III.II.A.II. Tema 2. Antaristas pairando sobre Guerreiros.................. 230 IV.III.II.A.III. Tema 3. Trios de Antaras e Percussão............................ 231 IV.III.II.A.IV. Tema 4. Trompetistas Esqueléticos................................. 233 IV.IV. Discussão do Capítulo IV................................................................. 235 Capítulo V. O Som que Conecta os Espaços: Os Músicos Intermediadores........ 248 III. V.I. Músicos Degenerados e Transitórios......................................... 249 V.I.I. Antaristas Degenerados e Transitórios....................................................... 251 V.I.II.Percussionistas Cegos............................................................................... 252 V.I.II.A. Em Alça Estribo......................................................................... 252 V.I.II.B. Em Aplique de Alça Estribo....................................................... 252 V.I.II.C. Em Cântaros............................................................................. 252 V.II. Xamãs e Curandeiros ......................................................................... 253 V.II.I. Idiofones de Campânula Fusiforme........................................ 257 V.II.I.A. Em Alça Estribo I – Degenerados............................................. 257 V.II.I.B. Em Alça Estribo II – Curandeiros.............................................. 257 V.II.I.C. Em Alça Estribo III - Toucados de Felino.................................. 258 V.II.I.D. Em Estatuetas........................................................................... 258 V.II.I.E. Em Cântaros I – Toucado de Felino.......................................... 258 V.II.I.F. Em Cântaros II – Outros toucados............................................. 258 V.II.I.G. Em Cântaros III – Cegos........................................................... 258 V.II.II. Idiofones de Golpe Direto Horizontal..................................... 259 V.II.II.A. Em Cântaros I – Sementes de Nectandra................................ 259 V.II.II.B. Em Cântaros II – Sementes Alongadas ................................... 260 V.II.II.C. Em Alça Estribo........................................................................ 260 V.II.III. Idiofones Suspensos Conjugados......................................... 260 V.II.III.A. Em Cântaros – Toucado de Ave e Capa.................................. 260 V.II.III.B. Em Cântaros – Toucado de Ave e Colar de Nectandras.......... 261 V.II.III.C. Em Cântaros – Toucado de Felino........................................... 261 V.II.III.D. Em Cântaros – Toucado de Felino e Colar de Hamalas........... 261 V.II.III.E. Em Cântaros – Mulheres com Manta Longa............................. 261 V.II.III.F. Em Alça Estribo – Mulheres....................................................... 262 V.II.III.G. Em Alça Estribo – Cegos...........................................................262 V.II.IV. Idiofones de Golpe Direto Horizontal em Colar......................262 V.III. Outros tipos de Músicos Intermediadores............................................263 V.IV. Discussão: Xamanismo, Transformação e Intermediação...................265 VI. Epílogo VI.I. Os músicos e a cerâmica mochica: considerações gerais sobre o material analisado....................................................................................... 275 VI.II. Relação entre categorias de músicos e tipos de instrumentos .......... 280 VI.III. Música e Encontro: Calendário, Sazonalidade e Tinku ..................... 284 VI.IV. A música e o Período Moche Médio....................................................291 VI.V. Futuros Questionamentos e Perspectivas...........................................293 VII. Tabelas e Gráficos.............................................................................................295 VIII. Bibliografia........................................................................................................318 IX. Catálogo.............................................................................................................347 Resumo Esta pesquisa pretende realizar um mapeamento e análise de artefatos cerâmicos da cultura Mochica que contenham personagens que tocam instrumentos sonoros (aerofones, membranofones e idiofones 1) com vistas a encontrar nesses “músicos” atributos e características que os identificam como figuras que concentram poder político-religioso. O objetivo geral da pesquisa é compreender se haveria um espaço de atuação específico para os músicos nas estruturas de poder mochicas, bem como a relação dos mesmos com as elites durante o período Moche Médio. Este período foi marcado pela ascensão das elites dos vales mochicas ao sul de Jequetepeque, contexto em que surgem, na iconografia da cerâmica ritual arqueológica, muitos músicos portando atributos de indivíduos de elevado status social, como o o Senhor Noturno, o Senhor Solar e o Tomador de Coca, entre outros. O trabalho visa, também, discutir se havia ou não uma relação hierárquica entre grupos de músicos, e seus respectivos instrumentos (tocadores de antaras, quenas, tambores, chocalhos etc.) que reflita o status político-religioso de suas especializações. Foram analisados, além dos dados iconográficos, contextos e padrões funerários relacionados às estruturas de poder mochicas escavados nas últimas três décadas. Palavras – Chave: Mochica – Cerâmica – Arqueomusicologia – Arqueologia Peruana – Música - Músicos Abstract This research intends to survey and analyze Moche ceramic artifacts depicting characters associated to sound instruments (aerophones, membranophones and idiophones 2). We search in these musicians attributes and features that identify them as political-religious power figures. The main goal of the research is to comprehend how these musicians were inserted in the 1 De acordo com a classificação de Sachs & Hornbostel, 1992. 2 According to Sachs & Hornbostel, 1992. I moche power structures, and their relationship with the elites of the Middle Moche Period, marked by the ascension of political groups from the valleys south of Jequetepeque. In this context many musicians arise in moche ritual ceramic`s iconography holding the attributes of high status individuals, like the Nocturnal Lord, the Solar Lord, the Coca Taker, among others. We also intend to discuss if there was a hierarchical relationship between different categories of musicians and their respective instruments (panpipe players, quena players, drum players, rattle players etc.), which reflect their political-religious status. Besides iconographic data, funerary contexts related to the Moche power structures excavated in the last three decades were also analyzed. Keywords: Moche – Ceramics – Archaeomusicology – Peruvian Archaeology – Music – Musicians II Agradecimentos Uma pesquisa desta magnitude demanda o apoio, a paciência e a amizade de muitas pessoas queridas que encontramos ao longo da nossa jornada, dispostas a trocar as melhores vibrações e informações de forma espontânea e entusiástica. Ao mencioná-las expresso minha mais profunda gratidão por terem colaborado não só para esta pesquisa, mas por me terem brindado experiências que contribuíram para meu desenvolvimento pessoal e profissional. Também por terem me recebido tão vivamente em seus escritórios, sítios arqueológicos, museus, bibliotecas, salas de aula e, principalmente, em suas vidas. Ao Jaime Villalva, pelo amor, por tanta paciência com a distância física e mental ao longo dos anos de doutorado e pelo esteio em todos os momentos. Aos meus pais, Julia e David, pelo apoio em todos os momentos para que eu pudesse concluir esta importante etapa. A eles e à minha sogra Neize Durães por todo o suporte ao longo de anos, especialmente quando estamos ausentes em razão da trajetória que escolhemos – ou que a vida nos brindou. Às minhas orientadoras, Maria Isabel D`Agostino Fleming e Marcia Maria Arcuri, por depositarem toda a confiança em mim e pela condução ao longo destes anos. Graças ao apoio e entusiasmo de ambas pude trilhar meu caminho acadêmico na Arqueologia Andina mesmo com todas as dificuldades resultantes da incipiência da área no Brasil. À CAPES, pelo fomento a esta pesquisa de outubro de 2012 a maio de 2013. À FAPESP, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pelo fomento a esta pesquisa de 2013 a 2015, que me permitiu realizá-la de forma sólida e dedicada. Aos professores do Museu de Arqueologia e Etnologia pelo apoio e conhecimentos transmitidos: Fabíola Andrea Silva, Maria Beatriz Florenzano, Elaine Hirata e Eduardo Neves. Aos Profs. Drs. Pedro Paulo Salles, Leila Maria França, Cristiana Barreto, Silvia Cunha Lima, Eduardo Natalino, Auxiliomar III Ugarte, Aristóteles Barcelos e Marcelo Campagno por todo o apoio acadêmico e as inestimáveis discussões sobre esta pesquisa. À Profa. Dra. Maria Lígia Coelho Prado, do Departamento de História da FFLCH-USP, por me apoiar e incentivar profundamente no caminho dos estudos andinos desde a época da graduação. Aos funcionários da Biblioteca do MAE-USP, especialmente Eliana Rotolo, Eleuza Gouveia, Marta Vieira e Hélio Rosa de Miranda. À Regina Estela Leopoldo e Silva, Karen Ribeiro e Cleberson Moura da Seção Acadêmica. Às funcionárias da Divisão de Apoio à Pesquisa do MAE-USP, Francisca Figols e Cristina Demartini. À equipe do Museu Rafael Larco Herrera em Lima, especialmente às suas extraordinárias curadoras Ulla Holmquist (até 2016) e Isabel Collazos (a partir de 2016) por todo o apoio dado a esta investigação e pela sincera amizade que floresceu em meio às vasilhas mochicas do casarão de Pueblo Libre. À equipe do Museu Nacional de Arqueologia, Antropologia e História do Peru: Dra. Teresa Carrasco (diretora de 2012 a 2014) pela permissão para investigação no museu. A Elba Manrique pela supervisão e a Victor Hugo Farfán por disponibilizar as peças para análise e pela amizade. Aos musicólogos Carlos Mansilla, Júlio Mendívil, Dimitri Manga, Marino Martínez e aos arqueólogos Paco Merino e Milano Trejo. A todos agradeço pelo constante apoio desde o início de minha trajetória arqueomusicológica andina. A Jorge Gamboa, pela atenção e preciosas discussões sobre esta pesquisa. A Daniel Benavides, Diretor de Investigação da Escuela Nacional de Foklor José Maria Arguedas, em Lima. Ao Diretor do Museu de Arqueologia do Centro Cultural San Marcos, Pieter Van Dalen, pela autorização para consulta à coleção de cerâmica e a Juan Yataco pelo suporte. Aos amigos queridos do MAE que estiveram ao lado em todos os momentos: Lilian Laky, Débora Soares, Agda Sardinha, Alex Martire (que IV desenvolveu o banco de dados para esta pesquisa!), Irmina Doneux, Erêndira Oliveira, Cláudio Gomez Duarte, Maria Ester Franklin, Rodrigo de Lima, Jaq Beletti e Sara Haro. Também aos colegas Pedro Damin, Ana Paula Gonçalves, Carol, Leandro e o pequeno Henrique. A Marcio Figueiredo um agradecimento especial por toda a amizade e lealdade na convivência ao longo de quatro temporadas no Peru. Aos queridos colegas do Centro de Estudos Mesoamericanos e Andinos da USP, Ana Cristina de Vasconcelos, Eduardo Gorobets, Fernando Pesce e Carla Carbone. A Grace Alexandrino Ocaña, peruana-brasileira, pela amizade tão preciosa, em São Paulo, em Lima e na Califórnia. Pelos livros emprestados, o sorriso, as receitas, a hospedagem e os conselhos. À sua família: Carmen, Maria e Corina, pelo carinho e por me fazerem sentir como parte da família em Lima. A Moises Diaz Pérez pela amizade tão especial, pelo apoio e incentivo todos estes anos, em Lima e em SP. A Walter Alva, Luis Chero, Nacho Alva e família e toda a equipe do Proyecto Tumbas Reales de Sipán, em Lambayeque. A Carlos Wester e Marco Fernandez do Museu Bruning de Lambayeque. A Milagros Fernandez e Luz Marina Llontop, em Lambayeque, por adoçarem minha vida. A Don Carlos Roncalpe pelo apoio logístico em Lambayeque desde 2012. Aos pobladores de Ventarrón pela generosidade e hospitalidade desde 2008. A Régulo Franco, diretor do Proyecto Arqueologico El Brujo, pelas informações para esta pesquisa, pela permissão para fotografar as peças do museu de sítio e pela sempre amável recepção. Aos diretores do Proyecto Arqueologico Huacas de Moche, Ricardo Morales e Santiago Uceda, por facilitarem os informes de escavação e algumas fotografias para esta pesquisa, bem como por permitirem fotografar as peças do museu de sítio. V A Maria Isabel Paredes, do Museu de Arqueologia da Universidade Nacional de Trujillo, pelo apoio para estudo das coleções do museu e amizade ao longo dos anos. A Cecília Bákula, diretora do Museu do Banco Central de Reserva do Peru em 2013, pela permissão para acessar peças da coleção arqueológica. A Colin McEwan, Diretor de Estudos Pré-Colombianos da Dumbarton Oaks Research Library & Collection (Washington D.C) pela orientação e incentivo durante a Residência Pré - Doutoral em Estudos Pré-Colombianos realizada em 2016. A Kelly McKenna, Bridget Gazzio, Alyson Williams, Jessica Cebra e Juan Antonio Murro pelo suporte constante nas coleções e bibliotecas. A Elizabeth Benson, Patricia Netherly, Daniela Triadan e a todos os fellows de 2016 que tornaram esta experiência absolutamente afortunada e intelectualmente enriquecedora. Nos arquivos da Dumbarton Oaks também me foi apresentado um estudo não publicado, inédito, de Donna McClelland sobre instrumentos musicais na iconografia mochica 3. O estudo, produzido nos anos 80, foi todo feito à mão com fichas nas quais constavam informações e desenhos de todas as peças compiladas por ela e Christopher Donnan. Acessar este estudo, doado à Dumbarton Oaks por seu marido Don, foi uma importante experiência acadêmica e emocional, não só pelo significado do trabalho de McClelland para os estudos Moche, mas porque provavelmente fui a primeira pesquisadora da área a ter acesso ao estudo inédito, como me foi informado pelos funcionários do arquivo, aos quais sou profundamente grata. Aproveito para reiterar aqui meu sincero agradecimento a toda a equipe da Dumbarton Oaks. A Lisa Trever pela cordial recepção em Berkeley. A ela, junto a Joanne Pillsbury, Marco Curatola e Cécile Michaud agradeço o convite para o Simpósio Art Before History: Towards a History of Ancient Andean Art (Lima, 2016) e pela oportunidade de expor e debater esta pesquisa em ambiente de tão alto nível intelectual durante o final do meu período doutoral. 3 Study of musical instruments in fineline drawings and modeled ceramic vessels by Donna McClelland, ca. 1980s, donated by Donald McClelland. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. VI A Henry Stobart pela amabilidade e disponibilidade constante em discutir e contribuir para esta pesquisa. A Matthias Stockli e Adje Both pelo apoio durante o período doutoral. A Angela Bellia e Clemente Marconi (Institute of Fine Arts, University of New York) por enriquecerem esta interlocução arqueomusicológica com as perspectivas do mundo clássico. Ao Professor Krzysztof Makowski, referência fundamental na minha formação em Arqueologia Andina, pelo apoio, confiança e amabilidade ao longo de tantos anos. Ao Professor Jurgen Golte, por todo o respeito e carinho pelo grupo de alunos brasileiros de Pré-Colombiana e também pelas contribuições para esta pesquisa. Ao Professor Luis Guillermo Lumbreras e sua esposa Marcela Ríos Rodriguez pelo afeto, confiança e incentivo constante para que eu continue trilhando o caminho da Arqueologia Andina. A Mar y Sol Latorre e sua linda família / equipe em Lima por terem me provido as condições ideais para que a pesquisa nos museus em longas temporadas durante três anos consecutivos fosse mais produtiva, menos cansativa e absolutamente tranquila. A Rosío e família em Pisaq, pela profunda amizade e apoio. A Rolando Flores Vega e Álvaro Ortiz, dois jovens talentosos historiadores, pelo entusiasmo compartilhado pela Arqueologia Andina e amizade, que encheu de contentamento o final do meu período doutoral. Aos queridos amigos de todas as horas: Bruno Monjon, Nathalia Moreira Santos, Yuri Marcondes Almeida, Adriana Madeira, Sandra Rossi, Amanda Alves, Marluce Faustino e suas lindas filhas, Marcela, Marcia e Mari. A Christian e Paula Duwe e a todos os que trabalham com eles por cuidarem com tanto carinho e responsabilidade de uma parte fundamental da minha vida, que seguramente possibilitou este doutorado. VII A todas as pessoas que por ventura não estejam nomeadas nestas páginas, mas que contribuíram para o processo, cada uma à sua maneira, estando presentes em minha vida. A todos os músicos andinos, de huayno, cumbia, cumbia sanjuanera, folklore, fusión andina, caporales, chimayches e tantos outros gêneros populares que embalaram e inspiraram esta pesquisa. Ao Peru, minha pátria espiritual, pela força viva que me inspira e conduz há muitas eras. VIII Lista de Figuras Fig. I.1. Esquema Metodológico de Dale Olsen, 2002 08 Fig. I.2. Esquema Metodológico de Adje Both, 2009 09 Fig.II.1. Mapa da costa norte peruana mostrando a ocupação Mochica 34 Fig. II.2.Esquema das fases cronológicas de Larco 44 Fig. II.3. Canchero 45 Fig.II.4. Esquema mostrando as cinco fases de Larco 46 Fig.II.5. Quadro mostrando as diferenças estilísticas e cronológicas da cerâmica Mochica nas esferas norte e sul 47 Fig. II.6. Reprodução de Gölte (2009: 264), de um vaso de alça estribo com aplique escultórico com representação de Dança no Inframundo 57 Fig. III.1. Vaso de alça estribo com representação pictórica de Guerreiro Coruja, cujos atributos se igualam aos do Senhor Noturno Fig. III. 2. O Senhor Noturno no centro e objetos encontrados na Tumba 14 de Sipán 89 101 Fig. III. 3. Detalhe de cena com Senhor Noturno usando toucado de tentáculos de polvo (ver prancha 8) e o toucado de tentáculos de polvo encontrado na tumba 14 101 Fig. III. 4. Trombeta de cerâmica em formato de espiral com cabeça de felino 102 Fig. III. 5. Trombeta de cerâmica em formato de espiral com cabeça de felino 103 Fig. III. 6: Quadro comparativo dos atributos do Sacerdote Guerreiro (Tumba 14 de Sipán) com os atributos do músico da vasilha do Fowler Museum 103 Fig. III. 7. Quadro comparativo dos atributos do Sacerdote Guerreiro (tumba 14 de Sipán) com os atributos mostrados pelos trombeteiros no vaso do Fowler Museum Fig. III. 8. Detalhe das miniaturas de guerreiros encontrados na Tumba 14 105 106 Fig. III. 9 a, b e c. Peças escultóricas mostrando guerreiros com Toucados de Dois Círculos sentados em liteiras Fig. III. 10. Molde de guerreiro com Toucados de Dois Círculos 113 113 Fig. III. 11. Artefatos encontrados nas escavações na Huaca de La Luna, pertencentes a Tomadores de Coca 119 Fig. III. 12. Objetos em ouro e prata encontrados com a Dama de Cao 121 Fig. III. 13. Quenas de osso do Período Tardio encontradas na Huaca Cao Viejo 122 Fig. III. 14. Toucados encontrados associados à Dama de Cao 122 Fig. III. 15. Vasos de alça estribo encontrados na Tumba 1 do quinto edifício da Plataforma Principal da Huaca de La Luna 126 Fig. III. 16. Vasos de alça estribo encontrados na Tumba 25 da Unidade 16 da Huaca de La Luna 126 Fig. III. 17. Vasos de alça estribo encontrados na Tumba 25 da Unidade 16 da Huaca de La Luna Fig. III. 18. Máscara de cobre encontrada com o “Guerreiro Músico” de Sipán 127 130 IX Fig. III. 19. Antara de cerâmica com placa metálica encontrada com o “Guerreiro Músico” de Sipán 130 Fig. III. 20. Antara de cerâmica sem a placa metálica encontrada com o “Guerreiro Músico” de Sipán Fig. III. 21. O esquema de Golte para o uso dos espaços nos vasos de alça estribo 130 156 Fig. III. 22. Quadro comparativo mostrando antaristas com toucado de ave marinha representados em duas peças diferentes 158 Fig. III. 23. Cena Moche fase IV representando feijões guerreiros 158 Fig. III. 24. Senhor Solar liderando a Dança da Corda 163 Fig. III. 25. Ajudantes atuando na Dança da Corda 163 Fig. III. 26. Quenistas atuando na Dança da Corda 163 Fig. III. 27. Percussionistas atuando na Dança da Corda 164 Fig. III. 28. Grupo central da Dança da Corda 164 Fig. III. 29. Grupos com máscaras atuando na Dança da Corda 165 Fig. III. 30. Comparação entre percussionistas e quenistas representados em duas peças com cenas de “Danças de Guerreiros com atributos de Senhor Solar 168 Fig. IV. 1. Representação de Ai Apaec escultórico, com presas e atributos de coruja 194 Fig. IV. 2. Representação de Ai Apaec pictórico, com presas, camisa de pirâmide invertida, brincos e cintos de serpente 194 Fig. IV. 3. A cena da Cópula Mítica 208 Fig. IV. 4. Ser antropozoomorfo com fisionomia de macaco associado a bolsa 208 Fig. IV. 5. Cântaro representando tubérculo 218 Fig. IV. 6. Vaso de alça estribo representando personagem sentado sobre manta enrolada Fig. IV. 8. Planta de mandioca associada a cena erótica 223 243 Fig. V. I. Imagem comparativa de duas imagens que estão em pranchas diferentes do catálogo: M351 (prancha 149) e M434 (prancha 153) 266 Fig. V.II. Imagem representando coruja antropomorfa 270 Fig. V.III. Comparação entre um músico da categoria dos animais (M324, prancha 79) e um xamã, ambos com idiofones de golpe direto horizontal 271 Fig. V.IV. Comparação entre o Monstro Strombus com a concha (retirado da prancha 73) e o Monstro Strombus sem a concha (prancha 166) 272 Fig. VI.1. Diagrama de Stobart que mostra quais aerofones sao tocados nos diferentes meses do ciclo anual em Potosí, Bolívia 285 X Tabelas Tabela III. I. Objetos encontrados nas tumbas 14, 15 e 16 de Sipán, na temporada de escavação de 2007 091 Tabela III. II. Atributos compartilhados por antaristas na peça do Fowler Museum of Cultural History (prancha 46) 141 Tabela III. III. Atributos compartilhados por antaristas na peça do Museu Etnográfico de Berlim (prancha 47) 142 Tabela III. IV. Distribuição de subcategorias de Músicos Oficiais por Instrumento Sonoro associado 295 Tabela III. V. Distribuição de categorias de Músicos Oficiais por Instrumento Sonoro associado 295 Tabela III. VI. Distribuição de subcategorias de Músicos Oficiais por tipo de representação iconográfica 295 Tabela III. VII. Distribuição de subcategorias de Músicos Oficiais por categoria organológica 296 Tabela III. VIII. Distribuição de categorias de Músicos Oficiais por categoria organológica 296 Tabela III. IX. Distribuição de subcategorias de Músicos Oficiais por tipo de artefato 296 Tabela III. X. Distribuição de categorias de Músicos Oficiais por tipo de artefato 296 Tabela III. XI. Distribuição de instrumentos sonoros tocados por narrativas pictóricas analisadas 297 Tabela IV. I. Distribuição de instrumentos sonoros por tipos de músicos antropozoomorfos 301 Tabela IV. II. Distribuição de categorias de músicos antropozoomorfos por tipo de suporte artefactual 302 Tabela IV. III. Distribuição de categorias de músicos antropozoomorfos por tipo de suporte artefactual 302 Tabela IV. IV. Distribuição de instrumentos sonoros por Temas das Danças do Inframundo 305 Tabela IV. V. Distribuição de tipos de suporte artefactual por temas de Danças do Inframundo 307 Tabela IV. VI. Distribuição de atributos de poder por temas de Danças do Inframundo 307 Tabela IV. VII. Distribuição de tipos de toucados por temas de Danças do Inframundo 307 XI Gráficos Gráfico III. I. Distribuição de instrumentos sonoros por narrativas pictóricas 297 Gráfico III. II. Distribuição de categorias organológicas por narrativas pictóricas 297 Gráfico IV. I. Distribuição de Ai Apaecs por Instrumento Sonoro 298 Gráfico IV. II. Distribuição de Ai Apaecs por Categoria Organológica 298 Gráfico IV. III. Distribuição de Ai Apaecs por tipo de representação 298 Gráfico IV. IV. Distribuição de Ai Apaecs por suporte artefactual 299 Gráfico IV. V. Distribuição de partes de toucados em Ai Apaecs músicos 299 Gráfico IV. VI. Distribuição de Divindades por Instrumento Sonoro 299 Gráfico IV. VII. Distribuição de Divindades por categoria organológica 300 Gráfico IV. VIII. Distribuição de Divindades por tipo de representação 300 Gráfico IV. IX. Distribuição de Divindades por suporte artefactual 300 Gráfico IV. X. Distribuição de músicos antropozoomorfos por instrumentos sonoros 301 Gráfico IV. XI. Distribuição de músicos antropozoomorfos por categoria organológica 301 Gráfico IV. XII. Distribuição de músicos antropozoomorfos por tipo de representação iconográfica 302 Gráfico IV. XIII. Distribuição de músicos antropozoomorfos por tipo de suporte 303 Gráfico IV. XIV. Distribuição de músicos fitomorfos por instrumento sonoro 303 Gráfico IV. XV. Distribuição de antaristas cadavéricos escultóricos por suporte 303 Gráfico IV. XVI. Distribuição de antaristas cadavéricos escultóricos por grupo 304 Gráfico IV. XVII. Distribuição de instrumentos sonoros na categoria músicos cadavéricos 304 Gráfico IV. XVIII. Distribuição de músicos cadavéricos por categoria organológica 304 Gráfico IV. XIX.Distribuição de músicos cadavéricos por suporte artefactual I 305 Gráfico IV. XX. Distribuição de músicos cadavéricos por suporte artefactual II 305 Gráfico IV. XXI. Distribuição de instrumentos sonoros presentes em Danças do Inframundo 306 Gráfico IV. XXII. Distribuição de categorias organológicas por Temas de Danças do Inframundo 306 Gráfico IV. XXIII. Distribuição de categorias organológicas por Danças do Inframundo 306 Gráfico IV. XXIV. Distribuição de Danças do Inframundo por suporte artefactual 307 Gráfico IV. XXV. Distribuição de toucados de músicos em Danças do Inframundo 308 Gráfico IV. XXVI. Quantidade de músicos com e sem atributos de poder em Danças do Inframundo 308 Gráfico IV. XXVII Distribuição de Temas das Danças do Inframundo por vales 308 Gráfico V. I. Distribuição de Percussionistas Cegos por Suporte Artefactual 309 Gráfico V. II. Distribuição de Percussionistas Cegos por Suporte Artefactual II 309 Gráfico V. III. Distribuição de Percussionistas Cegos por Vales 309 Gráfico V. IV. Distribuição de Músicos degenerados por suporte artefactual 310 XII Gráfico V. V. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de campânula fusiforme por subgrupo 310 Gráfico V. VI. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de campânula fusiforme por suporte artefactual 310 Gráfico V. VII. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de campânula fusiforme por suporte artefactual II 311 Gráfico V. VIII. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de G.D.H. por grupos 311 Gráfico V. IX. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de G.D.H. por suporte 311 Gráfico V. X. Distribuição de peças com Xamãs com I.S.C por grupos 312 Gráfico V. XI. Distribuição de músicos tocando I.S.C por suporte 312 Gráfico V. XII. Distribuição de peças por subgrupos na categoria Xamãs com Idiofones Suspensos Conjugados e Bolsa 312 Gráfico V. XIII. Proporção dos dois grandes grupos de cântaros com Idiofones Suspensos Conjugados 313 Gráfico V. XIV. Distribuição de toda a categoria de xamãs e curandeiros por suporte Artefactual 313 Gráfico V. XV. Distribuição de toda a categoria de xamãs e curandeiros por Vale 313 Gráfico VI. I. Proporção de músicos por categoria 314 Gráfico VI. II. Proporção de peças por categoria 314 Gráfico VI. III. Instrumentos sonoros tocados por músicos oficiais 314 Gráfico VI. IV. Proporção de cats. organológicas na amostra de Músicos Oficiais 315 Gráfico VI. V. Instrumentos sonoros tocados por músicos sobrenaturais 315 Gráfico VI. VI. Proporção de cats. orgs .na amostra de Músicos Sobrenaturais 315 Gráfico VI. VII. Instrumentos sonoros tocados por Músicos Mediadores 316 Gráfico VI. VIII.Proporção de cats. orgS. na amostra de Músicos Mediadores 316 Gráfico VI. IX. Proporção de instrumentos sonoros tocados por todas as categorias 316 Gráfico VI. X. Categorias organológicas dentro da amostra total 317 XIII Abreviaturas das Instituições Visitadas MARLH - Museu Arqueológico Rafael Larco Herrera (Lima) MNAAHP - Museu de Arqueologia, Antropologia e História do Peru (Ministério de Cultura do Peru, Lima) MAASM - Museu de Arqueologia e Antropologia do Centro Cultural da Universidade Nacional Maior de San Marcos (Lima) MAUNT - Museu de Arqueologia da Universidade Nacional de Trujillo (Trujillo) MSHM - Museu de Sítio Huacas de Moche (Projeto Arq. Huacas de Moche, Trujillo) MC - Museu Cassinelli (Trujillo) MSHC - Museu de Sítio Huaca Cao (Trujillo) MB - Museu Bruning de Lambayeque MTRS - Museu Tumbas Reales de Sipán (Lambayeque) MSRH - Museu de Sítio Huaca Rajada Sipán (Lambayeque) MAE - Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (São Paulo) MAM - Museu de América (Madri) MET - The Metropolitan Museum of Art (Nova York) AMNH - American Museum of Natural History (Nova York) DO - Dumbarton Oaks Research Library and Collection (Harvard, Washington D.C) XIV Introdução La música de la antigüedad del Nuevo Mundo ha desaparecido para siempre. No existe ninguna notación que nos ilustre sobre el curso de sus melodías y ritmos y que nos permita reconocer sus estructuras musicales. Ninguna fuente escrita nos informa sobre sus sistemas tonales, sus intervalos o escalas; nada nos ha sido legado sobre su música vocal o instrumental, sobre la confección de sus instrumentos musicales, nada sabemos con relación a quién hacía música, si músicos instruidos en escuelas o sin una formación particular o para quién tocaban, qué status social tenían, en pocas palabras, qué significado tenía la música en la vida de los pueblos. (Hickmann 1990:5 apud Mendivil, 2009: 7) Esta pesquisa de doutorado tem como proposta fundamental identificar e discutir os papéis sociais e espaços de atuação dos músicos na sociedade Mochica (ou Moche), a qual ocupou a costa norte do Peru aproximadamente entre 100 A.C e 700 D.C. A extensa iconografia que tanto caracteriza esta cultura, com grande quantidade de temas produzidos em cerâmica e outros suportes, dentre eles os temas musicais, nos permitiu delinear uma série de questionamentos sobre a produção sonora na sociedade mochica e os indivíduos por ela responsáveis. Apesar de ser uma temática muito pouco explorada na literatura arqueológica sobre os Andes Pré-Colombianos, esta tem se mostrado muito promissora nos últimos anos, transcendendo questões sonoras e organológicas para abordar aspectos sociais e ontológicos da música pré-hispânica. Os cânones da arte mochica obedeciam a uma significativa normatização por parte das elites dominantes, principalmente no Período Moche Médio (aproximadamente entre 300 e 400 d.C), quando as 1 representações iconográficas passam a enfatizar personagens de poder, como sacerdotes, guerreiros e governantes, bem como seres sobrenaturais, tais como divindades, personagens esqueléticos, figuras antropozoomorfas etc. Assim, ao longo da pesquisa buscamos identificar os principais personagens da iconografia mochica que se encontram engajados em atividades musicais e em quais períodos ou fases essas representações teriam se tornado mais recorrentes. Além disso buscamos identificar diferenças regionais entre os músicos representados nos diferentes tipos de cerâmica produzidos nos vales mochicas. Os dados iconográficos levantados, bem como evidências arqueológicas e etnohistóricas, foram organizados e discutidos à luz de uma metodologia de análise semiótica, levando em conta os princípios fundamentais da cosmovisão andina. Os dois primeiros capítulos se dedicam a contextualizar o tema da tese e o quadro teórico-metodológico de pesquisa. O Capítulo I detalha os fundamentos teórico-metodológicos da pesquisa, apresentando nossa proposta interdisciplinar de convergência entre a Etnoarqueomusicologia (Olsen, 2002), um novo enfoque disciplinar interessado na análise e interpretação de diversas fontes para a compreensão da música pré-hispânica, e a semiótica como ferramenta metodológica de análise iconográfica, constituindo um olhar inédito para o material que coletamos ao longo da pesquisa. Este capítulo apresenta os objetivos específicos da tese e as diretrizes para atingi-los: a) a análise iconográfica e classificação dos dados; b) a identificação dos tipos de músicos e de performances musicais encontrados na iconografia mochica; c) a compreensão sobre os papéis sociais e simbólicos dos músicos na iconografia mochica e, finalmente, d) uma discussão mais ampla sobre os músicos e a produção sonora na sociedade mochica, relacionando-os com os preceitos das ontologias andinas. As premissas, os critérios de análise e o perfil de nossos dados estão amplamente explicitados no Capítulo I. O Capítulo II trata da contextualização do mundo mochica. Panorama, localização, organização sócio-política, religião, arte e a organologia musical da costa norte estão entre os tópicos explorados, além de um estado da arte dos estudos iconográficos da cerâmica mochica ao longo das últimas quatro décadas. 2 Os Capítulos III, IV e V são dedicados à análise e interpretação dos dados e conformam o cerne da pesquisa. Nossos dados foram organizados com base nos tipos de músicos encontrados na análise iconográfica e nos princípios da cosmovisão andina, que se encontram por sua vez refletidas nas temáticas iconográficas da arte mochica (Golte, 2009; La Chioma, 2013). Assim, o material coletado e analisado foi dividido em três grandes grupos, os quais conformam os três capítulos centrais da tese. Cada um destes grupos, por sua vez, engloba diversas subcategorias. São eles: o grupo dos Músicos Oficiais, o grupo dos Músicos Sobrenaturais e o grupo dos Músicos Mediadores. O Capítulo III trata dos Músicos Oficiais, indivíduos que aparecem na iconografia associados a instrumentos sonoros e que apresentam papéis importantes em cultos, batalhas, sacrifícios, procissões e outros eventos considerados oficiais no mundo Moche. Em geral são sacerdotes ou sacerdotisas, guerreiros, governantes e acompanhantes de autoridades cujas performances em eventos públicos podem incluir, entre outras atividades, a produção sonora. São representados tanto em forma escultórica quanto em linha fina ao redor dos bojos dos vasos de alça estribo. O Capítulo IV apresenta e discute os Músicos Sobrenaturais. Esta ampla categoria inclui divindades, seres míticos, animais, plantas, seres mortos e cadavéricos atuando musicalmente, tanto em forma escultórica quanto em narrativas em relevo em redor de vasos. É um capítulo que enfatiza os aspectos ontológicos e simbólicos da música no mundo mochica, identificando relações muito específicas entre instrumentos sonoros e tipos particulares de seres sobrenaturais e discutindo a relação destes músicos com narrativas importantes do universo mochica, como a recepção dos mortos no inframundo. O Capítulo V discute os Músicos Mediadores, uma categoria que congrega músicos antropomorfos, que podem ter aspecto tanto saudável quanto degenerado. Estes músicos não aparecem relacionados aos cultos oficiais, mas ao xamanismo, à cura, a oferendas e atos de transformação. São geralmente representados em forma escultórica. O Epílogo faz algumas considerações gerais sobre o material analisado, além de discutir questões relativas à música e à cosmovisão, como calendário e sazonalidade, e uma avaliação sobre a importância da performance musical 3 para as elites do período Moche Médio, dada a grande proporção de músicos representados na cerâmica deste período. Finalmente, a proposta deste trabalho é a de construir um diálogo constante entre os aspectos sociais e simbólicos da música no mundo Moche, sempre enfatizando os sujeitos que a produzem (os “músicos”) e seus papéis sociais, e considerando a cosmovisão andina, as questões cronológicas e regionais da produção cerâmica mochica como fundamentos sobre os quais se efetua a discussão. Esperamos que ele traga contribuições importantes para os estudos de Etnoarqueomusicologia Andina e, principalmente, que a partir dele surjam novos questionamentos que contribuam para a ampliação dos estudos nessa área ainda tão incipiente. 4 Capítulo I A Convergência entre a Etnoarqueomusicologia e a Semiótica: Um Marco Teórico para o Estudo da Iconografia Musical Mochica Ya bien en una tumba depositados junto al cadáver de su habiente o representados en un intrincado motivo iconográfico, los instrumentos antiguos surgen, tal cual los versos de Un tiro de dados, dispersos en el espacio y el tiempo para perderse en los irremediables vacíos que completan y entreveran su historia. Mas dejar caer en el olvido un instrumento o silenciarlo durante un período determinado de tiempo obedece tanto a una decisión histórica como el hecho de tocarlo, representarlo gráficamente o hablar del él. En otras palabras, es también un suceso histórico y pertenece, por ende, a la representación, o si se quiere, a la realización de su historia. ¿Cómo integrar entonces dichos silencios? (Mendívil, 2009: 6) A proposta desta pesquisa se fundamenta em questionamentos de caráter bastante particular, que se inserem, por sua vez, em uma temática muito pouco explorada academicamente: a produção sonora no mundo andino Pré-Colombiano. O estudo da música e do som no passado pode se dar a partir de perspectivas e campos disciplinares muito diversos, e com base em dados também variados. Estudos acústicos buscam informações a partir de instrumentos sonoros encontrados arqueologicamente, além de avaliar as propriedades acústicas de espaços escavados, tais como templos ou praças (Kollar et al, 2012; Scullin, 2015). Outra importante perspectiva aos estudos da 5 música no passado é a social, que analisa os elementos de performance musical, o papel que a produção sonora cumpria socialmente, a posição de seus tocadores, a forma de organização dos grupos, além de aspectos simbólicos dos instrumentos sonoros. Esta última conforma as análises que os musicólogos costumam chamar de “aspectos extramusicais” (Mendívil, 2009: 48). Nesta tese, objetivamos focar no segundo conjunto de questionamentos, ligado particularmente ao papel social e simbólico dos músicos no mundo Moche. Nossa pesquisa está fundamentada em uma ampla base de dados iconográficos, organizada em um banco de dados em Microsoft Access, e presente no catálogo de imagens que acompanha este texto. É a partir da iconografia que empreendemos a análise principal de nossas questões, buscando um debate interdisciplinar no qual dados de contexto arqueológico e evidências etnohistóricas sejam cotejadas com os corpora iconográficos encontrados, com o objetivo de realizar uma análise consistente da posição e da atuação dos músicos na sociedade mochica. A seguir delinearemos este complexo quadro teórico-metodológico que envolve diversas disciplinas, esclarecendo de que forma serão aplicados estes postulados e premissas aos nossos dados. I.I. A Etnoarqueomusicologia Andina e as fontes A investigação sobre a produção sonora nos Andes sempre apresentou duas facetas ou linhas de pesquisa que, em realidade, nunca deixaram de caminhar juntas: a etnomusicologia e a arqueomusicologia. Enquanto a primeira se preocupava em entender diferentes aspectos da produção sonora nas comunidades andinas contemporâneas, utilizando dados recolhidos em estudos de campo diretamente com a comunidade e seus músicos, a segunda sinalizava seu empenho em compreender como soaram os instrumentos sonoros do passado, encontrados em contextos arqueológicos ou presentes em coleções, um trabalho focado na medição de escalas e na análise de detalhes técnicos destes artefatos. Os trabalhos etnomusicológicos clássicos realizados nas pequenas comunidades do altiplano andino (Stobart, 1994, 1996, 2006; Baumann, 1996; 6 Bellenger, 2007) cederam espaço, no início do século XXI, a trabalhos centrados nos grandes núcleos urbanos e em seus fenômenos musicais marcados pela miscigenação, como o huayno com harpa (Ferrier, 2010), a cumbia e a chicha. Outros musicólogos escolheram se dedicar ao estudo arqueomusicológico dos instrumentos sonoros pré-hispânicos (Bolaños, 1988; Mansilla, 2009; Gudemos 2009; Gruszczisnka, 2004, 2006, 2014). Enquanto os trabalhos etnomusicológicos sempre fizeram menção a dados arqueológicos, usando ocasionalmente artefatos arqueológicos e cenas da iconografia pré-hispânica a fim de encontrar elos com a música investigada, os trabalhos dos musicólogos, fundamentados em fontes arqueológicas, também faziam menções a fenômenos musicais contemporâneos, com vista a buscarem interpretações para seus dados. Assim, a biografia da área arqueomusicológica nos Andes compõe uma história de recorrentes aproximações disciplinares, nas quais os investigadores, maiormente ligados à Musicologia, buscavam no presente as explicações para a produção sonora do passado pré-hispânico, e vice-versa 1. Pode-se utilizar uma grande variedade de fontes, com diferentes alcances e limites analíticos, para se abordar a produção sonora pré-hispânica. Instrumentos sonoros arqueológicos podem ser analisados em seus aspectos acústicos, tecnológicos e organológicos e, em menor medida, sociais e cosmológicos. As fontes iconográficas, por sua vez, elucidam de maneira geral aspectos das práticas sociocosmológicas que envolvem os intrumentos sonoros e seus tocadores. O uso das fontes históricas e etnográficas tem o objetivo de compreender aspectos tanto sociais quanto musicológicos da produção sonora na longa duração. A esta proposta metodológica interdisciplinar cujo objetivo é compreender diferentes aspectos musicais do passado andino, levando em consideração as diferentes fontes, Dale Olsen (2002:8) chamou de Etnoarqueomusicologia Andina. O esquema teóricometodológico de Olsen (2002:8) propôs uma abordagem que permitisse uma 1 Pouco se estudou ou se abordou sobre o grau da influência ibérica na formação de diferentes estilos musicais andinos contemporâneos, a não ser em alguns poucos estudos sobre os cordofones trazidos da Espanha para os Andes, que levaram à origem de cordofones genuinamente andinos, como o charango. Estudos nessa linha teriam muito a contribuir para uma compreensão mais exata de quais elementos cosmológicos e sonoros na produção musical andina seriam originários, e quais teriam sido introduzidos por meio do contato. 7 análise conjunta destes dados, sugerindo a apreciação e cruzamento entre as diferentes fontes, como demonstra o quadro abaixo: Fig. I.1. Olsen, 2002. Segundo Olsen (2002: 30), o investigador não deve ser necessariamente musicólogo de formação para compreender aspectos musicais do passado andino. Cada formação, segundo ele, traz uma série de habilidades que podem ser utilizadas para a construção de um conhecimento mais amplo. A nosso ver o arqueólogo tem muito a contribuir para a contextualização e compreensão de aspectos sociais da música no passado, mais especificamente no que diz respeito à performance e à relação entre a prática musical e os diferentes grupos sociais (Scullin, 2015). Assim, a despeito de os musicólogos apresentarem a formação e as aptidões necessárias aos estudos sociais da música, a Etnoarqueomusicologia torna-se uma área convidativa também a outros investigadores de áreas das Humanidades que queiram aprofundar a compreensão da música em seu aspecto social a partir de suas próprias perspectivas. Nos últimos anos os esforços em construir análises interdisciplinares sobre a música no passado têm gerado um debate estável engendrado principalmente por musicólogos, mas também por arqueólogos, antropólogos e outros especialistas. Modelos posteriores aos de Olsen, como os de Mendívil (2009) e Both (2009) buscaram diferentes perspectivas para este tipo de estudo. 8 A partir da perspectiva de Olsen para os Andes, o arqueomusicólogo mesoamericanista Adje Both (2009:4-5) reestruturou este modelo visando sua aplicação para toda a América Pré-Hispânica, como esquematizado no quadro a seguir: Fig. I.2. Both, 2009. Tais modelos pleiteiam que uma análise holística e completa da produção sonora no passado só pode ser empreendida considerando a diversidade de fontes que podem ser consultadas e analisadas. Mendívil (2009), seguindo este modelo, atentou não só para a diversidade de fontes, mas para a sustentação teórica de sua análise, de perfil claramente pósprocessual. Sua abordagem se assume ciente de que seus dados, as flautas de crânio de veado do Chincaysuyo Inca, o ajudarão a criar discursos históricos e sociais sobre este instrumento, que têm relação direta com sua formação acadêmica, o caráter de suas perguntas específicas e as circunstâncias de sua investigação. O autor cotejou dados arqueológicos, históricos e etnográficos, criando diálogos entre suas fontes e seus discursos, na busca por uma nova disciplina, a da Arqueomusicologia: Tal originalidad en el abordaje del objeto conlleva naturalmente a una tentativa de construir una nueva profesión investigativa, la de un arqueomusicólogo que asume, además, su papel de constructor de discursos históricos y sociales: “A diferencia del historiador musical, el arqueomusicólogo encontrará sus partituras tanto en la iconografía, como en la concepción sonora que acompaña a la performance de las 9 tradiciones contemporáneas o, mas aún, deberá aprender a tratar e interpretar éstas como tales”. (Mendívil, 2009: 15) O debate teórico-metodológico sobre a construção desta nova disciplina tem sido reforçado após os trabalhos de Olsen, principalmente partindo da definição das fontes que possibilitam as diferentes análises da música no passado, bem como dos seus alcances e limites, como propõem Gudemos (2009: 120) e Benito & Pasalodos (2011: 81): La arqueomusicología, o musicoarqueología o música arqueológica o músicaarqueología, como unos y otros la denominan, es por definición un área de investigación interdisciplinaria aplicada al estudio de las manifestaciones musicales de antiguas culturas. El material arqueológico que se expone al análisis no incluye solo instrumentos musicales, objetos y sistemas sonoros y representaciones iconográficas de los mismos o de coreografías danzadas; sino todo aquello que brinde información acerca de tales manifestaciones (...). Por cierto, somos conscientes de las limitaciones operativas que en el área se presentan. En efecto, jamás tendremos la oportunidad de registrar el instante en el que las manifestaciones musicales tuvieron lugar, ni contamos con la información de quienes las produjeron (...) pero eso no significa que no tengamos acceso al conocimiento de aquellas realidades musicales. (Gudemos, 2009: 120) Benito & Pasalodos, por exemplo, lembram que a análise de dados musicais transcende a compreensão puramente da produção sonora e permite a compreensão de aspectos extramusicais: La gran cantidad de materiales arqueológicos existentes que demuestran la importante presencia de la música en las culturas pasadas hace necesaria la consolidación de una disciplina con una significativa especialización metodológica y teórica. Por lo tanto, debemos dejar de lado el escepticismo epistemológico fundamentado en la visión de la música como una simple sucesión ordenada de sonidos y definir las metodologías necesarias para poder conocer los aspectos de la Prehistoria y la Antigüedad que nos revela la cultura material. Este conocimiento permitirá no sólo conocer mejor el pasado de la música sino también las propias culturas estudiadas, ya que la música encierra gran cantidad de comportamientos 10 sociales, simbólicos y rituales que pueden responder a cuestiones en torno a culturas pasadas imposibles de revelar en base a otros restos de cultura material. (Benito & Pasalodos, 2011: 81) De fato, diferentes aspectos da cultura estudada podem ser compreendidos a partir de dados musicais, como organização social e performance em cerimônias religiosas. Algumas destas características só podem ser avaliadas quando o investigador demonstra um profundo conhecimento e intimidade com questões específicas da cultura estudada. Por exemplo, identificar mudanças na representação das práticas musicais na longa duração levando em conta as diferentes fases e estilos da cerâmica é um trabalho que pode ser perfeitamente realizado por arqueólogos. É possível compreender aspectos musicais a partir de dados aparentemente não musicais, como vasilhas ou outros objetos associados a instrumentos sonoros em tumbas, uma perspectiva que temos endossado em nosso trabalho (La Chioma, 2012, 2013; Nielsen, 2013) e que demonstraremos ao longo desta tese. Nosso trabalho se insere na discussão teórico-metodológica da Etnoarqueomusicologia, tendo a arte e a iconografia como fonte fundamental de estudo. Atentando para o debate sobre as representações iconográficas em Arqueologia e associando-o à discussão interdisciplinar proposta pela Etnoarqueomusicologia propomos um encontro entre as duas perspectivas teórico-metodológicas para a análise iconográfica dos músicos no mundo Moche. I.II. Arte e Iconografia A Arte e a iconografia conformam um aspecto fundamental do material arqueológico, visíveis desde 30 mil anos antes do presente na arte rupestre e presentes em praticamente todos os conjuntos artefatuais estudados pela Arqueologia. As representações iconográficas estão presentes em diversos suportes materiais e mídias: em construções arquitetônicas, em cerâmica, metais, tecidos e até mesmo em corpos mumificados na forma de tatuagens ou pinturas corporais. 11 Muitos estudiosos, ao longo do amadurecimento intelectual da disciplina arqueológica, buscaram formas distintas de compreender e interpretar estas manifestações artísticas, e para tanto se utilizaram de teorias da Antropologia da Arte, da Linguística e da Semiótica. Tal busca pelo diálogo com diferentes disciplinas e tradições teóricas, tanto das humanidades quanto das ciências naturais, é um traço distintivo da Arqueologia. As influências de perspectivas tão diversas foram determinantes em conceder à Arqueologia, desde seus inícios, um caráter reconhecidamente interdisciplinar. No campo das análises iconográficas em Arqueologia existem atualmente duas grandes orientações teóricas procedentes respectivamente da Linguística e da Teoria Social: a Semiótica e a Agência, as quais apresentaremos a seguir. I.III. Arqueologia Cognitiva, Semiótica e Agência A materialidade, objeto de estudo da Arqueologia, tem sido ao longo da história da disciplina o ponto de partida para a construção de seus princípios teóricos. Um dos posicionamentos teóricos procedentes deste inflamado debate, foi o que se convencionou chamar de Arqueologia Cognitiva, uma perspectiva que começou a despontar na década de 80 do século XX, consolidando-se especialmente a partir dos anos 90 em diante. Segundo Renfrew: Arqueologia cognitiva (...) deveria ser aquela parte da arqueologia que lida com conceitos e percepções. Em um contexto arqueológico isto pode ser tomado para cobrir todo o espectro do comportamento humano, com referência especial à religião e à crença, simbolismo e iconografia, ao desenvolvimento e expressão da consciência humana (Renfrew et.al., 1993: 247). Existem métodos para que aspectos cognitivos sejam verificados no registro arqueológico, geralmente pautados pela associação com outros tipos de fonte. Esta linha de análise se baseia, sobretudo, no estudo da recorrência de contextos rituais arqueológicos, na cultura material que cada sociedade produz e nas associações entre os diversos artefatos acessados a partir de 12 contextos secundários (definidos por sua musealização) e os dados de escavações, com forte influência da semiótica e da Arqueologia Contextual. A interdisciplinaridade neste campo de pesquisa é fundamental, em especial o diálogo com a História, a Antropologia Social, a Antropologia da Arte e a Linguística. Relações com as ciências cognitivas (Preucel, 2006: capítulo 7) também podem ser inúmeras. I.III.I.Semiótica O termo semiótica define uma complexa área do conhecimento que busca compreender os sistemas de significação. Segundo Preucel (2006:3) a semiótica é um campo multidisciplinar dedicado à forma como os indivíduos produzem, comunicam e codificam significado. Os teóricos mais referidos, debatidos e utilizados nos estudos semióticos são Ferdinand de Saussure e Charles Sanders Peirce, seguidos de Roland Barthes e Umberto Eco. Na Arqueologia Cognitiva, especialmente após o advento das teorias pós-processualistas, os estudos iconográficos foram muito influenciados por uma perspectiva semiótica herdeira da tradição saussureana e estruturalista, segundo a qual sistemas linguísticos apresentam normas estritas de composição a ser compreendidas e são passíveis de comparação com outros sistemas (Preucel, 2006: 6). Uma das principais premissas da semiótica nos estudos de Arte e Arqueologia – certamente influenciada pelas teorias estruturalistas – é a noção de que um artefato ou uma representação são constructos culturais, manifestando valores sociais das circunstâncias nas quais foram produzidos (Moxey, 1991: 986), sendo de extrema importância o contexto social e as ontologias particulares de cada grupo para a interpretação dos significados presentes na cultura material. Compreender as normas da estrutura, neste sentido, é fundamental para que o pesquisador entenda o sentido expresso nos vários elementos materiais produzidos no contexto respectivo. Outra premissa da perspectiva teórica de Saussure é a de que signos linguísticos têm significado apenas quando em relação a outros signos, conformando uma norma semântica (ibid: 988). Ao usar esta abordagem na Arqueologia, o pesquisador considera que artefatos também são signos e que 13 seu contexto seria comparável a um sistema semântico, no qual o significado é construído na relação entre os vários elementos. O mesmo ocorre com as análises iconográficas. Segundo Preucel (2006:2) o que define o status da disciplina arqueológica é o estudo da cultura material, e este estudo constitui por si só uma empreitada semiótica na medida em que busca, sobretudo, significado e coerência em conjuntos de dados. Neste sentido, a própria interpretação arqueológica seria um ato semiótico, pois a cultura material teria um significado que a transcende (ibid:4). I.III.II. Agência Há uma problemática inerente à conceptualização de agência de forma unívoca, já que esta expressão envolve diversas definições, produzidas por diferentes teóricos da Sociologia e da Antropologia (Dornan, 2002: 304). Entretanto, em sua essência, o conceito de agência supõe a capacidade de ação e de tomada de decisões de um indivíduo frente à estrutura social na qual se insere e, consequentemente, à capacidade do agente de moldar seu próprio entorno. Esta ideia, como se verá ainda neste tópico, pode se estender também a artefatos e sua capacidade de mediar relações sociais, noção geralmente utilizada na Antropologia da Arte e na Arqueologia. O conceito de agência tem sua origem nos debates clássicos da teoria social sobre as relações e presumíveis subordinações existentes entre indivíduo e sociedade, estrutura e agência (Dornan, 2002: 303; Barrett, 2001: 148). Bourdieu e Giddens foram os grandes instauradores das teorias de agência, o primeiro com a Teoria da Prática (cujo ponto central é a ideia de habitus – cerne da ação do indivíduo – e de que a ação seria um reflexo de disposições inconscientes individuais) e o segundo com a Teoria da Estruturação (na qual a própria estrutura só existe e se mantém em razão da conduta dos indivíduos, resultando de suas interações) (Dornan, 2002: 305). Este alicerce teórico cunhou a premissa fundamental da agência: a ideia de que a ação individual também é estruturante, ao contrário da ideia de que o comportamento individual seria um mero reflexo da estrutura (ibid: 304). 14 Em Arqueologia as teorias de agência começaram a ecoar nos anos 80 do século XX como parte da crítica às teorias processualistas, que consideravam as condições externas ao indivíduo como determinantes à sua ação (Barrett, 2001: 141). Para Barrett (2001: 142) a busca por padrões e regularidades na produção material, parâmetros com os quais a Arqueologia trabalhou desde seu nascimento, levaram a uma visão normativa da cultura, na qual o artefato refletiria processos normativos e normas comportamentais, das quais resultaria diretamente o comportamento humano (ibid: 144). Ainda segundo o mesmo autor, o estudo da agência em Arqueologia deve levar em conta a compreensão da performance ou ação perpetrada que possibilita a criação do registro material, isto é, os meios de execução de um artefato (ibid: 152). Destarte, a cultura material não deve ser concebida simplesmente como reflexo / resultado do comportamento humano, mas como a condição material que ativamente facilita certas estratégias de prática social (ibid: 156). A agência se converteu de fato em uma teoria da Antropologia da Arte com a produção científica de Alfred Gell, contendo uma série de princípios básicos focalizados no contexto social da arte, em sua produção, circulação e recepção e em sua relação direta com os grupos e indivíduos. A capacidade de agência é inerente tanto a um objeto quanto aos indivíduos e grupos. A agência de um objeto tem relação, entre outras coisas, com os efeitos que ele causa nas pessoas e seu poder social (Gosden, 2005: 193). Gell atentou para as questões do efeito e da eficácia que um agente artefatual apresenta sobre os indivíduos, sua capacidade de os moldar e suas experiências, agenciando experiências físicas, sensoriais e ideológicas. Desta forma o mundo material afeta as relações humanas, e como os indivíduos se relacionam através de objetos (ibid:196). O poder de agência dos objetos apresenta uma pujante perspectiva material, altamente conectada às teorias da cultura material e da Arqueologia. Um outro tipo de agência, a de indivíduos e grupos, pressupõe uma relação de mão dupla: ao passo em que o indivíduo está inserido em uma estrutura que o influencia, a estrutura também se molda por seu poder de agência, não necessariamente no sentido de poder político ou de dominação (Barrett 2001: 150), mas de poder de ação. A estrutura não é só uma definidora do indivíduo, como entendiam muitas orientações teóricas anteriores, mas é o 15 meio de possibilidades para a agência, ou o próprio campo e cenário que permite que a agência se dê (ibid). Substancialmente, as teorias de agência levam em conta o potencial dos artefatos para intermediar interações entre indivíduos e grupos e, neste sentido, as performances rituais, as ocasiões de uso dos artefatos e da arte, os diversos efeitos que a arte causa nos sujeitos são de fundamental importância para a compreensão deste fenômeno, tanto por parte dos agentes humanos quanto dos agentes artefatuais. Também é imprescindível conhecer a história de vida de um artefato, isto é, como ele foi criado e qual foi sua trajetória desde a concepção até o consumo e o descarte, pois nesse âmbito já estão sendo criadas e mantidas relações de poder e de troca com outros indivíduos e grupos, além de relações com o meio imediato de subsistência e com o sobrenatural. A natureza do registro arqueológico, entretanto, parcial e na maioria das vezes silenciosa quanto a esta série de percursos perpetrados pelos objetos, dificulta uma aplicação absoluta do conceito de agência “gelliano” à disciplina arqueológica. À diferença das abordagens semióticas, as abordagens da agência não estão preocupadas com o significado ou a simbologia dos artefatos, mas com seu poder de mediação e intervenção no meio social, em diversas ocasiões. Destarte, uma determinada iconografia pode não apenas significar um ritual ou conformar uma “frase” sobre ele. Ela pode efetivamente conter um poder sobrenatural para aquela sociedade, pode tecer redes de relações entre seu artista produtor e outros indivíduos circundantes, como as elites que aceitam ou rejeitam tal representação iconográfica em seu corpus de artefatos litúrgicos, etc. Todas essas questões são importantes para compreender como se aplica a perspectiva da agência em contraposição às análises semióticas na Antropologia da Arte e, em nosso caso particular, na Arqueologia, visto que ambas têm sido utilizadas por estudiosos que trabalham com a iconografia mochica, como veremos detalhadamente no próximo capítulo. 16 I.IV. Preceitos da Cosmovisão Andina e a Interpretação Iconográfica Nos Andes, particularmente, as relações duais compõem o principal fundamento da cosmovisão. A tradição estruturalista buscou compreender o universo andino (pré-hispânico, colonial e contemporâneo) a partir da existência de parcialidades ou metades que dividem todas as coisas, sejam territórios, pessoas ou animais, e que ao dialogarem entre si engendram o equilíbrio vital (Platt, 1986; Sallnow, 1987; Gelles, 1995; Moore, 1995; Wachtel, 2001; Rostworovski, 2000; Taylor, 2008; Golte, 2009). Este tem sido o viés teórico mais utilizado para a análise semiótica do material arqueológico escavado na região centro-andina, tendo sido aplicado por diversos estudiosos não só para os dados de contextos funerários e arquitetônicos, mas principalmente para o estudo das manifestações artísticas e iconográficas: Muchos de los estudios de la cosmovisión andina, muy influenciados por la antropología estructuralista, se enfocan en preceptos cosmológicos y la organización socio-política inca (Rostworowski 2000a: 21-23; Taylor 2008), pero también en trabajos etnográficos (Platt 1978, 1986). Muchos de estos estudios fueron formulados con base en el análisis iconográfico del período Intermedio Temprano Andino (Golte 2003, 2009). De todas maneras, aplicados a distintos artefactos y contextos arqueológicos andinos, algunos conceptos, como hanan, hurin, kay pacha, tinku y camac, traen consigo resultados sorprendentes y sientan las bases para un lenguaje común entre los especialistas en las discusiones acerca de datos arqueológicos desde la costa norte hasta la sierra sur del Perú. Es cierto que esta metodología sigue siendo reevaluada constantemente, y no es utilizada por todos los investigadores, pero al momento tenemos en ella no sólo una rica fuente de comparación para nuestros datos, sino también un vocabulario conceptual que nos permite expresar fenómenos observables en las vasijas de manera menos arraigada en las cosmovisiones occidentales. (La Chioma, 2013:60-61) O dualismo andino pressupõe a existência e interação entre duas partes opostas e complementares, os moieties 2, respectivamente chamados de Hanan 2 Segundo Gelles (1995: 710) o termo “moiety” é utilizado na literatura antropológica para se referir às partes que conformam o todo na organização espacial andina desde os tempos préhispânicos até a época contemporânea. 17 e Hurin (ou Uku Pacha) (Wachtel, 2002). Este tipo de organização, muito presente nas fontes históricas coloniais e nos dados etnográficos, passou também a ser verificado nos dados arqueológicos escavados em toda a região andina, bem como nas artes e na iconografia (Moore, 1995: 165-166). Este dualismo se fundamenta no conceito de reprodução, no qual os opostos se encontram para engendrar o novo: O fundamento do dualismo andino é, essencialmente, a ideia de reprodução, possibilitada por sua vez pelo encontro de duas partes (Gölte, 2007: 2). Há uma homologia basilar com o masculino e o feminino que se estende aos ciclos da natureza: dia e noite, estação úmida e seca, estação quente e fria etc. Na concepção andina todos estes elementos se organizam e criam realidades distintas em determinados momentos do ciclo temporal: “el presente se deriva de una reproducción constante de encuentros de opuestos complementarios en el pasado y de la misma forma piensan que surge el futuro” (Gölte, 2009: 59). Segundo Sallnow, o dualismo é o meio cultural pelo qual a fertilidade inerente à natureza se reflete no plano humano criando o equilíbrio necessário à manutenção da vida (Sallnow, 1987: 217 apud Gelles, 1995: 715). (La Chioma, 2012: 63-64) Quando em contato no tempo ou no espaço, os dois lados opostos, hanan e hurin, produzem materialmente novos produtos e indivíduos 3 e, ontologicamente, geram o equilíbrio cosmológico responsável pela fertilidade, pela vida e pela harmonia social. Este encontro geralmente é chamado de tinku, e uma das formas para concretizá-lo nos Andes tem sido desde o período Pré-Hispânico (Rostworowski, 2000: 132, 140) a famosa batalha ritual entre os dois moieties da comunidade (Stobart, 2006: 134), ou entre duas comunidades que simbolizam lados opostos, como explica Gelles: A key concept in societies that employ duality as a fundamental organizing principle is that of "alternation," which, "whether is idea or procedure, is one of the classic means of creating equilibrium"(Maybury-Lewis19 89:8). Although his logic receives many different expressions on the social plane and must be understood in each particular context, it often takes the form of ritualized competition. The purpose of 3 A analogia com a relação sexual é um importante aspecto do conceito de encontro entre opostos. 18 this, however, is not to establish the victory of one side over the other but to attain a balance of social and spiritual forces. The societies that institute the dual divisions "believe that the kind of alternation and equilibrium they provide is a guarantee of stability… dualistic theories create order by postulating a harmonious interaction of contradictory principles"(Maybury-Lewis19 89:9, 13) (Gelles, 1995: 712). O conceito de dualismo nos Andes é materializado desde o período Arcaico, verificável em contextos arqueológicos como a arte e arquitetura de Ventarrón (Vale de Lambayeque), mantendo uma presença constante em todos os períodos e culturas até a época da Conquista, e em menor grau nos pequenos ayllus e comunidades após o processo de Conquista. A presença do dualismo se verifica na organização espacial dos edifícios escavados. No caso mochica, por exemplo todos os grandes centros apresentam duas grandes huacas, como a Huaca do Sol e da Lua, uma de frente para a outra no Vale de Moche, ou como as Huacas do complexo El Brujo no Vale de Chicama (Makowski, 1996: 106; Bourget, 2006: 227). Nas artes, os mantos Paracas, do período Formativo na Costa Sul apresentam fortemente as relações duais em suas cores e padrões, e também a arte pública, bem como a arte móvel em cerâmica, ouro e prata de todos os Horizontes e Intermediários: La secuencia de actos rituales proyecta una imagen dual del mundo, gobernado por dos bandos opuestos y complementarios. La existencia de ambos es necesaria para que haya vida en la tierra. La tierra habitada por los Mochica, protegida por el Guerrero del Águila con atributos solares y por el Mellizo terrestre, se encuentra en medio de dos mundos hostiles, el océano y la sierra, gobernados, respectivamente por la pareja del Mellizo Marino y la Divinidad Femenina y por el Guerrero del Búho (...) Esta dualidad primordial se refleja no sólo en la organización del panteón, sino en todos los niveles. A ella remite probablemente el típico diseño del centro ceremonial Mochica con dos pirámides, una frente a la otra, como las huacas del Sol y de la Luna en Moche y las dos huacas Cao en Chicama. La misma relación de oposición y complementariedades se percebe en la iconografía entre: 1) el Strombus y el caracol terrestre (...); 2) la plata y el oro; (...) 3) la trompeta de concha y la trompeta-serpiente adornada con la imagen del búho (...); 4) el lobo marino y el venado, ambos representados cazados o como músicos sobrenaturales que tocan el tambor; 5) el degollamiento en la orilla del mar y en las islas frente al despeñamiento de montañas; 19 y, 6) el transporte de prisioneros en embarcaciones de totora frente al transporte de prisioneros en andas (Makowski, 1996: 106). Portanto, o dualismo é a base do pensamento andino, estendendo-se a toda a produção material, sendo verificado em muitos detalhes da arte mochica, como veremos ao longo da análise de nossos dados: Extrapolating from the ethnohistoric record, a growing number of Andeanists have interpreted archaeological patterns as reflecting dual organization; the inference is usually based on some form of paired construction, spatial division, or other architectural feature interpreted as evidence of dual social organizations. (Moore, 1995: 168) Rostworowski (2000: 11-113) sustentava que esta dualidade era tão estrutural no período Pré-Hispânico que até a organização do poder teria obedecido primordialmente a este conceito, com a presença de dois líderes ou dois Incas em vez de apenas um. Moore também menciona este tipo de organização dual do poder com base em relatos etnohistóricos. Por exemplo, segundo os trabalhos de Murra, entre os lupacas do altiplano centro-andino a liderança era compartilhada por dois líderes de diferentes moieties (Murra, 1968 apud Moore, 1995: 167): The best-known example of dual organization is associated with the Inka. For example, Zuidema's detailed analyses (1964, 1973, 1977,1983, 1990a, 1990b) illustrate how the organization of Inka society and polity incorporated principles of dualism, particularly as expressed in the division between hanan and hurin, the upper and lower moieties of Inca Cuzco. Rowe (1946:255-256, 262-263) observes that Inka moiety divisions were opposed but not equal in status, and notes that "the chief of the Lower Moiety [hurinsaya] was subordinate to that of the upper one [hanansaya]." (Moore, 1995: 166). Moore retoma um estudo de Netherly (1978) para demonstrar que a costa norte do Peru, região de ocupação mochica, também apresentou este tipo de organização do poder no período Tardio: Dualism seems to have been a similarly significant principle of social order on the Prehispanic North Coast of Peru (Netherly 1978, 1984, 1990; Netherly and Dillehay 20 1986; for a dissenting view, see Rowe 1993). In her analyses of colonial documents, Netherly (1990:463) has discovered repeated references to a sociopolitical order structured by the principles of hierarchy and duality in which "the parcialidades or polities are grouped in pairs as ranked moieties, and the heads of these moieties are also grouped in ranked pairs at each level." Meaning simply "a part of the whole," the North Coast parcialidades appear to represent moiety divisions made up of groups of patrilineages (Netherly 1978: 110), each with a socially recognized leader (…). The order of succession was apparently from a paramountl ord to his younger brothers in order of birth and then to the paramount lord's son (Netherly 1978:183-187). (Moore, 1995: 167) Segundo Moore (1995: 167-168) esta organizaçao do poder na costa norte adviria dos períodos mais recuados, não estando diretamente relacionada à recente chegada do poderio Inca: The North Coast ethnohistoric evidence for dualism appears to reflect a political institution with deep roots that survived Inka rule and persisted, though with increasing difficulty, into the early Colonial Period. (Moore, 1995: 168) As divisões entre o hanan e hurin expressam também a existência de diferentes espaços de atuação de indivíduos e divindades, no sentido de planos sobrenaturais (acima e abaixo) que se encontram nos espaços liminais, em constante contato com a terra, ou o plano humano: Hanan Pacha é o mundo de cima, a parte alta ou hanan, no qual atuam as divindades Sol (Inti) e Lua (Killa). Segundo Gölte (2009: 61), Hanan Pacha também se divide em duas partes, o mundo de cima diurno e masculino (relacionado ao Sol) e o mundo de cima noturno e feminino (relacionado à Lua). Kay Pacha é o mundo terreno, intermediário, no qual atuam os homens, plantas e os animais (chamado de esta dimensão). Segundo Gölte (ibid.), é a interface entre o Hanan Pacha e Hurin Pacha e para existir depende da interação entre os outros dois. No mundo intermediário, nome que utilizaremos nesta dissertação, as montanhas se relacionam ao Hanan e o oceano ao Hurin, o milho ao Hanan e as mandiocas ao Hurin, os homens ao Hanan e as mulheres ao Hurin etc. Tudo na natureza possui uma conexão com algum destes mundos, e muitas vezes com ambos ao mesmo tempo (...). Uku Pacha é o inframundo, a parte de baixo ou hurin, onde atuam as divindades da Terra 21 (Pachamama e Pachatata) e onde vivem os mortos. Este também se divide em duas partes, o mundo de baixo diurno e masculino (representado por Pachatata) e o mundo de baixo noturno e feminino (representado por Pachamama). (La Chioma, 2012: 6970) Estes diferentes planos existentes na cosmovisão são claramente perceptíveis na iconografia mochica. Na arte do Intermediário Inicial, todas as coisas que acontecem em um plano, também acontecem nos outros (Hocquenguem, 1987: 20). Ou seja, cerimônias, batalhas, danças, procissões, relações sexuais etc. não ocorrem apenas no plano humano, mas também no Hanan Pacha, ocupado pelas divindades, e no Uku Pacha, habitado pelos mortos e ancestrais. Assim, é comum ver representações iconográficas de esqueletos e seres sobrenaturais engajados nesses eventos: In Moche visual culture the sexual acts, the transport of funerary paraphernalia, and the offering of children are consistently being carried out by three broad types of subjects. The first one consists of human beings. The second one consists of livingdead, skeletal, or mutilated beings. The third one consists of individuals with supernatural attributes and the bat. I have suggested here that to explore Moche religion and belief system, these three types of actors had to be related to three conceptually and cognitively different but related domains: the World of the Living (human beings), the World of the Dead (skeletal and mutilated beings), and the afterworld (beings with supernatural attributes, animals). Throughout this analysis it became apparent that another group of people could be associated with these actors: the eventual sacrificial victims, who may represent most of the male individuals of this corpus, and the sacrificial victim, who engages in the same actions as the beings with supernatural attributes. (Bourget, 2006: 225) A ancestralidade é um dos elementos mais importantes da cosmovisão andina. A legitimação e manutenção do poder e das funções sociais, como de xamã, governante, sacerdote, guerreiro etc. são justificadas pela ascendência ontológica de cada indivíduo, sustentada pelo conceito de paqarina (Rostworowski, 2000: 13), palavra quéchua referente aos lugares de origem de uma família ou grupo consanguíneo (ayllu). Estes locais podem referir-se a zonas naturais, como cavernas, rios, lagos ou montanhas, ou a animais e entes sobrenaturais. O importante é que o camac, ou a energia vital existente em 22 determinada paqarina, seja passada aos seus descendentes dando-lhes a legitimidade conferida pela divindade ancestral, detentora desta força primordial (Rostworowski, 2000: 12; Golte, 2009: 21). Segundo Rostworowski (2000: 64) no período colonial o culto aos heróis míticos e divindades se mesclava com o culto aos mortos, sendo ambos considerados ancestrais. Os ancestrais humanos se encontram no Uku Pacha ou inframundo, onde vivem os mortos. São representados pelos falecidos que, à época inca tinham seus corpos mumificados (mallquis). Estas múmias eram colocadas em eventos coletivos como uma forma de expressar a continuidade de sua participação na vida em comunidade. Por esta razão, a relação das sociedades com os mortos e o inframundo parece ter sido muito orgânica no período Pré-Colombiano, como discutem Weismantell & Meskell: Ethnohistoric, ethnographic and archaeological data overwhelmingly suggest that for Moche elites, as for other Andean peoples, tombs were not a realm of the dead, separated from everyday life; instead, they were important places for the living, who went there to revitalize their connection to their ancestors – and to publicly enact their right to inherit from them. (Weismantell & Meskell, 2015: 242) Segundo Stobart (ibid:99-100) festivais coletivos nos Andes se caracterizam por uma espécie de saturação sensorial na qual existe, além da música, comida, bebida, decoração, aromas, risos, conversas, danças, encontros e até mesmo combates. Esta situação deve ser compreendida como um momento no qual as forças animadoras (camaq) circulam na comunidade. Os conceitos de vida, morte, renascimento, energia vital e ancestralidade são fundamentais neste contexto. Além disso, a questão do calendário é muito importante, já que festivais são marcadores temporais, que constituem a concepção das pessoas sobre o tempo (ibid.). Por esta razão é importante analisar os músicos e a música na iconografia mochica de forma tanto social quanto ontológica, levando em consideração os cânones da cosmovisão e, por consequência, da organização do poder e dos eventos públicos, postos aqui. Foi Hocquenguem (1987: 24) quem primeiro analisou as imagens mochica sob uma perspectiva cíclica e calendárica, argumentando que: 23 Los mitos y ritos andinos establecen paralelos entre el ciclo de los astros, de las estaciones, del crecimiento de las plantas cultivadas y el de la vida de los hombres. Se transmiten y celebran en forma colectiva en momentos determinados del ciclo anual, según el calendario ceremonial, y en forma privada, según las circunstancias de vida de cada individuo. (Hocquenguem, 1987: 24) Hocquenguem (1987: 26) organiza sua análise iconográfica de acordo com os ciclos calendáricos, fazendo uma relaçao direta entre calendário cerimonial e calendário agrícola. Segundo ela os ritos de nascimento e “adultez” correspondem ao solstício de junho, momento de descanso da terra e renascimento do ciclo anual. A puberdade se festeja com o solstício de dezembro, início da estação úmida e época do crescimento das plantas. A morte, por sua vez, se festejaria no equinócio de março, quando secam as plantas e começa o ciclo de inversão da ordem. Por tudo o que foi aqui colocado, os conceitos de dualismo, encontro, ancestralidade, morte e renovação e energia vital devem ser levados em consideração nas interpretações iconográficas, visto que foram materializados na arte andina em geral e mochica em particular: A importância da cosmovisão nos estudos ameríndios está, essencialmente, no fato de que estes conhecimentos, obtidos e gerenciados pelas mais altas hierarquias da sociedade, efetivamente passam a nortear a organização interna dos grupos e a produção material. Desta forma, as relações de poder intrasocial, o gerenciamento dos recursos naturais, a organização do culto e do trabalho especializado se pautavam, na América Pré-Colombiana, pelas linhas mestras dos ciclos calendáricos e dos fenômenos naturais que regiam a cosmovisão ameríndia. A cosmovisão, portanto, não constitui uma série de conhecimentos que reverberam apenas no plano ideológico das sociedades ameríndias ou na epistemologia da ciência antropológica. Ela participou ativamente da organização e manutenção das sociedades pré-colombianas e influenciou a produção material ditando conceitos que foram incorporados a estilos de arte nada aleatórios e, ao contrário, muito bem prescritos por classes consolidadas no poder. (La Chioma, 2012: 62) Estes conceitos, os quais voltaremos a referenciar e discutir ao longo da tese, conformam uma das mais importantes bases de sustentação das 24 interpretações iconográficas do material andino, e são também utilizados largamente pelos musicólogos que trabalham na região. Sua materialização no aparato ritual mochica seguramente influenciou na caracterização dos músicos representados na arte. Por esta razão, nesta pesquisa os músicos não foram simplesmente classificados por seus attibutos ou instrumentos, mas também por sua pertença simbólica a um ou outro plano da existência, como será detalhado a seguir. I.V. Perfil dos dados e Critérios de Análise Nosso corpo de dados é composto primordialmente por artefatos de cerâmica com representações iconográficas, sejam escultóricas ou pictóricas, de músicos. Estas peças se encontram sob a guarda de museus e acervos de todos os tipos, desde grandes instituições, como Universidades e Arquivos, até coleções particulares. Foi analisada para esta tese um total de seiscentas e cinco (605) peças, muitas delas contando com mais de um músico representado. As peças analisadas presencialmente pertencem principalmente aos seguintes museus: Museu Arqueológico Rafael Larco Herrera (Lima), Museu de Arqueologia, Antropologia e História do Peru (Ministério de Cultura do Peru, Lima), Museu de Arqueologia do Centro Cultural da Universidade Nacional Maior de San Marcos (Lima), Museu de Arqueologia da Universidade Nacional de Trujillo (Trujillo), Museu de Sítio Huacas de Moche (Projeto Arqueológico Huacas de Moche, Trujillo), Museu Cassinelli (Trujillo), Museu de Sítio Huaca Cao (Trujillo), Museu Bruning de Lambayeque, Museu Tumbas Reales de Sipán (Lambayeque), Museu de Sítio Huaca Rajada Sipán (Lambayeque), Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (São Paulo), Museu de América (Madri) The Metropolitan Museum of Art (Nova York), American Museum of Natural History (Nova York) e Dumbarton Oaks Research Library and Collection (Harvard, Washington D.C). Outros museus foram consultados eletronicamente, como o Museu Etnográfico de Berlim, Museu Fowler de História Cultural (Los Angeles), o Museu de Gotenburgo (Gotenburgo, Suécia) etc. A costa peruana tem sido, por séculos, alvo de saqueios de tesouros arqueológicos conhecidos como huaqueos. Além disso, escavações 25 arqueológicas no século XIX e início do XX não eram tão rigorosas quanto atualmente e, mesmo sendo salvaguardadas por expedições oficiais, muitas peças não foram registradas como deveriam. Em razão das características naturais da costa peruana, muitas dessas peças foram encontradas em prospecções de superfície nos áridos desertos, sem a necessidade de escavações mais profundas. Todas estas práticas legaram um patrimônio imenso de peças arqueológicas a museus e instituições do Peru e do mundo todo, todas sem contexto de escavação ou informação de proveniência. As iconografias das regiões costeiras peruanas são em geral figurativas e extremamente ricas em diferentes temas, com representações de seres sobrenaturais, indivíduos de poder, animais, cenas complexas, etc (por exemplo Paracas, Nasca, Cupisnique, Moche, Chimú, Lambayeque, Chancay etc.). De modo que nosso corpo de dados se caracteriza por peças com iconografia altamente figurativa e sem proveniência de escavação. Esses dados, que se acumularam por anos em coleções, têm imenso potencial para explicar aspectos da arte e da sociedade mochica, inclusive a música, como defendemos nesta tese. O perfil de nossos dados nos leva naturalmente a um posicionamento teórico-metodológico semiótico, centrado na interpretação da iconografia mochica e nas análises da cosmovisão. Como veremos no Capítulo II, apenas um especialista em arqueologia andina tem aplicado as teorias da agência ao material mochica (Jeffrey Quilter). A nosso ver, a ausência de informações de proveniência de nossos dados limita e até mesmo impede a abordagem do material sob a perspectiva da agência, visto que não temos o registro da história de vida desses artefatos, fundamental, segundo Gell, para este tipo de análise. Acreditamos sim que os artefatos mochicas têm potencial para serem analisados sob perspectivas da agência, tendo uma posição fundamental nas relações de mediação entre pessoas e grupos, porém, a perspectiva semiótica responde com maior eficiência a nossas perguntas sobre o papel social e simbólico dos músicos e dos instrumentos sonoros, como será demonstrado ao longo desta tese. Toda a nossa análise está fundamentada em uma metodologia semiótica, bem como nas cosmovisões andinas e nos aspectos simbólicos do material estudado, 26 como por exemplo as relações com o mundo sobrenatural e o significado dos diferentes tipos de suporte artefactual. I.V.I. Objetivos Específicos Os objetivos da pesquisa têm como ação preliminar o levantamento de artefatos arqueológicos mochica contendo representações iconográficas de músicos e, em menor grau, instrumentos sonoros. De forma concisa são eles: a) A análise iconográfica e classificação destes dados com base em uma metodologia semiótica a ser detalhada neste capítulo; b) A identificação dos tipos de músicos e de performances musicais encontrados na iconografia mochica; c) A compreensão sobre os papéis sociais e simbólicos dos músicos na iconografia mochica, buscando compreender em que épocas e vales estas representações se tornam mais fortes; d) Uma discussão mais ampla sobre os músicos e a produção sonora na sociedade mochica, relacionando-os com os preceitos das ontologias andinas. I.V.II. Metodologia de Análise e Critérios de Classificação Nossa metodologia de análise se fundamenta em uma perspectiva semiótica, sob a qual uma análise sistemática de artefatos arqueológicos mochica contendo representações iconográficas de músicos é realizada organizando e comparando e rearranjando as partes mínimas da composição visual, como demonstrado nos critérios a seguir: 1. Os músicos foram, primeiramente, classificados de acordo com seus atributos de poder e características físicas, bem como outros elementos suplementares associados a esses personagens. Grupos de músicos com os mesmos atributos foram formados, e então relacionados com o restante dos personagens do corpus iconográfico mochica. 27 2. Em um segundo arranjo, baseado nos instrumentos tocados pelos personagens, foram observadas as associações de determinados personagens da iconografia mochica com instrumentos sonoros específicos. 3. A morfologia do suporte artefactual foi o terceiro tópico de análise. As representações iconográficas não eram feitas aleatoriamente na arte mochica. Nós podemos notar uma clara associação entre certos tipos de suporte e certas cenas, narrativas ou personagens (Golte, 2009: 82). Portanto, temos observado que tipos específicos de músicos estão representados em estatuetas, vasos de alça estribo, cântaros etc. Seguindo os critérios descritos, ao final da análise ficaram muito claros grupos de músicos com os mesmos atributos, tocando os mesmos instrumentos e representados nos mesmos tipos de suporte artefactual. Eles foram, então, divididos em três principais grupos de acordo com a cosmovisão andina com o objetivo de permitir a discussão sobre os papéis sociais e simbólicos dos indivíduos. Os princípios da cosmovisão associados aos tipos de músicos encontrados determinaram a organização dos três principais grupos, que conformam por sua vez os capítulos desta tese: os Músicos Oficiais, os Músicos Sobrenaturais e os Músicos Mediadores. Estes grupos foram, por sua vez, divididos em subcategorias, resultando no quadro a seguir, composto por todas as categorias encontradas em nosso estudo: 28 I. Músicos Oficiais I.A. Sacerdotes Guerreiros / Sacerdotisas I.B. Acompanhantes e Anunciantes II. Músicos Sobrenaturais II.A. Divindades II.B. Animais II.C. Plantas II.D. Cadavéricos e Mortos II.D.1. Danças do Inframundo III. Músicos Mediadores III.A. Cegos e Mutilados III.B. Xamãs e Curandeiros III.C. Outros Músicos Mediadores Ao final, os grupos foram discutidos em relação a dados arqueológicos ou etnohistóricos, visando aprofundar as interpretações acerca dos papéis sociais e simbólicos dos músicos. I.VI. Premissas Trabalhamos com duas principais premissas em nossa investigação: Primeira Premissa: Relacionar os músicos a todo o repertório iconográfico mochica. Com o objetivo de compreender os papéis dos músicos e instrumentos sonoros na sociedade mochica, as análises não devem recair apenas sobre as representações iconográficas de músicos. Melhor dizendo, a análise das representações musicais não deve estar isolada de todo o restante do corpus iconográfico mochica, bem como das informações sobre escavações arqueológicas ou estudos mais gerais sobre organização espacial, paisagem, relações de poder e cosmovisão. Esta foi uma das premissas de Hocquenguem (1987: 22) em seu clássico estudo sobre a iconografia mochica, já que uma 29 única imagem só tem significado quando analisada em conjunto com a estrutura, isto é, o todo da iconografia mochica, como também sustenta Bourget: Ideally, because of the interrelationships between these two broad themes and the rest of the iconography, they cannot and should not be isolated from the rest of the corpus to be studied productively and understood correctly, as this would run the risk of obscuring the meaning of these scenes and rendering the resulting analyses misleading. It would thus appear that selecting one or two themes and treating them somewhat separately would constitute if not an impossible project, most probably a fruitless one. Keeping this caveat in mind, I would nevertheless propose that the cluster of scenes loosely associated with sexual representations, and the second one apparently depicting funerary activities, can be studied together. Indeed, their analysis will show that these scenes often portray similar actors and activities, suggesting that they may have been perceived as conceptually and cognitively related. (Bourget, 2006: 10) Por muito tempo as análises da música estiveram isoladas dos estudos mais amplos sobre a sociedade mochica. Alguns trabalhos recentes têm começado a atentar para estas relações, como os de Mirian Kolar (2012) e Diane Scullin (2015), os quais avaliam os aspectos acústicos dos espaços construídos em Chavín de Huantar e na Huaca de la Luna, respectivamente. Estas análises consideram os estudos arquitetônicos, espaciais, políticos e cosmológicos das sociedades estudadas para compreender a produção sonora e as performances musicais. Em nossa investigação, particularmente, propomos manter um diálogo constante dos músicos encontrados com todo o repertório iconográfico mochica e os informes e relatórios dos principais projetos arqueológicos responsáveis pelas escavações nas grandes huacas, bem como com os estudos das ontologias andinas. Sob esta ótica, músicos deixam de ser somente “músicos” e passam a ser governantes, figuras de poder, divindades e outros protagonistas da iconografia que, aparentemente, não manifestam conexões específicas com temas musicais. 30 Segunda Premissa: A utilização do conceito de Personalidades Iconográficas ou Personas Sociais para orientar a identificação de personagens A grande quantidade e sofisticação de artefatos de prestígio e atributos de poder normalmente presentes tanto nos contextos funerários quanto na iconografia indicam uma grande variedade de papéis de autoridade no mundo Moche. Indivíduos e personagens específicos podem ser identificados na iconografia com base na combinação de seus elementos e atributos de poder. Tais elementos conferem a esses indivíduos qualidades e poderes de divindades e ancestrais que fazem parte do sistema de crenças mochica, como sustenta Golte: No cabe duda de que para los moche existía una serie de “seres de poder ”que poblaban sus mitos y los esquemas de un mundo construído en oposiciones complementarias entre los espacios y tempos. La forma más simple de reconocer en las pinturas y esculturas a los “seres de poder” (kamaq en quéchua) o a las divinidades, es por medio de los atributos con los cuales aparecen en los íconos (...) si uno quiere entender la lógica de las representaciones, es imprescindible su identificación y la de sus atributos. (Golte, 2009: 69) Estas associações precisas de atributos levaram Makowski (1996: 17) a trabalhar com o conceito de personalidade iconográfica, mais tarde utilizado por Bourget (2008: 263) com a denominação de persona social. Sob esta abordagem, a ser detalhada no Capítulo III, se distinguem os papéis sociais específicos de personagens da iconografia ou encontrados em contextos funerários. Makowski (2010), Donnan (2012) e Bernier (2010) têm debatido como a suntuosa materialidade manteve um papel importante em identificar, manter e legitimar as autoridades destes indivíduos, permitindo que conduzissem e participassem nos ritos mochicas mais importantes: Texts reveal that many social roles and functions were associated with specific garments and adornments. Individuals like priests, priestesses, warriors, or messengers were signified by particular headdresses and precious ornaments (…). (Bernier, 2010: 91-92) 31 Desta maneira, veremos ao longo desta tese como o conceito de persona social, que se usa geralmente para definir um indivíduo de alto status, mas que pode também caracterizar um ser sobrenatural, um animal ou até mesmo um tubérculo, pode ser usado para identificar os músicos encontrados na iconografia mochica. Antes de adentrar o próximo capítulo, gostaríamos de ressaltar que, ao pressupor análises iconográficas da música como parte de seu conjunto de interesses disciplinares, a Etnoarqueomusicologia permite aos acadêmicos que queiram partilhar de sua conjuntura certa autonomia disciplinar e metodológica na análise de suas fontes. Por esta razão, propomos nesta tese não só a análise iconográfica e a compreensão dos papéis sociais dos músicos no universo mochica, mas também a convergência de dois esquemas teóricometodológicos que, ao se complementarem, podem trazer grandes contribuições à compreensão da música no passado pré-hispânico: a Etnoarqueomusicologia e a Semiótica. Esta última, por sua vez, se faz presente tanto no sentido teórico, de viés estruturalista e inserida na discussão teórica da Arqueologia Cognitiva e Pós- Processual, que consideram as subjetividades próprias da leitura que cada arqueólogo empreende das suas fontes, quanto como uma ferramenta metodológica de análise semiológica, na qual os mínimos elementos das imagens são verificados e reagrupados a todo momento para dar sentido à narrativa construída a partir dos dados. É dentro deste contexto teórico-metodológico que se desenvolverá a leitura dos nossos dados. 32 Capítulo II Contextualização do Mundo Mochica El mochica se nos revela como el dominador de todas las técnicas del arte, hasta del modelador mismo insigne, arte industrial. escultor, Es tallador, grabador, repujador, entre muchas otras cosas. Producto de su arte y de su industria es todo lo que palpita y deslumbra en los museos y lo que contiene el relato gráfico de su gloriosa vida. (Rafael Larco Hoyle, 1938) II. I. Panorama e Localização Os mochicas (também conhecidos como os moche) ocuparam a parte norte da costa peruana e formaram a maior organização sócio-política da região andina durante o período Intermediário Inicial (100 a.C - 600 d.C) 4. As ocorrências arqueológicas associadas a esta cultura se situam, aproximadamente, entre o início da era cristã até cerca do século IX d.C, já então numa fase tardia associada à influência serrana do Horizonte Médio (Huari) (La Chioma, 2012: 30). Apesar de desértica, a costa norte do Peru apresenta uma série de vales férteis de norte a sul, formados pelos principais rios que descem a cordilheira dos Andes, cortando de leste a oeste a serra e a costa. Esta configuração geográfica permitiu o desenvolvimento de zonas de cultivo e uma agricultura 4 Intermediário Inicial é a terminologia cunhada por John Rowe (1945; Rowe apud Joffré, 2005) e geralmente utilizada em Arqueologia Andina para se referir a uma época em que os regionalismos, caracterizados por uma pronunciada territorialização foram mais acentuados na área centro-andina, durante a qual as diversas populações espalhadas pela costa e cordilheira desenvolveram técnicas muito particulares de construção arquitetônica, irrigação, produção artefactual, organização política e religiosa etc. (Silverman & Proulx 2002: 12), (como por exemplo, Moche, Nasca e Recuay). 33 baseada em um consistente sistema de irrigação, desenvolvido pelos povos da região desde o Período Formativo (aproximadamente 1000 a.C a 100 d.C) e incrementado na época mochica. Os vales ocupados pelos mochicas de norte a sul foram Lambayeque, Jequetepeque, Chicama, Moche, Virú, Chao, Santa e Nepeña. Fig.II.1. Mapa da costa norte peruana mostrando a ocupação Mochica nas esferas norte e sul, ambas separadas pelas Pampas de Paiján, entre Chicama e Jequetepeque. Imagem: Castillo & Donnan, 1994: 10. 34 II.II. Poder e Organização Sociopolítica O conhecimento sobre o mundo Moche foi construído paulatinamente, desde o final do século XIX, com base em uma grande quantidade de vestígios arqueológicos encontrados na costa norte, atribuídos ao período Intermediário Inicial. Muitos pesquisadores, encaminhando projetos maiores ou menores de investigação, basearam suas inferências, fundamentalmente, sobre três tipos de evidências: técnicas específicas da arquitetura em tijolos de adobe adotada nos grandes centros político-religiosos (Shimada, 2010: 70), os padrões de enterramento das elites e os padrões deposicionais dos vestígios cerâmicos escavados em diversos contextos arqueológicos, rituais ou domésticos, bem como encontrados em áreas de refugo. Paralelamente, os estudos iconográficos da cerâmica ritual musealizada trilharam uma história de pesquisa muitas vezes apartada dos dados arqueológicos de campo, na análise de historiadores da arte, artistas plásticos e antropólogos, sendo alvo de interpretações pouco associadas aos contextos estudados pelos arqueólogos ou mesmo à arqueologia de cunho histórico culturalista (Quilter & Castillo, 2010: 1). As categorias iconográficas postuladas pelos primeiros trabalhos (Donnan, 1975; Benson, s/d; Hoqcuenghem, 1987) partiam de uma repetição “coerente” e dicotômica que separava as representações de seres humanos dos sobrenaturais, a partir da identificação dos atributos individuais observados nas vasilhas escultóricas ou nas narrativas visuais presentes nos bojos dos vasos cerâmicos, que eram passadas para planos bidimensionais para fins didáticos. Aos olhos dos primeiros investigadores, esta era uma produção de perfil “estatal”, o que Michael Moseley denominou como “estilos corporativos” (corporate style). 5 Todas essas evidências e contextos arqueológicos levaram os arqueólogos, a partir da primeira metade do século XX, a atribuir aos mochicas uma organização estatal, como defendido por Rafael Larco (1938). 5 O termo de Moseley, corporate styles, refere-se a estilos de arte produzidos dentro de um contexto, se não estatal, ao menos com condições ideais para experiências políticas comparáveis a estados e confederações. Essa arte era produzida com fins políticos e religiosos, com um forte controle do trabalho dos artesãos por parte das elites (Silverman & Proulx, 2002). 35 Larco foi o primeiro arqueólogo peruano a estudar os artefatos atribuídos aos mochicas (1938) e difundiu, inicialmente, a hipótese de que eles teriam se organizado na forma de um Estado unificado, decorrente de um curso histórico sem inflexões, com origem no período Formativo (segundo Larco, herdeiro da tradição Cupisnique). Por essa perspectiva, o Estado Moche teria se desenvolvido de forma linear, com um perfil de evolução progressiva, de longa duração, tanto na produção material quanto na organização do espaço, nas funções cerimoniais e em outras esferas da vida social (Castillo, 2006: 126). Os postulados de Larco foram claramente influenciados pelo momento históricoculturalista em que se encontrava a disciplina arqueológica em seu período de atuação, tendo sido as semelhanças estilísticas e a posição estratigráfica de artefatos cerâmicos suas mais importantes ferramentas metodológicas de trabalho. O estilo mochica conformava, para ele, uma entidade cultural. Sua maior contribuição foi sem dúvida a cronologia cerâmica mochica (baseada quase que exclusivamente em dados dos vales de Moche a Nepeña, na região Moche Sul). Esta classificação 6 segue como referência para a grande maioria dos trabalhos de investigação centrados na cerâmica proveniente da esfera Moche-Sul (Pillsbury, 2006: 11), tanto porque até o presente a cronologia da cerâmica mochica não foi refinada, quanto porque os trabalhos mais recentes atestam a legitimidade da ordenação de Larco para os vales de Moche, Chicama e Virú. As evidências arqueológicas levantadas nas últimas três décadas não sustentam mais a hipótese de Larco (Castillo & Uceda, 2007: 2). Os trabalhos arqueológicos feitos na costa norte a partir da década de 80 do século XX mostraram nítidas particularidades arquitetônicas, tecnológicas, estilísticas e iconográficas (especialmente com relação às produções cerâmica e metalúrgica) em cada um dos oito vales que conformavam o mundo Moche, levando os especialistas a questionarem o modelo de Estado Unificado de Larco (Castillo & Donnan, 1994: 144). As descobertas em Vicús (Vale de Piura, extremo norte do Peru), Pacatnamú e Dos Cabezas (Vale de Jequetepeque) foram decisivas em 6 A discussão sobre os estilos cerâmicos produzidos nas esferas Moche Norte e Moche Sul será retomada na p. 63. 36 mostrar a heterogeneidade presente entre os Mochicas7, especialmente porque os achados cerâmicos desses sítios não se encaixavam na sequência cronológica elaborada por Larco. Para Castillo (2006, 2010) é clara a divisão entre a esfera sul e a esfera norte da costa norte peruana, geograficamente separadas pelas Pampas de Paiján. Esta barreira natural permitiu que as duas áreas desenvolvessem algumas diferenças culturais e estilísticas desde os períodos pré-mochica, mesmo que as semelhanças superassem as diferenças levando à formação de uma unidade político-religiosa no Intermediário Inicial, tendo passado por uma separação cultural mais visível nos períodos denominados Intermediário Médio e Intermediário Tardio. Os estudos mais recentes têm contemplado diversos sítios e huacas, atentando para enterramentos de personagens de elite, padrões arquitetônicos e urbanísticos, estudos dos canais de irrigação e da distribuição hidráulica, análises iconográficas e tecnológicas da cerâmica e dos metais encontrados tanto em contextos arqueológicos quanto em coleções de museus. A arte já não tem sido analisada separadamente, mas em conjunto com os dados provenientes de contextos de escavação. Esta nova abordagem contextual tem contribuído, ao longo das últimas três décadas, para um entendimento mais integral da sociedade mochica, marcando um amplo avanço na compreensão da organização sócio-política e inaugurando um novo momento iniciado pelas escavações de Huaca Rajada / Sipán, no Vale de Lambayeque, em 1987, que culminou na chamada Nova Era da Arqueologia Mochica (Castillo & Quilter 2010:1), marcada pela expansão da interdisciplinaridade e um maior diálogo entre os estudos iconográficos e os estudos de campo (ibid.). Este novo quadro também tem levado a discussões sobre a natureza da organização política Moche, e se esta configuraria, de fato, um Estado (Castillo & Quilter, 2010). Se por um lado, alguns elementos considerados típicos de organizações estatais aparecem na evidência arqueológica mochica, por outro, têm-se encontrado no registro arqueológico elementos que atestam fragmentações e regionalismos na costa norte peruana deste período. No caso da arquitetura monumental, por exemplo, algumas características construtivas de populações 7 O detalhamento e os resultados das escavações foram publicados em Castillo & Uceda, 2007. 37 locais estão presentes nos edifícios mochica mais afastados da região Moche/Chicama, considerada a região central do “Estado Moche Sul”. Segundo estudos recentes (Chapdelaine, 2010; Millaire, 2010; Billman, 2010; Wright, 2010), as populações periféricas não foram completamente submetidas pelos mochicas, visto que muitos de seus padrões de enterramento, produção cerâmica e arquitetônica continuavam presentes, e em ocorrência concomitante, com o material Moche considerado “oficial”. Em alguns casos esta situação é extremamente confusa, como em Huancaco (Bourget, 2010: 209-211) onde o material arqueológico atribuído a Gallinazo, tradição local do vale de Virú contemporânea a Moche, ocorre associado de forma tão equilibrada aos artefatos mochicas que não se pode inferir controle político direto dos vales de Moche/Chicama sobre o vale do Virú (ibid). Os estudos mais recentes apontam, assim, que a presença de arquitetura monumental mochica nos vales periféricos não é suficiente para demonstrar o controle regional centralizado a partir de uma configuração política de moldes “estatais”. Em outras palavras, dados arqueológicos provenientes da arquitetura monumental por si só não têm levado os investigadores a apreciações conclusivas sobre a existência de um Estado Moche (Castillo et al, 2008, Quilter e Koons 2012; Arcuri 2014). Os únicos elementos que parecem ser idênticos em todos os vales são os atributos de poder das elites enterradas e encenadas na iconografia, alguns elementos iconográficos que demonstram poder, como armas de guerra, personagens decapitados ou prisioneiros, bem como “divindades universais” do mundo Moche, como Ai Apaec, chamado por Golte (1994, 2009) de Divindade Intermediadora. Por esta razão Donnan (2010: 47) é assertivo quanto à importância do culto e das elites para a unificação do mundo Moche, mais que qualquer outro elemento. Portanto, é sumamente importante levar em consideração os modelos da cosmovisão andina, e particularmente mochica, para compreendermos melhor essa sociedade e, para nosso objetivo particular, sua relação com a música. Pensar Moche como uma unidade monolítica não tem mais sentido em vista dos novos dados levantados, especialmente se levarmos em consideração as grandes diferenças existentes entre os vales ao norte e ao sul de Jequetepeque. É importante que, a partir de agora, as particularidades 38 regionais nos permitam pensar em novas categorias de análise sobre o universo sociopolítico mochica, que deve ser entendido a partir das cosmologias, à luz do estudo das organizações sociais ameríndias (Arcuri 2007, 2011, 2012). Para o caso mochica, vem sendo pensado um novo modelo de organização com base nas evidências arqueológicas apresentadas recentemente (Castillo &Quilter, 2010). Esta discussão será importante na medida em que buscarmos compreender a relação dos instrumentos sonoros e seus portadores no mundo Moche com base nos pilares do poder e da cosmovisão. Estas relações serão construídas ao longo desta tese. II.II.I. As elites e seu papel cerimonial Ao longo das últimas décadas a Arqueologia Mochica tem encontrado cada vez mais evidências da relação intrínseca entre os artefatos descobertos em contextos funerários atribuídos às elites e a identificação destes personagens na iconografia da cerâmica ritual. Os indivíduos representados na iconografia dos vasos rituais têm sido paulatinamente encontrados em contextos de escavação, exatamente com a mesma associação de atributos de poder e as mesmas indumentárias. São os casos dos enterramentos de Sipán, San Jose de Moro, El Castillo, Pampa Grande, Huaca Cao Viejo etc. (Donnan, 2010: 47-66; Arcuri, 2014). No auge do período Médio (200 a 450 d.C) (Billman, 2010: 185), figuras de poder, sejam elas pertencentes ao mundo natural ou a divindades e outros seres “extraordinários”, paramentadas com uma série de atributos, assumem maior destaque na iconografia dos vasos rituais e dos centros cerimoniais. Uma das narrativas mais conhecidas e estudadas deste período é a Cerimônia do Sacrifício (Donnan, 1975), reproduzido na prancha 6. Como se observa na imagem, as figuras de status elevado podem ser identificadas na iconografia a partir de uma composição de determinados elementos iconográficos ou atributos de poder, na configuração de seus toucados, capas, ou na própria taça – artefato que foi encontrado na tumba do sacerdote, que a apresenta ao Senhor de Sipán, nas escavações da Huaca Rajada – bem como elementos que lhes conferem uma identidade predatória 39 “sobrenatural”, como as presas (Makowski, 2000:279, Alva 2006:27, AlvaMeneses 2006:148). Os vários elementos dotam os seres com qualidades e poderes que estão presentes em divindades conhecidas do repertório iconográfico Mochica e bastante discutidas na bibliografia especializada (Donnan, 1978, Donnan&McClelland, 1999; Hocquenghem, 1987; Castillo, 1989, 2000; Golte, 1994, 2009; Makowski, 1994, 1996, 2000; Bourget, 2006; Jackson, 2008), como a Divindade Intermediadora, o Ajudante Iguana, o Guerreiro Coruja etc. Neste sentido, divindades compartilham seus atributos e poderes mágicos com seres humanos de posição hierárquica importante que comandam os rituais públicos encenados nas huacas, pois os eventos cerimoniais deveriam estar atrelados a uma narrativa mítica que sustentasse e legitimasse o poder destas elites (De Marrais et.al., 1996: 17): Nas cerimônias moche cada segmento da sociedade detinha um papel que refletia sua posição no panteão Moche de divindades e seres sobrenaturais. Apenas elites de alto status poderiam assumir. (De Marrais et.al., 1996: 17) Estas associações levaram Makowski (1996: 17) a usar o termo “personalidades iconográficas”, referindo-se a personagens específicos identificáveis por uma associação muito coerente de seus atributos não apenas na iconografia, mas também nos enterramentos. Makowski estabeleceu este conceito para se referir a personagens da iconografia que cumprem papéis sociais específicos e protagônicos relacionados a determinadas cerimônias e cultos oficiais, reconhecíveis também nos contextos funerários por uma associação sumamente coerente entre seus atributos. Donnan (2010: 51) e Bourget (2006: 235; 2008: 262) utilizam o mesmo conceito, porém empregando a expressão “persona social” (social persona). Autores como Alva, Golte, Makowski e Hocquenghem nomearam cada um destes personagens (Gêmeos, Sacerdote Guerreiro, Divindade Intermediadora) outros (Berezkin, Donnan, Bourget) os identificaram com letras (personagem A, personagem B, C, D, E e F). Este tema será retomado, e tais personagens apresentados e discutidos no Capítulo III, referente aos músicos do âmbito oficial. Os atributos das elites e sua atuação cerimonial são características da sociedade Moche que levaram muitos especialistas a avaliarem sua 40 configuração política como de caráter estatal, principalmente a partir das escavações de Sipán, já que a opulência demonstrada por estas elites através de sua materialidade suntuosa levava a acreditar em uma espécie de “realeza” (Marcelo Campano, comunicação pessoal, 2013). Faltava, entretanto, saber se um dos traços característicos de uma “realeza”, o parentesco entre os membros das elites, estava mesmo presente nesta sociedade (ibid.). Estudos de DNA nos remanescentes humanos de Sipán mostraram uma relação de matrilinearidade entre o Senhor e o Velho Senhor (Alva Meneses, 2006: 146). O poder era, portanto, relacionado à ascendência e à ancestralidade, visto que a organização parental é uma característica importante das sociedades ameríndias: Podemos supor (...) que os governantes mochicas ritualizavam os mitos enquanto representantes das divindades. Os sinais de desgaste descobertos nos objetos das tumbas de Sipán indicam seu uso contínuo, como símbolos de poder e exercício de autoridade divina baseada na linhagem. As análises de DNA efetuadas indicam uma descendência matrilinear entre o Velho Senhor e o Senhor (Alva Meneses, ibid). Como apontado anteriormente, a religião sustentada por estas elites era o elemento unificador mochica por excelência (Makowski, 2001: 175; Donnan, 2010: 47): os rituais e os personagens de poder representados pelas elites que os oficiavam eram as únicas características comuns a todos os vales. Por mais que se modificassem características de construção arquitetônica, estilo cerâmico, tradições iconográficas e o grau de ocorrência do material moche em relação a evidências de grupos locais, os atributos das elites de poder políticoreligioso encenadas na iconografia não variavam nos contextos arqueológicos dos mais diversos vales (ibid.). Desta forma os dados arqueológicos apontam para a confirmação do compartilhamento de pressupostos de uma cosmovisão comum por elites de poder que dominaram os distintos vales Moche. 41 II. III. Os Estudos da Cerâmica Ritual A cerâmica e os metais sempre foram elementos extremamente valorizados pelo olhar ocidental. Dentre os artefatos que compõem a materialidade mochica, estes particularmente se tornaram artigos de desejo de colecionadores e museus desde o século XIX, se convertendo em objeto de estudo para um enorme grupo de estudiosos ao longo dos últimos dois séculos. Seus atributos estilísticos e sofisticada tecnologia de produção proporcionam à “arte mochica” um apelo estético inquestionável que, juntamente à enorme quantidade de artefatos disponíveis para investigação, foram causa determinante para a criação de um campo de estudos fértil e uma abundante produção bibliográfica a respeito de suas temáticas iconográficas. A cerâmica à qual nos referimos aqui não constitui o material utilitário de uso diário. Os contextos escavados (huacas 8 e enterramentos) e a própria iconografia mostram que seu emprego estava restrito à esfera ritual. Esta cerâmica apresenta maior sofisticação no preparo da pasta e na decoração do que a cerâmica de uso doméstico: Evidence suggests that, prior to inclusion in burials, fineware ceramics functioned in various facets of ritual life. Such ceramics usually show some signs of relatively light wear or occasional use. Scarcity in contexts other than religious or funerary attests to a dedicated purpose, even though fragments of fineware ceramics are sometimes discovered in household midden and other locations. (…) Fineware ceramics were usually included in tombs as part of a larger suite of burial items. The circunstances of particular burials make it clear that certain kinds of messages were being transmitted about wealth status and, most likely, the social affiliation of the deceased person (Jackson, 2008: 38). O aparato cerâmico ritual mochica, encarregado de transmitir uma série de conceitos e mensagens provenientes das altas esferas do poder político e 8 A palavra huaca tem sido utilizada, nos estudos históricos, arqueológicos e antropológicos andinos, para designar tanto as construções arquitetônicas em adobe de caráter administrativo/religioso, quanto o conceito abstrato de sagrado: o sagrado se expressava com o vocábulo huaca que continha uma variedade de significados (Rostworovski, 2000: 11). Também, a palavra huaco pode referir-se aos artefatos arqueológicos. 42 religioso, era constituído por diferentes tipos de vasilhas, sobressaindo-se os vasos de alça estribo e os cântaros escultóricos. Até o presente não foram feitos estudos específicos para verificar se as vasilhas de alça estribo e alça lateral eram utilizadas para conter líquidos, e de quais tipos. Weismantell & Meskell supõem que elas poderiam conter chicha: There is a tight connection between these material contexts of deposition and circulation, and the substances that ceramics were designed to contain. The forms of these ceramics, primarily bottles and drinking bowls, indicate their use as containers of water, presumably both in its unadulterated form as well as in the form of fermented beverages, known in Andean studies as chicha (…). Scientific data does not exist to specifically demonstrate whether the elite ceramics found in Moche tombs contained liquids made through fermentation. (Weismantell & Meskell, 2015: 242) A seguir detalharemos as características morfológicas e cronológicas da cerâmica ritual. II.III.I. Características formais e fases 9 cronológicas da cerâmica Mochica A característica mais marcante da cerâmica mochica é a alça em formato de estribo, que constitui sua forma mais comum (fig. II.2). Este elemento foi um dos parâmetros mais importantes para que Larco criasse sua sequência cronológica de cinco fases para a cerâmica (Anticona, 2000: 29). Esses vasos podem ser escultóricos e/ou pictóricos. Os primeiros são geralmente modelados em diversos formatos representando seres míticos, zoomorfos, antropomorfos, fitomorfos, construções arquitetônicas, dentre uma infinidade de outros motivos. Nos pictóricos, o bojo do vaso é geralmente arredondado e em seu redor há cenas pintadas ou em relevo que se tornam mais complexas nas fases tardias (correspondentes às IV e V de Larco). 9 Apesar de estas fases cronológicas serem fruto de uma abordagem histórico-culturalista ao material mochica feita por Rafael Larco na primeira metade do século XX elas ainda são bastante utilizadas pelos arqueólogos que trabalham na área moche, como explicado ao longo deste tópico (II.III.I). 43 Fig. II.2. Rafael Larco utilizou a alça estribo e o tubo que leva ao gargalo como base para criar uma espécie de diagnóstico fases da Mochica. das cerâmica Acima, esquema das fases de Larco. Em Pillsbury, 2006: 13. Há outros formatos presentes no conjunto de recipientes rituais mochicas, como os vasos campanulados (também chamados de floreros, ver prancha 71), pratos, cancheros (fig. II.3), etc. Segundo Donnan (1992: 59), os ceramistas mochicas cunharam a técnica do molde no mundo andino. Geralmente cada molde correspondia à metade do bojo, formando o vaso com duas peças. A cerâmica era pintada antes da queima, em atmosfera oxidante e a decoração se caracterizava pela bicromia em vermelho e branco, que podia ser dada pela pintura ou também pela cor natural da queima da pasta. 44 Fig. II.3. Canchero. Museu Larco, Lima (ML000552) As artefatuais representações mochicas, iconográficas como em aparecem cerâmica, em metais, vários tecidos suportes e murais policromados de estruturas arquitetônicas. Entretanto, os estudos iconográficos aos quais nos referimos aqui foram realizados majoritariamente tendo como base os vasos cerâmicos rituais. II. III.II. Nossos dados frente às cronologias relativas da cerâmica Moche A formulação de uma cronologia cerâmica foi sem dúvida uma das maiores contribuições de Rafael Larco Hoyle no campo da Arqueologia Moche. Sua classificação em cinco fases distintas, baseada quase que exclusivamente em dados dos vales de Moche a Nepeña segue como referência para a grande maioria dos trabalhos de investigação centrados na cerâmica proveniente da esfera Mochica-Sul (Pillsbury, 2006: 11). Os trabalhos mais recentes atestam a legitimidade da classificação de Larco para os vales de Moche, Chicama e Virú. Donnan & McClelland (1999: 21) notaram que as mudanças na iconografia obedeciam aos critérios de Larco: mudavam de acordo com o formato do vaso e a alça estribo, demonstrando a marcação clara de épocas distintas. A já mencionada morfologia dos vasos de alça estribo foi a base sobre a qual Larco criou sua cronologia, especialmente a partir da identificação das características do gargalo do estribo, que se tornou elemento diagnóstico para a identificação de uma fase, como mostra a imagem a seguir: 45 Fig.II.4. Esquema mostrando as cinco fases de Larco de acordo com os formatos de alça estribo e suas bordas. Imagem: Donnan, 1999: 21. Conforme já mencionado, o trabalho de Larco foi claramente influenciado pelo período de influência histórico-culturalista na disciplina arqueológica em seu período de atuação, quando as semelhanças estilísticas e a posição estratigráfica de artefatos cerâmicos constituíam as mais importantes ferramentas metodológicas para a análise das evidências. O estilo mochica conformava, para ele, mais que uma entidade cultural centrada nas huacas do Sol e da Lua, um “Estado monolítico Pré-Hispânico”. Entretanto, os trabalhos arqueológicos realizados na costa norte a partir da década de 80 do século XX mostraram nítidas particularidades arquitetônicas, tecnológicas, estilísticas e iconográficas (especialmente com relação às produções cerâmica e metalúrgica) em cada um dos oito vales que conformavam o mundo Moche, levando os especialistas, como já discutido, a reverem o modelo de Estado Unificado de Larco (Castillo & Donnan, 1994: 144). As descobertas ao norte do vale de Jequetepeque, como as de Sipán, Pampa Grande e San Jose de Moro, não se encaixavam na sequência cronológica elaborada por Larco. Todas as evidências apontavam para duas grandes esferas de influência moche, separadas pelas Pampas de Paiján: a esfera Mochica Sul abarcando os vales de Chicama a Nepeña (no sentido norte-sul) e a esfera Moche Norte, abarcando os vales de Jequetepeque, Lambayeque e La Leche. Castillo & Donnan (1994) criaram uma cronologia de três fases específicas para a região Mochica Norte, como ilustrado a seguir: 46 Fig.II.5. Quadro mostrando as diferenças estilísticas e cronológicas da cerâmica Mochica nas esferas norte e sul. Imagem: Castillo & Donnan, 1994: 10. Segundo Benson (2012: 8) nos sítios da região Moche Norte continua a produção da cerâmica considerada Moche Inicial, das fases I e II, mesmo quando os habitantes da região Moche Sul já haviam começado a produzir os vasos que comumente chamamos de fases III e IV. Ainda segundo a autora, a fase IV foi um fenômeno Moche Sul, dos vales próximos a Trujillo e à Huaca de la Luna, e o estilo Moche V foi próprio dos vales ao norte de Jequetepeque. Estudos mais recentes (Quilter & Castillo, 2010) e focados em cada vale, como os de Castillo (2000b, 2010) no vale de Jequetepeque, Chapdelaine (2010) no vale de Santa, Bourget (2010) no vale de Virú e Uceda (2010) no vale de Moche, entre tantos outros, têm sido precisos em identificar e discutir a natureza da presença político-religiosa das elites moche em cada uma destas 47 regiões, além de identificar muito precisamente estilos cerâmicos e arquitetônicos moche com características locais. O sítio de San Jose de Moro, localizado no Vale de Jequetepeque configura, por exemplo, uma das referências mais importantes nos estudos do período Moche Tardio (Castillo, 2003: 14-15; 2010). A arte encontrada neste sítio tinha traços tão particulares que Castillo e Donnan a definiram como o “sub-estilo Moro” (Castillo, 2009; Donnan, 2011: 105). É um dos mais expressivos estilos artísticos da área Moche-Norte, considerada uma ocorrência tardia na iconografia mochica. Este estilo não é encontrado na área Moche-Sul, razão pela qual os arqueólogos em geral não encaixam este estilo na cronologia de Larco, referindo-se a ele simplesmente como estilo “Moche Tardio”. Cronologicamente, coresponde à fase V do estilo Moche Sul (ver fig. II.5). Buscamos apontar, com base nestas observações, que são identificáveis áreas de influência Moche com particularidades cada vez mais claras. Nosso corpo de dados está esmagadoramente concentrado na esfera Moche-Sul, porém alguns dados da esfera Moche-Norte encontrados em nossa análise serão discutidos ao longo desta tese. A relação entre as categorias de artefatos encontradas e os vales da costa norte será uma constante em nossa análise. Os músicos na iconografia Mochica foram representados abundantemente em uma determinada região (Moche-Sul) e em um determinado período (Moche Médio). Esta constatação, iniciada com nossa pesquisa de mestrado foi solidamente reforçada durante o doutorado. Nesse sentido, levantamos a hipótese de que uma determinada elite, que dominou a região naquele período, estaria ligada à grande quantidade de representações de músicos e também à forma como passaram a ser representados: com atributos de poder de sacerdotes, governantes e de divindades muito característicos daquela fase estilística. II.III.III. O Período Moche Médio e a iconografia do poder As evidências arqueológicas apontam para diferentes fases de ocupação mochica dos vales da costa norte, com idiossincrasias e particularidades na produção cerâmica, arquitetônica e nos enterramentos. 48 De acordo com os estudos mais recentes (Billman, 2010: 181), entre os anos 200 e 400 d.C ocorreram diversas transformações sociais que alteraram profundamente a vida dos habitantes do Vale de Moche. Foi justamente neste período que foram construídas a Huaca del Sol e a Huaca de la Luna, estruturas arquitetônicas muito diferentes das primeiras huacas do Vale de Moche, em diversos aspectos, e entendidas pelos especialistas como inovadores e suntuosos centros de poder. Enquanto as huacas mais antigas não comportavam, por exemplo, grandes grupos de indivíduos, a Huaca del Sol, bem como a Huaca de la Luna e a Huaca Cao Viejo, foram construídas com grandes pátios, permitindo a concentração de milhares de pessoas (Billman, 2010: 186). A iconografia dos centros de poder também sofreu alterações significativas: enquanto as huacas do período Moche Inicial apresentavam murais com motivos mais abstratos ou geométricos, os das novas huacas apresentavam divindades recorrentes na iconografia dos vasos rituais, assim como grupos de prisioneiros com cordas amarradas ao pescoço, dançarinos e narrativas visuais complexas (ibid.). A construção daqueles edifícios exigiu, sem dúvida alguma, um significativo aumento na mobilização da força de trabalho. Ainda segundo Billman (ibid.), as grandes transformações deste período, visíveis em uma variedade de registros arqueológicos 10, indicam uma alteração nas relações entre os habitantes do vale e as elites soberanas, bem como a ascensão de um grupo específico ao poder, levando à formação de uma organização política que, posteriormente, se expandiu por todos os vales ao sul de Jequetepeque, denominada por alguns especialistas o “Estado Mochica-Sul”. As evidências arqueológicas também sugerem que, a partir daquele período, tornava-se mais acirrado o controle dos cânones da produção artefactual e, possivelmente, sobre as práticas rituais (Billman: 2010: 198). No auge do período mencionado por Billman (200 a 450 d.C), conhecido como “Moche Médio”, figuras de poder, sejam elas pertencentes ao mundo 10 Billman baseia suas inferências na análise de diferentes tipos de registro arqueológico, como a utilização dos espaços públicos e a performance ritual, as práticas mortuárias com base em dados recolhidos em cemitérios, rituais domésticos com base em dados recolhidos em sítios de ocupação doméstica, transformações visíveis na produção cerâmica do período e as transformações no sistema de irrigação. 49 natural ou divindades e outros seres “extraordinários” assumem maior destaque na iconografia dos vasos rituais e dos centros cerimoniais. Nas fases anteriores, principalmente I e II, a maior parte da cerâmica ritual retratava plantas, tubérculos e animais, isto é, fenômenos do mundo natural. Figuras humanas eram raras e apareciam geralmente em formato escultórico com poucos atributos de poder. A partir das modificações apontadas por Billman, que dão origem ao período Médio nos vales do sul, os vasos rituais das fases III e IV passam a representar em imensa quantidade personagens de poder, escultóricos e pictóricos, interagindo em narrativas complexas nos bojos dos vasos de alça estribo, cântaros e vasos de boca larga, tendo caracterizado o momento mais profícuo na produção dos vasos de linha fina. Os vasos da fase IV, caracterizada como o período clássico da produção iconográfica Moche (Donnan & McClelland, 1999: 75), muito raramente foram encontrados ao norte de Jequetepeque, ratificando a ascensão dessas elites como um fenômeno característico dos vales do sul, especialmente Moche, Chicama e Virú. Estes artefatos geralmente conformam a maior amostra de vasos mochicas em qualquer coleção ou instituição que abrigue um acervo précolombiano, devido à produção material intensificada com técnica de molde que caracterizou este período. A arte produzida durante a fase IV, presente tanto nos murais das huacas quanto nos suportes artefactuais portáteis (vasilhas, instrumentos musicais, estatuetas etc.), é conformada por uma autêntica iconografia do poder, não observada com tal intensidade nas fases anteriores. Temas como a Apresentação da Taça, o Tema de Enterramento, O Arco Bicéfalo, As Danças de Guerreiros, As Danças do Inframundo, A Cerimônia de Sacrifício, entre tantas outras narrativas de poder passam a ser largamente representadas neste período. É exatamente neste contexto que estão representados os músicos que analisamos, muitas vezes involucrados nessas narrativas. Cada vale tinha seus centros de poder (huacas) e seus ateliês especializados na produção de cerâmica, metais e têxteis. Russel & Jackson (2001: 159) sugerem que a produção cerâmica era parte de estratégias políticas mais amplas das elites governantes (ibid.) e que os ateliês de cerâmica estavam sob a tutela direta dos líderes de cada vale. A distribuição da cerâmica ritual estaria fundamentada nas relações de reciprocidade, típicas do 50 mundo andino, nas quais os artesãos produziriam a cerâmica como parte de suas obrigações com o governante do seu vale, e o governante distribuiria a cerâmica pelo vale como parte de suas obrigações com membros de seu status ou a população: Under what was essentially a form of patronage, rulers, as patrons, had a responsability to provide goods and services to those under their protection. In exchange, as clients, the farmers and artisans produced whatever goods were required for the fulfillment of their taxation obligations. A workshop of ceramic specialists, for example, would have kinship obligations to exchange goods with those of their own social level. They would also have a responsibility to give over a portion of their output to the next higher level lord. In the case of Cerro Mayal, it appears that this would have been Mocollope`s paramount lord, who was also the paramount lord of the Chicama polity. He, in turn, would redistribute de ceramics according to his own reciprocal obligations with others of his status level and lower. In other words, power and political relationships extended both vertically and horizontally, and patronage of art production was systemically embedded. (Russel & Jackson, 2001: 163-164) Desta forma, os temas presentes na cerâmica ritual estavam diretamente subordinados aos líderes de cada vale, inclusive o tema da música e dos músicos. Ao observar o material analisado ao longo desta tese, devemos questionar por quais razões estes músicos mereceram ser representados de formas tão variadas e de maneira contundente no aparato ritual do período Moche Médio. Certamente eles estavam entre os temas essenciais a serem reproduzidos em cada vale, sendo representados em forma pictórica e escultórica em vasos de alça estribo, apitos, trombetas e outros tipos de suporte. II.III.IV. A Iconografia Mochica e o contexto arqueológico: seu potencial explanatório Atualmente, a Arqueologia pautada pelas análises iconográficas e narrativas visuais tem enfocado cada vez mais as relações entre as várias mídias e suportes produzidos dentro de uma determinada cultura, sempre as 51 relacionando com os contextos escavados, atentando para a relevância em analisar as relações entre os diversos suportes artefatuais, sejam estes arquitetônicos, cerâmicos, líticos, têxteis etc. (ver Morris, 1995: 431, Jackson, 2008 e Lau, 2011: 261). A Arqueologia Contextual (Hodder, 1994), divisão importante da Arqueologia Pós-Processual especialmente defendida por Ian Hodder, tem como sua principal premissa a análise da relação entre elementos recorrentes em um determinado contexto arqueológico, sempre dialogando com outros contextos relacionados que apresentem os mesmos elementos. Tal prática teórico-metodológica foi bastante influenciada pelo estruturalismo. A análise da relação entre as partes que conformam um todo é um dos fundamentos dos estudos da semântica visual. Isso não tem sido diferente para a Arqueologia Mochica, cujos estudos mais recentes têm contemplado diversos sítios e huacas da costa norte peruana, atentando, como vimos anteriormente neste capítulo, para os enterramentos de personagens de elite, padrões arquitetônicos e urbanísticos, estudos dos canais de irrigação e da distribuição hidráulica, análises iconográficas e tecnológicas da cerâmica e dos metais encontrados tanto em contextos quanto em coleções de museus. As descobertas de personagens de elite em Sipán (tanto na temporada de 1987 quanto na de 2007), El Brujo, San Jose de Moro e tantos outros sítios Moche trouxeram à tona os debates sobre até que ponto as representações nos vasos cerâmicos eram “apenas” simbólicas (Bourget, 2008: 10). Ficava cada vez mais evidente que todos aqueles personagens da iconografia tinham seus correlatos humanos, e que a iconografia tinha uma força explicativa sobre aqueles indivíduos enterrados, os rituais que preceituavam e os cânones da cosmovisão que orientavam tais práticas. Voltaremos a este tópico detalhadamente no Capítulo III. II.III.V. Os precursores dos estudos iconográficos Mochica e a análises da semântica visual Elizabeth Benson (1972: 25) foi uma das primeiras estudiosas a mencionar que os temas aparentemente naturalistas da iconografia mochica – como frutos ou animais – eram, em realidade, representações simbólicas e 52 sobrenaturais. Foi também a primeira a considerar que essa iconografia poderia constituir uma espécie de escrita (ibid: 26), mas sem se aprofundar muito na questão. Seu texto é bastante descritivo, remetendo ao método de análise pré-iconográfica de Panofsky (1986 [1939]). Num segundo momento, mais reservado à interpretação, a autora tece algumas relações com questões simbólicas e identifica alguns personagens específicos em vista de seus atributos. Este trabalho (ibid.) foi de suma importância para os estudos iconográficos mochica, pois influenciou a análise de Christopher Donnan e aqueceu o debate sobre o universo simbólico desta sociedade, plasmado de forma tão evidente em sua arte. Tudo o que Benson publicou, tanto de forma aprofundada quanto mais superficial, se perpetuou nos trabalhos posteriores de forma mais densa e precisa, inclusive no que tange à metodologia empregada. Donnan, seguindo os passos de Benson, foi um dos primeiros estudiosos a de fato aplicar a perspectiva da semiótica saussureana à pesquisa iconográfica mochica, como sintetizado em suas palavras: Inherent to Moche art is a symbol system that follows consistent rules of expression. In many respects, this system is similar to the symbolic system of the language. In language the speaker can modify what he is saying about an object (noun) by selecting a set of modifiers (adjectives and adverbs) and inserting them in their proper place in the message according to a set of rules (gramar). (...) In art, the communication is between the artist and the viewer. The artist conveys information about objects (...) by using a set of stylistic modifiers or “artistic adjectives” (Donnan, 1978: 8 apud Proulx, 2006: 54). Esta perspectiva acabou por conduzi-lo à sua conhecida abordagem temática da iconografia mochica (Donnan,1976,1978,1982; Donnan & McClelland, 1979; Quilter 1997), segundo a qual a arte mochica apresentava uma série de temas muitos específicos, com pequenas alterações em elementos mínimos – os “pronomes”, “adjetivos” e “advérbios” (Donnan, 1976) – que não alteravam sua coerência interna. Esses temas existiam igualmente tanto nos suportes escultóricos quanto nos vasos de bojo simples com representações de linha fina. Este argumento foi extremamente relevante na 53 época, pois até então se pensava que a iconografia mochica apresentava infindáveis cenas desconexas entre si que versavam sobre “fatos cotidianos aleatórios”, algo que Donnan refutou com sua abordagem temática dos grupos de representações, defendendo com base na associação de elementos iconográficos que apenas cenas muito particulares eram retratadas. Mais tarde, Quilter (1997) propôs uma abordagem narrativa tendo como base o trabalho de Donnan e argumentando que estes temas específicos teriam relações entre si, conformando mitos. Tais análises constituíram uma extraordinária contribuição aos estudos iconográficos moche, influenciando efetivamente todos os estudos subsequentes que, de uma forma ou de outra, confirmaram as proposições destes dois estudiosos. Graças a esse esforço investigativo, hoje é possível identificar com clareza muitos temas e narrativas no material cerâmico espalhado por coleções e museus. Estas narrativas, inclusive, podem ser pensadas atualmente também como transformações, dentro de uma perspectiva teórica que emprega os mais recentes estudos sobre as cosmologias ameríndias na Antropologia (Golte, 2009; Soares, 2015). Os trabalhos mais recentes de Donnan (1999, 2010) continuam seguindo a mesma abordagem, porém discutindo a relação entre a iconografia e os contextos arqueológicos nesse novo momento da Arqueologia Mochica, ao contrário do período dos primeiros trabalhos do autor. Parece que lentamente a pergunta da semiótica (“o que significa?”) foi abrindo espaço às considerações da agência, que compele a observar este suporte dentro de, e em relação a, todo o universo material no qual está inserido. Em 1987, Ane Marie Hocquenguem publicou seu trabalho denominado “Iconografía Moche”. Usando o método de análise iconográfica de Panofsky (Hocquenguem, 1987: 19) a autora foi a primeira a dividir os temas da iconografia relacionando-os aos princípios fundamentais da cosmovisão andina, com base em comparações etnohistóricas. Usando uma série de trabalhos etnográficos e crônicas coloniais, sua análise foi construída com uma descrição pré-iconográfica dos temas, e depois compreendidos à luz da organização do pensamento andino. Assim, imagens moche são entendidas como determinados ritos muito precisos do calendário cerimonial andino. 54 Foi com o trabalho de Hocquenguem que os estudos da iconografia Mochica tomaram grandes proporções, influenciando decisivamente os trabalhos dos investigadores europeus que ensinavam em universidades peruanas (Krzysztof Makowski, da Pontifícia Universidad Catolica del Perú, e Jürgen Gölte, da Universidad Nacional Mayor de San Marcos) porém tendo menor eco no trabalho dos pesquisadores estadunidenses e canadenses (Benson, Donnan, Bourget e Quilter). Makowski, também fortemente influenciado por Hocquenguem, tem um trabalho de peso no campo de estudos da iconografia mochica, voltado especialmente para a discussão dos personagens ou sujeitos envolvidos nas temáticas e narrativas representadas nos vasos de alça estribo. Sua análise pretende identificar personagens específicos na iconografia e entender seus papéis sociais enquanto sujeitos atuantes no plano material, tais como os oficiantes, termo cunhado pelo autor (Makowski, 1994), seres radiantes (Makowski, 1996), guerreiro raposa, guerreiro águia, entre outros. De acordo com o autor, a mudança de atributos desses personagens pode remeter a uma narrativa, visível quando se ordenam as diferentes cenas (1996: 18). Golte (1994, 2009) e Castillo (1989) também trabalharam com esta perspectiva. Um autor importante que foi influenciado tanto pela trajetória norteamericana quanto pelo estruturalismo e pelo trabalho de Hocquenguem foi o canadense Steve Bourget (1994, 2006, 2008), que também usa uma abordagem da semântica visual, buscando significados representacionais na iconografia com base em questões fundamentais da cosmovisão, como o dualismo, os diversos mundos da existência e o movimento dos sujeitos entre estes planos. Sua análise da iconografia, assim como em Hocquenguem, é toda organizada pelos preceitos da cosmovisão. Uma de suas grandes contribuições foi criar o conceito de “personagens transitórios” para referir-se a seres antropomorfos com atributos de animais ou de seres desencarnados. Estes personagens não eram bem compreendidos na arte mochica, pois os investigadores buscavam criar categorias rígidas de seres “do mundo de cima” e “do mundo de baixo”, “humanos” e “não humanos” até que Bourget cunhou um esquema explicativo que contemplasse todos os seres representados com base na cosmovisão e nas questões da Antropologia sobre transformação e 55 passagem entre planos, atestando que estas categorias não deveriam ser mutuamente excludentes (2006: 15). II.III.V.I A síntese de Gölte: semiótica e cosmovisão A principal premissa de Jürgen Gölte (2009) é de que a análise iconográfica do material moche deve ser feita em constante relação com o estudo da cosmovisão. Gölte parte do princípio de que os objetos foram produzidos a partir dos pressupostos das ontologias mochicas e é a partir deles que a interpretação deverá ser empreendida. Neste sentido, o próprio vaso cerâmico cria uma contiguidade com sua iconografia, formando uma unidade semântica. Assim, não há possibilidade de se estudar a iconografia isolando-a de seu suporte e dos aspectos morfológicos da peça. O significado da representação não se encontra apenas na imagem, mas na relação intrínseca entre imagem e suporte artefactual. Gölte (2009: 27) argumenta que nos estudos iconográficos andinos criou-se o hábito de analisar as imagens por meio de suas representações bidimensionais. Este costume se iniciou há mais de cem anos entre pesquisadores alemães que desenhavam as vasilhas do Museu de Etnologia de Berlim, repleto de vasos Mochica trazidos das escavações de Max Uhle, um dos pais da Arqueologia Andina. O objetivo era o de “desenrolar” ou “esticar” as representações que se encontravam em torno dos vasos, passando-as para planos bidimensionais e tornando possível uma leitura iconográfica a partir do ordenamento dos diversos elementos presentes na imagem. Abaixo exemplificamos este procedimento (Fig. II.6): 56 Fig. II.6. Reprodução de Gölte (2009: 264), de um vaso de alça estribo com aplique escultórico com representação de Dança no Inframundo. A peça original se encontra no Museu Etnológico de Berlim. Na imagem acima, vemos que o desenho desenrolado oculta a personagem que toca o tambor e afasta o observador dos conceitos potenciais que o formato do vaso pode oferecer, como a posição estratégica da percussionista sobre o encontro (tinku) dos dois antaristas. Apesar de compreender que durante muito tempo transposições para planos bidimensionais foram importantes para uma primeira aproximação e estudo da iconografia mochica, Gölte (2009: 33) as considera um erro etnocêntrico por não levarem em consideração a unidade de significado constituída pelo suporte, o qual constrói o sentido conjuntamente com a pintura: La superfície de una botella de asa estribo es utilizada para expresar relaciones de confrontación y complementaridad entre elementos representados. Hay una forma básica de exponer la biparticion del mundo que se expresa en escenas que se relacionan con la transición de uno de los mundos al otro, especialmente entre los mundos vistos en la vertical. (Gölte, 2009: 82) A metodologia de análise de Gölte para a cerâmica mochica tem como fundamento um modelo 11 criado por ele próprio para compreender a cosmovisão particular desta sociedade. Essa metodologia considera a divisão 11 Esse modelo foi profundamente influenciado pela tradição estruturalista da Antropologia e embasado, sobretudo, em preceitos cosmológicos e da organização sociopolítica Inca (Rostworowski, 2000: 21-23; Taylor 2008), mas também em trabalhos etnográficos (Platt, 1978, 1986). Gölte, entretanto, trabalha com o conceito de larga duração da cosmovisão nos Andes. 57 do vaso de alça estribo em quatro partes principais a fim de compreender as relações entre os diversos planos da existência da cosmovisão andina, tema que discutiremos detalhadamente no Capítulo III. Pode-se dizer que a análise iconográfica de Gölte busca especialmente o significado nas imagens, relacionando este significado a questões da cosmovisão. Neste sentido, seu trabalho pertence a um eixo analítico semiótico e é influenciado pelo estruturalismo. II.III.V.II. A abordagem semiótica com pinceladas de agência: Margaret Jackson Margareth Jackson (2008) faz parte de uma nova geração ainda muito influenciada pelos estudos de Benson e Donnan, porém com uma inclinação para questões da Arqueologia Contextual e Pós-Processual. Embora sua leitura da iconografia Mochica esteja ainda fortemente arraigada à perspectiva semiótica e à linguística, a autora tem a preocupação de inserir essa arte em seu contexto de produção e uso, utilizando conceitos pertencentes às teorias de agência, porém de forma sutil e um tanto quanto autoexplicativa, isto é, sem fazer referência explícita às teorias que dão eco às ideias que ela propõe. Jackson entende que os elementos iconográficos presentes nas cenas e narrativas dos vasos cerâmicos se associam de forma a produzir um significado, como Donnan. Todas estas variações, inclusive nos atributos de poder dos indivíduos de alto status (toucados, braceletes, colares etc.), são entendidas por Jackson como verdadeiras frases transmitindo conceitos e ideias bastante padronizados: (...) the imagery utilized generally accepted groups of signs and symbols – clusters of elements, which were combined, disassembled, and recombined to provide variations of meaning (...). (Jackson, 2008:133) Esta padronização conformaria o que a autora chama de um código pictórico, inserido dentro de uma complexa estrutura social comandada por elites de poder político-religioso: 58 The Moche (...) provide an excellent example of an ancient American culture that developed an elaborate, systematized pictorial code, whose symbols had wellunderstood meanings that were used to communicate particular narratives, sets of ideas, and ideological constructs. (Jackson, 2008: 3) Estas conformam as duas grandes premissas de Jackson: a iconografia mochica seria comparável, de fato, a um sistema de escrita e estaria altamente regulada por uma elite muito bem estabelecida no poder. A produção iconográfica, então, deveria ser entendida dentro da organização sócio-política. Desta forma, a arte das grandes huacas, lugares onde se davam as práticas rituais, prescritas e mantidas por elites de poder com um alto teor programático e normativo, causavam efeitos sensoriais nos espectadores sendo utilizadas por estas elites a fim de causar encantamento por um lado, e medo e respeito por outro: At the paramount manifestations of the ideological matrix, the temple monuments represented places where personal acts of faith, enactments of public ritual, and larger concepts of sacrality met. Of the major huaca complexes in the Southern Moche area, the Huaca de la Luna (...) illustrates very well the architectural juncture of ideology, pictorial representation, and ritualized performance. (...) Whatever ideologically based narratives were repeated elsewhere surely arose from the performative experience of seeing and sensing the liturgical affirmations of mutual belief expressed within the temple surroundings (Jackson, 2008: 21). Segundo a autora os próprios detalhes arquitetônicos na Huaca de la Luna foram ditados pelo papel do edifício na prática litúrgica (2008: 24), enfocando a questão dos cantos, danças e performances como elementos chave na experiência ritual (ibid: 26). O desmembramento de indivíduos sacrificados foi uma prática, arqueologicamente comprovada nos rituais da Huaca de La Luna (Verano, 2006). Segundo Jackson as escavações mostram que esses ossos eram depois depositados dentro das paredes do templo. Este tipo de ocorrência estaria associado aos poderes sobrenaturais contidos na própria imagem: 59 The presence of sacrificial offerings, embedded as part of a monumental art program suggests that the images themselves were vested with spiritual power. It also lends credencie to the notion that the creators of the murals, the artists, held a level of status integrally connected to the ritual practice and esoteric knowledge, which underlay the creation of special imagery (Jackson, 2008: 32) Segundo Wright (2010: 312), que investigou a pigmentação dos murais policromados da Huaca de la Luna, havia elementos como ossos, sangue e até a seiva do cacto San Pedro (Trichocereus pachanoi) na composição das tintas (Wright, 2010: ibid.; Morales, Solorzano & Asmat, 1998 apud Benson, 2012: 16). Esta evidência pode ser muito profícua para uma análise gelliana dos murais. Porém, na obra de Jackson, a agência está principalmente relegada às interações ocorridas no momento do ritual: As liturgical objects, fineware ceramics were activated by human performance while also actively contributing to the creation of ritual performance. In contrast to the built environment, where the human viewer experienced a sense of place through interactions with the architectural structures of that place (...) portable objects, and specifically ritual-use ceramics, elicited more internalized kinds of responses and interactions (Jackson, 2008:37). Segundo a autora o estudo contextual da arte nas várias mídias Moche viria reiterar a existência de um sistema iconográfico que é ao mesmo tempo sustentáculo de uma lógica de poder. A autora valoriza a importância de uma estrutura de poder subjacente às relações entre pessoas e artefatos, seja nos processos produtivos (2008: capítulo 3), na escolha de materiais de valor simbólico para a construção dos murais policromados, na performance ritual das huacas, na relação construída com objetos de valor simbólico etc. Os artistas e construtores de monumentos tinham uma alta especialização de trabalho e eram informados de uma linguagem normativa em função de um projeto das elites, muito bem estruturado. Este poder e este conteúdo altamente programático moldavam a produção artística e arquitetônica (2008: 36) que por sua vez agenciavam as relações entre indivíduos, grupos e objetos. Sob esta ótica, o papel da estrutura na prática ritual e na produção 60 material era determinante. As análises da autora parecem relegar toda a capacidade de agência ao poder instituído na forma das elites, trabalhando apenas com a questão do poder de agência dos artefatos – e não tanto dos sujeitos - em momentos específicos de interação social, como os rituais e a produção cerâmica, eventos comandados pelas elites. Jackson não trabalha com a perspectiva de agência da Antropologia da Arte (Gell), mas com um conceito de agência mais presente na Arqueologia Pós-Processual, que contempla a relação entre sujeitos e artefatos e como os artefatos também podem moldar os indivíduos. O trabalho da autora, ao final, continua majoritariamente construído sobre a perspectiva da semiótica estrutural, apesar de buscar contemplar a agência e as relações contextuais, algo que é alcançado em parte. II.III.V.III. Jeffrey Quilter e a agência de Gell Quilter, mais recentemente, foi o primeiro a tentar discutir e aproximar o material iconográfico andino pré-colombiano das teorias de agência de Gell, não empregando simplesmente a proposição corrente na Arqueologia PósProcessual de que artefatos agenciam relações humanas. O autor (2007: 136) questiona até que ponto as perspectivas gellianas poderiam ser aplicadas à Arqueologia, porém encontra na perspectiva de Gell um espaço de diálogo e comparação com a iconografia mochica. São analisados, em seu artigo (2007), dois tipos de suporte: vasos retrato em cerâmica (agentes móveis) e frisos em murais de estruturas arquitetônicas (agentes imóveis). A partir disso, o autor aplica três conceitos de Gell a cada suporte artefactual estudado: o sentido da arte, o encanto da tecnologia e a tecnologia do encantamento e a pessoa distribuída. Os vasos retrato, por sua composição realista, conformam uma experiência sensorial comparável a observar uma pessoa viva, mas seduzem também o sujeito representado por servirem de “espelho”, já que a individualidade nos vasos parece bem marcada (2007: 141). A tecnologia do encantamento estaria no poder de convencimento que o objeto causa no espectador a partir destas impressões. O encanto da tecnologia estaria na escolha da utilização de moldes para produção dos vasos, o que teria uma 61 série de implicações e desafios técnicos. O sentido da arte estaria em considerar esses artefatos como agentes sociais dentro de um contexto específico, que deve ser obrigatoriamente reconhecido pelo investigador, no qual se deve levar em conta todo o ciclo de vida desses artefatos. Assim, diversos tipos de agência são produzidos pelo mesmo artefato em diferentes momentos. Um dos momentos em que fica mais clara a tentativa de Quilter (2007: 139) em se aproximar das teorias de Gell é quando ele considera que o papel dos vasos enquanto agentes sociais poderia ter sido mais importante que seu simbolismo, já que Gell se opõe ao conceito de arte como pura comunicação simbólica (ibid: 154). No caso dos vasos, retratar pode significar capturar a essência do indivíduo (ibid: 142), mais que representá-lo. Na agência é importante a experiência sensorial e o fascínio que a arte causa nos espectadores, pois relações humanas e grupais são constituídas a partir deste ponto, incluídas as de poder. Compreender a agência, então, pressupõe compreender como a arte funcionava em sua relação com os agentes sociais (Quilter, 2007: 152). Entretanto, detectar a agência em arqueologia é uma tarefa extremamente complexa, visto que faltam muitas informações sobre cadeia operatória, o ciclo de vida do artefato, sua utilização e toda a série de interações que ele pode ter provocado (ibid: 139), ao contrário das pesquisas etnográficas que podem facilmente prover o pesquisador de todas estas informações. Cada um dos autores aqui discutidos apresenta formas diferentes de abordar questões estilísticas e interpretativas, o uso das cronologias e fases, o grau de descrição iconográfica, a identificação de personagens específicos em função dos atributos e a utilização de dados etnohistóricos. Entretanto, todos conjugam as questões da cosmovisão e do poder político-religioso – fundamentais para abordar as sociedades pré-colombianas – a partir da análise iconográfica. As tentativas de aplicar as questões da agência de Gell ao material mochica são bastante interessantes, mas ainda falta um longo caminho para que se tornem tão produtivas para este tipo específico de material como foram as abordagens semióticas das narrativas visuais (que depositam nas representações e não na agência, o cerne da reflexão) em termos da 62 compreensão que conferiram à sociedade mochica. Isso ocorreu porque a abordagem semiótica permitiu encontrar temas, narrativas e tecer uma série de relações com a cosmovisão, que foram, em parte, corroboradas pelos contextos arqueológicos. Em suma, apesar das dificuldades e lacunas que os dados arqueológicos impõem à análise por uma perspectiva de agência, futuros estudos por este viés podem se mostrar frutíferos no longo prazo. Entretanto, a perspectiva semiótica parece ainda ser um caminho seguro e apropriado para os estudos específicos sobre o material mochica, por sua capacidade de lidar com a questão da linguagem e do simbólico dentro das estruturas de poder. A iconografia mochica está encravada nesta conjuntura, e os contextos arqueológicos estudados mostram a clara relação entre as representações iconográficas e uma linguagem programática e bem estabelecida pelas elites de poder para a manutenção de um determinado código de seu status quo. II.IV. Música e Organologia no Mundo Moche Dentre todas as culturas andinas Pré-Colombianas já estudadas, a mochica é a que oferece a maior quantidade de dados sobre suas práticas musicais, como já observado por Hoyle (1985) e Bellenguer (2007: 49). Isto se deve a vários fatores. Além dos numerosos artefatos com representações iconográficas de instrumentos e/ou práticas musicais, também há grande ocorrência arqueológica de instrumentos sonoros, geralmente produzidos em cerâmica, nas escavações das principais huacas. Cerimônias públicas e outros eventos com a participação de indivíduos de alto status foram numerosos e importantes para a manutenção do poder no mundo Moche. A produção sonora esteve completamente atrelada a esses eventos e, por esta razão, se encontram tantos instrumentos nas plataformas das grandes huacas ou em áreas domésticas. Desta forma, instrumentos sonoros de diversas categorias organológicas ocupam um lugar importante nos enterramentos e na iconografia mochica, porém são muito pouco mencionados e nada debatidos na bibliografia especializada ou nos relatórios de escavação. 63 Aparentemente, os autores ignoravam instrumentos sonoros associados a personagens (fossem estes de poder ou não), como se estes fossem artefatos secundários. Não havia empenho em compreender o lugar que a música e o som ocupavam na vida dos indivíduos enterrados ou representados na cerâmica, embora marcassem constante presença nos vestígios arqueológicos e na iconografia. Claramente havia uma incoerência entre a quantidade de vestígios musicais mochicas e o tímido ou inexistente debate sobre eles na produção acadêmica. Poucos foram os investigadores que realizaram estudos sobre os instrumentos sonoros mochica. O trabalho mais completo é a tese de licenciatura em Arqueologia de Ana Hoyle, defendida em 1985 na Universidade Nacional de Trujillo e intitulada Patrimonio Musical de la Cultura Moche. A autora apresenta a classificação mais completa dos instrumentos sonoros mochica feita até o presente, discutindo tanto instrumentos encontrados em contextos quanto representados iconograficamente. Os estudos arqueomusicológicos em geral trabalham a partir das categorias organológicas definidas por Sachs & Hornbostel (1992). Esta é também a base do estudo de Hoyle. Por esta razão, nesta tese utilizaremos como referências os estudos organológicos de Hoyle (1985) e Olsen (2002) para nos referirmos aos instrumentos sonoros presentes entre os mochicas, usando sempre como nomenclatura principal aquela utilizada nos estudos arqueomusicológicos andinos, em quéchua. Neste caso, antara será o termo utilizado para flauta de pã, e assim sucessivamente. É importante salientar que, no mundo andino em geral, e Moche em particular, cada instrumento sonoro carrega, além de sua função sonora, um valor simbólico intrínseco. Na análise iconográfica e dos instrumentos depositados em contextos arqueológicos, que se fará ao longo desta tese, este valor simbólico fica cada vez mais claro e notório, explicando em parte os papéis sociais e ontológicos dos músicos que os portam. Portanto, é de suma importância que introduzamos aqui os instrumentos presentes na organologia mochica, discutindo brevemente seus simbolismos. Os instrumentos listados a seguir serão os mais presentes ao longo de nossa análise iconográfica. 64 II.IV.I. Aerofones Os aerofones são os instrumentos nos quais o ar é posto em vibração para produzir o som (Sachs & Hornbostel, 1992: 458; Hoyle, 1985: 173). Os aerofones presentes entre os mochicas eram: II.IV.I.I. Antara É composta por múltiplos tubos, sem orifícios de digitação ou canais de insuflação (prancha 1). É chamada também de Flauta de Pã no Ocidente, ou ainda de Zampoña nos países andinos. Antara é o nome quéchua para este instrumento, registrado nas crônicas coloniais e utilizado até o presente nos estudos de musicologia andina. Bellenguer (2007: 139) nota que os tocadores de antara representados na iconografia pré-hispânica têm sempre os tubos maiores ã direita da sua boca, ao contrário das flautas ocidentais, nas quais os tubos maiores se posicionam à esquerda da boca. II.IV.I.II. Quena Flauta tubular composta de um único tubo, com orifícios de digitação e abertos em ambas as extremidades (prancha 29). Tem similaridades com outra flauta andina chamada Pinkullo ou Pinkillo. Segundo Olsen (2002: 20) há poucas diferenças entre os dois tipos, como, por exemplo, a ausência de duto na quena e a presença de duto no pinkullo. II.IV.I.III. Ocarina O corpo do instrumento é definido por uma única câmara globular (Olsen, 2002: 21) e geralmente tem dois orifícios para modular o som (Hoyle, 1985: 195). II.IV.I.IV. Trombeta Instrumento do grupo dos aerofones constituído por um tubo cilíndrico com uma coluna de ar (Sachs & Hornbostel, 1992: 460). Hoyle (1985: 230) distingue dois tipos principais de trombetas no mundo mochica: as trombetas 65 retas, cujo corpo é contínuo, e as trombetas com curvaturas no corpo (prancha 5). Há numerosos exemplares de trombetas mochicas em cerâmica em museus e coleções, entretanto, em algumas cenas da iconografia trombetas e cornetas podem ser confundidas. II.IV.I.V. Pututo O pututo ou wayllaquepa (nomenclatura quéchua) é uma trombeta produzida a partir da concha Strombus galeatus, característica das águas quentes da costa do Equador (prancha 41). Esta concha foi muito utilizada para fins religiosos desde o período Formativo. Os exemplares mochicas apresentam bocal de metal. II.IV.II. Membranofones São instrumentos com membranas distendidas que soam ao ser golpeadas com uma baqueta ou as mãos (Sachs & Hornbostel, 1992: 453). São os instrumentos de percussão. Dois tipos principais de membranofones podem ser observados na iconografia mochica: II.IV.II.I. Tinya É um tipo de tambor que se toca ao golpear horizontamente o instrumento com uma baqueta (Julio Mendívil, comunicação pessoal, 2016). Os músicos o carregam junto ao corpo preso por uma alça que passa por um dos ombros (prancha 34). Na iconografia mochica aparecem em diversos tamanhos. No período mochica tardio aparecem alguns exemplares em formato de ampulheta. II.IV.II.II. Wankar É um tipo de tambor golpeado verticalmente (Julio Mendívil, comunicação pessoal, 2016), geralmente apoiado no chão. É menos presente na iconografia mochica que o tipo anterior (prancha 88). 66 II.IV.III. Idiofones O próprio corpo do instrumento produz o som, sem necessidade de membranas ou cordas (Sachs & Hornbostel, 1992: 451). São em geral os chocalhos. Os idiofones que aparecem na iconografia mochica são: II.IV.III.I. Idiofones de Golpe Direto Horizontal Segundo Hoyle (1985: 94-95) em idiofones de golpe direto o próprio executante faz os movimentos, ao contrário dos Idiofones de Golpe Indireto, que soam como consequência indireta de outros movimentos. Nos idiofones de Golpe Direto Horizontal os elementos que se chocam para produzir o som estão organizados horizontalmente, como na prancha 146. II.IV.III.II. Idiofones Suspensos Conjugados Este tipo de chocalho apresenta cordas verticais com bolinhas na ponta que produzem som ao se chocarem (prancha 149). II.IV.III.III. Idiofones de Campânula Fusiforme Segundo Hoyle (1985: 148) os elementos que produzem o som estao fechados numa câmara, chocando-se uns contra os outros e contra as paredes da câmara (prancha 140). II.IV.III.IV. Idiofones de Golpe Indireto Como assinalado anteriormente, neste tipo de chocalho o executante não faz nenhum movimento direto no instrumento. Ele soa em consequência de outros movimentos que por ventura o executante venha a realizar. Muitos destes chocalhos estão representados na iconografia mochica como partes de vestimentas de dançarinos, por exemplo. O próprio protetor coxal do Senhor de Sipán produzia efeitos sonoros quando o indivíduo caminhava. Entretanto, não 67 consideraremos os indivíduos que portam este tipo de idiofone como músicos, não os incluindo em nossa análise. II.IV.IV. Organologia Simbólica Instrumentos sonoros, assim como todas as coisas no mundo andino, são animados com camac. Contêm vida (Stobart, 2006: 27), choram (ibid.: 22, 26), comunicam, se expressam e com seu som são capazes de trazer à vida as sementes (ibid.: 24). Os estudos etnomusicológicos nas comunidades altoandinas relatam, em comum a todas as regiões andinas, o caráter cíclico e temporal das atividades e performances musicais (Baumann, 1996; Stobart, 2006; Bellenguer, 2007). Assegurar o equilíbrio cósmico a partir da prática musical parece ser uma questão essencial dos pequenos ayllus andinos, nos quais a produção musical obedece a alguns princípios fundamentais, dentre os quais estão as estações do ano e o calendário ritual (Baumann, 1996: 19). Tocar determinados instrumentos sonoros nas épocas “erradas” é considerado uma prática subversiva que pode causar danos irreversíveis na ordenação da natureza e do mundo, bem como suscitar punições dentro da própria comunidade (Stobart, 1994, 1996: 67, 2006: 57; Pairumani, 1996: 112; Bellenguer, 2007: 123): One of the most remarkable characteristics of rural music in the Bolivian Andes is the strong association of certain musical instruments, tone colors, genres and tunings with the agricultural cycle and festive calendar. Music should only be played in its appropriate context and, until recently, performance of musical instruments outside their specific season was likely to be punished by community authorities. (Stobart, 1996: 67) Determinados instrumentos sonoros são tocados em determinadas épocas do calendário ritual e agrícola, sempre de acordo com as propriedades simbólicas e o tipo de agência exercida pelo instrumento. Bellenguer notou em seus trabalhos em Taquile que o período entre a primeira semana de fevereiro e a segunda de agosto abarca a germinação e aparição das primeiras flores de batata até o fim das colheitas e a preparação dos campos para novas 68 semeaduras (Bellenguer, 2007: 113). A utilização de instrumentos musicais na ilha se concentra nesse período, sendo as quenas tocadas no início do ciclo, as antaras na época da Páscoa e outro tipo de flauta tubular, o pitu, ao final do ciclo (ibid. :122). Na época úmida, de setembro a janeiro, não há produção musical: Las festividades y manifestaciones musicales corresponden esencialmente al crecimiento de las plantas cultivadas y a su cosecha. Todo el período que se extiende entre julio y comienzos de febrero, es decir, las primeras siembras hasta la aparición de las primeras flores de papa, es considerado como un tiempo de silencio. Respecto de ese tema, los ancianos de Taquile mencionan la prohibición, antaño vigente, de hacer ruido o de tocar un instrumento musical fuera de las fechas y de los rituales específicos para atraer a la lluvia, con el objeto de no perturbar ni a la tierra ni a la germinación de las plantas. (Bellenguer, 2007: 123) Stobart chegou a relações muito semelhantes em seus trabalhos em Kalankira, Potosí, Bolívia. A produção musical era mais frequente na época da colheita. Geralmente, quenas e pinkillos são tocados na época chuvosa, remetendo à fertilidade e ao brote dos grãos, e as antaras na época seca: In Kalankira, both the pinkillu flute and the kitarra are for the most part restricted to the rainy season and explicitly said to ‘call’ or ‘weep’ rain and to cause the crops to grow. By contrast, julajula and siku panpipes, and the charango, played during the dry, cold winter months, are claimed to attract the frosts and winds – which blow away the clouds, resulting in clear skies and cold nights. (Stobart, 2006: 52) Por sua vez, o pututo é um instrumento muito associado aos momentos de reversão ou mudança radical de alguma situação, conhecido nas cosmologias como pachacutecs, ou reviravoltas (Stobart, 2006: 39). Stobart (ibid.) menciona diversas fontes etnohistóricas que apontam para esta relação: Such reversals are commonly associated with, or attributed to, the agency of musical sound. For example, according to the early chronicler Martín de Murúa, during his reign the ninth Inca king saw a man appear on a mountain pass near Cusco dressed in red and carrying a conch shell trumpet. The king earned himself the name Pachakuti Inca, through persuading the man not to sound his trumpet, and thereby avoiding an unu pachakuti (apocalypse by water) (…). Catherine Allen relates a myth 69 from Sonqo, Peru, in which a man sounded a (conch shell) trumpet causing a period plague (pisti timpu) and a reversal of the social order; domestic animals ate humans, and people consumed their children instead of nurturing them (…). Similarly, in Kalankira, Asencio once sounded a pututo (ox-horn trumpet) during a lunar eclipse to revive the moon, which I was told had inspired, with much wailing from women and children alongside strange unearthly noises from the chickens. Large stretches of dried grasses on the moon were to die, I was told, the ‘earth would turn inside out’ (…) – water would emerge from within to submerge its surface and we would all perish, highly reminiscent of Murúa`s unu pachakuti (…). (Stobart, 2006: 39) Já em sua função mais prática, pututos eram usados para anunciar eventos ou mensagens a longas distâncias, como relatam as crônicas, segundo Herrera: In his “Nueva Crónica y Buen Gobierno” the indigenous chronicler Felipe Guaman Poma de Ayala depicts three instances of shell horn playing. Two appear related to the announcement of important persons. Thus, the victorious Inca “general” Challcochima blows a conch in the company of “general” Quizquiz, apparently announcing the capture of Huascar Inca. Likewise, the lord of Inca messengers Churu mullu chaski curaca blows a shell horn, probably to signal that he is the bearer of an important message. (Herrera, 2004: 62) Nos relatos etnohistóricos a prática de tocar instrumentos sonoros é referida como reservada aos homens (Bellenguer, 2007: 125), com exceção dos pequenos tambores (tinyas) que são em geral tocados por mulheres, especialmente durante a época chuvosa (ibid.): The only instrument mentioned in the chronicles as played by women seems to have been the drum, or rather various types of drums: from small handheld ones to large instruments suspended on specially constructed stands. It must be emphasized that women are not the only musicians using drums. Certain situations called for the presence of men playing these instruments whenever they served a special purpose (…). (Gruszczynska, 2004: 255-256) Por fim, idiofones e chocalhos estão muito associados, tanto na iconografia, quanto nos dados etnográficos, a xamãs, curandeiros e indivíduos 70 que fazem a mediação entre os planos sobrenaturais e humano, como veremos detalhadamente no Capítulo V. Entretanto, estes instrumentos podem também aparecer associados a indivíduos do mais alto status, como veremos no Capítulo III. 71 Capítulo III Música, Performance e Poder: Os Músicos Oficiais Veinticuatro tocadores de flautas de pan animan tradicionalmente cada una de las formaciones de Hanaq y Uray lado. Estos sikuri y bailarinas abren el camino a sus respectivos representan portaestandartes. a las divinidades Estos o Apu, “señores de las montañas”, con los cuales están asociados sus linajes, incumbiéndoles el mantenimiento de los santuarios o calvarios que les están dedicados. ¿Así, no es tentador establecer una relación entre el número simbólico de veinticuatro sikuri y el de antiguos santuarios asignados a las posiciones del sol y de la luna, que otrora constituían la base de cálculo del tiempo gracias a un doble calendario luni - solar dividido en doce lunas y doce soles? (Bellenguer, 2007:263) A organização social da costa norte peruana no período Moche Médio se fundamentou na atuação política, religiosa e militar de uma série de indivíduos de poder que pertenciam ou mantinham alianças com grupos ou linhagens específicas que dominavam os vales. Essas elites comandavam e normatizavam os cultos oficiais ordenados no calendário ritual, tendo sido seus protagonistas amplamente representados na iconografia, tanto em bens portáteis quanto em espaços arquitetônicos (Fash, 2010: 318). Este capítulo se dedicará a reconhecer esses agentes do poder oficial na iconografia, buscando compreender como a produção sonora e os músicos se relacionavam com essas elites e como atuavam nas cerimônias oficiais preceituadas por elas. 72 Durante o processo de análise iconográfica notamos uma enorme quantidade de músicos portando elementos e atributos de personagens de alto status, bastante conhecidos e debatidos na bibliografia. Eles são representados tanto em forma escultórica quanto pictórica, participando de danças, cerimônias, procissões e batalhas. A coerência de seus atributos e das ocasiões nas quais atuam, bem como suas constantes relações e associações com personagens elementares do universo mochica demonstram que provavelmente houve, entre os mochicas, uma produção sonora rigidamente normatizada e relacionada a determinadas cerimônias e ocasiões públicas que visavam, ontologicamente, a conexão com os planos sobrenaturais da existência e, politicamente, a manutenção do poder dessas elites. Esta produção sonora considerada “oficial” era realizada por músicos relacionados aos grupos de poder, aos governantes e aos sacerdotes, como veremos na iconografia. Por esta razão, os denominamos “músicos oficiais”. Os tipos de instrumentos tocados, os atributos e vestimentas utilizados pelos músicos e a época do ano em que ocorriam determinados eventos funcionam como marcadores importantes das especificidades da produção sonora oficial mochica. Todos estes detalhes foram dignos de representação no aparato ritual por uma razão: a produção sonora oficial serviu ao projeto de legitimação de poder das elites no período Moche Médio, como discutiremos ao longo deste capítulo com base nos dados levantados. Parte I: Performance, Ritual e Poder no Mundo Moche De acordo com as últimas evidências arqueológicas levantadas em todos os vales da costa norte (Quilter & Castillo, 2010) a era Moche se caracterizou por uma configuração política bastante diferenciada das ocorridas anteriormente na costa norte do Peru, como lembra Arcuri (2014: 273): El tema del origen del Estado en los Andes ha sido ampliamente debatido en los últimos treinta años. En el contexto de la costa norte, la gran mayoría de las publicaciones enfocaron el desarrollo del “Estado Moche”, aunque los especialistas han reconocido, desde hace décadas, la diversidad de contextos en que distintos 73 dominios políticos alcanzaron actuación supralocal sobe los valles e intra-valles costeños, a partir del segundo milenio de la era precristiana. Bawden (2004: 120-122) assinala uma constante tensão na história da costa norte andina, entre um padrão político regional, característico de períodos nos quais predominavam crenças comunais em contraposição a momentos nos quais prevaleciam projetos de poder fundamentados em uma ou mais autoridades centrais (correspondentes aos Horizontes Andinos de John Rowe 12). O Horizonte Inicial ou Formativo teria representado “uma tentativa dos governantes locais de quebrar a barreira das organizações comunais” (ibid.). Esta configuração teria permitido o surgimento do domínio mochica (ibid.). Para o autor (ibid.) os estilos cerâmicos do início do Intermediário inicial: Vicús, Viru/Gallinazo e Salinar, além do próprio Moche, não representariam culturas ou etnias diferentes, mas tão somente a configuração sociopolítica da região, dado que as ocupações residenciais e artefatos de uso doméstico desses grupos se mostravam idênticos, bem como as práticas de enterramento (ver Capítulo II). Moche, neste caso, não configuraria uma etnia, mas um projeto de poder no contexto do início da era atual na costa norte peruana. O elemento que o distinguiu das demais expressões do Intermediário Inicial teria sido justamente um amplo exercício de autoridade e poder, fundamentado em múltiplas estratégias políticas, econômicas e religiosas (ibid). Remanescentes dessas práticas de poder são encontradas arqueologicamente na organização espacial das estruturas arquitetônicas públicas, na iconografia, na padronização da produção da cerâmica ritual e dos elementos utilizados para as cerimônias (taças, recipientes para aspirar coca, vestimentas, facas sacrificiais), bem como na padronização dos papéis de autoridade exercidos por indivíduos de alto status enterrados nas plataformas funerárias das grandes huacas. Os eventos públicos oficiados por essas elites, ocasiões nas quais essas práticas de poder foram especialmente ritualizadas, teria requerido toda uma materialidade especialmente produzida para este fim. Como vimos no Capítulo II, a diversidade de evidências materiais entre os vales ocupados pelos mochicas foi interpretada pelos arqueólogos como 12 Rowe, 1962; Julien, 2008. 74 indicadora de diferenças regionais e uma organização política descentralizada. Com tantas variações regionais, era imprescindível que houvesse elementos unificadores desses diferentes grupos mochicas. Para Donnan (2010: 47), este elemento teria sido a religião e os seus símbolos, fundamentados num culto de caráter estatal altamente normatizado (Donnan, 2010: 58-59) no qual se produzia uma série de ritos que culminavam na Cerimônia do Sacrifício, provavelmente o rito principal: I propose that this religion was not simply a set of religious beliefs and practices that were widely shared over a large geographic area, but involved a highly structured religious organization, with a rigidly prescribed, hierarchical priesthood. It served as an overarching institution that unified the Moche state, regardless of the regional differences, political factions, or changing allegiances that developed. (Donnan, 2010: 58-59.) Uma religião com essas características certamente demandava a presença de sacerdotes e especialistas com a incumbência de conduzir os rituais oficiais e legitimá-los perante uma extensa população. O caráter público dos eventos litúrgicos é facilmente observável no registro material mochica e na arquitetura das principais huacas, caracterizada por grandes espaços e plataformas com vestígios de ocorrências cerimoniais. A organização espacial foi um dos elementos fundamentais desta dinâmica: As archaeological research has demonstrated, the construction of authority in Moche polities was closely related to public performances and the control of material expressions of ideological power, including the elaboration and use of public architecture. (Gamboa, 2015: 88) Bawden (2004: 118) sugere que a iconografia com ênfase nas autoridades e as cerimônias públicas com sua ampla atuação tenham sido as estratégias de poder fundamentais usadas pelos governantes para consolidarem suas posições e manterem suas identidades sociais e políticas na medida em que, nas palavras do autor, “as estruturas de poder eram mantidas por rituais de mediação sobrenatural e reciprocidade” (ibid: 119.): 75 (…) Moche leaders created a potent political ideology that synthetized dramatic public ritual, regalia, and symbolism to assert their central role in maintaining social order. (Bawden, 2004: 122) O grau de suntuosidade dessas cerimônias no Período Médio gerou uma grande mobilização de recursos e um aparato de ostentação para esta prática: os metais e pedras preciosas usados na parafernália ritual dos sacerdotes, nas taças e objetos cerimoniais utilizados, a força de trabalho empregada e organizada para transformar a matéria prima nesses artefatos, as plataformas construídas nas huacas em posição estratégica para abrigar de centenas a milhares de espectadores (Billman, 2010: 186) etc, demonstram que esta cerimônia teve uma importância extraordinária para a religião e para a manutenção das elites mochicas no poder. Seguramente tanto este quanto outros rituais oficiais eram sustentados ideologicamente pelos pressupostos da cosmovisão, com predominância de elementos simbólicos como o sangue do sacrifício e os estados alterados de consciência induzidos por plantas alucinógenas. Scullin, em sua tese intitulada A Materiality of Sound: Musical Practices of the Moche of Peru (2015) analisa aspectos acústicos da produção sonora mochica, inclusive a performance, usando um modelo de Estado Teatral (Theater State) (ibid: 82). Este modelo reitera a importância destes rituais enquanto eventos públicos e de grandes dimensões, assinalando este momento como um dos mais importantes na construção da autoridade dos governantes que deles participam: Instead of viewing performance and ceremony as a mask behind which the reality of political power functioned, the Theater State model presents performance and ceremony as the goal towards which all other political actions work, and from which all political power derives. (Scullin, 2015: 82 - 83) E, como bem lembra a pesquisadora, eram eventos nos quais havia intensa produção sonora: 76 The larger and more elaborate performance spaces at the Moche sites indicate the importance of public events, which according to the corresponding iconography, most likely involved some form of sound produced by both humans and sound producing artifacts. Therefore, whether describing a “theocratic state” or a “Moche State Religion,” numerous scholars postulate that power arose within Moche society through the co-option of ritual performance. While the broader themes of these performances remained similar and stable over time and between regions, each region had a different local development in the way in which elites utilized these performances to consolidate and maintain power (Scullin, 2015: 81-82). Os grandes eventos públicos e a produção sonora que eles produziam foram de fundamental importância para a manutenção do poder das elites do período Moche Médio. Por meio da performance ritual, e sonora, estes indivíduos legitimavam seu poder e suas atribuições simbólicas no ritual, encarnando o papel das principais divindades. Por esta razão, buscaremos compreender neste capítulo os papéis dos músicos dentro destes eventos específicos, relacionando-os com outros personagens de poder do mundo Moche, quando for o caso. III.I.I. Personalidades Iconográficas 13 e Papéis de Autoridade no Mundo Moche A grande quantidade de bens de prestígio e atributos de poder presentes nos vestígios arqueológicos, tanto em contextos de enterramento quanto nas representações iconográficas, apontam para uma série de papéis sociais de autoridade, um traço característico da organização social mochica. Indivíduos associados a bens de prestígio são amplamente encontrados em enterramentos e seres dotados de traços sobrenaturais e atributos de poder são largamente representados na iconografia do Período Médio. Estes personagens de poder, ataviados com plumas, túnicas, toucados, diademas, braceletes, narigueiras, colares, peitorais, protetores coxais e orelheiras circulares, associados muitas vezes a tronos e liteiras, acompanhados e servidos por um séquito de personagens, estampam uma enorme quantidade 13 Conceito de Makowski discutido no capítulo II. 77 de vasilhas de cerâmica do período Médio, hoje presentes em coleções arqueológicas ao redor do mundo. Eles participam em cenas e narrativas complexas pintadas em linha fina nos bojos dos vasos, como o Tema do Enterro (Donnan & McClelland, 1978), a Cerimônia do Sacrifício (Hocquenghem, 1987: 124-125; Donnan & McClelland, 1999: 131; Quilter 2002:162; Benson 2012: 73), a Cerimônia da Coca (Donnan & McClelland, 1999: 84; Bourget 2006: 40), chamada também de Cerimônia do Arco Bicéfalo (Uceda, 2008:154), a Rebelião dos Objetos (Makowski, 1996; Chero, 2015: 379, 393), entre tantas outras. Como vimos no Capítulo II, a facilidade em reconhecê-los na cerâmica ritual e nos enterramentos levou a uma discussão sobre o conceito de personalidades iconográficas, isto é, a identidade política e religiosa dos indivíduos representados artisticamente. Makowski discute como esta expressiva e suntuosa materialidade sustentava, legitimava e alimentava os papéis de autoridade mantidos por estes indivíduos, garantindo a eles o direito de conduzir e participar das mais importantes cerimonias oficiais do mundo Moche: Earle (1987) drew attention to the political role of cultural paraphernalia. In complex societies, an individual may adopt more than one identity in a lifespan, and the political identity is one of the most important ones (…). For the Moche, this identity was expressed in the adoption of ceramic vessels, clothing, ornaments, and headdresses in the distinctive Moche style: they endowed their owner with the right to participate in supracommunal ceremonies organized by the state. (Makowski, 2010: 283) Em 1994 o autor publicou um estudo sobre os personagens humanos paramentados com túnicas e atributos de poder que até então haviam sido pouco abordados nos estudos de iconografia em comparação aos seres sobrenaturais, protagonistas de uma grande quantidade de estudos (ibid.: 54). Seu artigo foi um dos primeiros a tentar precisar as identidades dos personagens que apareciam em cultos, procissões e cerimônias públicas (ibid.). Makowski os designou como “oficiantes”, usando um método semiótico para identificá-los com base em seus atributos, mas foi a análise das narrativas pintadas em linha fina que permitiu defini-los mais precisamente: 78 El contexto narrativo permite definir a los personajes de túnica larga como “oficiantes”. No combaten, no cazan, no pescan, ni recolectan caracoles terrestres; el baile y el acompañamiento musical son las únicas actividades colectivas en las cuales toman parte activa, al igual que otras categorías de personajes. Asumen más bien roles protagónicos en los momentos culminantes de las ceremonias cuando el acto realizado implica una comunicación directa con el numen (Makowski,1994: 55-56). Em geral esses oficiantes apresentam como atributos túnicas, capas, orelheiras e braceletes. Muitas vezes têm toucados elaborados, que lhes conferem um poder ainda maior. A designação mais conhecida aferida aos personagens de mais alto status é a de Sacerdote Guerreiro, dada por Alva & Donnan (1993) logo após a descoberta das tumbas de Sipán, em 1987. Este conceito se refere ao papel social de mais alto status que indivíduos do sexo masculino poderiam alcançar na sociedade mochica, unindo as atribuições mais reverenciadas: guerreiro, sacerdote e governante. As evidências arqueológicas das três funções são verificáveis nos atributos de poder associados a esses indivíduos em enterramentos e na posição central que ocupam nas plataformas funerárias das huacas, muitas vezes acompanhados por seu séquito, incluindo mulheres, crianças e adolescentes. Eles também são amplamente representados na iconografia da cerâmica ritual, como veremos ao longo da nossa análise. Os atributos que mais os definem são os toucados elaborados, geralmente com apliques frontais, plumas e diademas de metal; túnicas, mantas e capas como vestimenta, adornos como orelheiras circulares, narigueiras, braceletes, colares, protetores coxais, escudos, maças de guerra, peitorais de concha ou metal, facas sacrificiais, taças e estandartes. III.I.II. A Cerimônia do Sacrifício: Religião, Ritual e Poder Um dos traços mais característicos da iconografia do Período Intermediário Inicial é a presença de personagens que compartilham traços sobrenaturais e humanos ao mesmo tempo (Makowski, 1996: 27; La Chioma, 2013: 51). É comum que seres com corpos e vestimentas humanas apresentem também caudas e presas de felino, por exemplo. Os seres míticos da iconografia do Intermediário Inicial se confundem com seres terrenos 79 (Makowski: ibid.). Esses personagens seriam os seres sobrenaturais de aspecto humano, ou as divindades principais de uma espécie de “panteão” mochica, cujas contrapartes terrenas seriam os indivíduos das elites que levam seus atributos nas grandes cerimônias. A partir da fase IV, ou Período Médio, foram introduzidos na arte mochica diversos personagens de poder atuando em diferentes cenas e narrativas. Uma das mais conhecidas é o Tema de Apresentação (Donnan, 1975), hoje mais conhecido na bibliografia como Cerimônia do Sacrifício, brevemente mencionada no Capítulo II. Donnan (ibid.) foi o primeiro a publicar uma análise completa sobre esta cena, designando seus principais personagens com letras, como se pode observar na prancha 6. Por ser um tema típico da fase IV, produzido em menor quantidade na fase V, se encontra presente maiormente na cerâmica ritual, aparecendo também em metais e alguns murais de edificações arquitetônicas, como na huaca de Pañamarca, no vale de Nepeña (Benson, 2012: 74) e na Huaca Cao Viejo, no vale de Chicama (Quilter, 2002: 167). A cena é dividida em duas partes por uma serpente bicéfala, cada uma contando com oito personagens, entre animais e sacerdotes. Os personagens centrais, paramentados atributos de poder, são as figuras designadas como A, B, C, D e E, estando as quatro primeiras localizadas na parte superior e a última na parte inferior da cena. As evidências arqueológicas e iconográficas revelam que os status e papéis sociais dos indivíduos mochica estavam claramente representados nas vestimentas e nos atributos (Makowski, 1996: 64; 2014, comunicação pessoal; Bernier, 2010: 91, Donnan, 2012: 186). A túnica longa, por exemplo, é característica da vestimenta dos sacerdotes (Makowski, 1996: 89; De Bock, 2005: 50). O primeiro personagem central da cena, denominado por Donnan (1975) de Rayed God (Deus Radiante), apresenta túnica longa (com estampa dividida em pares de quadrados claros e escuros), protetor coxal, orelheiras circulares com esferas em redor, narigueira, braceletes longos, peitoral e presas. Seu traço mais característico é o toucado em forma de capacete alongado com diadema semilunar no topo (também chamada de tumi em referência ao formato da faca sacrificial andina), do qual saem raios ou halos, em geral com cabeças de serpente, razão da nomenclatura Deus Radiante. Ele recebe a taça 80 com o sangue do sacrifício oferecida pelo personagem B, um guerreiro com cabeça de ave. Este personagem começa a aparecer na iconografia da fase IV (Benson, 2012: 76), mas também está presente em narrativas da fase V, como a Rebelião dos Objetos (Chero, 2015: 379). É importante lembrar que no período Moche Tardio, associado geralmente à fase V, o fenômeno climático do El Niño gerou consequências devastadoras na costa norte peruana. Na complexa cena deste período, o Ser Radiante vence o caos e a desordem que o El Niño impõe drasticamente sobre o mundo mochica, trazendo ordem e luz (ibid.: 77). Por ser um oficiante que faz uma clara alusão ao mundo diurno, o chamaremos de Senhor Solar. O personagem D, por sua vez, apresenta características antagônicas ao Senhor Solar 14. É chamado de Guerreiro Coruja por Makowski (1996: 30), já que porta os mesmos atributos e vestimentas das corujas antropomorfizadas representadas em grande escala na cerâmica do período Médio (prancha 2). Seus atributos são a túnica e o protetor coxal feitos de placas de metal, orelheiras circulares com esferas em redor, narigueira, longos braceletes, presas, uma espécie de cauda, parecida com uma rede pendente da parte posterior de sua túnica, apêndices que saem de seu toucado e, finalmente, o suntuoso toucado em forma de V com diadema em formato semicircular, aplique de cabeça de animal na parte anterior e plumas na parte posterior. Apresenta ulluchus espalhados ao seu redor e aparece batendo palmas e com a boca aberta. Em algumas cenas pode aparecer carregando uma clava. Em algumas cenas troca o toucado em V por um toucado diferente de tentáculos de polvo (prancha 7). O elemento mais característico da Divindade Coruja é o toucado (ibid.), usado pelos oficiantes e sacerdotes que desempenham funções relacionadas a este ser sobrenatural. Makowski (ibid.: 43) em sua extensa análise da iconografia assegura que o Guerreiro Coruja é identificado por la muy recurrente asociación entre el vestido cubierto de placas de metal, incluyendo el protector coxal y el casco de dos penachos. A cabeça de animal presente no toucado pode variar dependendo da representação. Felinos, raposas, corujas e até macacos podem estar representados no centro do diadema. 14 Usamos o termo oposição em referência aos princípios do tinku andino, no sentido de uma complementaridade de opostos e de um equilíbrio de forças, como já explicado no Capítulo I. 81 Este personagem assume a função de sacrificador na Cerimônia do Sacrifício (Makowski, 1996: 58) e é também quem sempre recebe as conchas Strombus (pututos) nas várias narrativas em que existem entregas e trocas da concha (prancha 11). O papel do sacrificador também é exercido por outros oficiantes com face e características de ave noturna, participantes do séquito do Senhor Principal (ibid.): Salvo el episodio del combate con el Mellizo terrestre, el Guerrero del Búho nunca actúa, solo presencia los eventos y recibe las ofrendas que le corresponden. Sus funciones las delega a sus lugartenientes, búhos guerreros y búhos sacerdotes, los que presiden todo un conjunto de búhos, lechuzas y murciélagos vestidos de oficiantes (Makowski, 1996: 92). Corujas e morcegos, animais do hurin, se encontram frequentemente associados a este personagem na iconografia. Por estar cosmologicamente associado ao inframundo, ao sangue do sacrifício, à morte e aos animais noturnos, cremos que a melhor forma de o designar seria Senhor Noturno (Arcuri, comunicação pessoal, 2007; Bourget 2009). Benson (2012: 65, 74) afirma que um guerreiro com características de coruja usando túnica ou camisa de placas de metal e um capacete flanqueado por motivos escalonados, ou o toucado clássico em V, está presente na arte mochica desde o período Inicial, mas que o Senhor Noturno (chamado pela autora de Plate Shirt God) foi introduzido na fase IV e, especificamente, na região Moche Sul (ibid.). Claramente o Guerreiro Coruja e a Coruja Sobrenatural, presentes nas fases anteriores, dão lugar a um personagem de alto status, ricamente paramentado e cujo protagonismo nas cerimônias faz referência a uma das principais funções oficiadas pelos Sacerdotes Guerreiros neste período de ascensão dos grupos de poder. À época, essas cenas eram objeto de discussão se referentes a narrativas do mundo sobrenatural ou não, embora muitos pesquisadores acreditavam que se tratava tão somente de representações míticas (Quilter, 2002: 162; Donnan, 2010: 49). Esta percepção passou a mudar a partir da década de 80 do século XX, com os achados em Sipán (Vale de Lambayeque) 82 e San Jose de Moro 15 (Vale de Jequetepeque). Para alguns autores, como Benson (2012: 73), a Cerimônia do Sacrifício continua sendo uma narrativa alusiva ao sobrenatural, enquanto para Donnan (2010: 69, 2012: 186) as evidências dos enterramentos supracitados teriam sido suficientes para assegurar que a iconografia faça referência a um ritual de fato praticado pelos indivíduos representados. Esta impressão se consolidou na obra do pesquisador com as descobertas que sobreviriam nos anos 90 e início do século XXI, como as da Huaca Cao Viejo (Franco, 2009): We no longer have any doubt that the Moche enacted the Sacrifice Ceremony, and that it involved real participants. We also now realize that the Sacrifice Ceremony was not an isolated ritual, but was part of a series of activities that served as the ceremonial focus of a highly structured religion, with a hierarchical priesthood that had distinct ritual vestments signifying each officiant`s rank and function. Moreover, we can now demonstrate that this religion was practiced throughout the territory occupied by the Moche, and that it persisted, without significant change, for centuries (Donnan, 2010: 69). A distinção entre a natureza real ou sobrenatural dessas cenas e, consequentemente, dos personagens, tem produzido uma evidente inquietação nas discussões acadêmicas sobre o mundo Moche, como aponta Quilter (2002:162): The bivalent mode of interpreting art as both revelatory of everyday life and yet not depicting everyday life, but rather expressing religious concepts, has been a constant issue in Moche studies and, in essence, is contradictory. The art is used both to gain insights into how living Moche people did things such as hunt, travel by boat, or make war and as a window into religious beliefs. Hoje os pesquisadores lidam com a ideia de que muitos dos personagens presentes nas cerimônias de linha fina e em forma escultórica de 15 Segundo Donnan (2010:49) as escavações em San Jose de Moro deram a ele a dimensão da veracidade da cerimônia do sacrifício enquanto ritual, já que ali foram encontradas duas mulheres que correspondiam à figura C. 83 fato cumpriram papéis importantes no mundo mochica como “personas sociais” (Bourget, 2006: 179). A Cerimônia do Sacrifício é, possivelmente, uma representação de uma cerimônia tanto mítica quanto real, já que muito provavelmente os indivíduos nela representados constituam as contrapartes terrenas das divindades que, de acordo com as ontologias Moche, oficiavam a mesma cerimônia no numen. Nas palavras de Quilter (2002: 164-165), os sacerdotes assumiam os papéis das divindades no momento do ritual. Em vista disso, estamos de acordo com Donnan segundo o qual os indivíduos encontrados nas tumbas de Sipán, San Jose de Moro e Huaca Cao Viejo seriam, de fato, os mesmos personagens representados na Cerimônia do Sacrifício. As Tumbas Reais de Sipán conformam o conjunto funerário pertencente ao complexo arqueológico Huaca Rajada – Sipán, localizado no distrito de Zaña, departamento de Lambayeque. A Huaca Rajada, edificação mais importante do sítio, é composta por três estruturas sobrepostas, à maneira tradicional das huacas mochicas, com múltiplas remodelações, correspondentes a épocas distintas. Este foi, comprovadamente, um dos maiores centros de poder mochica de toda a costa norte, e uma grande referência política na região Moche Norte. No ano de 1987 os arqueólogos Walter Alva, Susana Menezes e Luis Chero Zurita evidenciaram a arquitetura da pirâmide – que vinha sendo saqueada diariamente, encontrando nas plataformas dos edifícios I e II enterramentos de indivíduos de elite paramentados com uma admirável quantidade de atributos de poder confeccionados com matérias primas de prestígio e associados a oferendas (Alva & Donnan, 1993; Alva, 2006). Estes foram denominados: o Senhor de Sipán (prancha 12), o Sacerdote e o Velho Senhor. Também foram encontrados os enterramentos de três indivíduos identificados como nobres e dois identificados como guerreiros. Na temporada de 2007, mais três tumbas foram encontradas, dentre as quais duas continham instrumentos musicais associados aos indivíduos enterrados, como veremos ainda neste capítulo, detalhadamente. O Senhor Solar tem seus atributos plenamente associados aos artefatos encontrados na tumba do Senhor de Sipán (pranchas 12 e 15). De acordo com as interpretações baseadas no conceito de personalidade iconográfica 84 (Makowski, 1996) o personagem A não identificaria necessariamente o indivíduo que encarnou o Senhor de Sipán, mas o papel social que este Senhor protagonizou e que não lhe é exclusivo, já que muitos outros indivíduos das elites mochicas podem igualmente tê-lo protagonizado. Esses personagens, de posição hierárquica importante, comandavam as cerimônias públicas nas huacas: (…) figures such as A, B, and C were not specific individuals but were roles – similar to priests, cardinals, and bishops of the Catholic religion. (Donnan, 2010: 51) O debate sobre estes papéis sociais abarca pontos de vista opostos aos de Donnan, como o de Benson (2012: 77) que não vê correlatos dos personagens da Cerimônia do Sacrifício nas Tumbas de Sipán. A crítica da autora incide sobre o fato de que estas interpretações tenham tido como base somente a iconografia da região Moche Sul. Sabemos, entretanto, que a cerâmica da região Moche Norte não se caracterizou pelas narrativas em linha fina com narrativas complexas, tão características da região Moche Sul, a não ser no período mais tardio no Vale do Jequetepeque. A cerâmica Moche Norte continuou sendo produzida até os períodos mais tardios, em grande medida, com os mesmos cânones da cerâmica dos períodos iniciais: em geral vasilhas escultóricas representando animais, plantas e seres sobrenaturais, como o animal lunar, com bojos e gargalos estilisticamente muito identificados com as vasilhas das fases I e II dos vales de Moche e Chicama. Há nitidamente uma maior continuidade na região Moche Norte da cerâmica que foi produzida nos primeiros séculos de presença mochica na costa norte. Por esta razão, acreditamos que o tema da Cerimônia do Sacrifício esteja ausente na iconografia da região Moche Norte não porque a cerimônia não tenha ocorrido naqueles vales, mas porque os cânones da produção cerâmica naqueles vales eram distintos dos cânones da cerâmica fase IV do Sul. No vale do Jequetepeque, entretanto, uma região de transição entre as áreas Moche Norte e Moche Sul, foram encontrados temas complexos como a Cerimônia do Sacrifício ou o Tema do Enterro de fase V em San Jose de Moro. Como vimos no Capítulo II, este estilo foi chamado “Estilo Moro” por Donnan e Castillo. 85 Nosso objetivo não é o de examinar pormenorizadamente todas as narrativas das épocas Moche Média e Tardia, mas o de demonstrar que os protagonistas de algumas dessas narrativas, claramente indivíduos de alto status e de grande protagonismo político e religioso, são os mesmos que tocam instrumentos musicais na iconografia. Tais relações entre músicos e protagonistas de alto status não foram feitas anteriormente por nenhum estudioso já que, em geral, personagens associados a instrumentos sonoros na arte mochica foram por muito tempo referidos na bibliografia como meros “animadores de cerimônias” sem maiores reflexões sobre o real papel do som e desses instrumentistas na sociedade. Parte II: Identificação dos Músicos Oficiais Em nossa amostragem encontramos peças escultóricas e pictóricas com representações de músicos que poderiam ser considerados “oficiais”, isto é, oficiantes, sacerdotes, guerreiros ou outros personagens ligados a uma produção sonora oficial, claramente submetida a uma normatização supervisionada pelas autoridades político-religiosas e, principalmente, inserida em eventos oficiados por personagens de poder. Tínhamos a possibilidade de organizar estes músicos de múltiplas formas: priorizando as narrativas ou categorias organológicas, por exemplo. Poderíamos colocar, num mesmo grupo, todos os tocadores de antaras do plano terreno, independentemente de seus atributos, e em outro, todos os tocadores de chocalhos. Entretanto, nosso intento é o de compreender primeiramente o papel social dos músicos no âmbito da sociedade mochica, e acreditamos que para chegar a tal compreensão a característica mais importante a ser analisada seja o conjunto de atributos de poder. Personagens com os mesmos atributos de poder podem tocar instrumentos diferentes em ocasiões diferentes, mas revelam as mesmas personalidades iconográficas, isto é: são os mesmos papéis sociais. Vale lembrar que em nossa tese buscamos analisar primeiramente os músicos e não os instrumentos sonoros, e que a posição social de um indivíduo na sociedade mochica é demonstrada principalmente por seus atributos de poder, elementos condutores da classificação proposta aqui. 86 Como vimos anteriormente, oficiantes e Sacerdotes Guerreiros podem ser identificados pela associação dos seguintes elementos: túnicas, capas, toucados elaborados e orelheiras circulares. Podem também compor seus paramentos: braceletes, narigueiras, colares, peitorais e protetores coxais, além de pinturas corporais. Esses eram os atributos dos indivíduos encarregados dos mais altos cargos religiosos e políticos. Justamente no período Médio esses mesmos personagens de poder foram introduzidos na arte com proeminência, desempenhando papéis protagônicos em narrativas sobre religião, rituais, morte e transcendência bem como compartilhando traços e atributos de divindades tão antigas como a divindade com presas16, cuja presença na cultura material decorria do período Formativo. Todo este empenho em abrir espaço para as elites na arte reforça a proposição de que as representações desses personagens obedeciam ao propósito de definir e legitimar seus papéis como mediadores oficiais entre suas comunidades (em cada vale) e os planos extra-físicos da existência presentes nas ontologias andinas: o hanan e o hurin. Isto teria decorrido de um processo gradual de ascensão desses grupos de poder na costa norte desde o Formativo Final, chegando ao seu ápice no Período Moche Médio, como discutido por Billman 17 (2010). De acordo com Benson: Moche architecture, murals and fine crafts mirror developments in Moche political history, for they embody the will and the administrative and cosmological needs of rulers, for whom the arts were an important part of their politico-religious power structure. (…). The rules for what was shown and how it was shown must have been quite strict, yet there was allowance – and perhaps need – for the fresh and creative spirit that gives life to any fine art; enlivening seems to have been very much a part of Moche artistic endeavor. (Benson, 2008: 1) Tomemos como exemplo as representações de guerreiros na cerâmica ritual, que em sua imensa maioria contempla os combatentes de alto status, paramentados com os atributos de poder já mencionados. Os guerreiros comuns raramente eram representados (Quilter, 2002: 171). Havia uma 16 17 A ser discutida no Capítulo IV. Ver Capítulo I. 87 escolha artística por tipos de personagens que seriam representados, inclusive músicos, e essa escolha era normatizada pelo poder vigente e pelos cânones da cosmovisão. Cientes do papel central que os personagens representados nas grandes narrativas tinham na vida social, política e religiosa ao longo dos vales no período Médio, passaremos agora a analisá-los pormenorizadamente, enquanto no papel de músicos ou produtores de som. A análise de nossos dados nos levou a duas grandes categorias de músicos oficiais, com suas respectivas subcategorias: A. Oficiantes I: Sacerdotes Guerreiros e Sacerdotisas A.1. Senhores Noturnos (Adoradores) A.2. Senhor Solar A.3. Toucados de Dois Círculos A.4. Toucados de Diadema Semilunar A.5. Toucados de Cabeça de Animal A.6. Toucados de Duas Mãos (Tomadores de Coca) A.7. Outros tipos de toucados A.8. Sacerdotisas A.9. Quenistas de Turbante B. Oficiantes II: Guerreiros, Acompanhantes e Anunciantes B.1. Guerreiros B.2. Acompanhantes B.3. Anunciantes B.4. Mulheres Percussionistas III.II.I. Oficiante A: Sacerdotes Guerreiros e Sacerdotisas III.II.A.1. Senhores Noturnos (Adoradores) Como discutido no início deste capítulo o Senhor Noturno é um personagem de alto status derivado do Guerreiro Coruja, representado nas fases IV e V da cerâmica Moche Sul. O Guerreiro Coruja (Prancha 2), 88 geralmente apresenta a cabeça e as asas do animal (G.C.1, G.C.2, G.C.3 e G.C.5), carregando também um escudo (G.C.1 e G.C.3), uma clava (G.C.3) ou um disco (G.C.2). A peça G.C.4, por exemplo, mostra um personagem com rosto humano, um Senhor Noturno com atributos de Guerreiro Coruja na posição de prisioneiro, com a corda amarrada ao pescoço e as mãos para trás. Já o personagem G.C.6 é um típico Senhor Noturno com vestimenta, toucado e colar correspondentes ao personagem da Cerimônia do Sacrifício, embora à diadema semicircular de seu toucado faltem as hastes diagonais que formam o “V”. Fig. III.1. Vaso de alça estribo com representação pictórica de Guerreiro Coruja, cujos atributos se igualam aos do Senhor Noturno. Museu de Sítio de Cao, Complexo Arqueológico El Brujo. Fotografia da autora com autorização do Diretor, Arq. Régulo Franco, 2014. III.II.A.1.1.O Senhor Noturno e as Tumbas de Sipán A etapa de campo de 2007 em Sipán evidenciou que a plataforma funerária da Huaca Rajada continha três edifícios principais. Esses seriam projetos arquitetônicos independentes correspondentes a diferentes fases da ocupação mochica no sítio (Chero, 2013: 9). O Senhor de Sipán, o Sacerdote e o Velho Senhor, encontrados nas etapas de campo de 1987 a 2000, não 89 ocupavam necessariamente as mesmas camadas. De acordo com Chero (2013: 24) o Edifício I, chamado Edifício Vermelho, seria a última etapa arquitetônica e, portanto, a camada mais recente. Aí repousavam os restos do Senhor de Sipán, do Sacerdote, do Senhor da Tumba 14 (Sacerdote Guerreiro), entre outros. O Edifício II, Amarelo, seria a penúltima etapa arquitetônica, onde foi encontrado o sarcófago do Velho Senhor. Finalmente, o Edifício III, o mais antigo, abrigava o Senhor da Tumba 15. As tumbas de Sipán, portanto, estão concentradas nas fases final e média de ocupação do sítio. A fase final, na qual se encontra a tumba do Senhor de Sipán, teria ocorrido no século VI, um período de alta pluviosidade e fenômenos naturais decorrentes do El Niño (Chero, 2013: 41). De acordo com Chero, a distribuição cronológica das tumbas que interessam à nossa pesquisa na plataforma seria a seguinte: - Período Moche Inicial: Tumba 15; - Período Moche Médio Inicial (século III): Tumba 3 (Velho Senhor), Tumba 5 (Guerreiro Músico), Tumba 16 (Sacerdote Guerreiro); - Período Moche Médio (Século VI): Tumba 1 (Senhor de Sipán), Tumba 14 (Sacerdote Guerreiro). 18 Abaixo estão detalhados todos os elementos encontrados nas tumbas 14, 15 e 16, analisados na nossa etapa de pesquisa no Museu de Sítio Huaca Rajada 19. 18 Novas datações radiocarbônicas realizadas recentemente demonstram que a última etapa construtiva do edifício, relacionada ao Senhor de Sipán e ao Senhor da Tumba 14, se deu entre os séculos VII e IX d.C (Chero, comunicação pessoal, 206), informação que os situaria no Período Moche Tardio e não Moche Médio. Estes resultados ainda estao sendo avaliados por Walter Alva e Luis Chero impossibilitando de nossa parte uma discussão mais detalhada das recentes descobertas. No entanto, é importante em nossa pesquisa compreender que estes dois personagens pertencem à etapa de ocupação mais tardia de Sipán. 19 Este material foi estudado no próprio museu e as informações sobre estes contextos nos foi passada pelos diretores de escavação em seu gabinete de pesquisa. Este material se encontra parcialmente publicado (Chero, 2013) e as fotografias são todas da pesquisadora, tomadas com autorização da Direção do complexo arqueológico. 90 TUMBA PERSONAGEM PERÍODO OBJETO FOTO Ornamento de 14 Sacerdote Guerreiro Moche cobre dourado Médio- com cara de Tardio divindade felínica. Cetro/ faca sacrificial de 14 Sacerdote Guerreiro Moche cobre dourado Médio- com Tardio representação de peixe gato Ornamento de cobre dourado com cara de 14 Sacerdote Guerreiro Moche divindade Médio- felínica. É parte Tardio de um colar de 7 caras de cobre dourado 14 Sacerdote Guerreiro Moche MédioTardio Diadema de cobre em forma de polvo Diadema de 14 Sacerdote Guerreiro Moche MédioTardio cobre semicircular com aplique de rosto humano 91 Diadema de 14 Sacerdote Guerreiro Moche cobre semicirc. Médio- c/ aplique de Tardio rosto humano e colar de corujas Diadema de 14 14 14 14 Sacerdote Guerreiro Sacerdote Guerreiro Sacerdote Guerreiro Sacerdote Guerreiro Moche polvo com Médio- homem Tardio morcego Moche Narigueiras de Médio- ouro e prata Tardio Moche MédioTardio Máscara de Coruja com diadema Moche Efígie de Médio- Homem-Coruja Tardio 92 14 Sacerdote Guerreiro Moche Taça de cobre Médio- dourado Tardio Sacerdote Moche Túnica metálica Guerreiro Médio- de placas Tardio 14 Miniaturas em cerâmica: nove pututos, nove guerreiros, 14 Sacerdote Guerreiro Moche MédioTardio duas antaras, cinco cabeças humanas, quatro vasos em miniatura e seis trombetas de caracol Vasilhas de 14 Sacerdote Guerreiro Moche oferendas: 17 Médio- em total de Tardio vários tipos Miniaturas em 14 Sacerdote Guerreiro Moche cobre Médio- mostrando cena Tardio ritual 93 14 14 Sacerdote Guerreiro Sacerdote Guerreiro Moche Médio- Lingotes de metal na boca do Senhor Tardio Moche Miniaturas de Médio- seus atributos Tardio 14 15 vasilhas Jovem Moche cerâmicas estilo Guerreiro Inicial Moche Inicial Diadema 15 Jovem Moche semilunar com Guerreiro Inicial representação de coruja 94 15 15 15 Jovem Moche Guerreiro Inicial Jovem Moche Guerreiro Inicial Jovem Moche Guerreiro Inicial Escudo de placas de cobre 40 guizos de cobre Manto de pele Não há de animal Orelheiras 15 15 Jovem Moche circulares Guerreiro Inicial lantejoulas Jovem Moche Guerreiro Inicial 4 com narigueiras quadrangulares Um peitoral de 15 Jovem Moche concha Guerreiro Inicial Spondylus 95 Dois braceletes 15 15 Jovem Moche de Guerreiro Inicial Spondylus Jovem Moche Guerreiro Inicial concha Uma ponta de lança 64 vasilhas de cerâmica 16 Senhor Moche Guerreiro Médio simples e decoradas de Não há formatos variados 3 Diademas de meia lua em V com rosto 16 Senhor Moche antropomorfo, Guerreiro Médio uma delas com representação de animal lunar 96 Vestimenta de placas 16 Senhor Moche Guerreiro Médio quadrangulares de metal com desenhos de guerreiros Um par de 16 Senhor Moche Guerreiro Médio orelheiras circulares com lantejoulas Um peitoral radiante de 16 Senhor Moche cobre que Guerreiro Médio termina em cabeças de life Duas estólicas, 16 Senhor Moche uma de cobre e Guerreiro Médio uma de madeira Não há Uma máscara 16 16 Senhor Moche funerária de Guerreiro Médio cobre Senhor Moche Guerreiro Médio Um “capacete” de cobre Não há 97 Sete narigueiras: seis 16 Senhor Moche de meia lua e Guerreiro Médio uma Não há quadrangular 16 16 Senhor Moche Guerreiro Médio Senhor Moche Guerreiro Médio Um cetro de cobre prateado Um tumi de cobre Uma pinça de 16 16 16 Senhor Moche cobre em forma Guerreiro Médio de ulluchus Senhor Moche Guerreiro Médio Senhor Moche Guerreiro Médio Quatro maças de guerra Não há Lingotes de metal Não há 98 16 Senhor Moche Guerreiro Médio Lâminas de metal Não há Objetos de 16 Senhor Moche material Guerreiro Médio malacológico Não há Um pututo (Strombus sp) 16 Senhor Moche depositado Guerreiro Médio sobre a pélvis do senhor 16 Senhor Moche Guerreiro Médio Um peitoral de contas Não há Tabela III.I. Objetos encontrados nas tumbas 14, 15 e 16 de Sipán, na temporada de escavação de 2007. Em comum a todas essas tumbas está a relação dos indivíduos enterrados com o mundo noturno: toucados e atributos de Senhor Noturno são visíveis na tumba 14 e atributos do Guerreiro Coruja estão associados ao indivíduo da tumba 15: Con la recurrencia del búho en estas tumbas podemos referir que todos los personajes enterrados con algún referente de este animal, compartirían un estrecho vínculo con actividades mágico-religiosas, pues debido a la magnífica visión nocturna y la peculiaridad de observar su entorno con mayor amplitud, se convierte en el mejor aliado para guiar el viaje a los muertos (Chero, 2013: 64). Está claro que estes indivíduos faziam parte de uma classe de Sacerdotes Guerreiros cujas vestimentas e atributos apresentam estreita 99 relação com os do Senhor Noturno. Para Chero (ibid.) as elites de Sipán provavelmente encenavam rituais como os da Cerimônia do Sacrifício. A Divindade Coruja, contraparte mítica do Senhor Noturno terrenal, é identificada, segundo Chero (2013: 67) como guardião e senhor da noite (...), que habita as entranhas da terra, rege os destinos do mundo do abaixo e era responsável pelo crescimento das plantas em cujo nome se teriam realizado sacrifícios humanos. Corujas estão ligadas ao inframundo, aos mortos e aos ancestrais: In Moche mythology, owls are considered as sacrificers, protectors of the harvest, or guides leading the bodies of the dead toward the world of the ancestors. Owls’ natural behaviors and predation techniques inspired their roles in Moche mythology. Owls kill prey, carry them in flight, and protect harvests by eating rodents (…). (Bernier, 2010: 106). III.II.A.1.2. A Tumba 14 e a peça do Fowler Museum O indivíduo encontrado na Tumba 14 foi enterrado em um ataúde de madeira reservado para os personagens de mais alto status, como o Senhor de Sipán e o Sacerdote (Chero, 2013: 100.). Foram encontradas 204 peças de cerâmica associadas a ele, incluindo instrumentos sonoros. Era do sexo masculino, com estatura de 1,64 m e tinha entre 30 e 40 anos de idade (ibid.). Foi chamado por Alva & Chero de Sacerdote Guerreiro (Chero, 2012, 2013). Chero (2013: 100; 2015: 377) o compara ao Senhor Noturno da Cerimônia do Sacrifício, proposição que endossamos, já que os artefatos a ele associados reproduzem à exatidão os atributos de poder do Senhor Noturno, como é possível verificar no quadro abaixo e nas pranchas 6, 7, 8, 9 e 14: 100 Fig. III. 2. O Senhor Noturno no centro e objetos encontrados na Tumba 14 de Sipán. Reforça esta proposição o fato de ter sido encontrado com seu dote funerário um segundo toucado com diadema de tentáculos de polvo (fig. III.3). O Senhor Noturno, em muitas narrativas das fases IV e V, troca de usando o diadema de tentáculos de polvo, como podemos ver na fig. III.3 e na prancha 7. Fig. III.3. Detalhe de cena com Senhor Noturno usando toucado de tentáculos de polvo (ver prancha 8) e o toucado de tentáculos de polvo encontrado na tumba 14. A peça da prancha 46 pertence à coleção do Fowler Museum of Cultural History (UCLA, Los Angeles). Trata-se de um vaso de alça estribo com bojo 101 globular e decoração pictórica em linha fina, característico da fase IV dos vales Moche Sul ou período Moche Médio. A iconografia apresenta seis músicos, quatro antaristas (nomeados como A, B, C e D) em tamanho grande e dois trombeteiros em tamanho menor (designados com os números 1 e 2). Os antaristas A, B e C apresentam em comum a túnica lisa e a capa aparentemente de plumas enquanto o antarista D apresenta uma túnica de placas quadradas e uma capa lisa. Os toucados e vestimentas são todos típicos de Senhor Noturno. Todos usam orelheiras circulares e todas as antaras apresentam um aplique de cabeça humana com orelheiras circulares. Os antaristas da direita têm seus instrumentos unidos por uma corda. Um pututo (Strombus Galeatus) e uma concha Spondylus pairam no espaço entre o último e o primeiro antarista, no entroncamento da alça estribo com o bojo, como se observa na terceira imagem do vaso original, na mesma prancha. Intercalando os antaristas estão os dois trombeteiros em tamanho menor cujos instrumentos têm formato de espiral e representação de cabeça de felino na ponta, exatamente como os artefatos reproduzidos nas figs. III.4 e III.5. Ambos vestem túnica, capa e capacete cônico, e apresentam pintura facial. Além disso, apresentam clavas, que podem tanto apontar para a função de guerreiro como demonstrar que estes personagens são acompanhantes dos guerreiros antaristas, e levam seus instrumentos de guerra. É nítida a diferenciação de escala entre os personagens que tocam trombetas e os que tocam as antaras. A indumentária dos trombeteiros é mais simples, além de estarem representados em tamanho menor. Os antaristas, por sua vez, apresentam os atributos de poder diretamente relacionados aos Sacerdotes Guerreiros. Fig. III. 4. Trombeta de cerâmica em formato de espiral com cabeça de felino. Museu Larco, Lima 102 Fig. III. 5. Trombeta de cerâmica em formato de espiral com cabeça de felino. MAUNT, Trujillo. O músico D apresenta exatamente os mesmos atributos do Sacerdote Guerreiro, encontrado na tumba 14 de Sipán: a túnica de placas quadrangulares com pingentes e o toucado de Senhor Noturno e as orelheiras circulares, como se nota no quadro abaixo: Fig. III.6: Quadro comparativo dos atributos do Sacerdote Guerreiro (Tumba 14 de Sipán) com os atributos do músico da vasilha do Fowler Museum. 103 Não são só os atributos de poder e vestimentas que o Sacerdote Guerreiro da Tumba 14 e o Senhor Noturno apresentam em comum. Foram encontrados na tumba 14 exatamente os mesmos instrumentos sonoros representados na peça do Fowler Museum: duas antaras, sete trombetas em forma de espiral (como as tocadas pelos músicos menores) e nove pututos, todos em cerâmica (prancha 13), que estão expostos no Museu de Sitio Huaca Rajada (Luis Chero, comunicação pessoal, julho de 2013) (La Chioma, 2013a, 2014, 2015, no prelo). As cabeças antropomorfas em cerâmica também encontradas na tumba 14 (prancha 13) assemelham-se aos rostos observados nos apêndices das antaras da peça do Fowler, apesar de desprovidos do toucado em V. É possível que os pututos e trombetas sejam miniaturas e não soem, mas há grande possibilidade de que as antaras soem (Carlos Mansilla, comunicação pessoal, janeiro de 2014). Estudos de antropologia física sobre as alterações mandibulares de um indivíduo podem ser eficazes para esclarecer a prática de tocar instrumentos de sopro. Em 2006, um estudo conduzido por Elsa Tomasto (2006) confirmou, com base nas alterações mandibulares de um homem nasca enterrado com 14 antaras, que ele também as havia tocado. Segundo Chero (2013: 100), as análises de antropologia física do indivíduo da Tumba 14 conduzidas por Melissa Lund indicam erosões mandibulares e dentais severas causadas por atividades cotidianas, possivelmente a mastigação de coca 20. Chero não menciona se estas alterações poderiam ter sido causadas pela prática de tocar instrumentos de vento. Entretanto, ainda que não se comprove esta informação para o Senhor da Tumba 14, o fato de ter sido encontrado associado às três categorias de instrumentos representadas na vasilha e, sobretudo, aos mesmos atributos do Senhor Noturno, demonstra que ambos compartem a mesma persona social, a qual por sua vez está associada a esses instrumentos de sopro. É interessante que os sememas associados aos trombeteiros na vasilha do Fowler Museum, como as trombetas em espiral, os pututos e as clavas de 20 El severo desgaste dental estaba acentuado en los dientes superiores e inferiores del lado derecho, hecho que puede deberse a una patología por lesión en la articulación temporomandibular o a factores culturales como la masticación de coca como parte de actividades rituales (Chero 2014: 100). 104 guerra também tenham sido encontrados na Tumba 14. Uma suposição poderia ser a de que estes objetos pertencessem aos Sacerdotes Guerreiros e que, ao atuarem em batalhas e/ou rituais públicos de grande magnitude, eram auxiliados por assistentes que carregavam seus pertences. Na medida em que as fases do ritual se sucediam, os Sacerdotes Guerreiros usavam um ou outro instrumento. Esta suposição, porém, se fragiliza diante dos dados iconográficos (prancha 46) que demonstram claramente que os personagens menores não só carregam as trombetas, mas as tocam efetivamente. Por qual razão, então, os instrumentos tocados pelos personagens secundários estariam associados à persona social dos Senhores Noturnos em seus enterramentos? Não nos parece coerente que, em uma cena de batalha ritual, justamente os guerreiros com clavas de guerra e capacetes sejam os indivíduos menores e menos aparatados. Estes pequenos auxiliares não usam aparato de guerra, como protetor coxal, peitoral ou escudo, mas simplesmente túnica, capa e o capacete alongado. Segundo Chero (2013: 127) as clavas de guerra se relacionam com as classes militares da elite mochica e foram encontradas sem exceção em todas as tumbas registradas até agora. Além disso, as nove miniaturas de guerreiros encontradas na Tumba 14 (fig. III.8) certamente fazem uma alusão ao papel social do indivíduo. Isto reforça os papéis desses indivíduos como Sacerdotes Guerreiros, com atribuições bélicas além das sacerdotais. Fig. III.7. Quadro comparativo dos atributos do Sacerdote Guerreiro (tumba 14 de Sipán) com os atributos mostrados pelos trombeteiros no vaso do Fowler Museum. 105 Fig. III.8. Detalhe das miniaturas de guerreiros encontrados na Tumba 14. Foto da autora. Museu de Sítio Huaca Rajada Sipán. O desenho de tipo rollout (desenrolado) de McClelland na prancha 46 posiciona o pututo e o ulluchu ao lado do músico A - claramente por uma decisão da artista de começar o desenho a partir do entroncamento da alça estribo. Não obstante no vaso original se observa que ambos os elementos se encontram entre os músicos A e D, não estando diretamente relacionados a um só músico. Pututos e ulluchus são amplamente relacionados ao Senhor Noturno no repertório iconográfico mochica (Golte 2009: 329), mas não podemos atribuir o pututo e o ulluchu a apenas um dos músicos da vasilha. Ainda neste capítulo veremos mais detalhadamente que, em cerimônias atuais no altiplano andino, pututos podem estar associados aos comandantes de um grupo de antaras. É muito provável que o Senhor Noturno tivesse a incumbência de tocar estes instrumentos sonoros ao oficiar um determinado ritual. Batalhas rituais e a Cerimônia do Sacrifício são ocasiões nas quais possivelmente os Senhores Noturnos desempenhavam este papel. A peça do Fowler Museum continuará a ser analisada na Parte II deste capítulo. III.II.A.1.3. A Tumba 16 e o Senhor dos Pututos A Tumba 16 também foi escavada em 2007, e o indivíduo que a ocupava foi encontrado junto a uma mulher, um adolescente e três recém-nascidos (ibid.). 106 Segundo as análises de antropologia física realizadas por Mario Millones, correspondia a um indivíduo do sexo masculino, entre 35 e 40 anos de idade e medindo 1,67 m de altura. Ele teria tido um corpo robusto, resultante provavelmente de seu desempenho na função de guerreiro (ibid.: 72). Chero (ibid.: 71) o chamou de Senhor Guerreiro. Com ele foram encontradas oferendas de cerâmica, metal e um pututo de concha Strombus, como se verifica na tabela III.1. Os diademas de toucados eram todos em formato V e as vestimentas em placas de metal, tal e qual os atributos do Senhor Noturno e do Guerreiro Coruja. As quatro clavas encontradas junto ao indivíduo reforçam seu status de guerreiro. Também foi encontrado um cetro cerimonial com uma faca sacrificial na extremidade, além dos atributos de poder corriqueiros: orelheiras, narigueiras, peitorais e oferendas. Estamos de acordo com Chero (2013: 94) que este personagem, assim como os outros indivíduos de elite enterrados em Sipán, tinham diversas diligências, entre atividades guerreiras e sacerdotais, e que cada um destes objetos deveria ser utilizado dependendo da ocasião. As peças M620 e M612 (prancha 21) e a prancha 22 mostram um personagem com atributos de Senhor Noturno em posição de oração com as mãos espalmadas, exatamente à maneira do personagem da Cerimônia do Sacrifício, associados a pututos e a caleros 21. Uceda (2008: 154-155) os denominou “Adoradores”. Eles também levam nas costas capas que parecem ser feitas com a pele e a cabeça de animais. Benson (2012: 76) acredita que o Senhor Noturno e o Adorador são a mesma persona social. Os atributos deste personagem são muito similares aos do Senhor da Tumba 16, porém os elementos e o pututo encontrados na tumba seriam insuficientes para atribuirmos ao indivíduo enterrado a persona social dos personagens da prancha 21. É importante levar em consideração a diferença entre os pututos da Tumba 14, feitos em cerâmica e em miniatura, e o pututo da Tumba 16, um instrumento original, feito em concha Strombus com embocadura de metal. É evidente que o último foi feito para ser efetivamente tocado, enquanto os da 21 Calero é o nome em espanhol para o recipiente em forma de gota que contém a cal a ser aspirada e se apresenta junto a uma espécie de canudo para aspirar a substância psicoativa em rituais específicos. 107 Tumba 14 eram provavelmente simbólicos. Segundo Herrera, pututos de cerâmica não foram produzidos como substitutos dos verdadeiros pututos marinhos em decorrência de escassez da concha: (…) One may be tempted to follow Gudemos suggestion that a transition occurred over time in which shell horns were replaced by pottery copies or skeumorphs. A range of possible factors may be invoked in the support of a replacement or hiatus hypothesis, including increased demand, difficulty in acquiring tropical snails of the desired (large) size due to intense exploitation or population dynamics. There is evidence to suggest that the relationship between shell and pottery shell trumpets may not be as straightforward, however. Ethnohistoric sources strongly suggest that marine conch horns remained in use well into the early colonial period, despite severe religious clampdown. (Herrera, 2004: 18) O autor atenta ainda para o fato de que, na amostragem selecionada para seu estudo, notou a presença de duas vezes mais artefatos feitos em cerâmica do que as próprias conchas (ibid.: 21). Reproduções em cerâmica de pututos tinham, provavelmente, um aspecto simbólico importante e Herrera sugere que mais estudos devam ser feitos no sentido de diferenciar, tanto organologicamente quanto simbolicamente, os pututos feitos de concha e de cerâmica, respectivamente. O pututo associado ao indivíduo da tumba 16 confere ao Sacerdote Guerreiro também a incumbência de produzir som para os ritos públicos dos quais participava. É muito difícil compreender porque algumas personas sociais estavam associadas ao instrumento em concha e outros às réplicas de cerâmica. III.II.A.1.4. A Tumba 15 e o Guerreiro Coruja A tumba 15, também escavada em 2007, é a mais antiga das três, pertencente ao período Moche Inicial. Nela não foi encontrado nenhum instrumento musical, entretanto queremos destacar a presença de atributos de coruja, como diademas, associadas a este personagem. Além disso, vasilhas com representações naturalistas de corujas também foram encontradas, como se verifica na tabela III.1. 108 Estas evidências sugerem que uma linhagem de elite ligada à coruja e ao mundo noturno teve grande importância em Sipán antes da atuação do Senhor de Sipán, ou Senhor Solar, ligado ao hanan. III.II.A.1.5. Senhores Noturnos Escultóricos Na Prancha 1 vemos três exemplares de apitos de Senhores Noturnos tocando antaras. Um deles (M052) é a única peça de nossa amostragem feita em metal. A informação que consta na ficha catalográfica do Museu Larco especifica o material como cobre dourado com incrustações de pedra verde. Apliques de cabeças humanas não aparecem apenas nas antaras da cena do Fowler Museum. A peça M625 (prancha 1), por exemplo, mostra o mesmo tipo de apêndice no instrumento. A prancha 3 mostra apenas apitos com representações de Senhores Noturnos tocando chocalhos (do tipo idiofones suspensos conjugados). Todos os exemplares apresentam presas e atributos de guerreiros, como a clava e o escudo, traços não observados nos Senhores Noturnos que tocam as antaras. Há uma diferenciação clara entre estas duas categorias de Senhores Noturnos músicos, ainda que todos apresentem elementos que os caracterizam como Sacerdotes Guerreiros: os com claros atributos de guerreiro e presas tocam chocalhos e os que não apresentam estes atributos tocam antaras. Os dados arqueológicos das Tumbas 14, 15 e 16 demonstram que todos esses indivíduos eram ao mesmo tempo sacerdotes e guerreiros, já que todos foram encontrados com suas clavas de guerra e os estudos de antropologia física apontam para indivíduos em boa forma física, com corpos robustos. Os apitos das pranchas 1 e 3 são alusivos à mesma personalidade iconográfica: o Senhor Noturno da Cerimônia do Sacrifício. As representações iconográficas demonstram que este papel social está associado primordialmente a antaras e pututos, e em menor grau a trombetas e chocalhos. Quantitativamente, a representatividade dos Senhores Noturnos tanto em relação à amostragem total de músicos da nossa pesquisa (1%) quanto em relação ao grupo de músicos oficiais (6%) é muito pequena. É possível perceber que essa subcategoria não é representativa em quantidade em relação a tantas outras categorias de músicos da iconografia mochica, mas que 109 é significativa em face à importância deste papel social, ainda mais quando se levam em consideração os dados da Tumba 14, que mostram os instrumentos sonoros claramente identificados com este personagem do mais alto status social. A tabela III.IV mostra a grande representatividade da antara associada a este tipo de personagem. Apesar de uma expressiva presença de idiofones, os instrumentos de vento predominam nesta subcategoria. Embora não apareçam tocando trombetas na iconografia, os dados da Tumba 14 e a cena do Fowler Museum (prancha 46) demonstram que Senhores Noturnos podem estar associados também a este tipo de instrumento. As trombetas são sempre tocadas por seus auxiliares guerreiros (Pranchas 46 e 47). Em relação ao tipo de suporte artefactual, Senhores Noturnos são igualmente representados em vasos de alça estribo, especialmente em forma pictórica (pranchas 21 e 46), e em apitos, em forma escultórica (pranchas 1 e 3). Em peças escultóricas Senhores Noturnos tocam idiofones suspensos conjugados e antaras. A peça da prancha 4 mostra um personagem com todos os atributos de Senhor Noturno tocando uma tinya. Mais adiante veremos que este personagem pode, entretanto, representar um músico acompanhante, apesar de os atributos serem convincentemente de Senhor Noturno (ver tabelas III.IX e III.X). Quanto à distribuição cronológica e regional deste subgrupo, todas as peças são da fase IV e da região Moche Sul. III.II.A.2. Senhor Solar Embora apareça frequentemente em danças, como veremos adiante, raramente o Senhor Solar aparece associado a ou tocando instrumentos sonoros. Em nosso levantamento de dados encontramos apenas três peças nas quais este personagem aparece tocando idiofones suspensos conjugados: M407 (prancha 15), M152 (prancha 50) e M645 (prancha 51). A primeira peça é um apito feito em molde. O personagem carrega, além do chocalho, sua maça de guerra sinalizando que está preparado para atividade bélica. Sua face tem feições de raposa, de acordo com a figura antropozoomorfa que incorpora seus atributos. Na iconografia mochica, a figura do Guerreiro Raposa geralmente 110 tem atributos de Senhor Solar (prancha 15), bem como o Guerreiro Coruja apresenta atributos de Senhor Noturno. A peça M152 (prancha 50) mostra uma procissão em alto relevo com cinco personagens, quase todos tocando instrumentos sonoros, enquanto um deles carrega o estandarte de batalha. O Senhor Solar toca um chocalho (de tipo suspensos conjugados) e é claramente o personagem central da cena, uma vez que nenhum dos outros personagens apresentam atributos de Sacerdotes Guerreiros, apenas túnicas e, em alguns casos, orelheiras circulares. É possível que sejam todos guerreiros em batalha sob o comando do Senhor Solar, ou que seja um séquito de músicos acompanhando-o em batalha. A peça é um vaso de alça estribo com bojo comum de fase III/ IV. Voltaremos a abordá-la na análise da categoria de músicos acompanhantes, mais adiante. Na prancha 51 apresenta-se um desenho de linha fina reproduzido por Mc Clelland a partir de um vaso de alça estribo com bojo comum. Nela vemos os dois Sacerdotes Guerreiros opostos atuando: o Senhor Noturno e o Senhor Solar, ambos tocando idiofones suspensos conjugados. A associação entre a figura do Senhor Solar e instrumentos de entrechoque se torna ainda mais evidente ao constatarmos que chocalhos semicirculares na região da cintura eram parte da indumentária do Senhor de Sipán (prancha 12). Na prancha 31 apresentam-se alguns exemplares de guerreiros, dentre os quais se verificam guerreiros com cascos cônicos como os do Senhor Solar. Na prancha 15, ainda, vemos uma peça (M638) com uma raposa antropomorfa com atributos de Senhor Solar tocando o que parece ser um tambor de chão. Segundo Olsen (2002: 165) estes objetos são tambores. Veremos no próximo capítulo que leões marinhos tocam instrumentos que parecem ser tambores de chão (prancha 86). Encontramos no arquivo Moche da Dumbarton Oaks mais alguns exemplares de apitos com Senhores Solares tocando chocalhos da mesma categoria (idiofones suspensos conjugados). Senhores Solares constituem uma categoria muito pequena na amostra total (menos de 1%), e nunca estão associados a aerofones (tabela III.VII). 111 III.II.A.3.Toucados de Dois Círculos A presença de Sacerdotes Guerreiros músicos na iconografia mochica não se limita a personas sociais de Senhor Noturno e Senhor Solar. Um tipo de toucado com diadema semilunar central flanqueada por dois círculos laterais também é comum, como se verifica nas pranchas 16, 17 e18. Após uma busca minuciosa em todas as coleções visitadas e na bibliografia especializada, encontramos personagens com este tipo de toucado representados de duas formas: com atributos de guerreiro, seja em liteiras, como se verifica na fig III.9 a, b e c, e em pé (fig. III.10). Estas peças foram produzidas em moldes e são características da fase IV. Há dois tipos de toucados de dois círculos: no primeiro tipo os círculos do toucado são decorados com esferas em redor, como em um formato de flor (prancha 16, M046, M008, M626, M044). No segundo tipo as esferas em redor dos círculos centrais são inexistentes (prancha 16, M043, M044 e todas as peças da prancha 17). Os dois tipos apresentam diadema semilunar. Músicos desta categoria tocam aerofones: antaras, trombetas e pututos (pranchas 16 e 18) e idiofones de várias categorias: de tipo suspensos conjugados, de golpe indireto horizontal e de entrechoque (prancha 17). Na prancha 16 os Senhores de toucados de dois círculos tocam aerofones: antaras (M0043, M044, M005, M014, M046, M008, M084), trombetas, que podem ser em formato de espiral (M626) ou retas (M084 e M627) e pututos (M128). É importante notar que quase todas as peças desta prancha são, em si mesmas, objetos sonoros (ver tabela III.IX). Destas, quase todas são apitos, com exceção da peça M046, uma trombeta em formato de espiral quebrada. M627 é um molde, provavelmente para manufaturar um apito. 112 Fig. III.9 a, b e c. Peças escultóricas mostrando guerreiros com Toucados de Dois Círculos sentados em liteiras. Museu Larco, Lima. Catálogo Online. Fig. III. 10. Molde de guerreiro com Toucados de Dois Círculos. Museu Larco, Lima. Catálogo Online. A peça M005 (prancha 16) foi encontrada em escavações em Cerro Mayal, vale de Chicama, região Moche Sul (Jackson, 2008: 61). Este sítio se 113 destacou na fase IV pela produção cerâmica em ateliês especializados (ibid.: 50). Fica claro, pelo formato e grande quantidade de apitos (não apenas com músicos representados, mas com outros motivos) que a produção desses instrumentos em moldes no período Moche Médio foi bastante expressiva. As peças M043 e M044, por exemplo, parecem ter saído do mesmo molde. Outra peça com informação de proveniência é a M626, encontrada nas escavações das Huacas de Moche (Scullin, 2015: 87). Em duas peças (M046 e M008) as antaras apresentam apliques de cabeça humana, à maneira das antaras representadas na peça do Fowler Museum. A prancha 17 apresenta Senhores de toucados de dois círculos tocando idiofones. É importante notar a variedade de idiofones tocados por esta subcategoria de personagens. M294 mostra um indivíduo de toucado de dois círculos muito paramentado (inclusive com narigueira) tocando um idiofone de golpe direto horizontal. M409, um apito produzido em molde, mostra o personagem com seus atributos de guerreiro (clava e escudo) segurando um idiofone de tipo suspenso conjugado na mão esquerda. Já a imagem M628, retirada de uma sofisticada vasilha de alça estribo com bojo comum e aplique escultórico, mostra os idiofones de entrechoque três vezes, representados em forma escultórica e pictórica. No aplique escultórico, o senhor de toucado de dois círculos, todo paramentado, segura um idiofone de entrechoque. Na cena pictórica reproduzida na imagem aparecem dois personagens: o de toucado de dois círculos à esquerda e outro com toucado de ave à direita. Entre ambos há dois idiofones de entrechoque, do mesmo modelo segurado pelo personagem do aplique escultórico. Os chocalhos apresentam em suas pontas cabeças com toucados que se assemelham aos dos seus respectivos “donos”. As únicas peças com senhores de toucados de dois círculos que não constituem instrumentos sonoros, nem feitas em molde e, portanto, sem um perfil de produção em larga escala, são M294 e M628, nas quais aparecem tocando idiofones. A prancha 19 mostra oito exemplares de apitos feitos em molde com senhores de toucados de dois círculos tocando pututos. Na prancha 47 vemos uma peça do Museu Etnográfico de Berlim com uma cena semelhante à do vaso do Fowler Museum, na qual quatro 114 Sacerdotes Guerreiros tocam antaras flanqueados por trombeteiros. Esta cena, representada em um vaso de alça estribo com bojo comum característico da fase IV, mostra antaristas com diversos toucados. À diferença da vasilha do Fowler Museum, não encontramos aí o Senhor Noturno, mas sim o Senhor de toucado de dois círculos (primeiro personagem) e outros músicos com toucado de animal. Assim como a peça do Museu Fowler, esta peça também será discutida detalhadamente na Parte II deste capítulo. Por ora é importante constatar que o senhor de toucado de dois círculos também aparece em cenas pictóricas. Na iconografia mochica toucados de diadema semilunar central com dois círculos laterais são comuns em guerreiros, como é possível verificar na prancha 32. M014 (prancha 16) é a única peça que mostra o músico associado a um instrumento de guerra além de seu instrumento sonoro. Fica claro que este grupo também pertence à casta dos Sacerdotes Guerreiros. Músicos com toucados de dois círculos têm pouca expressividade em relação à amostra total (2%) e à amostra de músicos oficiais (8%). Aparecem associados a uma grande gama de instrumentos sonoros, todos aerofones ou idiofones (tabelas III.IV e III. VII) e, morfologicamente, predominam suas representações em suportes artefactuais que são também instrumentos sonoros: 81% de apitos, 5% de trombetas e mais 5% de moldes (provavelmente de apitos) como suportes, totalizando 91 % da amostra (tabela III.VI). As peças desta subcategoria são características da fase IV, reiterando a presença desses personagens como de grande importância no Período Moche Médio. III.II.A.4. Toucados de Diadema Semilunar Os toucados da prancha 19 apresentam diadema semilunar, um tipo de toucado comum entre os governantes mochica. Algumas vezes diademas semilunares acompanham apliques de cabeça de animal, como ocorre com o músico C da prancha 47. Os músicos com este tipo de toucado tocam antaras (ver tabela III.IV). Alguns percussionistas acompanhantes, a serem discutidos na terceira parte deste capítulo, apresentam toucados de diadema semilunar (pranchas 58 e 59). 115 III.II.A.5. Toucados de Cabeça de Animal As categorias anteriores mostram que, na maior parte das vezes, os diademas contêm em seu centro uma cabeça de animal, que pode ser tanto de mamíferos (felinos, macacos e raposas), quanto de aves (corujas, aves marinhas ou condores). Muitas vezes, porém, personagens da iconografia aparecem usando apenas os apliques de cabeças de animal, sem os diademas (antarista B da prancha 47) e às vezes associados a plumas (pranchas 47 e 48). Na prancha 47 vemos este tipo de toucado nos antaristas da vasilha do Museu Etnográfico de Berlim, com exceção do antarista com toucado de dois círculos. Encontraremos grande quantidade de músicos com este tipo de toucado entre as cenas do inframundo, a serem analisados no Capítulo IV. A peça M54, prancha 161 mostra um toucado deste tipo, porém com a face do animal quebrada. Segundo Golte, os toucados de animais representam a linhagem paterna do indivíduo. Vimos no Capítulo II que a origem mítica de uma família ou linhagem é fundamental nas cosmovisões ameríndias e andinas. Portanto, o toucado, como um dos mais importantes e proeminentes atributos de poder e identidade político-religiosa, certamente fazia alusão não só à origem ou linhagem do indivíduo que o portava, mas ao seu papel no âmbito políticoreligioso. Indivíduos com toucados de corujas ou aves marinhas se encontram provavelmente ligados ao hurin, enquanto os com toucados de condores e mamíferos estão ligados ao hanan. Toucados de animal sem diadema associado podem ocorrer, embora em menor escala, em músicos oficiais da categoria “Acompanhantes e Anunciantes” (prancha 55, M072 e prancha 56, M149). Músicos com toucados de cabeça de animal conformam apenas 4% da amostra de músicos oficiais, e também sempre tocam antaras (ver tabela III.IV). 116 III.II.A.6. Toucados de Duas Mãos (Tomadores de Coca) Na prancha 23 observa-se uma vasilha de alça estribo cuja base apresenta figuras antropomorfas de mãos dadas, atuando em uma dança, e em cujo apêndice escultórico está representado um flautista de alta hierarquia, ornamentado com capa, túnica e orelheiras circulares. Apresenta pintura facial em forma de cruz e toucado em V, com os apêndices em formato de mãos humanas. Algumas vasilhas escultóricas do Museu Larco (pranchas 24, 25 e 26 e ML001026, ML001056, ML001058, ML001059, ML001064) apresentam um personagem com os mesmos atributos, mas carregando um calero e uma espátula nas mãos no lugar de uma flauta. A prancha 24 mostra uma conhecida cena na qual interagem quatro personagens, um dos quais se encontra posicionado no centro do arco formado pela serpente bicéfala (Bourget, 2008: 41, Uceda, 2008: 154). Uceda (ibid.: 156) chama a atenção para o fato de que o personagem que se encontra sob o arco está vestido com uma camisa de placas quadrangulares e tem as mãos unidas e direcionadas para o alto. Além disso, tem o toucado em forma de V, cujos apêndices representam ulluchus, frutos alucinógenos largamente associados ao Sacerdote Guerreiro no repertório iconográfico mochica. Esses personagens nomeados por Uceda (ibid.: 154-155) de Adoradores (Worshippers) (prancha 26), já foram mencionados anteriormente. Eles apresentam grande similaridade com o Senhor Noturno. Vimos anteriormente que, em algumas ocasiões, o Senhor Noturno aparece com as mãos unidas para o alto e associado a pututos (prancha 21). Os personagens que estão fora do “arco bicéfalo” usam túnicas nas quais aparecem os elementos escalonados com voluta e carregam seus caleros com espátula que levam à boca. Uceda (ibid.) os identifica como Tomadores de Coca (Coca Takers). The Moche ritually chewed dried coca leaves with a small amount of lime in order to facilitate the alkaloid extraction (…). Some Moche representations show men handling small gourd-shaped bottles similar to those used today as lime containers. Various authors have identified these men as coca consumers executing rituals related to the intake of the mind altering substance (…). (Bernier, 2010: 103) 117 Na prancha 26 há peças com tomadores de coca de alto status. O primeiro está sentado em um trono, e sua pintura facial foi reproduzida com incrustação de conchas ou madrepérola. Pela maneira como é representada na iconografia e pelos dados arqueológicos encontrados, seguramente a Cerimônia da Coca fazia parte dos rituais oficiais mochica. O cacto San Pedro (Trichocereus pachanoi) aparece em todas as cenas de Cerimônia da Coca. A nosso ver o flautista da prancha 23 está plenamente associado, no plano dos atributos, aos “Tomadores de Coca”, o que lhe confere este papel. É um tomador de coca com funções de músico. A visibilidade do instrumento sonoro é bastante comprometida, já que o personagem tem ambas as mãos sobre ele e o formato do instrumento não está bem definido. É certo que se trata de um instrumento de sopro, entretanto, não o consideraremos nem como quena, nem como antara. Scullin (2015: 155) considera em sua tese que o instrumento tocado pelo personagem seja uma quena. É ainda possível que seja outro tipo de instrumento, como flautas longitudinais mais largas ou um tipo de ocarina (Julio Mendívil e Dimitri Manga comunicação pessoal, fevereiro de 2016). Segundo Carlos Mansilla (comunicação pessoal, fevereiro de 2016) representações de antaras são geralmente muito claras na iconografia mochica, não deixando muitas duvidas organológicas. O Tema da Cerimônia da Coca está relacionado aos pututos, objetos associados ao Adorador (Senhor Noturno), personagem que apresenta papel central na cerimônia. Por sua vez, Tomadores de Coca também tinham papel preponderante no mundo Moche, como atestado pelas escavações na Huaca de La Luna e na Huaca Cao Viejo, onde vários desses personagens foram encontrados associados a seus atributos fundamentais, como o calero e o manto de pele de animal (Bourget, 2008: 40, Uceda, 2008: 164-165). Um dos acompanhantes da Dama de Cao, por exemplo, era um tomador de Coca (Franco, 2009: s/n). 118 Fig. III.11. Artefatos encontrados nas escavações na Huaca de La Luna, pertencentes a Tomadores de Coca. Imagens: Bourget, 2008: 41-42. A peça da prancha 23 tem um estilo muito peculiar: o formato do bojo um tanto aplanado é raro, ainda mais associado a representações pictóricas em alto relevo, e a alça estribo é característica de um vaso fase III e, portanto, do início do Período Médio. Esta não se parece com uma peça clássica de fase IV. De acordo com os arquivos do Museu Larco, a peça tem proveniência de um sítio chamado Pur Pur, localizado no vale do Virú. Coincidentemente, mais três peças do Museu Larco com referências a Tomadores de Coca procedem do mesmo sítio (prancha 25). Todas elas apresentam o mesmo tipo de estribo: não muito longo e sutilmente aberto na borda, o que pode indicar que estas peças são de fase III, ou que tal característica seja predominante na produção cerâmica do Vale do Virú. Woloszyn (2008: 13) fez um estudo detalhado dos vasos-retrato mochicas fundamentado na análise de atributos como toucados, pintura facial, traços faciais, penteados, orelheiras e narigueiras. Ele faz menção a um tipo específico de personagem que denomina Guerreiros Recuay, identificáveis pelas orelheiras, toucados e penteados (ibid. 14). Estas seriam representações de guerreiros provenientes da serra. Segundo Woloszyn (manuscrito, s/d) a vestimenta é um dos atributos que permitem diferenciar os habitantes serranos na iconografia mochica, e os toucados com mãos humanas teriam sido encontrados em estatuetas de pedra representando guerreiros na província de Aija, zona de transição entre a costa e a serra no departamento de Ancash, 119 área Recuay. Ainda segundo o autor (ibid.), os estudos posteriores de Makowski, Rucabado e Lau fortaleceram a hipótese de que indivíduos da região andina adjacente estavam representados na cerâmica mochica. O toucado de mãos humanas, os brincos em formato redondo (diferente das orelheiras circulares que mais parecem um alargador) e a pintura facial em formato de Cruz de Malta são, segundo o estudo de Woloszyn, atributos característicos da zona de Recuay (ibid.), e os personagens que os apresentam na iconografia mochica seriam uma referência a indivíduos e papéis sociais presentes na sociedade serrana. Talvez por esta razão a peça do flautista tomador de coca seja tão única dentro de nossa amostragem, inclusive em sua morfologia. III.II.A.7. Outros tipos de toucados Alguns oficiantes usam toucados que não se encaixam em nenhuma das categorias observadas. Podem ser simples capacetes com amarre no queixo como nas peças M038 e M023 (prancha 20) ou turbantes. Geralmente eles não apresentam diademas. A proporção desses toucados dentro da amostra total é insignificante. III.II.A.8. Sacerdotisas O debate sobre a figura feminina tem tomado um espaço cada vez mais proeminente nos estudos Moche, uma vez que são muitas as evidências arqueológicas da atuação política e religiosa das mulheres (Franco, 2009; Castillo, 2006; Castillo, 2007; Coffin et al., 2004, Cordy Collins, 2001). Mulheres aparecem associadas a atributos de poder e bens de prestígio, tanto nas representações iconográficas quanto em contextos de enterramento. Entre os achados mais importantes estão a Dama de Cao, encontrada pelo arqueólogo Régulo Franco na Huaca Cao Viejo, Vale de Chicama e as tumbas de sacerdotisas de San Jose de Moro, localizadas no Vale do Jequetepeque, encontradas por Christopher Donnan e Luis Jaime Castillo (Castillo, 2006, s/n). Esses achados demonstraram que a mulher tinha um papel protagônico dentro das esferas de poder mochicas, mantendo uma posição social importante. 120 Mulheres com atributos de poder são representadas tanto em forma escultórica quanto pictórica (prancha 27). Os estudos levados a cabo por Lyon & Hocquenghem (1980) e Holmquist (1992) constataram que o personagem C da Cerimônia do Sacrifício, com tranças de serpente, toucado de dois penachos laterais e a taça nas mãos é uma mulher (Hocquenghem & Lyon, 1980 apud Makowski, 1994: 79). Geralmente as mulheres com atributos de poder, chamadas de sacerdotisas, apresentam longas tranças que terminam em serpentes, taças, toucados elaborados, orelheiras circulares, colares, túnicas, capas e presas. Uma das representações femininas mais conhecidas da iconografia mochica é a da Sacerdotisa de Pañamarca (prancha 28), representada no mural da huaca de mesmo nome no Vale de Nepeña, região limítrofe ao sul da área Moche. A pintura policroma a expõe com túnica, capa, colar, cinto, orelheiras circulares, toucado elaborado e as tranças de serpente. Ela segura uma taça e é acompanhada por um séquito que inclui o Guerreiro Raposa. A Dama de Cao, uma sacerdotisa que viveu no século IV no vale de Chicama (Franco, 2009: s/n), foi encontrada na Huaca Cao Viejo associada a coleções de narigueiras, orelheiras, discos e toucados em ouro e prata, como se verifica na fig. III.12: Fig. III. 12. Objetos em ouro e prata encontrados com a Dama de Cao. Museu de Sítio Cao Viejo. Foto da autora autorizada pelo Diretor Régulo Franco. 121 Fig. III.13. Quenas de osso do Período Tardio (Lambayeque) encontradas na Huaca Cao Viejo. Museu de Sítio Cao Viejo. Foto da autora autorizada pelo Diretor Régulo Franco. Na discussão sobre os correlatos específicos do Senhor Noturno em contextos de enterramento, há também a hipótese de Régulo Franco (2009: s/n) de que este papel específico corresponderia à Dama de Cao. Ele fundamenta sua hipótese na túnica de placas de metal e no toucado encontrados com a sacerdotisa, muito semelhantes aos toucados do Senhor Noturno, com duas hastes formando um V e cabeças antropozoomorfas centralizadas, como se verifica na imagem a seguir: Fig. III.14. Toucados encontrados associados à Dama de Cao. Franco, 2009. De fato, o toucado guarda semelhanças com os toucados do Senhor Noturno, mas não é exatamente igual já que as hastes parecem formar um 122 ângulo menor entre si do que no toucado do Senhor Noturno e não há o diadema semicircular, como nos toucados da Pranchas 1, 2, 3 e 6. Acreditamos, como exposto anteriormente, que a persona social do Senhor Noturno da Cerimônia do Sacrifício seja correlata ao Sacerdote Guerreiro da Tumba 14, tanto pelos atributos quanto pelos instrumentos sonoros associados, e não à Dama de Cao. Segundo as análises do antropólogo físico John Verano, a Dama de Cao teria falecido entre 20 e 25 anos de idade em consequência do parto (Franco, 2009: s/n). Os estudos de Franco (2009) revelaram que a Dama de Cao exerceu o seu poder no vale de Chicama entre os anos 300 a 400 d.C., ou seja, no período Moche Médio. Franco atenta para o fato de as representações da Cerimônia do Sacrifício serem mais tardias, não coincidindo com o momento de atuação político-religiosa desta personagem. Benson (2012: 77) aponta para a mesma controvérsia cronológica, porém usando o caso de Sipán, já que a datação de Alva e Donnan para a Tumba do Senhor de Sipán, seria o século IV, ou seja, fase Moche III (ibid & Chero, 2013: 24). Entretanto os temas complexos só viriam a se estabilizar na fase IV, e na região Moche Sul. Não nos parece uma contradição que a Cerimônia do Sacrifício tenha sido amplamente representada na fase IV – Sul e que seus correlatos humanos tenham vivido em outros vales em momentos distintos, mais ou menos tardios. Pela importância dada a este ritual, ele certamente deve ter constituído uma tradição de longa duração, adquirindo um protagonismo excepcional no século V nos vales de Chicama a Nepeña a ponto de serem exaustivamente estampados na cerâmica, mas provavelmente praticado desde períodos muito anteriores. De fato, novas datações publicadas por Chero recentemente (Chero, 2015) apontam para o século IX como a época de vida e atuação do Senhor de Sipán, portanto um período muito mais tardio que o pensado na década de oitenta. Sacerdotisas usam atributos como os mostrados na prancha 28: tranças que podem terminar em cabeças de serpente, toucado geralmente de plumas laterais, túnica, colar, orelheiras circulares e, em alguns casos, braceletes. A peça M062 (prancha 28) mostra uma figura feminina com tranças de serpente tocando antara. A peça pertence a uma coleção privada em Carhuaz, parte serrana do departamento de Ancash, cuja parte costeira correspondente 123 aos vales de Santa e Nepeña, abrigou grupos mochica (Chapdelaine, 2010). É muito provável que esta peça seja proveniente desses vales, que conformaram o extremo sul do território mochica e foram ocupados a partir do período Médio. A cerâmica ritual da região obedece, de maneira geral, aos padrões estilísticos da cerâmica dos vales de Moche e Chicama (Gamboa, 2013: 12), porém amalgamadas aos estilos locais previamente existentes na região (Chapdelaine, 2010: 276, Gamboa, ibid.). Este cântaro não tem um estilo particularmente mochica, e pode inclusive pertencer a uma fase transicional entre o fim do Intermediário Inicial e o início do Horizonte Médio (La Chioma, 2012: 99-100). É a única peça encontrada em nosso estudo que representa uma mulher tocando antara, instrumento eminentemente masculino (Gruszczynska, 2004). Apesar de não ter os demais atributos de poder dos grandes sacerdotes, como as orelheiras, colares, braceletes e toucado elaborado, acreditamos que esta peça mantenha relação com as outras discutidas aqui e que, provavelmente, não demonstre tantos atributos de poder por sua procedência pouco comum. A peça M416 (prancha 28), da coleção Cassinelli (Trujillo), mostra a sacerdotisa sentada e associada a objetos pintados sobre a parte frontal do bojo do vaso: vasilhas (uma de alça estribo, uma tigela de oferenda e um cântaro), um semema de meia lua e estrela e um chocalho de tipo idiofones suspensos conjugados. Já na peça M386, na mesma prancha, a personagem com os mesmos atributos segura um cetro com a mão direita e o chocalho com a esquerda. As próximas sacerdotisas (M605 e M628) carregam chocalho de campânula fusiforme, diferente dos anteriores. Segundo os arquivos do Museu Larco estas três peças são provenientes do Vale de Chicama. É interessante notar que há uma significativa quantidade de peças com representação de mulheres no Museu Larco cujas informações de proveniência indicam procedência do vale de Chicama. Levando em conta a grande importância da Dama de Cao no vale, é possível que mulheres tenham tido uma posição de destaque em Chicama, especificamente no período em que ela atuou. A sacerdotisa M605 apresenta presas. Para Makowski (1994: 72) a mulher com presas é a senhora mítica, sobrenatural, substituída por suas contrapartes terrenas nas cerimônias nas quais aparecem portando seus 124 atributos. A personalidade iconográfica da mulher mítica foi definida por Hocquenghem e Lyon (1980 apud Makowski, 1994: 79). É uma figura fácil de distinguir por sua túnica longa, colar, brincos, toucado de dois penachos e tranças (ibid.). É comum encontrar estatuetas dessas sacerdotisas com os atributos do Tomador de Coca nas mãos, como na peça ML013907 22 do Museu Larco. Como vimos anteriormente, junto com o séquito da Dama de Cao foi encontrado um tomador de coca com todos os seus atributos. Das cinco peças de sacerdotisas encontradas, quatro tocam chocalhos e uma, de perfil não convencional, toca antara. Os instrumentos associados a sacerdotisas são majoritariamente idiofones (ver tabelas III.IV e III.VII), divididos igualmente entre idiofones de campânula fusiforme e idiofones suspensos conjugados. Por ser um grupo muito pequeno formado por apenas cinco peças a proporção de artefatos deste grupo em relação à amostra total é menor que 1%, e em relação à amostra de músicos oficiais é menor que 2%. A amostra conta com dois vasos de alça estribo, duas estatuetas e um cântaro. As representações são todas escultóricas (tabela III.VI). III.II.A.9. Quenistas de Turbante A prancha 29 mostra duas peças praticamente idênticas: dois vasos de alça estribo em cerâmica branca com bojo escultórico e com incrustações em pedra verde. Neles estão representando quenistas sentados de pernas cruzadas, apresentando os mesmos atributos: turbante, orelheiras circulares, braceletes e colar. Ambas foram encontradas nas escavações científicas da Huaca de La Luna, em contextos diferentes (Projeto Arqueológico Huacas de Moche, 1995: 181). O primeiro quenista (M090) foi encontrado na Tumba 1 do quinto edifício da Plataforma Principal. Segundo Uceda (ibid.: 178) era a tumba de um Sacerdote Guerreiro, na qual jazia um indivíduo do sexo masculino, de 20 a 35 anos e 1,68 de altura, com alto grau de robustez corporal. Além do vaso com o quenista, foi encontrado um vaso com representação de guerreiro. Uceda menciona que na tumba foi encontrado apenas um vaso com o músico, 22 Verificar catálogo online do Museu Larco. 125 o que significa que as duas peças da prancha 29, embora muito semelhantes, não foram enterradas juntas. Fig. III.15. Vasos de alça estribo encontrados na Tumba 1 do quinto edifício da Plataforma Principal da Huaca de La Luna. Museu de Sítio Huacas de Moche. Fotos da autora com autorização da direção do Museu, 2012. O outro quenista (M091) foi encontrado na tumba 25 da Unidade 16 (Projeto Arqueológico Huacas de Moche, 2004: 38). O indivíduo da tumba 25 foi denominado pelos arqueólogos de Xamã Moche, tendo sido encontrado com uma vasilha de alça estribo também em cerâmica branca, à moda da anterior, porém com o personagem segurando um tumi no lugar de uma clava. Os arqueólogos responsáveis pela escavação posicionam esta tumba cronologicamente na fase IV, ou Período Médio (ibid.). A tumba havia sido saqueada anteriormente e restaram poucos ossos, pertencentes a um indivíduo adulto. Fig. III.16. Vasos de alça estribo encontrados na Tumba 25 da Unidade 16 da Huaca de La Luna. Museu de Sítio Huacas de Moche. Fotos da autora com autorização da direção do Museu, 2012. 126 Fig. III.17. Vasos de alça estribo encontrados na Tumba 25 da Unidade 16 da Huaca de La Luna. Informe de escavação do Projeto Arqueológico Huacas de Moche, 2004: 38. Encontramos as fotografias de uma peça idêntica às da prancha 29 no Arquivo Moche da Dumbarton Oaks. A informação que constava no arquivo era a de que a peça original se encontra no Metropolitan Museum of Art, em Nova York. Ela parece ter sido produzida a partir do mesmo molde das anteriores, compartilhando com elas características comuns, como a cor creme e os espaços para as incrustações, que estão vazios, indicando que a peça pode não ter sido terminada ou que as pedras preciosas foram retiradas. Em lugar dos toucados elaborados, com diademas e apliques, ambos os quenistas usam apenas turbantes simples com apêndices laterais. Apresentam ainda colares, orelheiras e braceletes. Pela associação de todos estes atributos podemos considerá-los Sacerdotes Guerreiros. As informações de contexto e proveniência das peças apontam para a diversidade de funções sociais dos indivíduos enterrados e, fazendo parte da casta de Sacerdotes Guerreiros, com funções bélicas, sacerdotais e administrativas, como temos discutido neste capítulo. 127 III.II.II. Oficiantes B: Guerreiros, Acompanhantes e Anunciantes Nossa análise de músicos oficiais demonstrou claramente que existem dois subgrupos bem definidos: o dos Sacerdotes Guerreiros e Sacerdotisas, discutidos até aqui, e um grupo de músicos com poucos ou nenhum atributo de poder ocupando nitidamente papel secundário nas narrativas das quais participam. Esses oficiantes secundários geralmente apresentam túnicas, turbantes e orelheiras circulares e ainda mantêm, em alguns casos, toucados mais simples, capas, braceletes ou colares. Raramente ocorrem toucados mais elaborados. Ao contrário dos músicos com atributos de Sacerdotes Guerreiros, que podem ser claramente associados a personagens específicos da iconografia mochica, os oficiantes do segundo grupo não apresentam claras conexões com quaisquer personagens particulares do repertório mochica, ou seja, não compartilham claramente suas personas sociais com outros personagens. Dividimos este grupo em três subcategorias a serem discutidas: Guerreiros, Acompanhantes e Anunciantes. III.II.B.1. Guerreiros A prancha 30 mostra um cântaro representando um quenista com um toucado circular em redor da cabeça com motivos ondejantes e em S, túnica, capa e orelheiras circulares. Não encontramos nas representações pictóricas nenhum personagem semelhante. Pudemos analisar a peça ao vivo e verificar que se trata de um cântaro grande, bem maior e mais pesado que as habituais vasilhas de alça estribo. É uma peça única, sem informação de proveniência que, muito provavelmente, representa um oficiante de menor status que os Sacerdotes Guerreiros. Apesar de estar classificada como mochica, esta peça apresenta fortes características de estilos locais da área Moche Sul. Em contrapartida, os quenistas da prancha 34 (M089, M092 e M634) estão representados em peças mochica clássicas. Apresentam claros atributos de guerreiros, como protetores coxais, peitorais e capacetes. A diferença entre estes personagens e os Sacerdotes Guerreiros é que eles não apresentam capas, túnicas ou toucados que os relacionam a alguma linhagem específica 128 de poder, mas somente aparatos de guerra. Por esta razão eles configuram guerreiros de combate, muito provavelmente sem a posição e atribuições dos personagens imbuídos do status de Sacerdote Guerreiro. Na mesma prancha verificamos que guerreiros também estão associados a pututos (M105) e idiofones presos à vestimenta (M403), à maneira do Senhor de Sipán. Estas peças representam guerreiros que provavelmente tinham a incumbência secundária de produzir som em batalhas, ao passo que sua atividade principal deveria ser a luta. III.II.B.1.1. A Tumba 5 De Sipán: o “Guerreiro Músico” Nas escavações da década de 80, um dos enterramentos encontrados em Sipán foi o da Tumba 5, localizado na primeira fase construtiva do Edifício II, correspondente ao período Moche Médio. Os arqueólogos denominaram o indivíduo encontrado como Guerreiro Músico por ter sido encontrado associado a armas de guerra e a uma antara peculiar, produzida em cerâmica com um aplique de placa de metal (fig. III.19). O personagem foi encontrado associado aos seguintes elementos • 23: • Dezoito cântaros globulares com cabeça em forma de animal (raposa) • fase III • Aproximadamente vinte crisoles (minúsculos cântaros de argila) Quatro vasos de alça estribo com o bojo achatado, estilo Moche Norte, • Um vaso de alça estribo decorado, estilo Moche Norte, fase III • Seis cancheros simples • quebrado e um completo. • Uma clava de madeira com incrustações de concha e turquesa Dois cancheros com decoração de rosto antropomorfo no cabo, um • Um lançador de dardos com apliques em turquesa • Uma máscara funerária de cobre Uma antara de cerâmica (figs. III.17 e III.18) 23 Estas informações não estão publicadas e nos foram entregues em forma de arquivos fotográficos e comunicação oral pelos diretores de escavação em nossas etapas de pesquisa no Peru nos anos de 2012 e 2013. 129 Fig. III.18. Máscara de cobre encontrada com o “Guerreiro Músico” na Tumba 5 de Sipán. Foto da autora. Autorização para fotografia: Direção do Museo Tumbas Reales de Sipán, Lambayeque. Fig. III.19. Antara de cerâmica com placa metálica encontrada com o “Guerreiro Músico” na Tumba 5 de Sipán. Foto da autora. Autorização para fotografia: Direção do Museo Tumbas Reales de Sipán, Lambayeque. Fig. III.20. Antara de cerâmica sem a placa metálica encontrada com o “Guerreiro Músico” na Tumba 5 de Sipán. Foto cedida gentilmente pela Direção do Museo Tumbas Reales de Sipán, Lambayeque. Seu alto status se verifica em sua vestimenta e nos artefatos que o acompanhavam. Alva (2001: 234) acredita que este indivíduo fazia parte de uma elite militar, que muito provavelmente também atuou como músico, 130 seguindo o séquito de sacerdote guerreiros. Curiosamente, sua antara era muito mais elaborada que aquelas encontradas com o Senhor da Tumba 14. Ambos os personagens demonstram papéis sociais diferentes por meio de seus atributos de poder, porém provavelmente tinham o mesmo status social. Os instrumentos sonoros do senhor da Tumba 14 eram muito mais simples. Como já apontamos, só um estudo musicológico poderia elucidar se as antaras da Tumba 14 eram instrumentos sonoros reais, que produziam um som compatível com as cerimônias públicas, ou se eram miniaturas simbólicas, assim como os pututos e trombetas. Temos, portanto, peças escultóricas de guerreiros associados a quenas, pututos e chocalhos, e um contexto de escavação no qual uma antara estava associada aos restos mortais de um guerreiro. Segundo Donnan (2010: 55) guerreiros tinham alto status e, por seus atributos, pertenciam às elites. Guerreiros se tornam proeminentes na arte nas fases III e IV (Benson, 2012: 83), justamente o momento em que os membros das elites político-religiosas passam a ser representados, e no qual aparecem novos líderes nas representações iconográficas e nos enterramentos como, por exemplo, o Senhor Noturno. Na iconografia estão associados na maior parte das vezes a aerofones (tabelas III.IV e III. VII), sempre quenas ou pututos. Estão representados sempre em forma escultórica (tabela III.VI), em vasos de alça estribo (tabela III.VII). Embora não tenhamos visto guerreiros diretamente associados a antaras na iconografia, a Tumba 5 de Sipán nos sugere que guerreiros também poderiam tocar antaras. É possível que houvesse uma diferença hierárquica entre guerreiros de combate ritual e guerreiros de combate corporal. Quilter (2002: 167) discute 24 se é possível considerar os guerreiros representados na iconografia como pertencentes a uma classe de combatentes de alto status que 24 Was warfare purely ritual, to supply prisoners for sacrifice or was the sacrifice of prisoners the result of warfare conducted for other reasons? The answer to the question leads to different interpretations of Moche politics. A view of warfare as ritual makes politics theocratic. Warfare for political ends relegates sacrifice to lesser importance, the end product of more serious business, elsewhere. Currently, views are polarized, with many prominent Mochicólogos supporting the ritual warfare hypothesis. (Quilter, 2002: 167). 131 atuavam somente em batalhas rituais, uma questão ainda incógnita nos estudos Moche. III. II.B.2. Acompanhantes Além dos guerreiros, dois tipos de músicos facilmente encontrados na segunda categoria de oficiantes são os Acompanhantes. Estes personagens geralmente aparecem nas cenas pintadas em linha fina acompanhando os Sacerdotes Guerreiros e personagens de alto status em atividades de cunho oficial, como danças, procissões e batalhas (cenas que veremos detalhadamente no tópico seguinte). As pranchas 33, 34 e 35, por exemplo, mostram uma série de tipos diferentes de percussionistas, geralmente vestidos de forma simples, com camisas ou aguayos, usando turbantes ou toucados simples. Estão majoritariamente representados em vasos de alça estribo e cântaros. Provavelmente estes músicos de status social secundário, visível na simplicidade de seus atributos e toucados, tinham um espaço na produção sonora oficial, porém não na linha de frente dos rituais, como os sacerdotes e oficiantes analisados anteriormente (Olsen, 2002: 51). As pranchas 34 e 35 mostram percussionistas escultóricos com os mesmos atributos e posições corporais de percussionistas pictóricos retirados de vasilhas com desenhos em linha fina. Isto é, músicos acompanhantes têm atributos muito coerentes, e as evidências iconográficas nos revelam em quais ocasiões oficiais eles cumpriam suas atividades. Esta questão ficará mais clara na análise das danças representadas em linha fina, ao final deste capítulo. Ainda nesta subcategoria, a prancha 44 nos mostra percussionistas escultóricos representados em cântaros, sentados e segurando um tipo peculiar de tambor, em forma de ampulheta. Estes cântaros foram encontrados nos repositórios 1 e 3 das tumbas de Sipán. As peças foram produzidas em moldes e mostram um tipo de músico muito simples, sem atributos de poder, tocando um tipo de tambor apenas representado na região Moche Norte. Provavelmente este tipo de instrumentista fazia parte das cerimônias coletivas, no papel de acompanhantes dos sacerdotes que oficiavam a cerimônia, e foram representados em pequenos cântaros para servirem como acompanhantes dos sacerdotes enterrados. Apesar de apenas cinco deles 132 estarem representados no catálogo, encontramos quinze destes artefatos em nossa investigação no Museu Tumbas Reales de Sipán. Músicos acompanhantes aparecem tanto em forma escultórica quanto pictórica, nas narrativas que veremos na seguinte parte deste capítulo (tabela III.VI). Na maioria das vezes tocam quenas e tinyas (tabela III.IV), podendo estar associados, às vezes, a idiofones. Muito raramente tocam antaras ou trombetas. III.II.B.3. Tocadores de Pututos - Anunciantes Os músicos Anunciantes não diferem muitos dos músicos Acompanhantes no que tange a seus atributos, entretanto têm como diferença fundamental dos anteriores o instrumento sonoro associado: o pututo. Segundo um estudo aprofundado de Herrera (2004: 17) sobre os pututos, dados etnográficos e etnohistóricos apontam para o uso desses instrumentos como sinalizadores, anunciando eventos oficiais, especialmente batalhas rituais 25. As pranchas 37 e 49 mostram peças com tocadores de pututos atuando em cenas características da fase IV. Na peça M136 (prancha 38), um vaso de alça estribo com bojo comum, o personagem que carrega o pututo não apresenta atributos de poder: está vestido apenas com calção, camisa e turbante. Entretanto, na mesma cena há dois outros personagens com túnica e turbante mais elaborados carregando nas mãos toucados de face de animal com diademas (um oval e um trapezoidal). É muito possível que nenhum destes seja de fato o músico, mas que o verdadeiro tocador do pututo seja o Senhor ao qual os atributos de poder pertencem, e que são apenas carregados pelos auxiliares. É possível também que o carregador de pututo seja o seu tocador, entretanto não encontramos na cerâmica escultórica exemplares de tocadores de pututos com camisa, calção e turbante no estilo deste personagem. Esta peça é proveniente das escavações na Huaca de La Luna. 25 Ethnographic and ethnohistoric descriptions of waylla kepa use tend to emphasize their employment as a signalling instrument heralding battles: either in outright war, such as recorded in 17th century chronicles and dictionaries, or in ritual tinku battle encounters. (Herrera, 2004: 17) 133 Na mesma prancha há a reprodução de um fragmento proveniente de uma peça desconhecida (M603) mostrando um personagem de capa e túnica de fato soprando o instrumento. Não é possível visualizar seu toucado e nem os outros personagens da cena, mas há uma trombeta em formato de espiral ao lado do músico. Esta é mais uma menção na iconografia ao fato de que um personagem pode estar associado a vários instrumentos sonoros, podendo ou não ser o responsável por tocar todos eles. As pranchas 38, 39, 40 e 41 mostram tocadores de pututos escultóricos tanto em cântaros quanto em vasos de alça estribo. Todos eles apresentam atributos de poder: túnicas, capas, orelheiras circulares e, em alguns casos, colares e toucados. As peças M107 e M108 (prancha 40) são ambas provenientes do extremo sul da esfera Moche Sul: Tambo Real, vale de Santa. Como parecem ter sido produzidas a partir do mesmo molde, é possível que neste sítio houvesse um atelier especializado em produzir, entre outros temas, este tipo de músicos, encontrados em boa quantidade em nossa amostragem. Sempre produzidos a partir de moldes, esses músicos em larga escala apontam para uma produção expressiva deste tema no período Moche Médio. O único deles que aparece de fato soprando o instrumento é M134 (prancha 41). Todos os outros apenas o seguram. Os atributos desses tocadores de pututos quase não variam: usam túnicas, capas e orelheiras circulares. Às vezes apresentam bolsas (prancha 39, M 108 e M107: observar detalhes ao lado das fotos), colares (prancha 38, M104, M122; prancha 40, M117) e pintura facial (prancha 39, M106, M107 e M108). Uma peça que mostra melhor esse tipo de uso do instrumento é a M133 (prancha 41). Vemos uma versão já tardia, provavelmente fase V, da Cerimônia do Sacrifício ao redor do bojo deste vaso de alça lateral com aplique escultórico. Estão presentes o senhor Noturno, que recebe a taça, e a Sacerdotisa, que a entrega. Como vimos, ambos os personagens podem aparecer tocando instrumentos sonoros: o Senhor Noturno está sempre associado a antaras e pututos, e a Sacerdotisa a chocalhos. O aplique escultórico da peça representa um tocador de pututo soprando a concha acima da cena pictórica. Ele não apresenta atributos de um sacerdote guerreiro, mas usa túnica e toucados elaborados, que o colocam em uma posição de oficiante. Sob nossa perspectiva ele atua como um anunciante oficial nos cultos destas 134 elites, proclamando o momento culminante da Cerimonia do Sacrifício. A nosso ver esta representação reforça nossa apreciação de que os principais eventos cerimoniais eram acompanhados por uma intensa produção sonora, tanto por parte dos próprios sacerdotes quanto de outros indivíduos que atuassem conjuntamente a eles: os acompanhantes e anunciantes. Tocadores de pututos muito provavelmente tinham a função de anunciar os eventos oficiais, podendo ser ouvidos a grandes distâncias. Ainda serão analisadas outras peças com tocadores de pututos em batalhas na terceira parte deste capítulo. III.II.B.4. Mulheres Percussionistas Outra categoria de oficiantes secundários é a de mulheres percussionistas (pranchas 42 e 43). A primeira prancha mostra um grupo de peças retratando percussionistas femininas características da fase V, já referente ao Período Moche Tardio. Estas mulheres usam um tembetá no queixo, têm os cabelos repartidos ao meio, túnica e colares de placas trapezoidais. Não tocam tinyas, mas tambores de tipo ampulheta que trazem atados ao corpo por uma faixa. Estão presentes em vasos de alça estribo (prancha 43) e em estatuetas (prancha 44). O estudo mais detalhado feito sobre estas representações foi o de Collins (2001), que denominou estas personagens de Mulheres de Tembetá (Labretted Ladies). Segundo a autora (ibid.: 247), a produção de estatuetas com este personagem teria se iniciado na região Moche Norte na fase V, tendo se expandido consideravelmente no período Lambayeque. Ela afirma que o tembetá distingue estas mulheres das personagens femininas mais características da arte mochica (ibid.). Em seu estudo, Collins (ibid.) encontrou várias estatuetas destas mulheres dos períodos Moche e Lambayeque. As do período Moche sempre estavam associadas a tambores, como as encontradas em nossa pesquisa. Já as do período Lambayeque, não discutidas nesta tese, podiam estar acompanhadas de percussão ou não, estando também ligadas a outras atividades: 135 In the Moche representations these women were musicians, and their most notable feature is a labret, but they often are shown with a heart-shaped head, a loose hair-style, and an hourglass-shaped drum beaten with an intended drumstick. By Lambayeque times, her role, or their roles, may have broadened, and they may also have served as courtiers. If northern women actually came into the Moche territory and remained somewhat separated as a group, it is tempting to think that by Lambayeque times there was a certain amount of adoption of Moche traits, such as the Moche tambourine drum. (Collins, 2001: 255) Curiosamente, as mulheres de tembetá do período Lambayeque são representadas tocando tinyas, enquanto as Moche tocam os tambores em forma de ampulheta, os mesmos tocados pelos personagens dos pequenos cântaros enterrados em Sipán, discutidos anteriormente. Este tambor parece ser típico da região Moche Norte. Segundo a autora tambores em forma de ampulheta poderiam ter se originado na região de Piura, próxima ao Equador, se estendendo para a região Moche Norte no período Moche Tardio: Hourglass – shaped drums are unknown in Moche culture prior to the eight century, and then they appear only in the art north of the Pampa de Paiján. This new drum – gripped under the upper arm and secured by a lanyard over the opposite shoulder, and played with an intended drumstick – may have come from the north. Hourglass-shaped drums are seen in Vicús art, a tradition associated with the Piura valley. (Collins, 2001:252) De fato, não vimos em nossos dados tambores em formato de ampulheta em nenhuma representação do período Moche Médio. Apenas dois tipos de tambores são representados na fase IV: tinyas (de tamanhos variados) e os tambores que são golpeados verticalmente (como na prancha 88). Segundo Collins, não só o tipo de tambor, mas também os atributos dessas mulheres, como o tembetá, seriam provenientes de regiões ao norte da área Moche, como Piura e o Equador. Ela reforça esta hipótese com base em uma série de estudos etnohistóricos e arqueológicos (Collins, 2001: 254). Alguns estudos associam instrumentos de percussão, em especial a tinya, ao âmbito feminino (Gruszczynska, 2004). Na narrativa de Huarochirí (Taylor, 2008), recolhida por Francisco de Ávila no período colonial (Stevenson, 136 1960), uma das passagens remete à associação entre o tambor e o aspecto feminino. Nela, o personagem Huatiacuri se encontra com um casal de raposas, sendo que o macho carrega uma antara, e a fêmea um tambor (La Chioma, 2013: 65) 26. Na época Moche Tardia há uma significativa expansão das representações iconográficas de mulheres, como a narrativa em que sacerdotisas navegam em balsas de totora, além dos vestígios deste período de enterramentos de mulheres com atributos de poder nas tumbas do vale do Jequetepeque. Collins (2001: 255) aponta para o fato de que mulheres antes da fase V só eram representadas na arte mochica em papéis secundários, e que mesmo a Sacerdotisa da Cerimônia do Sacrifício só passa a ser representada no século VIII. Não apenas as representações iconográficas, mas também dados arqueológicos e etnohistóricos apontam para uma mudança no status feminino na costa norte do Peru a partir do final da era Moche (ibid.: 256), que perdura até o período da conquista 27. Vemos grande relevância no fato de mulheres com tal status estarem associadas a instrumentos sonoros. O som que produziam provavelmente 26 Una leyenda escrita en el siglo XVI por Francisco de Ávila en su obra Ritos y Tradiciones de Huarochirí,26 que persistió hasta el siglo XVII en la costa central del Perú (Stevenson 1960: 19), cuenta que Huatiacuri, uno de los hijos de la divinidad Pariacaca, curó al gran Tamtañamca de una enfermedad grave cuya razón ni los sacerdotes más experimentados habían encontrado. Huatiacuri, por su hazaña, se casa con la hija del curaca y, por ser pobre, sufre el desdén de su cuñado: ‘Cómo te atreviste tú, un miserable, a casarte con la cuñada de un hombre tan poderoso como yo?’; el cuñado entonces lo reta con ‘distintas pruebas’ que Huatiacuri acepta. Desolado, pide a Pariacaca ayuda para enfrentar a su enemigo. La divinidad, desde lo alto del cerro Condorcoto, le aconseja transformarse en un guanaco y estirase en el suelo fingiendo estar muerto. De esta forma lo encuentra una pareja de zorros e intenta comerlo. La hembra había traido consigo su pote de chicha y su tambor, y el macho, su antara. Ambos dejan sus pertenencias sobre el suelo para empezar el banquete y al grito culminante y premeditado de Huatiacuri, quien vuelve a su forma humana, corren asustados dejando atrás sus instrumentos musicales. Con ayuda de estos instrumentos mágicos Huatiacuri supera todas las pruebas: mientras que su enemigo requiere de doscientas mujeres tocando los tambores en la prueba de baile, a Huatiacuri le basta un solo tambor para estremecer la tierra. Lamentablemente la leyenda no detalla el papel de la antara en las competiciones musicales entre Huatiacuri y su cuñado, pero el punto que queremos demostrar es que existían instrumentos comunes e instrumentos mágicos, pertenecientes a seres sobrenaturales, como animales míticos. El poder adscrito a los instrumentos mágicos debe haber sido el mismo que los instrumentos hechos por los seres humanos reciben en los momentos de consagración como el actual Siku Arichi (Bellenger 2007: 174), por ejemplo. No parece coincidencia que, según el mito, es la hembra la dueña del tambor y quien lleva consigo chicha, la bebida ritual, mientras que al macho pertenece la antara, considerada aún hoy en día un instrumento masculino. (La Chioma, 2013: 65). 27 Cronistas espanhóis como Pedro Cieza de León faziam menção a um poderoso grupo de mulheres da etnia Tallan, que habitavam as regiões de Tumbes e Piura à época da chegada dos espanhóis. Elas tinham grande poder político e status social (Collins, 2001: 255) 137 estava reservado ao âmbito ritual. A percussão, neste caso, seria simbolicamente representativa da faculdade feminina da fertilidade e da geração. Voltaremos a este ponto no próximo capítulo. III.II.B.5. Antaristas simples da região Moche Sul A prancha 45 apresenta antaristas simples. Estas peças, por seus traços estilísticos, parecem ter sido produzidas nas regiões limítrofes da esfera Moche Sul, no departamento de Ancash. A influência mochica na produção cerâmica desta região não extinguiu os estilos locais, que continuaram coexistindo e se mesclando com o estilo moche. É muito raro que peças mochica clássicas, proveniente dos vales de Chicama e Moche, representem antaristas sem atributos de poder, como no caso dos artefatos desta prancha. Parte III: Danças, Batalhas e Procissões: Performances Musicais em Cerimônias Oficiais A organização das categorias de músicos apresentada até aqui se deu primordialmente pelos atributos de poder apresentados por estes personagens, tanto em forma escultórica quanto pictórica. A associação de toucados, túnicas, braceletes, orelheiras, capas e outros elementos nos permitiu identificar personagens específicos, como Senhores Noturnos (ou Adoradores), Senhores de Toucados de Dois Círculos, Tomadores de Coca, Sacerdotisas, entre outros. Muitos destes músicos, entretanto, aparecem em narrativas pintadas em linha fina ou em relevo, interagindo com outros personagens em batalhas, danças, procissões e cerimônias. Inicialmente, as cenas complexas congregando diversos tipos de músicos não foram analisadas na categoria anterior porque a classificação do material foi feita com o objetivo de contemplar cada músico individualmente, considerando seus atributos particulares. Além disso, nestas cenas, diversos tipos de músicos, tanto da categoria dos Sacerdotes Guerreiros quanto dos Acompanhantes, se misturam. Esta condição impossibilitaria que partíssemos das narrativas para a 138 classificação dos músicos mochica. Com os principais tipos de músicos oficiais já identificados, partiremos para a análise das narrativas. Em toda a amostragem de músicos oficiais, foram encontradas vinte e cinco peças com representações pictóricas de instrumentistas, o que corresponde a aproximadamente 35% da categoria de peças com “Músicos Oficiais”. Dentre as narrativas analisadas as categorias encontradas foram: III.1. A Comitiva dos “Sikuris Moche” III.2. Danças III.2.I. Dança da corda protagonizada pelo Senhor Solar III.2.II. Dança da Corda protagonizada pelo Senhor Noturno III.2.III. Danças de Guerreiros com atributos de Senhor Solar III.2.IV. Danças de Guerreiros em Espiral. III.2.V. Dança Circular de Guerreiros com Corda III.2.VI. Batalhas com Tocadores de Pututos III.2.VII. Outros III.3. Procissões III.III.1. A Comitiva dos “Sikuris Moche”: Interpolação e Tinku Como discutido em nossa dissertação de mestrado (La Chioma, 2012) todas as peças mochicas com representações pictóricas de tocadores de antaras, sejam em linha fina ou em relevo, os apresentam organizados em duplas. Esta forma de organização da produção sonora com antaras é recorrente tanto nos registros arqueológicos pré-hispânicos de diversas culturas andinas (em tumbas contendo o instrumento e na iconografia), quanto na produção sonora atual, seja das pequenas comunidades andinas ou na música urbana e fusionada. Como veremos a seguir, as antaras estão profundamente relacionadas aos conceitos andinos de dualismo e complementaridade, apresentados no Capítulo I. Alguns autores como Valencia (1982), Baumann (1996) e Bellenguer (2007) já atentaram para a relação das duplas de músicos na iconografia mochica com os grupos atuais. Aqui faremos uma análise mais pormenorizada desta iconografia. 139 Os vasos de alça estribo do Museu Fowler da UCLA (prancha 46) e do Museu Etnográfico de Berlim (prancha 47) foram as únicas peças encontradas em nossa pesquisa contendo uma cena extremamente relevante para nosso estudo, mas raramente encontrada nas coleções. Nelas, quatro tocadores de antaras ricamente paramentados são intercalados por trompetistas28. Entre os antaristas há variações nos toucados, túnicas e capas, apesar de utilizarem o mesmo tipo de vestimenta e orelheiras circulares. Podemos notar, em ambas as cenas, que os atributos de poder destes músicos se intercalam. Na peça do Museu Fowler (prancha 46), já mencionada neste capítulo, os músicos A, B e C apresentam exatamente as mesmas túnicas, enquanto o músico D (Senhor Noturno) usa a túnica de placas de metal, já identificada e discutida neste capítulo. Quanto às capas, os músicos B e C usam exatamente o mesmo tipo, aparentemente de plumas, enquanto A e D usam capas com estampas que não se repetem no grupo. Todos os toucados são formados por duas partes principais: um diadema semicircular com duas hastes diagonais (em V) e um aplique posterior de plumas em forma de leque. A parte frontal dos toucados dos músicos C e D se repetem, enquanto as partes posteriores dos toucados de A e C são idênticas, bem como as partes posteriores dos toucados de B e D. Com relação ao aplique frontal de cabeça de animal, C e D compartilham toucados de felinos, B usa toucado de coruja e A não apresenta nenhuma cabeça de animal. Fizemos uma análise de quais atributos são compartilhados pelos músicos nesta cena, chegando à tabela apresentada a seguir. Ela mostra o par (ou trio) de músicos analisado, qual elemento compartilham entre si e quantos elementos compartilham. 28 Dois na peça do Museu Fowler e quatro na peça do Museu de Berlim. 140 PAR OU TRIO COMPARTILHAM ELEMENTOS EM COMUM A-B TÚNICA 1 A-C PARTE POSTERIOR DO 2 TOUCADO E TÚNICA A-D - 0 A-B-C TÚNICA E CAPA 2 B-D PARTE POSTERIOR DO 1 TOUCADO C-D PARTE FRONTAL DO 1 TOUCADO Tabela III.II. Atributos compartilhados por antaristas na peça do Fowler Museum of Cultural History (prancha 46). Se observam semelhanças importantes entre A e C e entre C e D (que estão frente a frente e têm as antaras unidas por uma corda), enquanto que A e D não compartilham nenhum elemento comum. Todas as antaras apresentam apliques de cabeça humana, já mencionados na análise prévia da Tumba 14 e do Senhor Noturno. Os trompetistas apresentam poucas diferenças, apenas nas estampas de suas capas. Além disso, a ponta da maça de guerra do trompetista 1 é escura e o trompetista 2 apresenta plumas no capacete. É importante notar que, à exceção do antarista D, todos os outros músicos, incluindo os trompetistas, estão direcionados para a direita. Sigamos com a descrição da peça do Museu de Berlim (prancha 47) antes de passarmos para a análise interpretativa, que se dará para ambas as peças concomitantemente. Nela vemos novamente quatro antaristas, sendo que o número de trompetistas dobra em relação à peça do Museu Fowler. Todos os antaristas apresentam atributos de Sacerdotes Guerreiros: toucados elaborados formados por diadema frontal e aplique de plumas posterior, túnicas e capas, orelheiras circulares, como os antaristas da peça do Fowler. À maneira da peça analisada anteriormente, os atributos se interpolam entre os personagens, sendo que alguns compartilham o mesmo tipo de toucado, aplique posterior de plumas, túnica ou capa. Apenas A e C apresentam diademas, sendo o primeiro semicircular, e o segundo semilunar. Nossa análise destes atributos levou à seguinte tabela: 141 PAR COMPARTILHAM ELEMENTOS EM COMUM A-B PARTE POSTERIOR DO 1 TOUCADO A-C - 0 A-D - 0 B-C PARTE FRONTAL DO 3 TOUCADO, CAPA E TÚNICA B-D CAPA 1 C-D PARTE POSTERIOR DO 2 TOUCADO E TÚNICA Tabela III.III. Atributos compartilhados por antaristas na peça do Museu Etnográfico de Berlim (prancha 47). Os antaristas B e C apresentam praticamente todos os atributos idênticos, com exceção do aplique de plumas do toucado, embora o antarista B esteja representado em escala menor. O fato de compartilharem a parte frontal do toucado, cujo animal representado é um mamífero (raposa ou felino), é um dado importante. Assim como na peça do Fowler, A e D não compartilham nenhum atributo em comum. Todos os trompetistas estão voltados para a esquerda, enquanto os antaristas formam duplas face a face, com A e C mirando para a direita e B e D para a esquerda. Os atributos dos trompetistas variam mais do que na peça do Museu Fowler, alternando-se entre túnicas claras e listradas, e capas pretas e listradas. As trombetas também apresentam variações. Ambas as peças têm os seguintes traços em comum: - Apresentam grupos de tocadores de antaras intercalados com trompetistas em menor escala; - Os antaristas aparecem organizados em duplas, tocando frente a frente (com exceção dos personagens A e B da peça do Fowler, que não se encaram); - Alguns antaristas estão representados em escala maior que outros; - Os atributos dos antaristas estão interpolados, de maneira que alguns compartilham partes de toucados ou vestimentas idênticas, enquanto outros apresentam diferenças nestes elementos. A análise dos atributos demonstrou que os antaristas A e D (sempre o primeiro e o último da fila quando as 142 imagens são passadas para plano bidimensional) não apresentam atributos em comum em nenhuma das peças, enquanto os antaristas B e C (centrais) e C e D apresentam atributos em comum em ambas. Os antaristas designados com a letra A são geralmente os menos semelhantes aos outros, contendo traços únicos (a capa e o diadema na peça do Fowler, e a estampa da vestimenta e o diadema na peça de Berlim). - Em ambas as imagens, ao menos uma dupla repete o animal da parte frontal do toucado (C e D na peça do Fowler e B e C na peça do Museu de Berlim). Os dois antaristas restantes nunca repetem esse símbolo, apresentam apliques de partes frontais de toucados únicas. Recorreremos aos estudos etnomusicológicos com o objetivo de discutirmos questões de hierarquia, posição social e dualismo nestas cenas, visto que não devemos ignorar a grande importância da prática musical organizada em pares nos Andes. Tal paralelo, inclusive, é recorrentemente feito por especialistas ao tratarem destas cenas, embora análises mais detalhadas ainda sejam ausentes da bibliografia. Estudos etnomusicológicos têm demonstrado, ao longo de décadas de trabalho de campo, que a antara é tradicionalmente um instrumento de aspecto dual, e portanto sempre tocado em pares de acordo com os princípios da cosmovisão andina. Antaras são utilizadas em ocasiões comunais importantes, como celebrações agrícolas ou dias santos, nas quais são formados grandes grupos ou tropas constituídas por duplas de músicos (Baumann, 1996:16-17; Stobart, 1996: 68; Canedo, 1996: 83). As zonas de maior recorrência destas práticas atualmente são o altiplano centro-andino, região em redor do Lago Titicaca ocupada majoritariamente por falantes de aimará, e regiões de língua quéchua na Bolívia, como Potosí e Cochabamba. Nestas áreas se concentraram os estudos de campo mais notáveis sobre as práticas musicais andinas contemporâneas (Baumann, 1996; Canedo, 1996; Stobart, 1994, 1996, 2006; Bellenger, 2007). O ato de tocar as antaras em pares ratifica uma lógica simbólica de complementaridade, reprodução e encontro (no sentido de tinku), fundamental nas estruturas andinas de pensamento. Em geral uma das antaras de cada par apresenta características distintas de sua parelha. A diferença pode estar nas notas, na escala, na quantidade de tubos ou, ainda, na presença ou ausência 143 de abertura na extremidade dos tubos. Uma das antaras de cada dupla é denominada Ira 29, ou aquela que lidera, associada ao princípio masculino e ao hanan (Baumann, 1996: 31), ao passo que a antara com menos tubos é geralmente denominada Arka, ou aquela que segue, associada ao princípio feminino e ao hurin (ibid., Canedo, 1996: 85, Bellenger, 2007: 136; Olsen, 2002: 96; La Chioma, 2012:37): Each counterpart of a panpipe pair has a female or male connotation. This interpretation is provided by the native terminology as well as by the emic explanation of the musicians. Ira is the dominant male-oriented instrument that usually starts the melody and leads the panpipe playing, while arka, its complement, follows. Ira and arka are blown by two players in a hocket-like technique, that is, when ira plays one to four notes, arka rests and then continues the melody while ira rests, and so on. In this way arka and ira combine their notes to create a particular melody that results from an interlocking and complementary interplay. (…) The Aymara word ira or irpa denotes “leader” or “the one who leads” and represents a male principle, according to the campesinos. (…) The Aymara word arka/ arca denotes the female and weaker counterpart, “the one who follows”. (Baumann, 1996: 31) O uso individual da antara não é bem visto socialmente, e só é justificável em algumas ocasiões específicas, como relata Canedo: De hecho, los músicos campesinos andinos, no conciben el tocar solos e incluso tal hecho está mal visto por la comunidad (…) En Quiabaya, el uso de un siku ira y arka por un mismo músico tiene funciones específicas vinculadas a la composición o para repetir una pieza que se tiene que ensayar. (…) Resulta interesante notar que a esta manera de tocar se le llame ch`usillada (del adjetivo quechua ch`usu), uno de cuyos significados es “vacío” o “con poco soplo” (…) y solo es practicada fuera del ámbito de lo social. (Canedo, 1996: 101) Desde a seleção das matérias primas (em geral cana e madeira), o processo de produção destas flautas segue rigorosamente os padrões adequados a uma tropa. Vimos em nossa pesquisa de Mestrado (La Chioma, 2012: 61) que todo o ciclo de vida destes objetos está condicionado a ser 29 Vocábulo de origem aimará. (Baumann, 1996: 31) 144 coletivo, desde a produção até o descarte. As flautas são produzidas, consagradas, tocadas e, provavelmente, descartadas em conjunto 30. Bellenguer (2007: 174) menciona uma cerimônia na Ilha de Taquile, no Lago Titicaca, denominada Siku Arichi, na qual todo o novo conjunto de antaras fabricado pelo mestre deve ser consagrado. Esta cerimônia é praticada com todos os músicos na casa de uma das autoridades da ilha (alferado). As antaras não são produzidas por cada músico pertencente ao grupo de sikuris, mas por um mestre experiente que fabrica o conjunto todo. A necessidade de consagrar o conjunto de antaras na presença do mestre e de um sacerdote expressa o caráter sagrado dos instrumentos e, portanto, sua relação com a cosmovisão e a religiosidade. O mestre produtor das flautas também é um músico e tem uma função importante no ritual. (La Chioma, 2012: 61) Stobart (2006: 145) conta que, em Kalankira (Potosí, Bolívia) a Cruz do Tata Mayor, símbolo da Festa da Cruz de Mayo, tem um grupo de guardiões conformado por até dez homens, liderados por uma dupla, um homem do hanan e outro do hurin. O papel do líder do abaixo (ou da esquerda), o mayura, é, segundo Stobart, interessante de uma perspectiva musical, já que ele é responsável por adquirir um novo conjunto de flautas, ensinar a melodia aos músicos e assegurar que a melodia seja bem executada durante o ritual, para que não haja erros (ibid.) Além disso, para disciplinar os músicos, o líder carrega um chicote para ser usado nas pernas dos dançarinos que errem seus passos. Portanto, os dados recolhidos por Bellenguer e Stobart aponta para um líder da tropa de antaras, um músico que é mais importante que os outros no ritual. Na iconografia são nítidas as diferenças de hierarquia entre os tocadores de antaras das peças do Fowler Museum e do Museu de Berlim. As várias peças que compõem o conjunto sofrem variações, que devem ser levadas em conta pelo mestre produtor (Bellenguer, 2007: 174). Em cada região ou festividade se utiliza um tipo particular de conjunto. Os Jula-Julas, por exemplo, são conjuntos cujas antaras apresentam uma única fila contendo 30 No período Intermediário Inicial na costa sul as antaras eram quebradas intencionalmente e enterradas após seu uso, como atestado pelas escavações de Orefici em Cahuachi, centro cerimonial Nasca. Ver Gruszczynska, 2006: 81. 145 quatro e três tubos (Ira e Arka, respectivamente). As maiores (Machu) são tocadas pelos músicos mais velhos e respeitados (Baumann, 1996: 32-33). Já a categoria de Sikus apresenta antaras de fila dupla, com o Ira apresentando duas filas de sete tubos e o Arka duas filas de seis tubos. A primeira fila, Ira e masculina tem os tubos fechados. A segunda fila, correspondente à metade feminina, tem os tubos abertos (Baumann, 1996: 33-34). O conjunto denominado Lakitas apresenta antaras de dezesseis tubos (Ira, com duas filas de oito tubos cada) e quatorze tubos (Arka, com duas filas de sete tubos cada). Os Sikuris, o tipo de conjunto mais popular, atuam com antaras de dezessete tubos. Neste caso, Ira e Arka não alternam notas, mas o segundo repete exatamente as notas do primeiro (ibid.: 41). Nas ontologias andinas as relações duais têm como ponto de origem a distinção entre os polos masculino e feminino, pois é no encontro destas duas polaridades que o equilíbrio do tinku é gerado (Gölte, 2007: 2; 2009:59). Canedo enfatiza a relação de gênero implícita no sistema de interpolação de antaras, notando que, na cosmovisão aimará, o encontro dos instrumentos se equipararia simbolicamente a uma relação sexual: Una característica organológica en los instrumentos musicales andinos y enfatizada por varios investigadores, se refiere a la marcada diferenciación sexual que se observa tanto en instrumentos aerófonos como en los instrumentos de cuerda (…). Tal división por sexo, se hace explícita en los sikus a partir de la dualidad binaria complementaria: ira-masculino/ arka-femenino que a su vez es generadora de otros pares de oposición: arriba/ abajo, delante/detrás, etc. (…) Tal división binaria se complejiza aún más en la ejecución, en tanto, una melodía sólo puede ser construida en base a los sonidos alternados de ira y arka, ambos manejados por dos músicos y que en algunas zonas denotan una explícita relación sexual (Stobart, 1991). (Canedo, 1996: 85) Como vimos no Capítulo II, as antaras são tocadas somente na estação seca e fria, que começa em abril e finda em setembro (Baumann, 1996:43; Canedo, 1996: 83, Stobart, 2006: 133; Bellenguer, 2007: 136). Esta corresponderia à estação masculina (Stobart, ibid.), em contraposição à estação quente e chuvosa, relacionada ao feminino e à fertilidade, na qual se tocam as flautas tubulares, como quenas, tarkas e pinquillos (Stobart, 1996:67). 146 Na maioria das vezes, estes grupos são acompanhados por danças, nas quais participam homens e mulheres da comunidade, com diferentes atribuições. A forma mais elementar de organização destes grupos é a circular (Baumann, 1996: 18; Salazar Sáenz, 1996: 182), mas também podem ser lineares ou serpentiformes (Stobart, 2006: 157-158). De maneira geral, os estudos etnomusicológicos discutidos demonstram que os atuais grupos de antaras andinos são formados por duplas, nas quais a cada membro corresponde uma polaridade (Ira: hanan, masculino e Arka: hurin, feminino). As danças se dão em círculos 31 (Bellenguer, 2007: 141, 277), os quais mudam o sentido diversas vezes sob o mando e autoridade do músico principal, o machu ou cabeza de baile (Baumann, 1996: 18): La idea de asociar el soplo comunitario a una forma de ofrenda y de diálogo con las divinidades queda ilustrada en particular mediante la disposición circular de los participantes y que es característica de todas las intervenciones de los sikuri. Dentro de esta configuración, el conjunto de los tocadores dirigen simultáneamente su soplo hacia el centro del círculo. Esta concentración centrípeta de los fluidos destinada a acentuar la eficacia de la energía vital entregada por los sikuri, aparece estrechamente ligada a prácticas sacrificiales que he podido observar en el transcurso e otros ritos. (Bellenguer, 2007: 141) As vasilhas do Fowler e do Museu de Berlim podem ser discutidas à luz dos estudos sobre as tropas de antaras andinas atuais, já que muitos pontos em comum demonstram a permanência de alguns elementos desta prática na longa duração 32, ainda que o significado ou outros detalhes da prática possam ter sido alterados por processos históricos e culturais ao longo do tempo. Estes elementos, visíveis tanto na iconografia mochica quanto nos dados etnomusicológicos são: 31 Segundo o autor a disposição circular dos sikuris corresponde a uma projeção espacial do mundo e do universo, cujos limites estão marcados pelas montanhas ou apus. (Bellenguer, 2007: 277). 32 Apesar da considerável distância territorial que separa a costa norte peruana do altiplano do lago Titicaca, as semelhanças levantadas entre o material arqueológico da costa norte e os dados etnográficos do altiplano são significativas. Além disso, as regiões onde são recolhidos os testemunhos etnomusicológicos estão a uma curta distância da região de Nasca, onde evidências arqueológicas também atestam a prática de tocar antaras em pares formando conjuntos, como discutimos detalhadamente em nossa dissertação de mestrado e em um artigo específico sobre este tema (La Chioma, 2012 e La Chioma, 2013). 147 a) O ato de tocar as antaras em pares em cerimônias ou eventos importantes e, a partir destas duplas, a formação de conjuntos maiores; b) Uma organização das tropas de maneira que alguns membros estejam relacionados a uma polaridade (masculina, Ira) e outros membros estejam relacionados à outra (feminina, Arka); c) A hierarquização dos músicos de acordo com a metade da antara que lhes cabe tocar e de acordo com outros indicadores, como idade, destreza e poder na comunidade; d) A interpolação entre os músicos; e) Uma associação do músico principal ao pututo, além das antaras; f) Diferenças visíveis entre as antaras ira e as antaras arka nas representações iconográficas; g) O simbolismo, em ambas as práticas, do encontro entre polaridades como uma demanda fundamental para a geração do equilíbrio cósmico e social, o tinku. h) A possível permanência da organização dos antaristas em círculos neste tipo de prática. i) Ambas as práticas aqui discutidas, tanto a contemporânea quanto a pré-hispânica, fazem parte das cerimônias oficiais de suas respectivas comunidades. Ambas estão inscritas dentro de um calendário ritual oficial, são conduzidas por autoridades comunais e mobilizam toda a comunidade. Os estudos citados apontam para a existência de relações hierárquicas dentre os membros de uma tropa de antaras. A idade e a experiência são itens fundamentais para o líder de uma tropa, cuja autoridade dentro do conjunto de músicos é incontestável (Baumann, 1996: 18-19). Os responsáveis pela antara Ira, que em geral têm maior autoridade que os que respondem (Arka), têm a incumbência de liderar as duplas: Machu, mala (also malta), tara and ch`ili symbolize at the same time the societal hierarchy: macho means “honorable” and is, as a rule, associated with the oldest and most experienced musicians, mala or malta means “intermediate one”, while 148 ch`ili refers to the “smallest” instrument, which is usually played by the youngest and least experienced musician. (Baumann, 1996:17) Como aponta Baumann, existem termos para designar as antaras dentro da tropa, desde as maiores (Machu), associadas aos músicos mais velhos e importantes até as menores, associadas aos músicos subalternos, mais jovens (Ch`ili), passando pelas intermediárias (Tara). Os termos Ch`ili, Tara e Machu, portanto, não designam apenas as antaras, mas também os músicos que são responsáveis por elas. Relações de hierarquia são formadas a partir das categorias de instrumentos musicais, integrando-se o instrumento e seu tocador. Ch`ili, Tara e Machu não são apenas instrumentos ou pessoas, mas graduações que marcam posições hierárquicas dentro da tropa de sikuris. Bellenguer (2007: 143) também menciona esta hierarquização em Taquile, já que os músicos mais experientes e com maior resistência física para soprar podem vir a fazer parte do grupo de antaras mama phukuq, as de maior grau de hierarquia. Aqueles que não podem ocupar uma posição de destaque tocando estas flautas tocam os siku liku, que são as flautas menores. As flautas menores de todo o conjunto, siku chuli, também estão reservadas a homens mais velhos de maior experiência (ibid.). O líder (Tata Mayor) tem a incumbência de conduzir os músicos no momento do ritual, e também de organizar toda a festividade: a formação das danças, a decoração da festa e a data em que se realizará a procissão: The leader of the music group is the tata mayor (cabeza de baile), who is responsible for the musicians, their food, and the schedule of the festivities, as well as for decorations and dance formations. As a sign of his dignity as the dance leader, the tata mayor sometimes plays a pututo (signal horn) and holds a whip in his hand. With the whip he sees to it that nobody dances out of step. (Baumann, 1996:18-19) Nosso grifo destaca a menção de Baumann à associação do músico de maior autoridade a um pututo ou trombeta. O pututo é um elemento presente na peça do Fowler entre os personagens A e D (Senhor Noturno), estando também presente em miniatura na Tumba do Senhor Noturno (Tumba 14) e no enterramento do Senhor Guerreiro (Tumba 16). É possível que este 149 instrumento fosse um marcador de autoridade dentro do grupo de antaristas, identificando o músico de hierarquia mais alta. É um elemento importante que aparece associado aos tocadores de antaras tanto nos dados arqueológicos quanto nos dados etnomusicológicos, porém temos poucos dados para compreender melhor a natureza desta relação. Como vimos anteriormente o Senhor Noturno, de fato, aparece associado sempre a antaras (prancha 1) e a pututos (Tumba 14 e prancha 25). Na cosmovisão andina, a integração entre os pares de antaras é, antes de qualquer coisa, uma relação de gênero e hierarquia, na qual as polaridades masculina e feminina se inter-relacionam e na qual o Arka traria uma espécie de obrigação recíproca para com o Ira (Canedo, 1996: 90-91). Esta relação hierárquica entre os instrumentos se expressa, igualmente, nos vocábulos utilizados para os nomear. De acordo com Canedo (ibid.: 88-89), muitos termos no aimará usam as vozes Ira ou Arka como prefixo. O primeiro sempre está relacionado à ideia de organizar, liderar, começar, e o segundo à ideia de seguir, acompanhar e responder (ibid. 90): El concepto de ira se relaciona con organizar, nombrar, señalar, guiar, distribuir, repartir, dar. Connota también un sentido de repetición, de responder “lo mismo” (irakhaatha). En ambos casos, la relación es binomial, por lo que supone un elemento complementario imprescindible. Cabe aclarar que estas funciones están asociadas a otras categorías que organizan las sociedades andinas y a diversos niveles de jerarquización, en tanto fueron encargadas a especialistas vinculados a las esferas de poder. (Canedo, 1996: 90, grifo meu) Em todos os conjuntos de antaras as palavras que designam as filas de tubos referem-se a relações hierárquicas ou de gênero. Este fenômeno se repete em várias comunidades, como nos sikuris do norte do departamento de Potosí, relatados por Canedo (1996: 96-97), nos quais as antaras apresentam duas fileiras, sendo a primeira delas denominada orqo, que assinala o sexo masculino, e a segunda china, designando o sexo feminino. Sempre há uma relação de reciprocidade a às vezes de subordinação não só entre as antaras de um mesmo par, mas até mesmo entre as fileiras de uma mesma antara (ibid.). 150 Na peça do Museu Fowler as antaras dos músicos A e C parecem ser maiores e conter mais tubos (cinco). A imagem não permite fazer a contagem de tubos destes dois personagens de forma precisa, pois ambos têm suas mãos sobre eles, mas as antaras de B e D visivelmente apresentam apenas quatro tubos, sendo que ambos os músicos estão representados em menor escala. Todas as antaras apresentam apêndices de cabeça humana, parecidos com as máscaras em miniatura encontradas na Tumba 14 de Sipán. Já as antaras da peça do Museu de Berlim apresentam apêndices de mãos humanas e o número de tubos parece ser cinco em todas elas. Ao contarmos os elementos circulares na parte de cima das antaras, que poderiam representar canais de sopro, observamos que C e D tocam antaras com sete e seis elementos circulares, respectivamente, o que corresponderia à lógica de Ira e Arka. Entretanto, não temos segurança em afirmar que os elementos circulares representam canais de sopro. Na iconografia vemos que os apliques de cabeças e mãos se unem em pares quando há o encontro das antaras, no momento do ritual. Benson (1975 apud Olsen, 2002: 84) acredita que estes apêndices sejam metáforas de decapitação ou amputação cerimonial. O simbolismo expresso no encontro dos apêndices das antaras que representam partes de corpos, no momento do IraArka, é sem dúvida mais um dado que reforça o conceito de reprodução e tinku associado a este instrumento. Corpos de antaras são uma analogia comum no mundo andino, aparecendo tanto em dados arqueológicos 33 quanto etnográficos (Stobart, 2006: 154), como vimos em nossa dissertação de Mestrado (La Chioma, 2012: 117-119): In my presence, the musicians once laid out the instruments on the ground in the form of a human being after they finished playing. The meaning of the pair as the embodiment of the individual, referring to the entire body of the ensemble, is illustrated here in a convincing way, just as the sum of the parts always is related to the whole of reality. (Baumann, 1996: 54) 33 Sobre os corpos de antaras representados na iconografia Nasca ver La Chioma, 2012 (117) e La Chioma, 2013. 151 Além de as antaras terem um sentido de encontro entre partes opostas, que consequentemente geram a vida, Stobart (2006: 30) relata que a produção das antaras na região de Postosí, Bolívia, onde fez seus trabalhos etnomusicológicos, é fundamentada sobre uma ideia de reprodução e formação de corpos, na qual cada etapa da construção dos instrumentos expressa a ideia da formação gradual de partes de um corpo. Aparentemente, a concepção das antaras como partes de corpos, como componentes de um todo que se completa quando há a junção e o diálogo das partes, permanece desde o período Pré-Hispânico, tendo inclusive existido entre os mochicas. As antaras representadas em ambas as peças são sumamente elaboradas, como as utilizadas pelos personagens das peças M008 e M046 (prancha 16). Eram, provavelmente, antaras diferentes das comuns, específicas para cerimônias oficiais. Isto significa que as antaras com apêndices de partes de corpos deveriam ser tocadas, provavelmente, por músicos de alto status. Na cosmovisão andina antaras são, muito provavelmente, suficientemente hábeis para gerar o equilíbrio vital. No entanto, devem ser tocadas por indivíduos experientes, que tenham conhecimento deste processo. A posição hierárquica de um músico dentro de sua tropa de antaras está diretamente relacionada à hierarquia do instrumento que ele pode tocar. Sua destreza, seu preparo e capacidade de tocar os instrumentos mais difíceis da tropa os posicionam no topo da hierarquia: Un punto importante en la nomenclatura de que define a los instrumentos musicales andinos está dado por la explícita jerarquización entre los tamaños de instrumentos de una tropa por un lado y de las mitades componentes de un siku, por el otro. Aunque no se han discutido las relaciones que se dan entre los diversos tamaños, es evidente que esta jerarquización es paralela al tamaño formal del instrumento y al manejo categorizado de su uso. (…) Algunos campesinos músicos de Quiabaya creen, en efecto, que tocar el siku ira es más difícil, en tanto se soplan más tubos, y, por lo tanto, se necesita mayor experiencia (…). Al parecer, ira necesita de una mayor destreza que el arka. El constante ascenso de los miembros músicos – permitido socialmente a partir de la experiencia – en el manejo de los instrumentos muestra, así mismo, la jerarquización y la organización interna de la tropa. En muchas zonas, desde la niñez, los campesinos irán adiestrándose en el manejo de diversos 152 instrumentos más pequeños de una tropa hasta alcanzar los niveles más altos; es decir, ser el “puntero, “guía” o maestro de una tropa. (Canedo, 1996: 101-102, o grifo é meu) Os músicos podem ascender dentro de uma tropa ou comunidade a partir de suas experiências adquiridas. A idade neste caso é um marcador essencial. Os músicos de maior hierarquia na tropa se destacam pela desenvoltura ao manejar o instrumento e pela idade, mas também por vestimentas e atributos que os distinguem: La presencia de “guías” en los cantos colectivos (Soco y Susa), sugiere, asimismo, la existencia de especialistas músicos en los diversos conjuntos instrumentales con que se acompañaban las principales fiestas. Tal presencia directora, en las tropas actuales, queda explicitada con el “puntero” de una tropa llamado también “guía” [norte de Potosí: jula jula], el cual maneja también el siku ira del instrumento de mayor tamaño. En Venta y Media (Oruro), la vestimenta utilizada por los “principales” ira y arka tocadores de suri siku es también un emblema de diferenciación jerárquica dentro de la tropa. (Canedo, 1996: 89-90) Tradicionalmente, a territorialidade andina é simbólica e politicamente constituída por duas partes que se complementam: o alto (hanan) e o baixo (hurin). Esta divisão, vigente em Cusco no período Inca, bem como em cidades da Costa Norte à época da chegada dos espanhóis, permanece nos pequenos ayllus da serra centro-andina. No atual encontro ritual (tinku) que ocorre todos os anos nas regiões de altiplano, os grupos das duas parcialidades distintas se enfrentam. Os toucados são atributos fundamentais a serem analisados, pois estão entre os mais importantes marcadores de personalidades iconográficas. A peça do Fowler apresenta três tipos de toucados: a dupla de antaristas C e D apresenta toucados de mamíferos (provavelmente felinos), enquanto B usa um toucado de coruja e A não tem aplique frontal de animal em seu diadema semicircular. A peça do Museu de Berlim, igualmente, apresenta três tipos de toucados: dois de mamíferos (provavelmente felinos), usados por B e C, um de ave marinha, sobre a cabeça do personagem D, e um com representações pictóricas de raposas exibido pelo personagem A, embora não apresente a 153 cabeça do animal. Quanto aos diademas, Chero (2013: 124-125) afirma que a coroa semilunar tem suas origens na fase Moche Inicial, mantendo-se até o período Médio. Este tipo de diadema foi registrado na tumba 15, a mais antiga de Sipán. Trata-se de uma coruja com as asas abertas (ver tabela III.I). Já o diadema em V é típico da fase Moche Médio e foi registrado nas tumbas 14 e 16 (ver tabela III.I), justamente as tumbas dos Sacerdotes Guerreiros músicos. É um dos tipos de diadema mais comuns em músicos, aparecendo também nas peças do Fowler e do Museu de Berlim. Segundo Gölte (2009: 75), o parentesco de personagens e divindades se expressavam, na iconografia mochica, pelo toucado (ascendência paterna) e pelo cinto (ascendência materna). De acordo com sua preposição, é muito provável que os toucados dos antaristas representados nas peças discutidas aqui sejam identificadores de suas parcialidades, origens cosmológicas (paqarinas) e/ ou linhagens de poder. Estamos de acordo com Gölte e Makowski (1996: 23) que os toucados representam os chefes das duas metades que conformam uma comunidade. Como proposto em nossa dissertação de Mestrado (La Chioma, 2012: 96) acreditamos que os antaristas das peças aqui analisadas estejam atuando em um esquema análogo ao de Ira-Arka, no qual os antaristas Ira (A e C em ambas as peças) estão hierarquicamente acima dos antaristas Arka (B e D): É possível também que cada antarista seja representante da linhagem descendente de determinada divindade. A ascendência e o parentesco são substratos importantes nas relações sociais andinas e, seguramente, os atributos dos antaristas humanos os identificam com as divindades que instituíram suas linhagens sociais. Como o camac ou força primordial desta divindade é passada a seus descendentes (Gölte, 2009: 21), cada antarista representaria, a nosso ver, uma linhagem e uma força cosmológica diferente. A união destas forças seria indispensável para a geração do equilíbrio e continuidade do ciclo vital. (La Chioma, 2012: 96) Por apresentarem exatamente os mesmos atributos, os antaristas B e C da peça da prancha 47 podem pertencer à mesma linhagem ou parcialidade, estando em um momento de interpolação sonora com os indivíduos representantes de outras linhagens ou parcialidades. Acreditamos que a 154 diferença de escala dos músicos possa também reforçar esta relação hierárquica, já que representar os indivíduos em tamanhos diferentes não parece ser uma escolha individual dos artistas, mas uma norma de representação comum utilizada por vários artistas, já que ambas as peças foram produzidas por artistas diferentes e ambas enfatizam a diferença de tamanho dos músicos, sempre com um músico da dupla menor que o outro. De acordo com Gölte (2009: 27) o significado de uma cena mochica deve ser compreendido fundamentalmente em relação ao seu suporte artefactual, devendo o pesquisador levar em consideração a morfologia da peça e a matéria prima utilizada. A análise da imagem em plano bidimensional ignora uma parte importante do significado: o posicionamento de cada semema em relação ao suporte e a outros elementos iconográficos (ibid.; La Chioma, 2012:53). O formato do bojo em conjunção com sua iconografia expressa o conteúdo semântico da peça. Na cosmovisão mochica cada tipo de vaso tinha um significado simbólico e um sentido dentro da parafernália ritual. Na análise de Gölte (2009: 82, 88) vasos de alça estribo sempre buscam a conexão entre o hurin (inframundo) e o kay pacha (plano terreno), sendo a alça estribo o elemento unificador dos dois lados opostos e complementares (ibid. 88). Considerando esta premissa, muito provavelmente os artistas mochica produziam a iconografia das peças em consonância com o formato de cada suporte. Desta forma, é muito possível que, no caso das peças das pranchas 46 e 47 os personagens reproduzidos em redor do bojo circular estejam simbolicamente realizando suas atividades em círculo. Vale lembrar que as tropas nunca ficam paradas, mas se deslocam. Caminham de um lugar a outro em peregrinação e, ao chegar a algum lugar importante de veneração, como uma igreja, por exemplo, passam a dançar em círculos. Além disso, Gölte afirma que vasilhas de alça estribo com representações de personagens demonstram grupos opostos e complementares em atividades relacionadas ao tinku, nas quais estes grupos atuam com o objetivo de gerar o equilíbrio vital: La mayoría de las botellas de asa estribo exponen las imágenes en las caras paralelas al asa estribo. En estos casos los actores por lo general representan grupos 155 opuestos complementarios, pero cuya acción acontece en un mismo espacio. (Gölte, 2009: 88) Concordamos com Gölte que vasilhas de alça estribo parecem exibir temáticas relacionadas a momentos de tinku: rituais, batalhas, cerimônias e outros temas que demonstrem a importância da relação entre o alto e o baixo. La superficie de una botella de asa estribo es utilizada para expresar relaciones de confrontación y complementariedad entre los elementos representados. Hay una forma básica de exponer la bipartición del mundo que se expresa en escenas que se relacionan con la transición de uno de los mundos al otro. (Gölte, 2009: 82) Fig. III.21. O esquema de Gölte para o uso dos espaços nos vasos de alça estribo. (Gölte, 2006) De acordo com o esquema de Gölte (fig. III.21), a alça estribo atua como uma ponte, unindo as duas parcialidades, A e B, espaços que ficam exatamente sob o entroncamento da alça estribo com o bojo. Já os espaços mais largos da vasilha, que ficam sob o arco da alça estribo, unem os mundos A e B em tinku. É interessante notar que os dois antaristas que consideramos Ira na peça da prancha 46 (A e C) estejam ambos posicionados exatamente sob o arco da alça estribo, dividindo os dois lados principais da vasilha. Entretanto, o encontro destes antaristas com seus respectivos Arka (B e D) ainda se dão sob o arco da alça estribo, embora os antaristas Arka tenham a maior parte de seus corpos posicionados sob o entroncamento da alça estribo com o bojo (verificar 156 imagens na prancha 46). Exatamente a mesma situação ocorre na prancha 47, com os antaristas do Museu de Berlim. Assim, considerando que no esquema de Gölte cada parte do vaso correspondente ao entroncamento da alça estribo com o bojo (A e B) correspondem a grupos opostos, então cada antarista Arka (os designados com letras B e D nas pranchas 46 e 47) designa necessariamente um grupo distinto. Por fim, cada antarista Ira (A e C em ambas as peças) seria a parte que lidera cada um destes Arka. Novamente, lembramos que os artistas que produziram estas peças são diferentes, e que, portanto, tal semelhança não pode ser uma escolha aleatória do artista, mas uma convenção na representação deste tipo de músico e de ritual: a posição dos antaristas em relação à morfologia do vaso demonstra as relações hierárquicas dentro do grupo, mas mais que isso, demonstra o encontro entre dois grupos opostos e complementares de músicos, provavelmente representativos de linhagens ou parcialidades distintas que se encontram nesta cerimônia para a geração do equilíbrio vital. Acreditamos que na peça do Fowler Museum as duplas da mesma parcialidade sejam A-B, e C-D, enquanto na peça do Museu de Berlim B e C, bem como A e D, pertençam à mesma parcialidade. Passemos agora à prancha 48, na qual mais duas representações mostram pares de antaristas com toucados elaborados. Estas imagens guardam suas diferenças com as analisadas anteriormente. A primeira delas (M481), publicada por Donnan & McClelland (1999: 244) é um vaso de alça estribo de fase Moche I ou II, bastante Inicial. Entretanto, a pintura dos músicos, produzida na fase IV, foi estampada sobre o vaso muitos séculos depois (ibid.). Por esta razão, a aderência da pintura à cerâmica é irregular e de má qualidade. Segundo Donnan, as características do desenho demonstram que esta peça teria sido pintada pelo mesmo artista que produziu a peça do Museu de Berlim que analisamos anteriormente. Para o autor (1999), muitos ateliês na fase IV se especializaram em pintar temas específicos da arte mochica, mas traços muitos específicos identificam o estilo único de cada artista e permitem que peças encontradas em diferentes partes do mundo sejam comparadas e atribuídas ao mesmo artista ou ateliê. Não por acaso os artistas compilados por Donnan parecem pintar sempre o mesmo tema, o que pode indicar uma especialização de temas e narrativas entre os artistas 157 mochica (ibid.). Apenas dois antaristas são mostrados neste vaso, ambos com toucados de ave marinha, com os exatos atributos do último antarista da peça do Museu de Berlim e as antaras com apliques de mãos fechadas. Os trombeteiros, no entanto, foram substituídos por feijões. Fig. III.22. Quadro comparativo mostrando antaristas com toucado de ave marinha representados em duas peças diferentes. Desenhos por Donna McClelland. Em nossa dissertação de Mestrado discutimos sobre como na visão de Hocquenghem (1987 apud La Chioma, 2012: 96) figuras intercaladas na arte mochica são metonímicas, dando qualidades aos personagens aos quais se associam, como força, altivez etc. Feijões podem estar associados a guerreiros, já que em muitas cenas eles aparecem antropomorfizados, em batalha, carregando escudos e clavas (fig. III.24) (ibid.: 96-97). Entretanto, temos ainda poucos dados para considerarmos tais suposições com mais segurança. Fig. III.23. Cena Moche fase IV representando feijões guerreiros. Donnan & McClelland, 1999: 232. 158 É importante nos perguntarmos por que estas duplas de antaristas foram representadas em linha fina apenas em um momento muito específico, o período Moche Médio, e exclusivamente nos vales ao sul do Jequetepeque. Ainda que não tenhamos encontrado uma quantidade grande destas vasilhas em nossa amostragem, elas são extremamente significativas para compreendermos melhor o uso das antaras na produção sonora Moche. Veremos que duplas de antaristas mortos aparecerão com frequência nas Danças do Inframundo, um tema a ser discutido no Capítulo IV, porém seus atributos não se comparam aos dos antaristas analisados aqui. É importante notarmos que os atributos de poder desses tocadores de antaras estão intimamente associados aos grandes Sacerdotes Guerreiros descritos e identificados neste capítulo, o que confere a eles um alto status social e uma relação bastante estreita com as elites que governavam os vales mochicas no período Médio. Além disso, é muito claro que as cenas narradas nessas vasilhas se referem a momentos de produção sonora oficial, dignos de reprodução no aparato ritual ditado pelas elites político-religiosas. III.III.II. Danças e Batalhas Rituais As danças estão entre os temas mais notáveis da iconografia (Donnan, 1982). Nestas cenas, à enorme quantidade de dançarinos de todos os tipos se somam os músicos, mostrando que, de fato, danças eram acompanhadas por produção sonora. Nos períodos Moche iniciais fases I a III), estas cenas não são comuns, tornando-se mais numerosas no período Médio. As danças podem ocorrer no mundo dos vivos, onde atuam sacerdotes, oficiantes e outras categorias de dançarinos, ou no mundo dos mortos, onde os personagens aparecem como esqueletos. As Danças do Inframundo, referentes ao âmbito sobrenatural, serão analisadas no próximo capítulo. Em nosso levantamento de dados encontramos dezesseis cenas de danças no mundo dos vivos ou kay pacha, organizadas em sete subgrupos. Estas cenas já foram descritas e discutidas por Donnan (1982) e Hoyle (1985). Entretanto as organizamos de forma diferente dos autores citados, com base principalmente nos atributos de poder dos personagens envolvidos. 159 III.III.II.I. Dança da corda protagonizada pelo Senhor Solar Este grupo está conformado por quatro peças: M153 (prancha 53), M069 (prancha 54), M601 e M072 (prancha 55). Em todas elas, grupos de dançarinos atuam sob a liderança do Senhor Solar, que sempre segura uma corda. A peça M153 (Prancha 53 - ML013655) é um vaso de alça estribo de bojo comum, próprio da fase IV da região Moche Sul. Nele atuam 21 personagens, dos quais três são músicos. A cena se divide em duas partes: superior e inferior, separadas por duas linhas paralelas. Na parte superior o personagem principal que lidera o evento é um Sacerdote Guerreiro com atributos de Senhor Solar. Tem capacete alongado com diadema semilunar na ponta e decoração de serpente felina, orelheiras elaboradas com pequenas esferas ao redor, túnica elaborada, narigueira, braceletes, protetor de coxa e um grande colar de esferas. Apresenta pintura facial e presas na boca. Ele segura uma corda junto a outros guerreiros com túnicas e toucados de placas de metal. Quatro deles apresentam diademas semilunares nos toucados, o primeiro (esquerda para a direita) tem diadema de tentáculos de polvo e o último não apresenta o adereço. Todos têm pintura facial, bracelete e orelheiras circulares, e alguns, narigueiras. Quatro personagens menores aparecem na parte superior da cena: dois pairando e dois no nível do solo. O único que segura algum objeto é o personagem localizado imediatamente à frente do Senhor Solar, com algo que pode ser uma corda ou uma parte de adereço de metal. Abaixo, os músicos dão o tom para a dança composta por dois grupos de dançarinos, enquanto o personagem central, com atributos de sacerdote guerreiro, segura uma bolsa. O primeiro grupo de dançarinos é formado por uma dupla à esquerda do percussionista que usa a mesma vestimenta dos dançarinos da parte superior: túnica com adereço lateral de placas de metal e saiote estampado. Também apresentam braceletes, orelheiras circulares e narigueiras, além de toucados com diadema semicircular. Carregam em suas costas cabeças compostas por caras enrugadas e cabelos. Não é possível saber se são mascaras ou cabeças troféu. O segundo grupo de dançarinos começa à direita do segundo quenista e é composto por quatro personagens: 160 três à direita da cena e um à extrema esquerda. Usam túnica longa com esferas que podem ser de metal ou estampadas, toucados alongados de plumas e orelheiras circulares. Quanto aos músicos, trata-se de um trio formado por dois quenistas e um percussionista, localizados no nível inferior. Todos usam túnica longa de círculos e pintura facial. Os quenistas têm toucado de diadema semilunar e orelheiras circulares. Nesta peça é possível verificar os detalhes das quenas, com seus orifícios de digitação. O toucado do percussionista parece uma touca, com motivo de círculos e esferas ao redor. Muitos percussionistas acompanhantes apresentam estes atributos, inclusive representados em forma escultórica, como detalhado na prancha 35. A peça M069 (Prancha 54) retrata uma cena também dividida em duas partes, inferior e superior, divididas por uma linha grossa, à maneira da peça anterior. Trata-se de um canchero pertencente à coleção do Museu de Arqueologia da Universidade Nacional Mayor de San Marcos, restaurado e sem informação de proveniência, com decoração pictórica na parte inferior. Na parte posterior da imagem três personagens de alto status, com atributos de sacerdotes guerreiros, executam a Dança da Corda. O personagem central apresenta os mesmos atributos do Senhor de Sipán ou Senhor Solar. Ele está de frente para outro personagem com indumentária de placas de metal, capacete alongado com diadema semilunar e decoração lateral de pirâmide escalonada invertida. Seus atributos se associam aos do Senhor Noturno. À esquerda um terceiro dançante apresenta exatamente os mesmos atributos. Um pequeno personagem paira acima dele com atributos ainda mais idênticos ao do Senhor da Tumba 14, já que usa o toucado semicircular com cabeça de coruja. Placas de metal e um ulluchu pairam na parte superior da cena. Na parte inferior da cena posicionam-se os músicos: um quenista à extrema esquerda e um percussionista à extrema direita com atributos de poder, como os toucados elaborados, mas não na mesma medida dos sacerdotes da parte de cima. O personagem ao lado do quenista, o de mais alto status deste setor, segura uma bolsa e uma suposta placa de metal que entrega ao personagem à sua frente, este segurando uma narigueira. Pairam dois ulluchus entre os personagens centrais. 161 Tanto o quenista quanto o percussionista mostram exatamente os mesmos atributos dos músicos analisados na peça anterior: a túnica de bolinhas e o toucado semilunar do quenista, e o toucado tipo touca com bolinhas do percussionista, com túnica também de bolinhas ou lantejoulas. Enquanto na parte de cima se desenrola uma dança, na parte de baixo acontece provavelmente uma cerimônia oficiada pelos personagens centrais. Os músicos, neste caso, não oficiam a cerimônia. São exclusivamente acompanhantes. Na mesma categoria das anteriores, a peça M601 (prancha 55), proveniente do Arquivo Donnan (Dumbarton Oaks, Washington D.C), mostra a cena dividida em duas partes, com o mesmo personagem central em cima: o Senhor Solar segurando a corda, juntamente com o guerreiro à sua direita. À frente dele, um personagem empunha o objeto em formato semilunar, que tanto pode ser uma corda quanto um artefato de metal. O grupo de quatro músicos posicionado à esquerda conta com três quenistas e um percussionista, todos vestidos à maneira das peças M069 e M153. Na parte inferior, há dez personagens representados. Quatro mulheres usam roupas escuras e tocam chocalhos (idiofones de campânula fusiforme). Os outros seis personagens parecem ser do sexo masculino, e usam túnicas claras e toucados e máscaras variadas, representando animais, caveiras ou rostos humanos. Esta parte da cena mostra uma forte relação com o inframundo, já que uma das mulheres a tocar o chocalho é cega. Os outros personagens com as máscaras podem também ser deficientes visuais, visto que não estão representadas suas pupilas. A cena toda conta com um total de oito músicos, incluindo as mulheres chocalheiras. Entretanto, os instrumentos tocados na presença do Senhor Solar são as quenas e o tambor. Entre as três peças descritas, há pontos em comum que devem ser observados: Personagem Central: Todas as peças apresentam um personagem central, associado ao Senhor Solar. Com algumas variações de toucado entre as imagens, em geral apresenta capacete alongado com decoração de raios ou serpente em zig-zag, e uma diadema semilunar. 162 Fig. III.24. Senhor Solar liderando a Dança da Corda, representado nas peças M069, M601 e M153. Ajudantes: Aparecem geralmente ao lado do personagem central e os ajudam a carregar a corda. Usam toucado de dois símbolos escalonados com diadema semilunar central, além de camisa, saiote e protetores coxais de placas de metal e grandes orelheiras circulares com um ponto central. Fig. III.25. Ajudantes atuando na Dança da Corda, representados nas peças M069, M601 e M153. Quenistas: Os tocadores de quena usam túnicas de placas de metal (quadrangulares ou circulares) que vão até a altura dos joelhos e toucados com diadema semilunar. Usam também orelheiras circulares com um círculo central. Podem aparecer em dupla, trio ou sozinhos. Alguns aparentam ter pintura facial. Fig. III.26. Quenistas atuando na Dança da Corda, representados nas peças M069, M601 e M153. 163 Percussionistas: Os percussionistas aparecem apenas uma vez em cada peça. Tocam uma espécie de tinya de tamanho grande, que amarram ao corpo com um laço nas costas, em posição curvada. Seus atributos são a túnica decorada com círculos de metal e um toucado à moda de touca também com círculos de metal pendentes. A pintura facial é evidente em todos eles. Encontramos um exemplar escultórico deste tipo de percussionista (prancha 34). Fig. III.27. Percussionistas atuando na Dança da Corda, representados nas peças M069, M601 e M153. Percussionista escultórico (peça M194, prancha 35). Grupo Central: Duas das peças (M069 e M153) mostram um grupo central formado pelo Senhor Solar e seus ajudantes carregando a corda. É possível ver que se trata dos mesmos atributos. Fig. III.28. Grupo central da Dança da Corda, representados nas peças M069 e M153. Máscaras: Em duas das imagens (M153 e M601) os grupos da parte inferior da cena aparecem portando máscaras, seja em suas faces ou em suas costas. 164 Fig. III.29. Grupos com máscaras atuando na Dança da Corda, representados nas peças M153 e M601. O conjunto das imagens analisadas demonstra que se trata de uma mesma dança, oficiada por um personagem de alto status, o Senhor Solar, ligado ao hanan ou ao mundo de cima. As imagens estão representadas em dois tipos de suportes: vasos de alça estribo com bojo comum, sem apliques ou relevos, e um canchero. As peças são da fase IV, região Moche Sul. Finalmente, a peça M072 (prancha 55) é mais simples e conta com apenas 11 personagens. É a única do grupo que não está dividida em duas partes. O Senhor Solar permanece como personagem central, levando a corda junto aos três dançarinos à sua esquerda. Seus atributos são o toucado elaborado com diadema semilunar, o peitoral e a narigueira, além de orelheiras circulares, túnica e, aparentemente, pintura corporal nas pernas. Dois quenistas acompanham a dança à esquerda do Senhor, paramentados com túnicas de placas de metal e toucados de face de animal com aplique de plumas. Um personagem de dimensões reduzidas parece oferecer um prato ao personagem central. Uma construção arquitetônica aparece ao fundo, com cabeça humana e repleta de vasilhas de cerâmica de várias categorias morfológicas. Não encontramos o exemplar original desta vasilha, apenas a representação feita por Mc Clelland, portanto não podemos incluí-la na amostragem morfológica. Fica claro que os músicos têm um papel importante na cena, apresentando atributos de poder, porém não são os personagens principais neste conjunto de cenas. Quenistas e percussionistas podem aparecer tanto na parte de cima quanto na parte de baixo da narrativa, não parece haver uma norma específica para isso. Nesta dança, o personagem principal não toca nenhum instrumento, apenas dança com a corda. Os atributos mais importantes estão reservados ao Senhor Solar, que é acompanhado pelos músicos e dançarinos. Os músicos, neste caso, fazem parte de uma cerimônia 165 oficial e trazem consigo atributos uniformizados que os colocam na posição de músicos oficiais. III.III.II.II Dança da Corda protagonizada pelo Senhor Noturno A narrativa reproduzida em M149 (prancha 56) é bastante complexa, contando com trinta e sete personagens. Trata-se de um vaso de alça estribo com bojo comum pertencente ao Museu Colchagua, no Chile (Donnan & McClleland, 1999). A narrativa está compartimentada em três partes: superior, inferior e lateral. Na parte superior, o personagem central é um Sacerdote Guerreiro de alto status, com atributos de Senhor Noturno: o toucado é complexo, formado por um capacete cônico de placas de metal com diadema semilunar na ponta, levando também um adereço traseiro de plumas e decoração escalonada. O peitoral com cabeças de coruja (ou poderia ser um colar) o associa diretamente à esfera noturna e às linhagens relacionadas à coruja. Além disso leva túnica, protetor de coxa, braceletes, narigueira e orelheira circular com microesferas ao redor. A corda em seu pulso o une ao personagem seguinte, bem como ao último personagem da parte superior, mostrando que ele provavelmente conduz a dança dos guerreiros que se inicia na parte superior e continua na parte inferior da peça. Na parte inferior, o terceiro personagem da direita para a esquerda fecha o círculo de dança posicionado de frente aos guerreiros dançarinos. Ele tem atributos de Senhor Solar. Aparentemente toda a cena se passa no interior de uma construção arquitetônica, provavelmente uma huaca ou centro cerimonial, como evidencia o trono com um teto formado por clavas de guerra à direita do Senhor Noturno. A cena completa conta com quatro músicos: dois quenistas lado a lado na parte superior, um percussionista com tambor na parte superior, e um percussionista com tinya na parte inferior. É nítida a diferença entre os dois percussionistas, tanto no que tange aos atributos quanto aos instrumentos: o primeiro usa túnica simples, turbante, e toca um tambor grande enquanto o percussionista da parte inferior toca uma tinya pequena e usa toucado elaborado. Os quenistas apresentam atributos de oficiantes: túnica, capa, toucado com cabeça de ave e orelheiras circulares. 166 Para De Bock (2005: 36-38) esta cena retrata duas classes sociais distintas, que seriam os guerreiros e os sacerdotes, indicando uma subdivisão interna entre grupos hierárquicos no evento. Ele considera as figuras menores, incluindo os percussionistas, como “sacerdotes de baixo ranking”. Já os quenistas são considerados indivíduos de alto status devido aos seus atributos, especialmente os toucados e orelheiras. Na nossa leitura, tanto os percussionistas quanto os quenistas seriam músicos acompanhantes nesta cena. Apesar de os quenistas apresentarem alguns atributos de sacerdotes guerreiros, eles não conduzem o ritual. Este papel é atribuído aos senhores de alto status: Senhor Noturno e Senhor Solar. Os músicos aparecem representados na mesma escala dos outros personagens secundários da cena (guerreiros e acompanhantes). O Senhor Noturno, representado em escala maior, é provavelmente o personagem principal desta dança e o responsável por oficiar o ritual. III.III.II.III Danças de Guerreiros com atributos de Senhor Solar A prancha 57 mostra duas imagens desenroladas de vasos de alça estribo (M88 E M602) nas quais guerreiros dançam de mãos dadas paramentados com atributos de Senhor Solar: levam seus toucados cônicos com diademas semilunares, túnicas com motivos variados, cinto, protetores de coxa, narigueiras, grandes orelheiras circulares e braceletes. Compõem a cena personagens e os músicos, representados em escala menor. Enquanto M088 conta com dois percussionistas e dois quenistas, divididos entre as duas partes da representação, M602 tem três quenistas e apenas um percussionista. Os percussionistas tocam tinyas e apresentam toucados elaborados com motivos espiralados e plumas, bem como camisas e calções. Os quenistas apresentam túnicas, capas e turbantes. 167 Fig. III.30. Comparação entre percussionistas e quenistas representados em duas peças com cenas de “Danças de Guerreiros com atributos de Senhor Solar” (M088 e M602) . Esta cena pode fazer referência a um tipo de batalha ritual (tinku) performada pelos guerreiros principais. Neste caso os músicos, também representados em escala menor, parecem ser personagens de status inferior aos guerreiros. III.III.II.IV. Danças de Guerreiros em Espiral. A cena M154 (prancha 58), pertencente ao MNAAHP, mostra trinta e dois personagens subindo em espiral até o topo do vaso, dos quais vinte e sete são guerreiros comuns, três são sacerdotes guerreiros e dois são músicos. As únicas figuras viradas para a esquerda são os músicos e os líderes. De Bock (2005: 33) divide a cena da seguinte forma: são dois os grupos principais, um deles tem um líder responsável por dezesseis guerreiros e o outro um líder responsável por doze guerreiros. A diferença entre os dois grupos é a vestimenta (ibid.): enquanto um grupo se distingue pelos capacetes pontudos, o outro se distingue pelos toucados circulares. Nem todos os guerreiros apresentam diademas semilunares nos toucados. De Bock (ibid.) argumenta ainda que as diferenças de vestimenta entre guerreiros de um mesmo grupo refletem diferença de status. Mesmo dentro de um grupo os status não são idênticos, sempre há uma hierarquia. De Bock (2005:34) busca mostrar em sua tese que, na iconografia mochica, uma única cena pode apresentar indivíduos de até quatro ou cinco status sociais diferentes atuando. Nesta cena, por exemplo, há sacerdotes guerreiros, guerreiros com diadema semilunar, guerreiros sem o diadema e os 168 músicos, totalizando quatro status distintos (ibid.). Os músicos neste caso pertenceriam ao status mais baixo, apresentando atributos simples. O percussionista, no entanto, tem diadema semilunar em sua cabeça. Estamos de acordo com De Bock que a presença de certos atributos de poder enfatiza uma posição mais alta na hierarquia de personagens moche. Os guerreiros com diadema semilunar no toucado, por exemplo, estariam uma posição acima daqueles que não as têm. A imagem M067 (prancha 59) mostra a mesma cena, na qual os músicos apresentam os mesmos atributos. A peça M476 (prancha 59) mostra uma peça com uma narrativa dividida em duas partes. A parte de cima conta com vários guerreiros de mãos dadas dançando, sendo conduzidos por um guerreiro de mais alto status, provavelmente da classe dos Sacerdotes Guerreiros. Atrás dele há um trio formado por dois quenistas e um percussionista. Entre os guerreiros conduzidos há outro percussionista. No mesmo setor, uma fila de guerreiros é puxada por um Senhor Solar. A parte inferior da cena conta com vários guerreiros dançando com uma corda, sendo também conduzidos por um líder com atributos de Senhor Solar. No mesmo setor um trio de personagens segura chicotes. Enquanto isso, um grupo de músicos formado por três quenistas e um percussionista caminha no sentido oposto, liderado por um Sacerdote Guerreiro de toucado de dois círculos. Os músicos totalizam onze, sendo oito quenistas e três percussionistas. Os percussionistas sempre tocam tambores grandes e apresentam atributos de poder, como toucados elaborados com diadema semilunar, plumas ou aplique de cabeça de animal. Os quenistas levam apenas túnicas e turbantes. As diferenças de status social e hierarquia também são nítidas nesta cena, bem como nas analisadas anteriormente. Danças em espiral lideradas por músicos são relatadas na bibliografia etnográfica, especialmente no atual altiplano boliviano (Bastien, 1987 & Zuidema, 1992 apud Benson, 2012: 90). Benson também argumenta que esta forma de representar os dançarinos demonstra que eles estejam subindo ou descendo plataformas das huacas: Murals across facades at Huaca Cao Viejo and Huaca de la Luna show a probable line of dancers holding hands. Joseph Bastien (1987:70; see also Zuidema 169 1992:72) has described modern dances at the major agricultural festival in a Bolivian village where flute players spiral inward counterclockwise and move out clockwise. Inca youths, after ritual combat, would take a long rope and spiral around the king. Moche dancers may sometimes have moved up a ramp allowing a ritual ascent from the large, main courtyard to the upper, sacred spaces of the huaca. They could not have literally danced in a spiral, but they would have changed angles as they moved up the ramp. (Benson, 2012: 90) A autora compara esta cena, e outras semelhantes, aos tinkus ou batalhas rituais que ocorrem até o presente nas áreas rurais andinas, especialmente no altiplano boliviano. III.III.II.V. Dança Circular de Guerreiros com Corda Outro subgrupo de dança da corda expressa no material arqueológico mochica são as representações circulares nas quais vários personagens dançam entrelaçados nas cordas, enquanto os quenistas pairam acima deles, como em M491, prancha 60. Vasilhas de tipo paica (grandes tonéis para armazenamento de bebidas rituais) também aparecem nesta cena. Um cão aparece posicionado em oposição exata às paicas, talvez dividindo o espaço da vasilha entre os dois grupos de guerreiros, que poderiam representar duas parcialidades distintas. É difícil compreender esta disposição, pois os atributos dos guerreiros variam muito. Os músicos estão representados em menor escala, pairam sobre os guerreiros (o que poderia representar distância) e totalizam seis. Quatro tocam quenas, dois tocam chocalho (idiofones suspensos conjugados), sendo que um destes ainda sopra uma trombeta ao mesmo tempo. Os quenistas apresentam como atributos capas e túnicas, mas os chocalheiros têm toucados mais elaborados. É possível que o chocalheiro com toucado de diadema semilunar esteja relacionado ao Senhor Solar. A imagem não permite ver os atributos em detalhes, porém vimos anteriormente que o Senhor Solar pode atuar em ocasiões coletivas, como danças e procissões, tocando idiofones suspensos conjugados (como nas pranchas 50 e 51). 170 III.III.II.VI. Batalhas com Tocadores de Pututos A prancha 49 apresenta vasos elaborados com cenas de batalha. Na peça M489, um vaso campanular, a parte interna está pintada com a cena de batalha e a parte externa com os prisioneiros cativos. A parte da batalha congrega guerreiros, alguns prisioneiros e dois músicos soprando pututos. Os músicos têm atributos muito semelhantes aos dos guerreiros: túnica decorada com amarres na cintura, orelheiras circulares que mais se parecem com alargadores e capacetes. Não apresentam, entretanto, os diademas semilunares nos capacetes e nem os protetores coxais. A peça M482 (prancha 49) mostra outra cena no deserto na qual guerreiros e prisioneiros de guerra atuam em plena batalha. Apenas um tocador de pututo se encontra posicionado exatamente na parte central da cena usando camisa simples, orelheiras circulares e toucado de animal. Neste caso ele não tem exatamente os mesmos atributos dos guerreiros, que usam túnicas e capacetes. Cenas de batalha podem exibir outros instrumentos da categoria dos aerofones: pututos, antaras e quenas aparecem em cenas de combate, com destaque para o primeiro. De acordo com as crônicas coloniais a produção sonora em batalhas muitas vezes agregava todos estes instrumentos e a percussão, visando criar um som ensurdecedor que intimidasse o adversário, como observa Gruszczynska: Some chroniclers personally experienced the strong impact of the music, which accompanied armed clashes. Pedro Pizarro, who together with a small group of Spaniards defended Cuzco besieged by the Indians, recalled: “The uproar and cries made by them, and the sound of the trumpets which they played were so overwhelming that it seemed as if the Earth itself trembled”. Quite possibly, the soldier-author was inclined to make this comparison to an earthquake as a result of the deafening noise. (Gruszczynska, 2004: 257) É possível que haja uma tradição ameríndia em associar trompas e trombetas a momentos de batalha ritual. A investigação etnomusicológica de Salles (2015: 6) enfocando a Adjuroná, um tipo de trompa Karajá documentado 171 em textos de viajantes do século XIX, demonstrou que este instrumento teria grande valor nos momentos de batalha ritual, não só por suas propriedades acústicas, mas por sua relevância simbólica: Ao que parece, as trompas tinham nessas lutas rituais o papel de inflamar a bravura dos combatentes. A bravura de uns se esvaía com as trompas adversárias, enquanto que, ao mesmo tempo, se inflamava com as dos seus. Dessa maneira, uma segunda batalha se sobrepunha à primeira, mas no plano das vibrações sonoras e simbolismos implicados nessas vibrações. (Salles, 2015: 5). Trompas e trombetas soam de forma muito intensa, incrementando a bravura dos guerreiros e encorajando-os no momento do combate. Anunciam eventos de forma a serem ouvidos a longas distâncias e, simbolicamente, simulam uma batalha entre os sons. Há um combate musical implícito, à maneira das antaras interpoladas analisadas anteriormente. Ao descrever a importância simbólica do pututo na iconografia mochica Bourget observa que estas conchas estão presentes especialmente em cenas de batalhas e sacrifícios, temáticas que fazem referência à importância do fluido vital (sangue) para a continuidade da vida: These exotic shells, as supernatural entities or musical instruments, are directly associated with the scenes of ritual battle and capture, the offering of eventual sacrificial victims, and the collection and exchange of blood during the PresentationTheme. (Bourget, 2006: 207) Os dados levantados apontam para a utilização do pututo em batalhas. Não sabemos, entretanto, se seus tocadores eram parte do séquito de guerreiros envolvidos na luta corporal. De acordo com a iconografia o pututo foi usado como um instrumento de comunicação e anunciação em eventos de cunho oficial, especialmente os bélicos. Como verificado em nossa dissertação de Mestrado (La Chioma, 2012: 102-103) a produção sonora em batalhas visava atemorizar o inimigo e anunciar a batalha. Alguns instrumentos sonoros, como o pututo, poderiam ter o mesmo status de armas de guerra. À diferença das outras cenas, estas são batalhas nas quais se vê efetivamente luta corporal, inclusive com referências ao sangue, aos 172 prisioneiros presos por cordas e a feridos de batalha. Em ambos os casos os únicos instrumentos tocados são o pututo. O instrumento deveria ser usado para anunciar a batalha e produzir um som ensurdecedor que enfraquecesse ou intimidasse os adversários. Por esta razão, como discutimos anteriormente, denominamos os tocadores de pututos de Anunciantes. Eles estavam, obviamente, inseridos no rol de músicos de caráter oficial, alistados pelos governantes para produzir som em atividades oficiais. III.III.II.VII. Outros Algumas peças da amostragem demonstram tais especificidades que impossibilitaram a criação de grupos. Elas apresentam cenas únicas, com elementos também únicos, como veremos neste tópico. A peça M006 (prancha 61), um vaso de alça estribo comum, tem representação em espiral de guerreiros dançando de mãos dadas, entre arbustos ou bosques de algarrobos, acompanhados por um conjunto de músicos, como em outras peças vistas anteriormente. No entanto, esta peça não pertence ao período Moche Médio, mas ao Tardio, e apresenta duas especificidades importantes quanto ao conjunto de músicos representado. Os percussionistas são veados antropomorfizados, representação única em nossa amostragem. Os flautistas tocam antaras, instrumento que, até o momento, não apareceu nas danças analisadas nesta categoria. O personagem principal que conduz o grupo de guerreiros é um Ai Apaec, divindade a ser estudada no próximo capítulo, e recebe a taça de seu companheiro Iguana. Já a peça M155 (prancha 62), um vaso de alça estribo do MNAAHP, mostra uma dança semelhante às anteriores, com personagens de mãos dadas. A diferença é que neste caso, eles não têm paramentos de guerreiros, mas de oficiantes comuns, com turbantes, túnicas e mantas. Há um Sacerdote Guerreiro com toucado elaborado de dois círculos e aplique de cabeça de animal com diadema semilunar oficiando a cerimônia, da qual participam também outros personagens representados em menor escala, como carregadores de bolsas de feijão e carregadores de clavas. Dois pequenos personagens localizados à extrema direita golpeiam o chão com o que parece 173 ser um grande idiofone de entrechoque. Paira acima dos dançarinos um cão, que está localizado exatamente no entroncamento da alça estribo com o bojo. O primeiro personagem da fila de dançarinos é um percussionista que toca uma tinya grande. Tem os mesmos atributos e posição corporal do percussionista da parte superior da cena M149 (prancha 56). De Bock (2005: 38) observa que a figura do percussionista marca a separação entre o personagem principal e os outros, e que seu turbante demonstraria uma posição subalterna dentro da hierarquia de personagens. III.III.III. Procissões Nesta categoria analítica foram alocadas as cenas que não retratam exatamente danças ou batalhas, mas que se parecem, por suas características, mais com procissões e cortejos. A peça M063 (prancha 48) mostra uma cena complexa, nitidamente de cortejo. Nela, um séquito de guerreiros paramentados com escudos e clavas se desloca em procissão acompanhado de personagens que carregam estandartes com cabeças humanas e quatro músicos. Vestidos com túnica, capa e orelheiras circulares, os músicos tocam antaras e se organizam em duplas, à maneira dos sikuris previamente discutidos. A dupla da direita exibe toucados de raposa. O primeiro antarista da dupla da esquerda usa toucado de ave marinha, provavelmente o mesmo do músico adjacente, cujo toucado não pode ser identificado devido a uma quebra no artefato original. Somente os músicos desta dupla usam colares de contas grandes. As antaras não apresentam apliques e uma delas parece ser de cana. O contexto de atuação destes músicos é nitidamente de uma procissão de guerreiros. Não há luta corporal na narrativa, mas apenas guerreiros marchando com seus atributos de guerra e auxiliares carregando estandartes com cabeças humanas (o que poderia indicar o retorno do grupo de uma batalha). De fato, não encontramos em nossa amostragem nenhuma cena de batalha com luta corpo a corpo que mostrasse tocadores de antaras, ao contrário dos pututos, que estão associados a cenas de batalha onde evidentemente há luta corporal. Antaras voltam a aparecer na prancha 63, em uma reprodução retirada de um vaso de alça estribo de estilo Moro do vale do Jequetepeque. A cena 174 conta com mais de quarenta personagens em diferentes atividades. Observamos treze músicos associados a diferentes instrumentos participando deste séquito. Na primeira fila aparecem dois chocalheiros tocando idiofones de campânula fusiforme, acompanhados por dois quenistas. Na segunda fila há apenas um trompetista. A terceira fila conta com dois antaristas, três percussionistas e um membro com um objeto em mãos que, possivelmente, represente um idiofone de entrechoque. A quarta fila, por fim, conta com dois trompetistas. Chama a atenção a variedade de instrumentos sonoros representados nesta mesma cena, certamente a maior diversidade organológica vista até aqui em uma mesma narrativa. Os músicos mostram poucas variações em seus atributos. Os chocalheiros usam toucado de diadema semilunar, enquanto o restante dos músicos usa uma espécie de capacete cônico. Todos vestem túnicas e apresentam protetores de coxa, elemento que pode identificá-los como guerreiros. Esta cena lembra o Tema do Enterro (Donnan & McClelland, 1979), narrativa complexa abundantemente representada no período Moche Tardio, que mostra uma série de atividades (prancha 84), dentre as quais se destacam o enterramento de um personagem de elite e uma troca de conchas Strombus entre dois indivíduos. Podemos ver que estão presentes na procissão de músicos dois membros realizando a troca das conchas (na terceira fila). É muito possível que ambos os temas estejam conectados, mas nos faltam mais imagens como essa para compreender esta correlação. Voltemos à peça M152 (prancha 50), já mencionada neste capítulo. Esta peça com representação pictórica em relevo mostra cinco personagens em uma procissão. Quatro deles são músicos, e o último carrega uma clava e um escudo. O personagem principal da cena é o Senhor Solar, que toca um idiofone de tipo suspenso conjugado, como já observado. Há ainda dois quenistas e um percussionista, sem muitos atributos de poder, classificados em nossa análise como Músicos Acompanhantes. Todos estão voltados para a esquerda mostrando que seguem na mesma direção. Os músicos acompanhantes seguem em comitiva o Senhor Solar, oficiante principal responsável pelo ritual. O vaso é típico da fase IV dos vales do Sul. 175 A prancha 64 mostra uma cena bem conhecida do período Moche Médio: O Jogo de Flores de Lótus (Hocquenghem, 1987: 48-49; Bourget, 2006:90-91; Gölte, 2009: 171). Nela, guerreiros caminham com clavas que contêm um propulsor na ponta, com o qual atiram as flores ao ar. Geralmente um Sacerdote Guerreiro oficia a cerimônia. No caso da peça analisada há um percussionista paramentado com túnica, orelheiras circulares, toucado elaborado e a pele de animal às costas, que caracteriza os Tomadores de Coca. Hocquenguem (1987: 51) e Gölte (2009: 171), fundamentados em dados etnohistóricos sobre rituais semelhantes na época Inca, sugerem que a prática deste ritual se daria no equinócio de setembro. Era um evento solene em honra da Coya, esposa do Inca, e um evento no qual se reuniam mulheres. A flor de lótus, por estar associada ao hurin e à fertilidade, identifica este evento como um rito propiciatório da época de chuvas (Gölte, ibid.). 34 Esta interpretação está em pleno acordo com a produção sonora desta ocasião, a cargo de uma tinya, instrumento propiciador da fertilidade, ligado ao hurin, ao feminino e à chuva. Finalmente, na prancha 51, encontrada em nossa pesquisa no Arquivo Moche da Dumbarton Oaks, vemos a reprodução em linha fina de uma procissão conduzida por um Senhor Noturno e um Senhor Solar, acompanhados por personagens de túnica e capuz que parecem segurar taças. Ambos os Sacerdotes Guerreiros tocam chocalhos. Como vimos na prancha 50, Senhores Solares se encontram exclusivamente associados a idiofones suspensos conjugados, como os mostrados nas pranchas 50 e 51. Esta cena demonstra que as personas sociais opostas do Senhor Noturno e Senhor Solar podiam tocar juntos este instrumento sonoro em cerimônias. III.III.IV. Discussão As subcategorias de Danças de Guerreiros apresentam vários elementos em comum, apesar de suas especificidades. Os músicos sempre são representados em escala menor que os outros personagens, e os instrumentos tocados são sempre a quena, a tinya e, em alguns casos, 34 (…) la rana de por sí y la flor de loto pertenecerían al mundo húmedo de abajo cuya contribución es precisamente la fertilidad. (Gölte, 2009: 174) 176 chocalhos. A antara não aparece neste tipo de cena, a não ser em caráter de exceção na peça da fase V da prancha 61. Antaras aparecem em cenas de procissões, como no caso da prancha 63. Nestes temas sempre há guerreiros envolvidos, o que pode remeter tanto à dança de guerreiros quanto a uma batalha ritual. Sempre há Sacerdotes Guerreiros, particularmente o Senhor Noturno e o Senhor Solar, conduzindo estes rituais. Estas danças são marcadas por uma constante tensão entre estes dois personagens e os grupos conduzidos por eles, remetendo ao encontro de partes opostas (tinku), podendo ser moieties de uma mesma comunidade ou comunidades distintas. A tônica do encontro entre as partes opostas predomina neste tipo de narrativa. Não acreditamos que os músicos sejam representados em tamanho menor nestas cenas por uma escolha individual de cada artista, mas por uma convenção artística. Eles ocupam nitidamente posições secundárias neste tipo de narrativa, tanto por seus atributos de poder quanto por seu tamanho. Como temos visto até aqui, a hierarquia entre os indivíduos era um aspecto central dos rituais e cerimônias mochica (De Bock, 2005), e os músicos podem pertencer a hierarquias mais altas (como os Sacerdotes Guerreiros), ou a hierarquias mais baixas, na qualidade de Acompanhantes e Anunciantes. Eles ocupam as posições mais altas nas narrativas de procissões de antaristas, quando apresentam atributos e toucados de Sacerdotes Guerreiros, ou no caso da peça M152 (prancha 50), no qual o Senhor Solar toca um chocalho. Ao observarmos o conjunto dessas narrativas, vemos que o papel e a simbologia de cada instrumento estão associados ao tipo de evento celebrado. Quenas, tinyas e chocalhos estão associados a danças com guerreiros e autoridades, enquanto antaras aparecem em procissões e comitivas (ver tabela III.XI). Pututos aparecem sempre associados a batalhas com luta corporal e sangue. Na iconografia, em danças e eventos cerimoniais oficiais do mundo mochica quenas eram mais tocadas que antaras (gráfico III.I). Tinyas também aparecem em grande quantidade, mas os aerofones se destacam como a categoria organológica mais presente nestes eventos (gráfico III.II). Idiofones de entrechoque, presos às vestimentas e pernas dos bailarinos são comuns. Chocalhos tradicionais são menos comuns, apesar de serem tocados por membros das elites, como o Senhor Solar. 177 Separamos e organizamos os músicos representados nas Danças de Guerreiros, a partir de seus atributos, nas pranchas 65, 66 e 67. É possível verificar que os atributos destes músicos têm relação direta com a narrativa específica na qual atuam. Isto é, seus toucados e vestimentas não são aleatórios, mas adequados à especificidade destas cerimônias. A padronização dos atributos dos músicos nestas cerimônias e a representação delas na cerâmica ritual são pontos que reforçam ainda mais o caráter oficial deste tipo de produção sonora. Segundo Rostworowski (2000: 80) a crônica de Huarochirí (Ávila, 1598) menciona indivíduos específicos em cada ayllu que, no período Colonial, eram responsáveis por organizar e executar as danças rituais três vezes ao ano. Ou seja, estas destas atividades estavam encarregados líderes, aparentemente não músicos, de diferentes hierarquias sacerdotais. III.IV. Considerações Sobre os Músicos Oficiais A análise quantitativa da amostra de músicos oficiais, sintetizada nas tabelas III.IV a III.X demonstrou uma relação fluida, não rígida, mas coerente entre instrumentos sonoros e determinados papéis sociais. Os aerofones mais tocados por Sacerdotes Guerreiros, por exemplo, são as antaras e pututos, enquanto que acompanhantes tocam maiormente quenas e trombetas. Anunciantes, nomenclatura específica que demos a um tipo de acompanhante, tocam apenas pututos (tabela III.IV). Na tabela III.V, vemos que a proporção de quenas e antaras para Sacerdotes Guerreiros e Acompanhantes praticamente se inverte: 34 antaras para 2 quenas no caso dos Sacerotes Guerreiros e 4 antaras para 43 quenas no caso dos acompanhantes. Mais que isso, todos os Sacerdotes Guerreiros ligados ao hurin e à Divindade Coruja (Senhor Noturno, Senhor de Toucado de Dois Círculos) estão associados mais a antaras que a qualquer outro instrumento. Senhores Noturnos, por exemplo, podem tocar antaras, chocalhos e pututos, mas nunca aparecem associados a quenas (tabelas III.IV e III.V). Guerreiros, entretanto, estão associados apenas a quenas ou pututos, e nunca a antaras (tabela III.IV). Consideramos este um forte indício de que estes dois aerofones tinham simbologias distintas, sendo tocados em ocasiões específicas e por indivíduos específicos de acordo com 178 seus papéis na cosmovisão. Os instrumentos sonoros estão conectados diretamente ao papel social e cosmológico dos músicos. Como visto em nossa dissertação de Mestrado (La Chioma, 2012), antaras são instrumentos ligados ao inframundo, ao mundo noturno, à morte e ao ciclo de regeneração da vida, enquanto quenas estão relacionadas à virilidade, à força e à fecundidade (ibid., 151). Aerofones, de forma geral, estão associados maiormente a músicos do sexo masculino na iconografia (nosso estudo e Gruszczynska, 2004: 254-256). Gruszczynska (ibid., 257) acredita que o significado extramusical destes instrumentos enfatize o aspecto masculino em contraposição ao feminino, expresso por sua vez nos instrumentos de percussão: The chronicles recount an interesting legend about the drum: at the time of a terrible deluge in the distant past all forms of earthly life were destroyed with the exception of a woman and a man, who sought shelter inside a drum, and were carried by water and wind to the land of Huanaco (in another version – Tiahuanaco). In this manner, thanks to its closed construction, the drum saved mankind from total extinction and rendered possible its revival. This could be the reason why women, the founts of life, can play this instrument. The protective role of the drum, especially when held by women, is expressed in the music-making documented by chroniclers and realized in This World (Kay Pacha), and refers both to events which take place in the Upper World (Hanan Pacha), where, e. g. atmospheric processes are determined, and in the Lower World (Ukhu Pacha), the destination of the dead. (Gruszczynska, 2004: 256) Instrumentos de sopro, de maneira geral, associam-se ao masculino nas cosmovisões ameríndias. Salles (2015: 6-7) lembra que a trompa Karajá estava vedada às mulheres, e que não era lícita a presença feminina nos momentos em que o instrumento era tocado (Krause, 1942 apud Salles, 2015: 6): Tal proibição é tabu recorrente em diversas etnias, e se aplica normalmente a instrumentos de sopro – como as trompas de Jurupari dos Tukano, as buburé dos Tikuna e as flautas de Jakuí do Xingu – e está sempre associada a uma origem mitológica desses instrumentos, em que uma divindade ancestral ou herói cultural regula seu uso ritual. No caso da adjuroná, há uma referência a ela no Mito do Mutum 179 (Crax fasciolata), que Krause conta parcialmente num anexo, que aliás não foi contemplado na tradução de Egon Schaden. (Salles, 2015: 7) 35 De fato, em nossa pesquisa de Mestrado (La Chioma, 2012), vimos que na iconografia nasca as antaras estavam constantemente associadas a um personagem masculino que fertilizava um tambor. Em um estudo mais detalhado publicado posteriormente (La Chioma, 2013), ao analisar pormenorizadamente as imagens e alguns dados etnohistóricos, chegamos à conclusão de que este personagem sobrenatural, denominado por nós de Senhor das Antaras, correspondia perfeitamente a esta “divindade ancestral” ou “herói cultural” mencionado por Salles, dotado de um papel regulador na utilização do instrumento sonoro. Isto é, nas ocasiões em que o instrumento é tocado por indivíduos comuns, os signos ou sememas associados ao herói cultural são rememorados. No caso do personagem nasca, um de seus elementos característicos era o cacto San Pedro (Trichocereus pachanoi) dentro de seu estômago. Este elemento não estava presente apenas nas cenas em que aparecia o ser sobrenatural, mas também nas cenas em que músicos humanos, sem nenhum atributo sobrenatural, tocavam as antaras. O cacto não só fazia referência à bebida ritual consumida nestas cerimônias, mas ao ser sobrenatural “guardião” destas flautas, responsável por sua origem e pelo poder fertilizador (ibid.). Não por acaso o Senhor das Antaras nasca fertiliza um tambor. Tambores mantêm uma relação mais estreita com o âmbito feminino, como atestam diversas fontes históricas (Cobo apud Hoquenghem, 1996: 153). Em nossos dados encontramos tanto homens quanto mulheres tocando tambores O deus Kĕnanšīwé, quando ainda era um rapaz, vivia em casa com sua avó. Caiu uma chuvarada; e o mutum (kuritĭ) entrou na cabana todo molhado. O rapaz agarrou o mutum, jogou-o pela porta afora e disse: Você não tem nada que fazer aqui. No outro dia, a avó foi à floresta catar lenha. Kĕnanšīwé pintou de preto a cara e o corpo com carvão, foi atrás dela, arrancou-lhe a tanga de entrecasca, violentou-a e correu depressa para casa. A avó chegou em casa e contou o que lhe acontecera. Kĕnanšīwé disse que ia castigar o malfeitor. Foi para a floresta, feriu a si mesmo com uma flecha em todos os dedos, voltou e mostrou as feridas à avó. Esta se sentou e lamentou em altos brados. O mutum, que tinha visto tudo na floresta, chegou, fez mm mm e começou a contar à avó o que se passara. Kĕnanšīwé pegou o trompete e tocou para que a avó não pudesse escutar o mutum. Ao soar do trompete, porém, um grupo de jovens da aldeia foi até lá, tirou o trompete das mãos dele e deu-lhe uma surra por causa de sua malvadeza relatada pelo mutum. (Krause, 1911,p.481 apud Salles, 2015: 7) 35 180 (tabela III.IV), porém é de fato um dos instrumentos mais associados a mulheres na iconografia e nos relatos de cronistas dos séculos XVI e XVII. É importante observar, contudo, que Sacerdotisas, paramentadas com atributos de poder, tocam idiofones de vários tipos, mas nunca se encontram associadas a qualquer tipo de percussão (tabela III.IV), enquanto as mulheres associadas à percussão, grupo que denominamos de “Mulheres Percussionistas”, apresentam menor quantidade de atributos de poder e não apresentam as mesmas características das Sacerdotisas, como presas ou tranças de serpente. Elas podem atuar em cerimônias oficiais, mas nunca como as protagonistas, como no caso das Sacerdotisas. Vimos apenas uma mulher associada a uma antara, mas representada em uma peça distinta, com estilo local e influenciado pela presença mochica, conformando uma exceção dentro da amostragem. Há, entretanto, aspectos importantes a serem notados na relação entre mulheres e aerofones. Quenas e flautas tubulares em geral têm uma relação direta com a fertilidade, porém a ausência de mais dados que possam nos elucidar sobre esta associação torna muito difícil a compreensão da simbologia das flautas associadas ao feminino. Ainda que mulheres não tocassem estes instrumentos, eles foram encontrados associados a algumas delas em enterramentos. Segundo Castillo (2004, 32), uma quena de argila foi encontrada posicionada na região púbica de uma das mulheres enterradas na tumba M-U1221 de San Jose de Moro. Segundo Castillo (2004b:32), a mulher enterrada com a quena em San Jose de Moro havia sido depositada na tumba junto a outra mulher e uma criança. Seria possível uma associação entre mulheres falecidas no parto e estas flautas em seus enterramentos? É muito prematuro afirmarmos esta relação, mas é sem dúvida um ponto importante a ser observado em futuros trabalhos de campo. Os aerofones se destacam como os instrumentos mais tocados por músicos oficiais, tanto por Sacerdotes Guerreiros quanto por Acompanhantes (tabela III.VIII). Mesmo que tenhamos diferenciado os Músicos da categoria “A” (Sacerdotes Guerreiros) dos da categoria “B” (Acompanhantes e Anunciantes) com fins classificatórios, este esquema não contempla integralmente a complexa contextura da produção sonora oficial mochica e dos indivíduos por 181 ela responsáveis, seja em relação aos seus atributos de poder, seja em relação às ocasiões nas quais atuam. Existem variáveis que demonstram que essa classificação não pode se dar de forma rígida, mas deve levar em conta a organização das principais ocasiões nas quais estes personagens atuavam. Os quenistas da peça M149 (prancha 56), por exemplo, bem como os antaristas da peça M063 (prancha 49), apresentam toucados elaborados de cabeça de animal e túnicas com capas, o que os qualificaria como Sacerdotes Guerreiros e, portanto, músicos pertencentes à categoria “A”. No entanto, eles nitidamente atuam como personagens secundários nas cenas das quais participam, acompanhando danças e cortejos oficiados por outros senhores principais. Makowski (1994: 55-56, 1996: 14) acredita que o contexto narrativo no qual atua um indivíduo, em geral concebido nas pinturas em linha fina, seja essencial para informar o pesquisador sobre o papel social dos indivíduos representados na iconografia mochica: El repertorio de atributos y rasgos es muy amplio y varios de ellos no parecen relacionarse con un solo ser de manera tan exclusiva (…). Sólo las escenas que reúnen a más de un personaje ponen en evidencia las diferencias de identidad y hacen posible distinguir a un protagonista en confrontación con otro que lo acompaña. (Makowski, 1996: 14) Vemos que as imagens em linha fina nos informam que tanto músicos com atributos do mais alto status quanto aqueles apenas com turbante e camisa podem atuar como músicos acompanhantes em cortejos e cerimônias. O contrário, no entanto, não procede: músicos aparatados com muitos atributos de poder podem oficiar cerimônias (caso das pranchas 47 e 48), enquanto os mais simples não o fazem. A prancha 50 mostra um bom exemplo de como estas duas categorias se mesclam: o Sacerdote Guerreiro e os Acompanhantes tocam instrumentos distintos e se diferenciam também em seus atributos de poder, mas atuam na mesma narrativa. Podemos observar que músicos acompanhantes atuam como personagens secundários das cenas. Na prancha 52 vemos duas imagens de Sacerdotes Guerreiros dançando a Dança do Laço. Somando-se ambas, estão representados o Senhor Noturno, o Senhor Solar, o Senhor de Toucado de 182 Dois Círculos e Senhores de Diadema Semilunar. Ora, vimos que eles também atuam nesta dança em cenas com músicos (pranchas 53, 54, 55 e 56), mas aparentemente os artistas não representaram os músicos na prancha 52 com o objetivo de enfatizarem apenas os oficiantes principais da dança, aqueles que dão sentido a ela. Nas Danças do Laço observadas aqui (pranchas 53, 54, 55 e 56) os músicos não necessariamente precisariam estar representados para darem sentido à narrativa, cujos personagens principais são os Sacerdotes Guerreiros e as filas de guerreiros. Os músicos presentes na cena, neste caso, demonstram que o som era parte importante destas cerimônias. Na prancha 41, o tocador de pututo escultórico tem uma relação com a cena principal, que é a Cerimônia do Sacrifício representada no bojo do vaso. Ele não seria imprescindível para a identificação da cena, representada em outras centenas de vasilhas sem a presença de músicos. Sua presença, entretanto, demonstra que estas cerimônias oficiais eram todas abastecidas fortemente por produção sonora, ainda que muitas vezes os artistas queiram enfatizar e destacar apenas os sacerdotes. Por outro lado, nas pranchas 46, 47, 48 (M481), 50 e 51 os músicos são os personagens principais das narrativas, dando sentido a elas. Já na prancha 53 os músicos estão posicionados na parte inferior do vaso, sendo que o personagem principal que oficia a dança, o Senhor Solar, não está associado a nenhum instrumento. De maneira geral, músicos acompanhantes, tanto em forma escultórica quanto pictórica não apresentam muitos atributos de poder. De Bock defende em sua tese (2005) que existem muitos graus de hierarquia dentro das cerimônias e rituais mochica, e que cada grau é determinado por uma combinação de atributos específica. Neste caso, guerreiros com toucado, bracelete e diadema semilunar, por exemplo, estariam um grau acima de guerreiros com toucado e bracelete, porém sem o diadema semilunar. As orelheiras circulares, colares, braceletes, peitorais, vão se agregando naqueles que têm os cargos mais altos. Estamos de acordo com a tese do autor e acreditamos, por isso mesmo, que os músicos, assim como guerreiros, oficiantes e sacerdotes, pertencem a graus hierárquicos diferentes dependendo do tipo de atividade em que atuam. Sob nossa perspectiva, estes personagens não devem ser categorizados simplesmente como “músicos”, tão somente por aparecerem 183 associados a instrumentos sonoros. Tal simplificação não é suficiente para explicar a função que a música e seus tocadores cumpriam no mundo cerimonial mochica. O mais seguro é que estes personagens representem sacerdotes ou “oficiantes”, na nomenclatura proposta por Makowski (1994: 5556) para designar personagens que cumprem papéis intermediadores centrais relacionados aos cultos de caráter oficial: El contenido narrativo permite definir a los personajes de túnica larga como oficiantes. No combaten, no cazan, no pescan, ni recolectan caracoles terrestres; el baile y el acompañamiento musical son las únicas actividades colectivas en las cuales toman parte activa (...). Asumen más bien roles protagónicos en los momentos culminantes de las ceremonias cuando el acto realizado implica una comunicación directa con el numen. (Makowski, 1994: 56) Parece claro que a música, dentro de contextos cerimoniais, ocupou um papel preponderante no período Moche Médio, o qual Uceda (2010: 134) denomina “O primeiro período Moche”. Neste momento (aproximadamente entre 100 e 600 d.C.) o templo antigo da Huaca de la Luna foi cenário de atuação cerimonial de indivíduos de poder e as escavações certificam o altíssimo status das elites religiosas do período, muito similares às representações iconográficas desta fase (ibid.). Este perfil cerimonial de espetáculo, próprio desta época, deve ter exigido uma maior atenção à produção de sonoridades, um elemento talvez indispensável ao grau de “teatralização” do ritual oficiado pelos sacerdotes. Quanto à inserção dos músicos oficiais dentro da perspectiva da territorialidade moche, é interessante notar que ainda que as tumbas de Sipán se encontrem no contexto Moche Norte, os indivíduos e instrumentos sonoros encontrados nas tumbas têm relação com a iconografia das vasilhas provenientes de contextos arqueológicos da região Moche Sul, o que aponta para o protagonismo social destes personagens em ambas as regiões. Porém, enquanto na região Moche Sul os músicos com atributos de Sacerdotes Guerreiros ocuparam um papel preponderante nas representações iconográficas, na região Moche Norte eles se encontram presentes nos enterramentos, embora ali a cerâmica prescinda de suas representações. Alguns 184 instrumentos sonoros, como o tambor em formato de ampulheta aparecem na maior parte das vezes na iconografia Moche Norte, apontando para a existência de algumas diferenças regionais quanto à organologia, embora os instrumentos principais, como antaras, quenas, pututos e tinyas estivessem presentes em ambas as esferas mochica. Cronologicamente, as representações iconográficas deste tipo de músico na cerâmica coincidem com o período em que foram enterrados os “músicos de Sipán”. A tumba 15, do chamado Jovem Guerreiro, é a mais antiga, pertencente ao período Moche Inicial. É muito anterior a todos os outros indivíduos encontrados em Sipán e não continha instrumentos sonoros. A tumba 16, do Senhor Guerreiro, encontrado com o pututo, é correspondente ao período Moche Médio, bem como a do Guerreiro Músico da Tumba 5. Já o Sacerdote Guerreiro, da tumba 14, estava na mesma camada do Senhor de Sipán, pertencendo à fase mais recente desta construção (Chero, 2013: 40). O Senhor de Sipán, persona social do Senhor Solar e o Senhor da Tumba 14, persona social do Senhor Noturno foram encontrados na mesma fase arquitetônica do edifício, correspondente ao período Moche Médio. Isso demonstra o alto grau de normatização e a importância destes papéis sociais neste período, dada a ênfase que eles têm na iconografia da região Moche Sul. O fato de estarem associados a diferentes instrumentos sonoros, tanto na iconografia quanto em contextos de enterramento, é de grande relevância para compreendermos o lugar que ocupava a produção sonora neste momento. O Senhor de Sipán não trazia instrumentos sonoros como aerofones em sua tumba, mas apresentava idiofones de entrechoque em sua vestimenta, como vimos anteriormente. Não por acaso, as imagens de Senhores Solares tocando instrumentos enfatizam idiofones e chocalhos. Fica claro que instrumentos sonoros passam a ser associados aos indivíduos de poder político-religioso no Período Médio. As peças com Sacerdotes Guerreiros tocando instrumentos pertencem ao período Médio na maior parte das vezes e, em alguns casos, ao período Moche Tardio. Os únicos músicos de tipo oficial que aparecem mais em forma pictórica que em escultórica são os acompanhantes (tabela III.VI), devido à grande quantidade de cenas de danças, batalhas e procissões típicas das fases IV e V. Todos os outros tipos aparecem maiormente em forma escultórica, 185 especialmente em vasos de alça estribo e artefatos de pequeno porte, como apitos e estatuetas (tabela III.IX). Encontramos em nossa amostragem algumas peças “únicas”, isto é, sem nenhuma semelhança com as peças em moldes típicas do período Médio ou com seus temas específicos. Elas demonstram, principalmente, particularidades na produção musical de alguns vales. Acreditamos que houvesse músicos oficiais, ligados às cerimonias dos governantes mochica, mas que, regionalmente, houvesse também uma diversidade de costumes musicais não ligados a nenhuma forma de poder oficial, que fica muito clara nas peças com traços locais, pertencentes ao período de ocupação mochica de alguns vales, como Jequetepeque (M604, prancha 19) ou os vales ancashinos, como Santa e Nepeña (M062, prancha 28 e todas as peças das pranchas 30 e 45). Outra peça única que encontramos, proveniente do Vale do Virú, foi o Tomador de Coca flautista (prancha 23). Como mencionamos anteriormente é possível que esta peça tenha sido produzida na fase III, por suas características morfológicas. Nas fases III e IV são comuns vasilhas com Tomadores de Coca como proeminentes personagens de poder, sentados em tronos e cravejados com pedras semipreciosas ou madrepérola (prancha 26), em representações mais simples (pranchas 24 e 25) ou atuando em narrativas de linha fina (prancha 24). Não encontramos nenhuma peça típica do período Médio com Tomadores de Coca músicos, apenas a peça aqui citada, cujos traços não remetem a uma peça Moche IV clássica. Encontramos mais uma peça com Tomador de Coca músico no Arquivo Moche da Dumbarton Oaks36. Ele estava associado a um pututo. As peças que sempre se repetem, especialmente com representações em linha fina, apitos, estatuetas e vasos de alça estribo com músicos escultóricos apontam para uma produção sonora mochica oficial e normatizada em todos os vales, conectada fortemente aos personagens de poder mais proeminentes do Período Médio, como o Senhor Noturno, o Senhor Solar e as Sacerdotisas, com todos os seus acompanhantes, muitas vezes também músicos. 36 A imagem desta peça não pode ser publicada. 186 Os exemplos observados em nossa análise parecem demonstrar que determinados instrumentos sonoros estão associados a papéis sociais específicos, reservados a indivíduos que concentram funções importantes nas esferas do poder político-religioso mochica. Antaras aparecem associadas a Senhores Noturnos e personagens relacionados à coruja e ao mundo noturno, ressaltando a conexão deste instrumento com o hurin. Quenas, tocadas por guerreiros e músicos acompanhantes aparentam ter relação com a virilidade e a força masculina, dando o tom para celebrações ligadas ao hanan, como as Danças de Guerreiros. Sacerdotisas estão ligadas a idiofones, enquanto mulheres de menor status tocam tinyas. Podemos dizer, portanto, que encontramos uma coerência entre instrumentos sonoros e personalidades iconográficas, mas não uma hierarquia entre instrumentos sonoros refletida nos papéis sociais, já que Senhores Solares podem tocar chocalhos sendo acompanhados por quenistas de menor status (como na prancha 50). Poderíamos nos perguntar quais são os limites entre o natural e o sobrenatural em algumas das peças que consideramos como representativas de músicos oficiais, já que alguns atributos sobrenaturais aparecem em meio a oficiantes e Sacerdotes Guerreiros. Na prancha 3, por exemplo, todos os Senhores Noturnos tocando chocalhos apresentam presas na boca, e a peça M638 (prancha 15) apresenta uma raposa antropomorfizada com atributos de Senhor Solar. Apresentam presas também, os personagens M043 e M044, da prancha 16, bem como a Sacerdotisa M368 na prancha 28. Mas, afinal, o que simbolizam as presas, dentre outros atributos não humanos? Não há dúvida de que estes seres de poder, como discutido ao longo de todo este capítulo, apresentam conexões profundas com suas contrapartes sobrenaturais, apropriando-se de seus atributos em muitos momentos das narrativas mochica. No capítulo seguinte verificaremos o mundo dos músicos sobrenaturais e seus atributos particulares, notando que os limites entre oficiantes, sacerdotes, guerreiros e divindades, bem como os seres viventes e os seres desencarnados, são muito mais tênues do que havíamos inicialmente concebido. 187 Capítulo IV Os Músicos Sobrenaturais e os Sons do Mais Além ... that`s why we play. So as to make food grow for us here in this place, that`s why. (Remejío Beltrán apud Stobart, 2006: 49) A iconografia mochica está inserida em um tipo de manifestação artística que marca muitas das iconografias do Formativo e do Intermediário Inicial Andino, caracterizada pela presença de uma grande quantidade de atributos ligados à esfera do sobrenatural. Nessas expressões artísticas são recorrentes as representações de animais e plantas que transcendem as formas naturalistas, mesclando-se desordenadamente e gerando uma miríade de seres antropozoomorfos e sobrenaturais. Makowski (1994: 55) denomina tal particularidade princípio de hibridização, considerando que essas iconografias são abundantes em elementos que se agrupam e desagrupam em uma significativa quantidade de suportes artefactuais, apresentando uma lógica de composição baseada em preceitos particulares da cosmovisão andina (La Chioma, 2013: 51): Uno de los principales recursos formales con que contaban los tejedores y los pintores para expresar contenidos narrativos complejos y conceptos esenciales de sus creencias religiosas puede definirse como el principio de hibridación. Elementos corporales de varias especies de animales y plantas, de seres humanos, partes de vestidos y objetos de culto, suelen combinarse de manera a menudo sorprendente. La composición adopta la lógica del sueño, o del trance extático bajo el efecto de prolongadas danzas y/o de alucinógenos. Los objetos y los seres son y no son. Su apariencia revela, a través de los detalles, nexos ocultos con otros aspectos de la realidad. (Makowski 2000: 279) 188 Divindades, plantas e animais antropomorfizados compartilham traços do entorno natural, fundamento essencial deste tipo de produção artística. Segundo Bawden (2004: 116), as forças naturais, sejam de caráter destrutivo (desastres, El Niños, inundações e secas), ou criador (a água que permite a irrigação, a geração e o crescimento dos alimentos, a reprodução dos homens e dos animais), moldaram as expressões culturais dos grupos andinos, bem como o sistema de crenças por eles estabelecido para ordenar suas vidas sociais e políticas. Os princípios cosmológicos desses povos se fundamentavam nas forças naturais, como discutimos em nossa dissertação de Mestrado (La Chioma, 2012: 62): Given the powerlessness of coastal inhabitants to materially control the destructive forces of their world, it is no mystery that they confronted them in the supernatural sphere. Powerful natural phenomena were innately accepted as manifestations of spiritual forces and were mediated through religious conception and practice. Myths explained the origins and meaning of the ever-present environmental forces and ordered their relationship with human society. Rituals repeatedly manifested these myths in daily life, reaffirming and enacting the cosmological system in which humans and natural world alike had appointed places and mobilizing supernatural forces in human behalf (Bawden, 2004: 117). Na iconografia mochica todos os temas aparentemente ligados ao Kay Pacha e ao mundo natural têm suas contrapartes sobrenaturais. Assim, plantas e animais não são apenas representados em forma naturalista, mas também em suas formas sobrenaturais e, em muitas vezes, atuando em narrativas complexas pintadas em linha fina. Cerimônias, batalhas, danças e outras atividades presentes no repertório iconográfico envolvendo “humanos”, também são representadas de forma extraordinária, envolvendo mortos, divindades e seres híbridos. Também as representações de músicos seguem esta tendência, apresentando grande variedade de representações em forma sobrenatural. Em nossa análise encontramos diversos grupos de músicos ligados ao âmbito sobrenatural, e os organizamos em três grupos principais, os quais conformam as três partes que compõem este capítulo: 189 Parte I. Divindades; Parte II. Antropozoomorfos e Fitomorfos; Parte III. Os Mortos e o Inframundo Ao longo deste capítulo detalharemos a análise desses músicos, relacionando-os com as ontologias andinas. Parte I: Divindades Como assinalado anteriormente, a iconografia mochica apresenta os mais diversos seres que atuam em narrativas de propiciação, fertilidade, disputa, reprodução, cerimônias etc. Uma grande quantidade desses seres é formada por personagens em forma primordialmente antropomorfa, mas que apresentam importantes atributos sobrenaturais (Hocquenghem, 1987: 201). Eles aparecem tanto em forma pictórica quanto escultórica e têm sido interpretados por estudiosos como divindades: Gods and other supernaturals can be identified by physical traits, clothing, and accessories, and by context and activity. These elements may change through time, place, politico-religious context, and varying encounters in narrative. (Benson, 2012: 29) Os atributos considerados sobrenaturais distribuídos nas vasilhas escultóricas, bem como nas cenas e narrativas mochicas, inibem a identificação de personagens de forma rigidamente padronizada (La Chioma, 2012). Apesar de haver uma coerência de atributos que permitam a identificação de personagens ou indivíduos específicos, detalhes podem variar de acordo com a região e o atelier onde a peça foi produzida: No cabe duda de que para los moche existía una serie de “seres de poder” que poblaban sus mitos y los esquemas de un mundo construido en oposiciones complementarias entre los espacios y tiempos. La forma más simple de reconocer en las pinturas y esculturas a los “seres de poder” (kamaq en quechua) o a las 190 divinidades, es por medio de los atributos con los cuales aparecen en los íconos (...) si uno quiere entender la lógica de las representaciones, es imprescindible su identificación y la de sus atributos (Gölte, 2009: 69). As divindades fundamentais identificáveis na iconografia, geralmente por uma hibridização de atributos e elementos que lhes conferem caráter sobrenatural37 (Makowski, 2000: 279; Golte, 2009: 69; Benson, 2012: 29; La Chioma, 2012: 78), certamente estão relacionadas à origem cosmológica dos povos mochicas. Como vimos no Capítulo I, a cosmovisão andina tem como um de seus princípios fundamentais a atribuição de linhagens e grupos consanguíneos a seres sobrenaturais e lugares de origem específicos, denominados paqarinas. Segundo Gölte (2009: 71) é uma característica básica da cosmovisão mochica que os seres sejam todos descendentes de seres primordiais, pois há um mundo fundacional (que rege o pensamento andino): A ideia bíblica e monoteísta de divindades criadoras, presente nas crônicas espanholas, resultou da compreensão que os conquistadores tiveram com respeito à religiosidade andina (Rostworovski, 2000: 13). As grandes responsáveis pela criação da espécie humana na cosmologia andina teriam sido, de acordo com Rostworovski, as pacariscas ou lugares de origem que, nas palavras da estudiosa: fizeram brotar os homens (ibid). Cada vez mais os estudos de Makowski, Gölte (feitos com base na iconografia Mochica e, em menor grau, Nasca) e Rostworovski (feitos com base em fontes históricas do período da conquista) apontam para uma diversificação de divindades e personagens míticos nos Andes, os quais sofrem constantes mutações ao longo de narrativas complexas, ao contrário de uma divindade criadora única e todo-poderosa com personalidade iconográfica imutável. Essa era a hipótese central de estudiosos mais antigos como Tello e Larco, que consideraram personagens da iconografia Pré-Inca como os mesmos que haviam sido registrados nas crônicas espanholas com nomenclaturas como Ai Apaec, Wiracocha, Tunupa, Kon, 37 As divindades são identificáveis na iconografia Mochica e Nasca geralmente por essa hibridização. Os vários elementos dotam os seres com qualidades e poderes que, conjuntamente, constituem seu próprio camac, ou energia vital. Este camac também existe nos seres humanos, porém em menor grau e foi oferecido aos homens pelas divindades por meio da ancestralidade (Gölte, 2009: 21). Divindades compartilham seus atributos e poderes mágicos com seres humanos importantes que servem de mediadores entre o plano terreno e o hanan. (La Chioma, 2012: 78). 191 Pachacamac etc. (Makowski, 2005: 47). A cerâmica ritual, por constituir parte integrante das práticas litúrgicas e mortuárias, se vincula profundamente a temas míticos e, nos casos Mochica e Nasca, a personagens de poder; mormente seres fantásticos e divindades exaustivamente debatidas nos estudos iconográficos. Esses seres podem ser representados de formas variadas na iconografia sofrendo modificações em seus atributos, os quais dependem, por sua vez, do momento ou experiência da qual participam na narrativa (La Chioma, 2012: 78). Em nossa amostragem encontramos dois tipos de divindades associadas a instrumentos sonoros: A Divindade Intermediadora de Gölte (1994, 2009), conhecida em geral como Ai Apaec (Larco, 1938), Cara Enrugada (Donnan, 1978), Gêmeo terrestre/marinho (Hoquenghem, 1989) ou Divindade F (Berezkin, 1980), e a Divindade da Terra (Gölte, 2009:142). IV.I.A. Ai Apaec Para Rafael Larco a divindade com presas de felino, característica do repertório iconográfico mochica, e em menor medida presente na iconografia Cupisnique (Cordy Collins, 2001b: 21; Benson, 2012: 61), teria sido o principal foco de adoração religiosa tanto no período Formativo quanto no período subsequente, o Intermediário Inicial, quando passou a ser antropomorfizada e a carregar diversos atributos de poder. De acordo com Larco, ela seria a representação do “criador supremo” (Larco, 2001, I (1938): 272-273). 38 Larco nomeou a divindade mochica com presas de Ai Apaec segundo a denominação que os trabalhadores de sua fazenda davam às representações destes personagens (Gölte, 2009: 69). Esta é uma palavra do idioma muchik, próprio da costa norte e ainda em uso, que teria sido empregada no período colonial para a catequização a fim de designar o Deus Criador, tendo se convertido em uma palavra genérica usada para designar Deus. (ibid) 38 De la misma manera se acentúa esta unidad en las diversas representaciones del felino cuya antropomorfización llega al límite, cuando su origen es delatado únicamente por los grandes colmillos que sobresalen de los labios. Este motivo no es sino la representación de la divinidad visible que simboliza la encarnación del ser supremo en el hombre y que está al alcance de todos los seres terrenales; que se encuentra en todas las actividades de la vida, y que la lengua mochica la denomina: Ai Apaec o “Hacedor”. (Larco, 2001, I (1938): 273) 192 O cronista Fernando de la Carrera em 1644 (Arte de la lengua Yunga) já fazia referência a duas divindades da costa norte: Ai Apaec (“O Fazedor”) e Chicopaec (“O Criador”) (Rostworovski, 2000: 56; Makowski, 2005: 17). O último estaria relacionado ao conceito de força vital ou camac, enquanto Ai Apaec seria a divindade celeste, cuja influência e poder se daria sobre o mundo Moche (plantas, astros, homens e animais). (Rostworovski, 2000: 56) Em nível de atributos iconográficos, Ai Apaec apresenta como principal semema as presas, possivelmente associadas aos felinos, mas que também podem identificar outros animais (Bars, 2010). Presas conformam um atributo importante na iconografia mochica, identificando tanto animais quanto seres sobrenaturais e/ ou divindades (Benson, 2012: 61). Os brincos e cintos com cabeça de serpente estão entre seus atributos principais. Ai Apaec muitas vezes apresenta rosto enrugado, mãos em posição de oração ou súplica, toucados elaborados, especialmente de coruja ou mamífero, colares, túnicas e braceletes. Nas narrativas pictóricas aparece frequentemente acompanhado de um iguana e/ ou cão. É possível observar na cerâmica ritual que a divindade se antropomorfiza a tal nível nas fases III e IV que passa a ser representada à maneira dos personagens de poder político-religioso do mundo Moche, tão celebrados e reproduzidos neste período e analisados no capítulo anterior. A partir deste momento quase não se percebem os limites entre a divindade e o indivíduo paramentado com seus atributos e qualidades. Para Benson (2012:61) a divindade com presas Cupisnique evoluiu para os seres sobrenaturais com variações regionais e temporais na era Moche, gerando o personagem com cintos de serpente na região Moche Sul e a Divindade Decapitadora na região Moche Norte. Essa teria se tornado a divindade da guerra e do sacrifício relacionada à coruja (fig. IV.1). 193 Fig. IV.1. Representação de Ai Apaec escultórico, com presas e atributos de coruja (toucado e túnica). Museu Larco, Lima. Fig. IV.2. Representação de Ai Apaec pictórico, com presas, camisa de pirâmide invertida, brincos e cintos de serpente. Museu Larco, Lima. Os atributos descritos não aparecem em todas as representações de Ai Apaec, podendo variar. Gölte (2009: 74) acredita que essa ocorrência se deve ao fato de que as divindades maiores cumprem suas atribuições dentro de um ciclo temporal e calendárico 39. Desta forma, a cada momento da narrativa o mesmo personagem trocaria de ambiente, de atributos e de função. Aqueles que em algum momento estiveram no hanan passam ao hurin como uma temporalidade invertida (ibid.). Por esta razão Gölte rebate a denominação Ai Apaec, substituindo-a por Divindade Intermediadora: 39 Se desplazan entre los espacios del modelo cosmológico según las épocas del año. (Gölte, 2009: 74) 194 La divinidad intermediadora probablemente se ubicaría originalmente en el punto liminal entre el mundo de arriba diurno y la superficie de la tierra, pero (...) también se desplaza al mundo de abajo, por el mundo marino e por el mundo nocturno. De esa forma se hace presente en todos los ámbitos. (Gölte, 2009: 74) Para Gölte, as mudanças que a Divindade Intermediadora sofre nas representações iconográficas simulam fortemente os conceitos de alto e baixo, de encontro e das relações espaço-temporais presentes na cosmovisão andina: Todos esos cambios espaciales en el tiempo deben de haber sido altamente significativos para los diversos grupos de los moche, no solo porque significaban potencialmente encuentros entre fuerzas opuestas y complementarias, sino porque eran momentos en los cuales se tenía que reforzar a los seres supremos, es decir eran épocas para ofrendarles. Esto a su vez tiene que haber tenido un aspecto de responsabilidades y enfrentamientos intrasociales, ya que los grupos sociales se sentían vinculados parentalmente con las mismas Divinidades en grados de parentesco diversos. (Gölte, 2009: 74) A própria camisa da divindade, ora com as pirâmides escalonadas na posição normal, ora em posição invertida, expressaria situações de inversão e contato constante com os dois mundos (ibid: 181). Segundo Gölte (ibid.: 74) seria possível verificar o parentesco entre divindades na iconografia, visto que a ascendência paterna se expressaria nos toucados, e a materna nos cintos. Devido às alterações constantes de seus atributos e papéis nas narrativas mochica, cada autor denomina a divindade com presas, cinto e brincos de serpente de forma diferente. Larco o denominava Ai Apaec, Gölte (2009:74) o denomina Divindade Intermediadora de acordo com suas interpretações iconográficas, Makowski (1996: 60-63) adota os termos cunhados por Hocquenghem (1987: 184): O Gêmeo Marinho (quando aparece no inframundo e no mar) e O Gêmeo Terrestre, quando atua no hanan. Berezkin usou o termo Divindade F, Benson (2012: 61), a Divindade do Cinto de Serpente (Snake Belt God) e Donnan, Cara Enrugada (Wrinkle Face). Em nossa dissertação de Mestrado (La Chioma, 2012: 79) havíamos adotado o 195 termo de Gölte. Entretanto, essas nomenclaturas se dão em razão de interpretações muito específicas e não desejamos adotar uma em particular, razão pela qual utilizaremos o vocábulo da língua muchik: Ai Apaec. O Ai Apaec tradicional tem os atributos já mencionados: presas, brincos de serpente, cintos de serpente e camisa de pirâmide escalonada (invertida ou normal, dependendo da situação em que aparece retratado). Entretanto, nossos dados mostram um hibridismo de sememas muito maior em relação a esta divindade. Por uma irregularidade significativa de associação de atributos, devida às várias transformações sofridas por esta divindade no repertório narrativo mochica, as associações entre seus atributos não são tão coesas como as de outras categorias de personagens analisadas em nossa pesquisa. Em nossa amostra, consideramos como Ai Apaecs os personagens com presas associadas a qualquer um dos outros atributos conferidos a ele (como o cinto ou brincos de serpente, rosto enrugado e associação a iguana ou cão). A autoridade desses seres ancestrais, antepassados míticos, é absoluta e está fundamentada em suas presas e serpentes associadas (Hocquenghem, 1987: 208). Para Hocquenghem, presas e serpentes são signos das forças que animam esses seres míticos, indicando seu camac ou o poder imortal dos ancestrais (ibid.). Em nosso corpo de dados encontramos Ai Apaecs músicos, associados a várias categorias organológicas. Ai Apaecs estão associados a quatro tipos de instrumentos sonoros: antaras, pututos, tinyas e chocalhos de tipo suspenso conjugado (gráfico IV.I). Todas as categorias organológicas (aerofones, membranofones e idiofones) estão representadas na amostra (gráfico IV.II). Os aerofones, representados majoritariamente por antaras, correspondem à maior parte dos instrumentos tocados por Ai Apaecs, correspondendo a 60% da amostra. Os outros 40% estão divididos igualmente entre membranofones e idiofones. A distribuição de Ai Apaecs por tipo de suporte artefactual (gráfico IV.IV) demonstra que a maior parte desta categoria de músicos foi representada em vasos de alça estribo, seguidos por apitos e cântaros. Nos vasos de alça estribo, foram representados 70% das vezes nos bojos escultóricos dos vasos, e 20% das vezes nos apliques escultóricos. Ai Apaecs músicos são 196 representados majoritariamente de forma escultórica (gráfico IV.III), e em vasos de alça estribo. Os Ai Apaecs da prancha 68 se encontram representados em posição deitada sobre um motivo espiralado que pode representar uma onda marinha ou manta. Os peixes life representados na manta da peça M059 assinalam um contexto marinho. Ambos apresentam os atributos clássicos da divindade: presas, cara enrugada, braceletes e brincos de serpente. Em nossa dissertação de mestrado (La Chioma, 2012: 81) interpretamos esses personagens como os Ai Apaecs ligados ao inframundo, chamados por Hocquenghem de “Gêmeo Marinho”, em contraposição aos do mundo diurno, chamados de “Gêmeo Terrestre”. O vaso de alça estribo M059 não parece pertencer ao período Moche Médio, apresentando características morfológicas de fase III. Os vasos da prancha seguinte, 69, parecem pertencer à fase IV, e mostram Ai Apaecs associados a pututos. Um deles (M141) apresenta no lugar das pernas apêndices que parecem pertencer a algum animal marinho, possivelmente a lula. Referências marinhas aparecem também na prancha 70, com representações de Ai Apaecs tocando antaras e pututos em apitos. O personagem da peça M042 apresenta tentáculos de anêmona em seu corpo. A prancha 73 tem Ai Apaecs não músicos associados a pututos. Um deles, na representação em linha fina, tem características híbridas zoomorfas, com cauda, garras, orelha de felino, língua bífida, etc. Este personagem é chamado na bibliografia de Monstro Strombus (Bourget, 2006: 208) sendo um dos personagens marinhos mais importantes nas representações iconográficas da fase IV. Geralmente aparecem como adversários de Ai Apaec. O único Ai Apaec que aparece tocando um idiofone em nossa amostragem é o da prancha 74. Ele tem o formato de montanha, muito presente em representações escultóricas do período Médio 40, e toca um idiofone de tipo suspenso conjugado. Segura outro objeto na mão esquerda, classificado como clava pelo Museu Larco. Acreditamos que pode ser outro tipo de idiofone, pois ao vermos a peça em alta resolução podemos observar que o objeto é formado por uma esfera e uma haste. 40 Ver no Catálogo Online do Museu Larco as peças ML001981, ML002269, ML002270, ML002134, ML001752, ML001715, ML003091, ML003095 etc. 197 Apenas uma peça dessa amostragem apresenta proveniência de escavação (prancha 75). É um cântaro Moche Tardio com um personagem com atributos de Ai Apaec tocando tinya, encontrado na tumba M-U30 (de uma sacerdotisa) em San Jose de Moro, vale de Jequetepeque e, portanto, região Moche Norte. A peça ao lado, na mesma prancha (M637) também é proveniente do Vale do Jequetepeque, segundo as informações de proveniência cadastradas no Museu Larco. Com base nestes dados e por não termos encontrado nenhuma imagem escultórica representando Ai Apaecs tocando tinyas de estilo Moche Sul e fase IV sugerimos este tipo de representação passa a ser importante no Vale do Jequetepeque no período Moche Tardio. As peças restantes não apresentam referência de proveniência, e 93% da amostra é de estilo Moche Sul. Por volta de 80% da amostra corresponde à fase IV. A presença de poucas peças Fase III 41 sugerem que as representações de Ai Apaecs músicos começam a surgir na iconografia na fase imediatamente anterior ao período Médio, para então se tornarem recorrentes na fase IV. IV.I.A.I. Análise de atributos Os atributos analisados na amostragem de Ai Apaecs foram: toucados, presas, brincos e “orelheiras”, cintos e rugas no rosto. Ai Apaecs músicos apresentam em geral dois tipos fundamentais de toucados, os de Diadema Semicircular e os de Diadema Semilunar, podendo ou não vir acompanhados de aplique de cabeça de animal: Toucados com Diadema Semicircular: Como é possível verificar nas pranchas 68, 69 e 75, podem ou não conter aplique de cabeça de animal. Toucados com Diadema em V: Como vimos no capítulo III é o toucado clássico do Senhor Noturno e dos personagens associados à coruja. Como os toucados de diadema semicircular, podem ou não vir acompanhados de aplique de cabeça de animal. Observamos este tipo de toucado na prancha 70 41 Um total de quatro peças, sendo duas efetivamente de estilo Fase III e duas que podem ser consideradas uma transição de estilo III/IV. 198 (M042 e M123). No caso, M042 também apresenta penachos traseiros que compõem o toucado. Toucados de animal sem diadema: Encontramos apenas dois exemplos deste tipo de toucado. Um em forma escultórica, com o aplique de cabeça de animal quebrado (pranchas 68, M026) e um em forma pictórica (prancha 72). Sem Toucado: Há ocorrência de Ai Apaecs sem toucados, como se verifica nas pranchas 70 (M045), 71 e 74. O gráfico IV.V mostra a distribuição de partes de toucados entre Ai Apaecs músicos. Estas partes podem estar associadas de maneiras variadas, compondo um toucado completo. A grande maioria destes músicos apresenta toucado com diadema semicircular e aplique de cabeça de animal. Há uma significativa presença de Ai Apaecs sem toucado. As presas, semema mais importante atribuído a Ai Apaec, estão presentes em 100% de nossa amostra (Pranchas 68 a 75). Brincos de serpente aparecem ao menos em metade da amostra. Na peça M387 (prancha 74) a serpente não está presente na forma de cinto, mas está associada ao personagem, volteando-o. Apenas as peças M059 (Prancha 69) e M145 (Prancha 73) apresentam os cães que acompanham esta divindade. Um dos sememas muitas vezes associados a Ai Apaec no repertório iconográfico moche são as rugas no rosto, tanto que Donnan (1978) o denomina Cara Enrugada. Segundo Benson (2012: 61) as rugas podem demonstrar envelhecimento ou presença em ambiente aquático. Ai Apaecs com este semema aparecem de forma mais ampla na fase V (ibid.). Em nossa amostragem este semema está presente nas pranchas 69 e 70. No grupo de imagens denominado por alguns especialistas de Mundo Horroroso (Pranchas 75 e 76) o âmbito marinho e noturno evidenciado pelo bojo das peças apresenta aves marinhas, lobos marinhos, corujas e peixes, porém não aparecem o cão e a iguana, geralmente relacionados a Ai Apaec. Alguns personagens contendo presas não foram inseridos na amostra de Ai Apaecs por não apresentarem nenhum outro atributo que caracterizasse a divindade. Para considerarmos um personagem como um Ai Apaec, ele deve ter dois ou mais atributos da divindade (presas, cara enrugada, brincos de serpente, cintos de serpente, etc). Na prancha 3, todos os apitos com representações de Sacerdotes Guerreiros apresentam presas. Entretanto, 199 apenas por este atributo não podemos considerá-los como divindades ou Ai Apaecs propriamente ditos. A associação a guerreiros também é observada na prancha 16 (M043, M044) e 17 (M409). Esses personagens estão classificados em nossa pesquisa como músicos oficiais, Sacerdotes Guerreiros, analisados no Capítulo III. O fato de apresentarem presas mostra a fluidez existente entre o natural e o sobrenatural na iconografia Mochica, com personagens compartilhando traços de outros planos da existência. Eles provavelmente atuam no plano humano, mas enquanto indivíduos de poder apresentam os atributos que demonstram sua conexão com o camaq e com qualidades pertencentes às divindades. Voltaremos a esta discussão no capítulo V, quando trataremos dos músicos que intermedeiam as relações entre os vários planos. IV.I.A.II. Análise Temática Em toda a amostra, há apenas duas peças com cenas pictóricas em linha fina representando Ai Apaecs associados a instrumentos sonoros. Em apenas uma delas as divindades de fato tocam o instrumento. O vaso campanulado do Museu Larco (prancha 71) cuja borda apresenta uma cena complexa na qual interagem vários personagens é uma das peças mais representativas do repertório iconográfico do período Moche Médio. Vários autores já se debruçaram sobre esta peça, levantando distintas – e variadas – interpretações (Castillo, 1994; Gölte, 2009; Benson, 2012). Em sua análise cosmológica da morfologia cerâmica moche Gölte (2009: 100) considera que, ao apresentarem bordas que se abrem para cima, os vasos campanulados significariam a busca de comunicação com o hanan. Essa é mais uma das muitas sequências narrativas estampadas em vasos da fase IV nas quais Ai Apaec aparece em confronto com monstros e aves marinhas. Para Gölte (2009:330), a cara enrugada da divindade em alguns momentos da narrativa se daria pelo processo de envelhecimento resultante de suas peripécias. O desenho de Gölte, com os números de 1 a 5 (Prancha 71), mostra a sequência narrativa da representação segundo o autor. Para fins de descrição e análise da imagem, vamos utilizá-la, lembrando que nossa interpretação não 200 é a mesma do antropólogo, como se verá adiante. O número 1 mostra a batalha entre Ai Apaec e o Senhor Noturno. O primeiro tem como atributos o toucado de mamífero com plumas traseiras e sem diadema frontal, bem como uma camisa negra com pirâmide escalonada invertida em branco e o cinto de serpentes. Carrega um tumi (faca sacrificial) e uma bolsa em tons claros, enquanto seu oponente, com camisa de placas de metal e toucado com diadema em V, segura um tumi e uma bolsa em tom escuro. Aqui parece nítida a contraposição entre um personagem do hanan (Ai Apaec) e outro do hurin (Senhor Noturno). No momento seguinte um segundo Ai Apaec com os mesmos atributos do primeiro, porém com cara enrugada, luta com o ser esférico Octopus, que parece ter tomado sua bolsinha branca. Aparece o cão ao lado desta dupla e, no momento 3, Ai Apaec é carregado por duas aves marinhas. A divindade agora apresenta atributos diferentes: a camisa é clara com a pirâmide escalonada escura e o toucado é de coruja, animal noturno, e com diadema em V. Na cena 4, Ai Apaec, com estes mesmos atributos, luta com o Peixe de Cabelo Partido. É interessante notar que agora seu tumi, assim como o de seu oponente, é escuro. Finalmente, na cena final (5) dois Ai Apaecs sem toucados tocam antaras, uma com seis e uma com sete tubos. Ambos têm camisa clara com pirâmide escalonada invertida escura, brincos e cintos de serpente. Um personagem toca tinya entre eles. Gölte vê a imagem como uma narrativa, na qual as cenas adviriam em sequência. As antaras representariam, segundo ele, o final da narrativa e a entrada da divindade no inframundo, provavelmente após morrer nas lutas (Gölte, 2009: 342). Outra hipótese levantada por Gölte é que uma das metades do vaso mostre a divindade como vencedora e a outra metade a mostre como perdedora das batalhas (ibid.:352). Já Benson (2012: 68) vê uma narrativa cíclica na qual a divindade sempre morre e renasce na manhã seguinte. Nossa leitura desta imagem parte, como não poderia deixar de ser, dos músicos como foco principal. Como já observado no Capítulo III, as antaras no mundo andino funcionam como mediadoras das relações entre duas esferas opostas, seja entre dois planos da existência ou dois moieties 42, com cada músico representando um dos dois lados da comunidade. 42 Moieties, plural do vocábulo moiety, significa as duas partes ou metades que conformam um todo na cosmovisão andina. Ver Platt, 1986: 245 e Moseley, 1992: 76. 201 Levando em conta este significado cosmológico, a nosso ver nesta cena todas as atividades se dão ao mesmo tempo e os antaristas separam a cena entre dois moieties ou parcialidades distintas. É nítido que existem dois grupos de Ai Apaecs divididos exatamente pelos músicos e pelo cão: em um grupo predominam os atributos do hanan: os tumis são de cores claras, os toucados não possuem diademas e a pirâmide escalonada invertida na camisa é clara. Já o outro grupo apresenta atributos do hurin: os Ai Apaecs apresentam o toucado com diadema em V, próprio dos senhores noturnos, os tumis são escuros, e a pirâmide escalonada invertida da camisa é escura. No repertório iconográfico de lutas entre Ai Apaec e os seres do inframundo é possível verificar que o cão sempre está posicionado entre os dois combatentes, como que de fato dividindo os dois moieties (ver Gölte, 2009: figs. 13.17, 13.23, 13.24, 13.27 e p. 354 -356). Outra hipótese é que a narrativa mostre apenas dois Ai Apaecs que vão passando cada um por seus combates, até chegarem ao final e enfrentarem-se com antaras. O fato de não apresentarem toucado pode dar a entender que perderam suas lutas contra os seres do inframundo. Para Gölte (2009: 344), todos esses combates estão relacionados a disputas e tinkus entre diferentes linhagens. Sua linha interpretativa da iconografia moche reitera a todo momento que as imagens são imbuídas do conceito de tinku, e que nelas sempre ocorre um encontro entre o acima e o abaixo, enfoque com o qual estamos de acordo. A segunda cena pintada em linha fina (prancha 72) faz parte do Arquivo Moche da Dumbarton Oaks. O vaso original se encontra em uma coleção privada na Suíça, mas as fotografias do Arquivo Moche mostram que se trata de um vaso de alça estribo com bojo comum e estilo fase IV. A representação faz referência a uma luta entre Ai Apaec e seu acompanhante Iguana na qual ambos estão munidos de tumis. Duas quenas unidas por uma corda pairam entre eles, aludindo à possibilidade de estes instrumentos pertencerem a estes personagens e possivelmente serem tocados por eles conjuntamente em algum momento da narrativa. Foi a única peça encontrada associando Ai Apaecs a quenas. Voltaremos a esta peça ainda neste capítulo. 202 IV.I.B. A Divindade da Terra As pranchas 76 e 77 exibem algumas vasilhas com bojos escultóricos, tanto de alça estribo quanto de alça lateral, cujo personagem principal traz presas e toca tinya em posição decúbito ventral. A modelagem do bojo segue um padrão irregular, característica que levou Gölte (2009: 97) a denominá-las de “cenas surreais” e Benson (2012: 36) de “vasos modelados” (collage bottles). Ambos os autores usam estes termos para referir-se a estes vasos com formatos irregulares, geralmente com temáticas ligadas ao mundo subterrâneo, noturno e marinho, bem como tubérculos – plantas que crescem para dentro da terra. São vasilhas cujas temáticas fazem referência ao hurin: La misma arcilla es considerada parte del mundo de abajo y se representa a los elementos como si la tierra misma tomase la forma del mundo femenino y oscuro. (Gölte, 2009: 98) Os bojos apresentam animais noturnos ou marinhos, como aves marinhas, corujas, lobos marinhos e peixes, bem como seres humanos degenerados ou semi-cadavéricos. Na parte frontal do bojo nota-se um personagem do inframundo com olhos fechados, que se repete à direita da divindade. À esquerda da divindade geralmente se encontram os animais. O personagem principal usa apenas turbante, não apresentando quantidade considerável de atributos de poder. É certamente um ser sobrenatural ligado ao inframundo, entretanto, não pode ser chamado de Ai Apaec por não conter nenhum dos outros atributos relacionados a ele. Gölte (2009: 142) chama este personagem de Divindade da Terra, uma espécie de contraparte feminina de Ai Apaec. Segundo sua interpretação ela toca o membranofone sobre um tubérculo (ibid: 147). Ao associarmos o instrumento sonoro à personagem, a observação de Gölte sobre o caráter feminino deste ser sobrenatural teria sentido, visto que tinyas são instrumentos predominantemente femininos nos Andes (Gruszczynska, 2004), como visto no capítulo III. Este seria o espaço feminino subterrâneo esperando para ser 203 fertilizado por um ser do hanan, em uma espécie de tinku, e a tinya seria o instrumento que realizaria esta convocação e a conexão (ibid.). 43 O estilo das vasilhas nos permite afirmar que este tema foi recorrente na fase IV no entorno Moche Sul. Não encontramos essa representação em vasilhas de outros períodos ou, então, atribuídas a Moche Norte, o que a distingue como pertencente à esfera Moche Sul IV. IV.I.II Discussão da Parte I Ai Apaecs e a Divindade da Terra foram os únicos personagens tocando instrumentos sonoros que pudemos considerar como divindades em nossa amostragem. Os Ai Apaecs apresentados aqui parecem ter conexão com o hurin: podem apresentar tentáculos de anêmonas e outros atributos noturnos e marinhos, demonstrando relação direta com o mar e o inframundo 44. Geralmente posicionam-se sobre pedras, plataformas ou ondas marinhas, tocando antaras, pututos e tinyas. Têm como contrapartes terrenas os guerreiros e oficiantes analisados no Capítulo III (pranchas 3 e 16), que tocam antaras e chocalhos. Os gráficos IV.IV e IV.V demonstram que, enquanto Ai Apaec toca diversos tipos de instrumentos, com grande destaque para aerofones, a Divindade da Terra está associada apenas a membranofones. Divindades da Terra são representadas exclusivamente em forma escultórica, enquanto Ai Apaecs podem aparecer tocando instrumentos em forma pictórica, ainda que muito ocasionalmente. De toda forma, predominam as representações escultóricas para músicos divindades (gráfico IV.VIII). Enquanto Ai Apaecs predominam em vasos de alça estribo, Divindades da Terra predominam em vasos de alça lateral (gráfico IV.IX). A razão desta diferença possivelmente se dá devido às dificuldades de representação da Divindade da Terra em outros suportes, já que a profusão de elementos iconográficos no bojo das vasilhas seria dificilmente transmitida para um apito, 43 Parece que la diosa de la tierra crea esa posibilidad de interrelación con el mundo de arriba (Gölte, 2009: 147). 44 Não podemos ignorar as cenas nas quais Ai Apaec aparece relacionado ao hanan, como no Sacrifício da Montanha ou outras cenas. Entretanto, em nossa amostragem predominam Ai Apaecs do hurin tocando instrumentos sonoros. 204 por exemplo. Além disso, a composição possivelmente sofreria uma perda de sentido se fosse passada para outro tipo de suporte, já que as vasilhas em formato irregular simbolizam o próprio hurin e as “imperfeições” que dele procedem (Soares, 2015: 30, 109). O sentido desta narrativa é exatamente a agência da percussão em relação aos personagens que estão posicionados no bojo da peça de cerâmica irregular: peixes, lobos marinhos e corujas, todos sob a condução da divindade musical e sua produção sonora. É importante notar que apenas um Ai Apaec associado a quenas foi encontrado em nossa pesquisa. O personagem não se encontra tocando o instrumento, mas apenas próximo a ele. Por esta razão não inserimos esta peça nas estatísticas. Parte II: Músicos Antropozoomorfos e Fitomorfos Representações de seres antropozoomorfos e fitomorfos com características sobrenaturais são frequentes na arte mochica, especialmente nas fases associadas aos períodos Médio (fases III, IV) e Tardio (fase V), já que as reproduções de animais e plantas nas fases iniciais (I e II) tendem a ser naturalistas. As imagens reproduzidas na cerâmica ritual, que adotam o princípio de hibridização, enfatizam seres fantásticos e divindades e seu poder excelso sobre os seres humanos. Nesta conjuntura, uma grande variedade de aves, mamíferos, répteis e outras classes de animais com forma humana participam em cenas e narrativas complexas. O mesmo ocorre com plantas e legumes, ainda que em menor grau. IV.II.1. Músicos Antropozoomorfos Alguns animais com características sobrenaturais são bastante emblemáticos na arte mochica, como a Serpente Felina, um híbrido com corpo de serpente e cabeça com presas, focinho e orelhas de mamífero (Hocquenghem, 1987: 209; Quilter, 2010: 104), ou o Guerreiro Coruja, uma clara mescla de coruja e humano (ibid.: 102). Segundo Quilter (ibid.: 104) estas hibridizações podem fazer menção à origem cosmológica de linhagens, famílias ou grupos políticos, algo muito comum nas cosmologias andinas. 205 Como vimos no Cap. I o camac, ou energia vital de um indivíduo provém necessariamente de uma paqarisca (fonte ou local de origem) (Rostworovski, 2000: 12; La Chioma, 2012: 73). Neste sentido, animais sobrenaturais eram entes importantes dos quais muitas linhagens se supunham descendentes. Foram encontrados em nossa amostragem sete tipos de animais associados a instrumentos sonoros: IV.II.A. Macacos IV.II.B. Iguanas IV.II.C. Lobos Marinhos IV.II.D. Raposas IV.II.E. Corujas IV.II.F. Aves Marinhas IV.II.G. Veados IV.II.1. A. Macacos Com pututos: Este pequeno subgrupo (Prancha 78) apresenta apenas duas peças, sendo uma de alça estribo (M146) e outra de alça lateral (M121). Apesar de uma pequena diferença morfológica, ambas as peças apresentam macacos que seguram pututos, sentados e com os pés apoiados no chão. Ambos usam camisas e calções. Em M121 o personagem apresenta uma decoração de peixe life na parte lateral da camisa. Não há informação de proveniência para estas peças. Com Chocalhos: As pranchas 79 e 80 apresentam vasos de alça estribo e alça lateral (M454) representando macacos que tocam chocalhos de tipo golpe direto horizontal, feitos de sementes ocas (nectandras). Voltaremos ao tema no Capítulo V. Encontram-se sempre em posição sentada com os pés apoiados no chão, usam túnicas e turbantes e seus toucados podem variar. Há cogumelos (prancha 80, M318) e apêndices de formato desconhecido, como na prancha 79, M324. É possível verificar as características de macaco por meio da face e 206 da cauda enrolada que apresentam. Sempre levam uma bolsinha nas costas, talvez associada a frutos. É interessante notar que esses macacos estão associados a um tipo muito específico de instrumento: o chocalho de golpe direto horizontal, que se apresenta como uma corda na qual as sementes estão organizadas, e que se segura com ambas as mãos. Nossos dados têm nos levado a entender que categorias diferentes de chocalhos são tocadas por personagens específicos na iconografia, e esta análise pormenorizada será realizada no próximo capítulo. Macacos aparecem na iconografia Mochica em variadas formas: na forma de toucados45, em forma naturalista associados a árvores e frutos 46, associados a elementos marinhos do inframundo, como conchas Strombus 47. Aparecem na forma de vasos surreais, amalgamados a outros personagens48. Também aparecem abraçados em duplas 49. Já este mesmo personagem antropomorfo com face e cauda de macaco, aparece algumas vezes associados a cântaros 50 ou à sua bolsa (ver fig. IV.I)51, e pode aparecer como um personagem de elite associado a toucados elaborados 52. Também podem aparecer de forma esquelética, associados à morte e ao inframundo. 53 As representações de macacos parecem ser bastante diversificadas e significativas na iconografia mochica. O fato de macacos estarem associados a idiofones feitos de sementes pode remeter à conexão que estes animais trazem com frutos em geral, pois em outras cenas aparecem próximos a árvores e sementes, como na cena da Cópula Mítica (Hocquenghem 1987: 62; Bourget, 2006: 157-158), na qual Ai Apaec copula uma mulher sob uma árvore de ulluchus (fig. IV.3.). Além de chocalhos, macacos também estão associados a pututos (tabela IV.I). Ossos de macaco foram encontrados associados a um pututo na Huaca Ventarrón 45 Museu Larco, catálogo online, ML001817. Museu Larco, catálogo online, ML002442, ML002443, ML008206, ML008207, ML008208. 47 Museu Larco, catálogo online, ML003872, ML003874, ML003875. 48 Museu Larco, catálogo online, ML007223, ML007252, ML007265, ML007278. 49 Museu Larco, catálogo online, ML008185, ML008186, ML008187, ML008191, ML008192. 50 Museu Larco, catálogo online, ML004085, ML004086, ML004087, ML004088, ML004090, ML004091. 51 Museu Larco, catálogo online, ML004144, ML004145, ML008202. 52 Museu Larco, catálogo online, ML008210, ML013690. 53 Museu Larco, catálogo online, ML008323, ML008324, ML008330, ML008331, ML008332, ML008333. 46 207 (vale de Lambayeque) em uma camada estratigráfica que corresponde à datação de 4000-4500 anos antes do presente (Arcuri, 2015). Em nossa amostra, macacos foram encontrados associados apenas a chocalhos e pututos. Fig. IV.3. A cena da Cópula Mítica, na qual macacos aparecem associados a árvores e frutos. Desenho por Donna McClelland. Imagem cedida gentilmente por Ignacio Alva Meneses. Na tabela IV.II observamos que macacos músicos são representados maiormente em vasos de alça estribo ou alça lateral. Fig. IV.4. Ser antropozoomorfo com fisionomia e cauda de macaco associado a bolsa. 208 IV.II.1. B. Iguanas Iguanas aparecem associadas a tinyas (M241, prancha 81 e pranchas 82 e 83), antaras (prancha 81, M203 e M639) e chocalhos (prancha 81, M250). A peça M262 (pranchas 82 e 83), um vaso de alça estribo com bojo decorado e aplique escultórico, mostra uma cena complexa de Apresentação da Taça no bojo enquanto o aplique escultórico mostra um Ai Apaec sendo resgatado por duas aves marinhas. A Iguana, acompanhante habitual de Ai Apaec no repertório iconográfico moche, toca a tinya em frente a outra Iguana que segura uma taça. Encontramos uma peça semelhante no Arquivo Moche da Dumbarton Oaks. Não temos autorização para publicar esta peça, apenas o desenho em linha fina reproduzido por McClelland (na prancha 83), mas de acordo com as fotografias trata-se de um vaso de alça estribo com bojo retangular, com o mesmo aplique escultórico representando Ai Apaec resgatado pelas duas aves marinhas. A cena em redor do bojo, no entanto, tem algumas diferenças: as duas iguanas continuam de frente uma para a outra, porém nesta peça ambas tocam instrumentos sonoros. Uma continua associada à tinya, enquanto a outra toca um chocalho de tipo idiofone de marcação. Há também diversos pututos espalhados pela cena, sendo um deles bem próximo à boca da Iguana à esquerda, o que pode significar que ela o está tocando juntamente com a tinya. Enquanto na cena M262 os personagens centrais são ladeados por outros personagens, presentes nas cenas de luta com Ai Apaec, na cena M644 os personagens centrais aparecem ladeados por estruturas arquitetônicas. Taças e paicas se encontram presentes em ambas as cenas. Esta narrativa deve fazer alusão ao momento exato em que Ai Apaec é resgatado pelas aves marinhas em suas peripécias, já que o aplique escultórico com esta referência está presente em ambas as peças. É importante lembrarmos que no corpus iconográfico mochica, iguanas muitas vezes aparecem associadas a Ai Apaecs como seus assistentes. Provavelmente a representação do bojo faz referência à importância do som produzido pelos iguanas neste momento da narrativa. Três dessas iguanas apresentam toucado de ave marinha, enquanto apenas a iguana da direita da peça M262 apresenta toucado de mamífero (felino). Estas peças certamente têm relação com as lutas e aventuras de Ai Apaec, como o vaso de boca larga 209 apresentado anteriormente. No entanto, enquanto os próprios Ai Apaecs eram os músicos naquela narrativa, nesta as iguanas tocam os instrumentos. Ambas as peças discutidas anteriormente não têm informação de proveniência e são de estilo fase IV e Moche Sul. É interessante notar que as únicas peças que mostram iguanas tocando antaras (prancha 81, M203 e M639) são de estilo Moche Norte, provenientes do Vale do Jequetepeque. M203 é uma peça proveniente das escavações científicas em San José de Moro, vale do Jequetepeque, e pertencente ao período Moche Tardio. Encontramos outra peça escultórica (cântaro) de iguana tocando antara do período Moche Tardio no Arquivo Donnan, Dumbarton Oaks, mas não temos permissão para publicá-la. São dados que reforçam uma associação recorrente entre iguanas e antaras na região Moche Norte do final da era Moche. A presença da iguana na iconografia do período Moche Tardio do Vale do Jequetepeque é muito significativa. O Tema do Enterro (prancha 84) é característico desta fase e região, tendo sido largamente representado em cerâmica neste vale (Donnan & McClelland, 1979; Bourget, 2006: 186). Bourget (2006: 188) acredita que o Tema do Enterro tradicional de fase V seja apenas a síntese tardia de uma série de cenas e temas que já estavam presentes na cerâmica de fase IV e que, portanto, não teria sido um tema criado no Vale de Jequetepeque (ibid.:91), embora suas representações em linha fina tenham se popularizado em sítios locais, como San Jose de Moro. No Tema do Enterro iguanas assumem posições de destaque, participando na troca de conchas Strombus e baixando o ataúde do personagem a ser enterrado. No mesmo tema, iguanas sempre aparecem associadas a idiofones de marcação, isto é, chocalhos que produzem som ao chocar-se contra o solo. Encontramos mais de quarenta imagens de Tema do Enterro no Arquivo Moche da Dumbarton Oaks, todos pertencentes ao período Moche Tardio e à região Moche Norte, com iguanas associadas a estes idiofones. É provavelmente um animal de grande importância na região Moche Norte do período Moche Tardio, e se encontra largamente associado à produção sonora. No contexto Moche Sul do Período Médio não foram encontradas iguanas associadas a antaras, mas a quenas e tinyas, como visto 210 anteriormente. Apenas uma iguana associada a idiofone de marcação (M250, prancha 81) semelhante aos chocalhos tocados pelas iguanas do Tema do Enterro foi encontrada, representada em vaso escultórico de estilo Moche IV e proveniente da área Moche Sul. No Arquivo Moche, Dumbarton Oaks, encontramos uma iguana escultórica tocando tinya em vaso de alça estribo da fase IV e área Moche Sul. Iguanas, portanto, mudam de instrumento tocado a depender da região e da fase em que são representadas. Prevalecem iguanas tocando antaras e chocalhos na região Moche Norte e em períodos mais tardios, enquanto na região Moche Sul do período Médio prevalecem iguanas percussionistas. IV.II.1.C. Lobos Marinhos As pranchas 85 e 86 reúnem alguns exemplares de lobos marinhos tocando tinyas em alça estribo e em cântaros. Estes personagens usam geralmente túnicas e turbantes, e não apresentam toucados elaborados. A peça M216 (prancha 85) tem proveniência do Vale de Chicama, e a peça M221 (prancha 85) do Vale do Virú. Estilisticamente, todos os exemplares da amostra demonstram relação com a região Moche Sul e o Período Médio. Lobos marinhos são recorrentes na iconografia mochica em representações naturalistas sobre as ilhas guaneras, além de serem geralmente associados a cenas do inframundo, cenas marinhas, ou modelados em formato irregular de cenas surreais, como os da Divindade da Terra, analisada anteriormente 54. Há uma relação intrínseca dos lobos marinhos com o inframundo, e, por isso mesmo, é bastante interessante notar que animais marinhos, como aves marinhas ou lobos marinhos, toquem tinyas, instrumentos de percussão eminentemente femininos, enquanto as raposas, animais ligados ao masculino e ao kay pacha toquem tambores de outra categoria (huancares) e pututos, instrumentos mais ligados à virilidade masculina. Segundo Makowski (1996:94) há seres sobrenaturais zoomorfos que servem às divindades do hurin: animais marinhos e animais noturnos. Os que rodeiam o Ai Apaec marinho geralmente são caranguejos, camarões, peixes e 54 Ver, por exemplo, no catálogo online do Museu Larco: ML003225, ML005492, ML008393, ML008397 etc. 211 o Monstro Strombus. Os lobos marinhos desempenham um papel muito específico como músicos neste âmbito, pois aparecem apenas tocando tambores e nenhum outro instrumento sonoro. Já os morcegos, aranhas e corujas compõem o séquito do Guerreiro Coruja. A estes seres ele chama de divindades subalternas do abaixo (ibid.). A tabela IV.I demonstra que lobos marinhos tocam apenas tinyas, e que estão representados sempre em vasos de alça estribo ou cântaros, com predominância do primeiro tipo (tabela IV.II). IV.II.1.D. Raposas Com tambores Esta categoria inclui vasos escultóricos de alça estribo (pranchas 87 e 88) e cântaros (prancha 89) com representações de raposas sentadas de pernas cruzadas, tocando um tipo de tambor que se golpeia verticalmente e é chamado de wankar no mundo andino. As peças da prancha 87 e 88 são imprecisas quanto ao tema da música. Embora tenhamos incluído estas peças em nossa amostragem, autores como Bourget (2006: 34) acreditam que estes personagens estejam segurando um cinzel e não um instrumento de percussão. Não temos segurança em afirmar se o artefato segurado pelos personagens das pranchas 87 e 88 seja um instrumento de percussão, mas acreditamos nessa possibilidade. McClelland em seu estudo não publicado sobre instrumentos sonoros mochica considera estes objetos como tambores 55. Já os objetos da prancha 89 são seguramente tambores. Uma das peças da prancha 88, M266, tem proveniência de escavação. Pertence ao acervo do Museu Arqueológico Huacas de Moche, tendo sido escavada no projeto arqueológico de mesmo nome. Segundo informação do projeto arqueológico estes personagens representam os sacerdotes que 55 Study of musical instruments in fineline drawings and modeled ceramic vessels by Donna McClelland, ca. 1980s, donated by Donald McClelland. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. 212 executavam os guerreiros cativos nos sacrifícios. Mais uma razão que sugere que esta raposa esteja segurando um cinzel ou faca sacrificial. Os personagens da prancha 87 apresentam as mesmas características e posição corporal do grupo da prancha 88, porém usam apenas turbantes em contraposição aos toucados de cogumelo característicos do outro subgrupo. Já os do grupo da prancha 89 não apresentam toucado, e suas camisas possuem desenhos escalonados. As peças da prancha 89 são cântaros grandes e pesados, em comparação aos vasos de alça estribo das duas pranchas anteriores. Com outros instrumentos: A prancha 90 exibe raposas tocando outros instrumentos sonoros. A peça M120 mostra uma raposa com atributos de poder tocando um pututo sobre uma montanha, com guerreiros representados em alto relevo no bojo. É uma peça única em nossa amostragem. Aqui há uma clara associação entre o pututo e a guerra, verificada também em peças analisadas no Capítulo III. A peça M321 mostra uma raposa com atributos de poder, dentre eles as orelheiras circulares, tocando um chocalho tipo golpe direto horizontal. Raposas são bastante associadas à agricultura e à fertilidade nos Andes, estando ligadas à estação chuvosa e úmida. (Bourget, 2006: 208; La Chioma, 2012: 112). Tambores, especialmente tinyas, possuem essa conotação no mundo andino. Esta pode ser a razão simbólica pela qual raposas são, em sua maioria, associadas a este instrumento na iconografia. IV.II.1.E. Corujas Encontramos apenas três corujas em nossa amostragem de animais músicos. Na prancha 91 se observam corujas associadas a tambores. A peça M205 tem informação de proveniência do Vale de Chicama, região Moche Sul. Ambas as peças são pertencentes à fase IV e são vasos de alça estribo. A terceira peça foi encontrada no Arquivo Moche da Dumbarton Oaks e mostrava uma coruja tocando tinya em vaso escultórico de alça estribo. 213 IV.II.1.F. Aves Marinhas Este subgrupo é formado majoritariamente por vasos escultóricos de alça estribo (tabela IV.II), e exibe personagens antropomorfos com cabeça de ave marinha tocando tinyas (pranchas 92 e 93). Algumas, inclusive, apresentam asas (prancha 92, M206 e prancha 93, M258). Este é o grupo mais expressivo de toda a amostragem da categoria “Antropozoomorfos”, tanto pelo número de peças encontradas (ver tabela IV.I), como também pela coerência na associação de elementos, já que não existem diferenças muito significativas entre os vasos desta categoria. Todos têm alça estribo, e em apenas duas peças as aves apresentam presas (prancha 93, M185 e M271, não disponibilizada no catálogo). Podem variar alguns atributos dos personagens, como o desenho das túnicas e calções. Estão posicionadas com as pernas cruzadas, e em raros casos sentados com os pés apoiado no chão (prancha 92, M206), mas nunca em pé. Na prancha 81 observamos a imagem em linha fina encontrada no Arquivo Moche da Dumbarton Oaks previamente mencionada por mostrar iguanas tocando antaras (M641). Esta peça apresenta também três aves marinhas posicionadas à esquerda das iguanas, dentre as quais duas tocam tinyas. Esta foi a única peça com representação pictórica de aves marinhas percussionistas encontrada em toda a amostra. Estes animais se relacionam com o oceano e se alimentam de peixes. Para Gölte (2009: 134) estas aves representam o mundo úmido da parte de cima, ou seja, o lado hurin do hanan. Têm relação tanto com o mundo noturno, feminino e marinho quanto com o mundo diurno, masculino e solar. Aves marinhas são comumente representadas nas narrativas de batalha de Ai Apaec, geralmente carregando ou resgatando a divindade, como vimos em algumas peças já apresentadas. É possível que sejam personagens de gênero feminino, embora esta informação não possa ser verificada e confirmada. Das trinta peças deste subgrupo, seis, pertencentes ao Museu Larco, apresentam proveniência de vale. Cinco provêm do Virú (M207, M212, M213, M217 e M218, nenhuma delas 214 exposta no catálogo 56), e uma provém do vale de Chicama 57(M209, também não exposta no catálogo). IV.II.1.G. Veados Como vimos no Capítulo III, veados aparecem tocando tinyas na cena complexa de um vaso da fase V (prancha 61) ao lado de dois antaristas humanos. Essa foi a única peça encontrada, em todo nosso corpo de dados, associando veados a instrumentos musicais. IV.II. 2. Músicos Fitomorfos Representações de plantas e vegetais em forma naturalista são muito comuns na iconografia mochica, principalmente em forma escultórica nas fases iniciais (I a III). Na fase IV, a tendência da arte mochica em representar temas complexos e sobrenaturais leva a um aumento das representações de plantas em forma antropomorfa e/ ou interagindo em uma série de atividades. A música é uma delas. Encontramos poucos músicos fitomorfos em nossa amostragem, porém significativos. Eles foram divididos em três grupos principais: IV.II.2.A. Ulluchus IV.II.2.B. Tubérculos IV.II.2.C. Amendoins IV.II.2.A. Ulluchus A prancha 94 mostra uma peça única em nossa amostragem. Trata-se de um vaso de alça estribo representando um ulluchu, fruto da costa norte peruana, extinto atualmente, tocando uma tinya. 56 As respectivas peças pertencem ao Museu Larco e podem ser vistas no catálogo online da instituição. Seus códigos são, na ordem: ML004028, ML004033, ML004034, ML004046 e ML004953. 57 Referência ML004030. 215 Ulluchus são geralmente representados na Cerimônia do Sacrifício (prancha 6) e nos toucados dos Adoradores (prancha 24). Aparecem também na árvore representada na cena da Cópula Mítica, observada na fig. IV.3. Por não termos mais ulluchus músicos em nossa amostragem torna-se difícil a interpretação desta peça. Como discutimos em nossa dissertação de Mestrado, a simbologia e as utilizações cerimoniais do ulluchu ainda são muito pouco conhecidas: Antes das escavações em Sipán acreditava-se que poderia ser um fruto mítico, já que não havia até então evidência de sua existência. Escavações revelaram ulluchus reais em Sipán (dissecados), Dos Cabezas e na Huaca de la Luna (McClelland, 2008: 59). Este fruto também aparece representado na iconografia da indumentária do Velho Senhor de Sipán (Alva Meneses, 2006). Até então, um dos poucos estudos existentes sobre o tema era o de Wassén, Hultin & Boldeson (ibid: 58), que endossava a pertença do fruto à família do papaya. Segundo os autores isso conferia aos ulluchus propriedades anticoagulantes, justificativa para seu consumo em cerimônias de sacrifício humano a fim de que o sangue do sacrificado não se solidificasse antes de ser oferecido às divindades ou seus representantes. Esta hipótese foi descartada após as escavações arqueológicas, que comprovaram a pertença do ulluchu à família das meliáceas e, portanto, a ausência de qualquer efeito anticoagulante (Alva Meneses, 2006: 153). Continuamos, por consequência, sem compreender o simbolismo do ulluchu nas representações iconográficas Mochica, apesar de existirem hipóteses nos estudos mais recentes. (La Chioma, 2012: 88) É importante destacar que, dentre os fitomorfos, é a única peça associada a uma tinya, e mesmo a um membranofone. IV.II.2.B. Tubérculos A prancha 95 nos mostra mais um exemplar de vasilha com bojo irregular, como vimos no caso da Divindade da Terra. Nesse caso, entretanto, trata-se nitidamente de um tubérculo, provavelmente uma batata, com seus brotos em evidência. Um macaco com presas caminha sobre a figura. 216 Tubérculos escultóricos são comuns na iconografia mochica, como se observa na fig. IV.5 e em algumas peças do catálogo online do Museu Larco 58. Estes vasos estão relacionados ao inframundo, já que tubérculos crescem sob a terra, mundo dos mortos e dos ancestrais, o hurin, como discute Soares (2015) em sua dissertação de Mestrado: Tais vasilhas cerâmicas trazem à vista uma dinâmica de transformações que parece operar em um âmbito específico do cosmos, colocando uma série de seres em conjunção, de maneira bastante peculiar e, aparentemente, caótica. Sabe-se que fazem referência ao Hurin (ou “mundo de baixo”) - habitado por seres noturnos, pelos mortos e pelos ancestrais – pois trazem a forma básica de um tubérculo, de onde se formam partes de corpos de seres humanos e animais, que muitas vezes aparecem em cenas de sacrifício e caça. (Soares, 2015: 30) Este tubérculo toca uma quena, instrumento ligado à fertilidade e à virilidade masculina. Curiosamente, ele tem algumas características de Tomador de Coca, como a pintura facial em formato de Cruz de Malta e a túnica com cruzinhas. Catherine Allen (2015: 310) conduziu trabalhos etnográficos na região de Paucartambo, Cusco. Segundo a autora é uma prática comum nas regiões serranas, especialmente a grandes altitudes, ressecar as batatas para que elas durem por mais tempo. Quando secas, elas são denominadas de chuño, e ao serem embebidas em água podem voltar ao seu estado natural. Allen relata que quando o chuño é transferido para os armazéns de estocagem há uma cerimônia pública na qual as batatas ressecadas são reanimadas com libações de chicha e música. Segundo Allen, na simbologia local, as batatas são comparadas a pequenas múmias, ao passo que restos humanos são considerados simbolicamente como sementes (ibid.). Portanto, observa-se uma relação entre mortos e sementes (ibid.), que marca tradicionalmente a visão cíclica da morte nas ontologias andinas em particular e ameríndias de maneira geral. Na peça da prancha 95 a batata toca uma quena, instrumento tipicamente associado aos momentos de libação e à lógica da fertilidade. A 58 ML007281, ML007282, ML007293, ML007280, ML007288 etc 217 representação do tubérculo em ato de tocar uma quena pode apontar para um momento de transformação do tubérculo, no qual as substâncias fluídicas (água, chicha, sêmen ou até mesmo sangue) são ativadas neste processo de morte e renascimento. Fig. IV.5. Cântaro representando tubérculo. Museu Larco, Lima, catálogo online. IV.II.2.C. Amendoins Amendoins formam um grupo maior e mais coerente dentro da categoria de fitomorfos. Como se observa nas pranchas 96 e 97, podem ser representados tanto em alça estribo quanto em cântaros, associados apenas a aerofones: quenas e, ocasionalmente, antaras. As peças da prancha 96, por suas características morfológicas, representam nitidamente amendoins. As peças da prancha 97, no entanto, poderiam representar tanto amendoins quanto feijões. São um pouco diferentes das peças anteriores, já que não têm terminação em ponta na região da cabeça. Consideramos, no entanto, que todas estas peças representem amendoins. Amendoins também são plantas associadas ao hurin, pois também se caracterizam pelo crescimento no interior da terra (Bourget, 2006: 85). Amendoins tocando quenas podem ser vistos em apenas um tema da iconografia pictórica: A Entrada no Inframundo (prancha 124) a ser discutida ainda neste capítulo. 218 IV.II.III. Discussão da Parte II Animais e plantas tocando instrumentos sonoros podem ter uma variabilidade significativa, já que encontramos sete diferentes tipos de animais músicos e três diferentes tipos de plantas tocando instrumentos. Os animais mais representados são os macacos, sempre associados a pututos e chocalhos, bem como os animais marinhos (lobos marinhos e aves marinhas), associados a tinyas. Em seguida aparecem as raposas, associadas a tambores de tipo wankar. Em menor grau, corujas e iguanas são representadas respectivamente associadas a membranofones e a todas as categorias organológicas (tabela IV.I). É importante notar que animais marinhos estão associados sempre a tinyas. Como temos visto, tinyas são largamente associadas a mulheres na iconografia. Muito provavelmente os animais que as tocam estão associados ao aspecto feminino e à relação com o inframundo. A grande maioria dos animais da amostra está associada à categoria dos membranofones (gráfico IV.XI). Pouquíssimos se associam a aerofones, e quando o fazem, são pututos. Não foram encontradas trombetas associadas a animais e antaras e quenas estão associadas apenas a iguanas. A grande maioria dos objetos da amostra é composta por vasos escultóricos de alça estribo (gráfico IV.XIII) e está associada às fases III/ IV da região Moche Sul, à exceção das peças com representações de iguanas tocando antaras, encontradas na área Moche Norte. O fato de não termos encontrado iguanas associadas a antaras em nenhuma das peças do período Médio em Moche Sul pode revelar concepções distintas sobre animais que produzem som na cosmovisão de ambas as esferas. Representações de iguanas associadas a instrumentos sonoros demonstram diferenças significativas entre as áreas Moche Norte e Moche Sul. É interessante notar também que, de todas as categorias analisadas, músicos iguanas compõem a única delas na qual os artefatos da região Moche Norte excedem os da região Moche Sul. Além disso, a forma como estes animais estão representados e os instrumentos associados a eles também diferem em ambas as regiões. O gráfico IV.XII mostra que a quase totalidade dos músicos antropozoomorfos está representada em forma escultórica, bem como a 219 totalidade dos fitomorfos. Os últimos aparecem associados exclusivamente a aerofones (quenas e antaras) e membranofones, mas nunca a idiofones (gráfico IV.XIV). Parte III. Os Músicos Mortos e o Inframundo As representações iconográficas de seres do inframundo, geralmente com características esqueléticas e cadavéricas, são extremamente numerosas na arte mochica. Estes entes sobrenaturais podem ser representados tanto em forma escultórica quanto pictórica, participando em uma enorme quantidade de narrativas. Entre as atividades mais comuns exercidas pelos personagens mortos e cadavéricos estão cerimônias, danças, atividades sexuais (Bourget, 2006) e a produção musical. Neste capítulo consideraremos mortos os personagens com características cadavéricas e esqueléticas. Estes seres aparentam estar concluindo ou já ter concluído seus processos de passagem para o inframundo. Podem apresentar algumas partes vivas, mas predominam suas características esqueléticas e cadavéricas. Seres degenerados são aqueles que se revelam vivos, porém em processo de decomposição ou morte, estando inseridos mais precisamente no conceito de indivíduos transitórios (Bourget, 2006: 58). Estes últimos serão analisados no próximo capítulo, dedicado aos Músicos Intermediadores. Os dados levantados foram organizados em duas grandes categorias, Músicos Esqueléticos e / ou Cadavéricos Escultóricos e Músicos Esqueléticos e / ou Cadavéricos Pictóricos, com suas respectivas subcategorias, como listado a seguir: 220 IV. III.I. Músicos Esqueléticos e / ou Cadavéricos Escultóricos IV.III.I.A. Antaristas Esqueléticos e/ ou Cadavéricos IV.III.I.B. Quenistas Esqueléticos e/ ou Cadavéricos IV.III.I.C. Percussionistas Esqueléticos e/ ou Cadavéricos IV.III.II. Músicos Esqueléticos e / ou Cadavéricos Pictóricos IV.III.II.A. As Danças do Inframundo IV.III.II.A.I. Tema 1. Duplas de antaristas IV.III.II.A.II. Tema 2. Antaristas pairando sobre Guerreiros IV.III.II.A.III. Tema 3. Trios de Antaras e Percussão IV.III.II.A.IV. Tema 4. Trompetistas Esqueléticos IV.III.II.A.V. Tema 5. A Entrada no Inframundo IV.III.II.A.VI. Outros Temas IV. III.I. Músicos Esqueléticos e/ ou Cadavéricos Escultóricos Encontram-se representados em forma escultórica em vasos de alça estribo, vasos de alça lateral e cântaros. IV. III.I.A. Antaristas Esqueléticos e/ ou Cadavéricos As pranchas 98 a 105 mostram personagens cadavéricos escultóricos tocando antaras. A antara é o instrumento sonoro mais frequentemente associado a personagens ligados ao mundo dos mortos (gráfico IV.XVII). Por esta razão, ordenamos nossos dados em subgrupos, levando em conta seus atributos e o tipo de suporte artefactual. A prancha 98 mostra duas peças com antaristas completamente despojados de atributos de poder. A peça M051 é um mini cântaro com um ser esquelético completamente nu e sem nenhuma vestimenta ou atributo, em posição fetal, tocando antara. A peça M244 apresenta o mesmo tipo de personagem em um molde para produção de apitos de cerâmica. A prancha 99 mostra uma única peça, um cântaro grande e pesado. Observamos a peça presencialmente e constatamos que é maior que as vasilhas de alça estribo ou outros cântaros típicos da fase IV. O personagem representado tem traços faciais de macaco, com a mandíbula escalonada, a 221 boca grande e os dentes proeminentes. Além disso, apresenta cauda de animal, provavelmente um mamífero. Em nossa dissertação de Mestrado (La Chioma, 2012: 56), havíamos discutido o conceito de Bourget (2006) de seres transitórios na iconografia mochica 59. Esta é uma das peças da amostra que suscita a ideia de um ser transitório, já que seus atributos demonstram que este personagem se encontra tanto entre o inframundo e o kay pacha, quanto entre o mundo dos animais e dos humanos. As cruzinhas presentes em sua capa já foram observadas no quenista tubérculo (prancha 95), o que provavelmente relaciona este semema com o inframundo. Encontramos peça semelhante no Arquivo Moche da Dumbarton Oaks, também um cântaro com os mesmos elementos iconográfico associados, inclusive a cauda de macaco, demonstrando que este não é um artefato ou tema único. Na prancha 100 observam-se duas peças feitas a partir do mesmo molde. São pequenos cântaros com representações de antaristas cadavéricos que têm entre seus atributos capas e aguayos. Já na prancha 101 observamos um tipo comum de representação de seres degenerados e do inframundo: em apliques escultóricos posicionados no entroncamento da alça estribo com o bojo do vaso. Todos tocam antaras e usam capas e capuz. No caso de M064, a representação do antarista se divide entre escultórica e pictórica, com seu corpo pintado no bojo do vaso e sua cabeça modelada como aplique escultórico. O músico da peça M050 está associado a mais duas antaras e duas trombetas pintadas no bojo do vaso bem à sua frente. Aparentemente tinha um aplique representando seu órgão sexual à mostra, agora quebrado. Este é certamente um conjunto significativo de vasilhas pertencentes ao período Médio, nitidamente de estilo Moche Sul. Pelas características da alça estribo M018 parece pertencer à fase III, enquanto as outras vasilhas apresentam gargalos característicos da fase IV. Os antaristas da prancha 102, também representados em vasos de alça estribo, se caracterizam pelo órgão sexual à mostra. Um deles usa capa (M028), enquanto o outro (M055) não apresenta quaisquer atributos. 59 Detalharemos este assunto no Capítulo V. 222 A prancha 103 mostra uma categoria de antaristas cadavéricos já debatida em nosso mestrado (La Chioma, 2012: 161). Aparecem em vasos de alça estribo escultóricos com bojo duplo e representam antaristas ajoelhados e enrolados em uma espécie de manta com o órgão sexual à mostra. Eles têm atributos de poder que os antaristas vistos anteriormente não apresentam, como as orelheiras circulares e o turbante (algumas vezes decorado, como em M029). Segundo Bourget (2006: 94-95) a manta é um elemento frequentemente associado a temáticas sexuais e rituais funerários na iconografia mochica. Exemplares destes cobertores foram encontrados em diversos contextos arqueológicos moche, por exemplo, na Huaca do Sol, associados à parafernália funerária de indivíduos enterrados (ibid.). Exemplares deste mesmo personagem podem aparecer sem as antaras associadas, como na fig. IV. 6. Fig. IV.6. Vaso de alça estribo representando personagem sentado sobre manta enrolada. Museu Larco, Lima, Catálogo Online. Antaristas cadavéricos escultóricos também aparecem em duplas, como nas pranchas 104, 105 e 106. Eles podem estar parados diante de templos ou huacas (M025 e M033, prancha 104), ou simplesmente em apliques de vasos de alça estribo (M065, prancha 104). A prancha 105 mostra vários exemplares destes antaristas acompanhados de mulheres em vasos de alça estribo. Eles seguram a antara com uma das mãos enquanto abraçam suas parceiras com a outra 60. Esses personagens podem ou não apresentar atributos de poder, como orelheiras 60 Bourget fez rápida menção a este tema em sua publicação de 2006 à p. 105, mas não fez uma discussão detalhada que pudesse agregar novas interpretações à nossa pesquisa. 223 circulares ou tocados elaborados, caso de M030 e M049 ambos com toucados de ave. Nas cenas em que beijam a mulher, apresentam apenas túnica e turbante. A peça M143 foi encontrada em contexto funerário na Huaca de La Luna e se encontra em exibição no Museu de sítio Huacas de Moche. Estava associada a cinco indivíduos enterrados em uma tumba da Plataforma Uhle, que também continha muitas vasilhas de fase IV com rica iconografia (Projeto Arqueológico Huacas de Moche, 2001: 80). A prancha 106 mostra uma peça única de fase III, um vaso de alça estribo com bojo duplo onde se encontram deitados dois esqueletos sem quaisquer atributos de poder e com a mandíbula escalonada e os dentes idênticos aos do personagem da prancha 100. Um deles segura uma antara. Analisamos a peça presencialmente no Museu Larco, mas não conseguimos identificar a presença de genitália masculina ou feminina nos personagens. De maneira geral, então, pudemos identificar cinco grupos de antaristas cadavéricos: 1. Antaristas cadavéricos nus e sem atributos de poder, geralmente representados em cântaros e moldes (prancha 98), e em alguns casos encontrados em vasos de alça estribo (caso de M055, prancha 102); 2. Antaristas cadavéricos com capa e capuz tocando individualmente, representados em vasos de alça estribo (pranchas 101 e 102) e em cântaros (pranchas 99 e 100); 3. Antaristas cadavéricos enrolados em mantas (prancha 103); 4. Antaristas cadavéricos em duplas, tocando (pranchas 105 e 106); 5. Antaristas cadavéricos acompanhados de companheiros não- músicos em atitude sexual, apenas segurando seus instrumentos (prancha 105). O grupo 2 é o mais proeminente, seguido pelo grupo 5 (gráfico IV.XVI). Os vasos de alça estribo são o tipo de suporte artefactual mais utilizado para este tipo de representação (gráfico IV.XV), seguidos pelos cântaros. 224 IV. III.I.B. Quenistas Esqueléticos e/ ou Cadavéricos São muito escassas representações de seres cadavéricos associados a quenas. Os três exemplares na prancha 107 demonstram, no entanto, que esta é uma associação possível. A primeira peça (M082), um cântaro com aplique escultórico, mostra um quenista esquelético com a capa com motivo de cruzinhas, já vista em nossos dados, e capuz. O vaso de alça estribo (M083) representa um personagem de alto status, com toucado elaborado de diadema semicircular, orelheiras circulares e peitoral, acompanhado por duas mulheres, uma delas com rosto cadavérico, e a outra não. O personagem se encontra com as pernas cruzadas e o órgão sexual à mostra. A peça M557 do Museu de América de Madri mostra o indivíduo tocando sentado numa espécie de trono, também com o órgão sexual à mostra. Além das peças mostradas na prancha 107, uma peça com quenista cadavérico em aplique de alça estribo foi encontrada no Arquivo Moche da Dumbarton Oaks. IV. III.I.C.Percussionistas Esqueléticos e/ ou Cadavéricos Percussionistas cadavéricos estão presentes em nossa amostragem em maior quantidade que quenistas, porém menor que antaristas (pranchas 108, 109 e 110). Todos tocam tinyas. Na prancha 108 estão vestidos com capa e capuz, ao passo em que na prancha seguinte estão nus com as costelas à mostra. A peça M165 mostra o percussionista cadavérico com as lantejoulas penduradas em sua capa, à maneira dos percussionistas acompanhantes na segunda fileira da prancha 65. Na prancha 111 apresentam atributos de poder, como orelheiras circulares e turbantes, à maneira dos antaristas enrolados em mantas ou acompanhados por mulheres. Além dos artefatos citados, mais sete peças com percussionistas cadavéricos foram encontradas no Arquivo Moche da Dumbarton Oaks, todos em vasos de alça estribo. 225 IV.III.II. Músicos Esqueléticos e/ou Cadavéricos Pictóricos Músicos esqueléticos e cadavéricos também podem aparecer em forma pictórica, especialmente em relevo, em redor dos bojos de vasilhas e cântaros. Todos interagem em danças as quais denominamos Danças do Inframundo, a serem analisadas detalhadamente nos próximos tópicos. IV.III.II.A. As Danças do Inframundo Músicos mortos e cadavéricos em forma pictórica participam em um tipo de narrativa complexa que pode ocorrer em vasos de alça estribo, alça lateral e cântaros, na qual atuam conjuntamente a outros personagens do inframundo. Estas representações, no entanto, não eram pintadas em linha fina como ocorre com as danças do kay pacha, analisadas no capítulo III. Elas foram produzidas em relevo nos bojos dos vasos que, às vezes, levam apliques escultóricos. Segundo Gölte (2009: 155), imagens em relevo são frequentemente associadas ao mundo dos mortos, pois “o barro das vasilhas é parte da terra viva e, portanto, toma sua forma” (ibid.). Estas narrativas foram amplamente produzidas a partir de moldes no período Moche Médio. Sua produção em larga escala assegura atualmente uma massiva presença destas vasilhas em coleções de arte e arqueologia PréColombiana, o que contribuiu para uma amostragem importante em nossa pesquisa, com aproximadamente uma centena de peças analisadas. Em nossa dissertação de Mestrado (La Chioma, 2012), havíamos analisado algumas imagens de Danças do Inframundo e chegado a nove diferentes grupos. A análise mais detalhada e com uma amostragem maior, durante a pesquisa de doutorado, nos levou a reavaliar esta classificação, reordenando as peças em cinco grandes grupos, com subgrupos que expressam algumas variações nos detalhes. Há também aquelas vasilhas que não se encaixam em nenhum grupo particular, como se verificará adiante. Esta temática é sempre representada em redor dos bojos dos vasos, mostrando diversos personagens em sequências variáveis. O tipo de músicos representados e seu arranjo em grupos também mudam. Os grupos foram ordenados de acordo com dois critérios principais: 226 - O arranjo dos músicos engendrados na narrativa. Por exemplo: vasos com apenas dois antaristas conformam um grupo, enquanto outros com um trio de antaristas e percussionista conformam outro, etc. - A presença e a sequência de personagens não músicos que os acompanham. Analisaremos cada um destes temas a seguir. IV.III.II.A.I. Tema 1. Duplas de antaristas O primeiro grupo está caracterizado por vasilhas que contenham apenas duplas de antaristas, sem percussionistas ou quaisquer outros instrumentistas (pranchas 111, 112 e 113). Este tema é maiormente representado em vasos de alça estribo (tabela IV.IV) e contém três subgrupos com diferentes sequências. Sequência 1: Antarista 1 - Antarista 2 – Mulher – Carregador de Mandioca – Suplicante – Guerreiros – Dançarinos – Guerreiro condutor. É a mais comum (prancha 111), estando presente em nove dos dezoito vasos analisados. A sequência conta com dois antaristas acompanhados de uma mulher que parece puxar ou empurrar um dos músicos. Em seguida aparece o personagem que carrega a planta de mandioca (Manihot esculanta), o qual denominamos “carregador de mandioca”. A ele se segue um personagem que olha para o alto com a mão estendida, ao parecer jogando uma esfera ao ar, o qual chamaremos de “suplicante”. Entre os dois últimos personagens há vasinhos do tipo “paica” na representação. Segue-se um séquito de guerreiros dançarinos com as mãos dadas, e um último guerreiro que caminha na direção contrária puxa este grupo pelas mãos. O chamaremos de “guerreiro condutor”. Sequência 2 227 Antarista 1 – Antarista 2 – Dançarinos. Ocorre em seis peças da amostragem, sendo três cântaros, dois vasos de alça estribo e um vaso de alça lateral. Duas delas podem ser vistas na prancha 112 (M512 e M514). Nela, há apenas os antaristas, cujos instrumentos estão unidos por uma corda, e dançarinos. Nenhum deles tem toucados ou atributos de poder. Apenas em uma das peças (M504, ausente do catálogo) encontramos uma mulher dentre os dançarinos. Sequência 3 Antarista 1 – Antarista 2 – Personagem Pairante – Carregador de Mandioca – Mulher – Antarista 3 – Antarista 4 – Mulher com Bebê – Guerreiros – Dançarinos – Guerreiro Condutor. Ocorre em apenas duas peças da amostra (prancha 112, M547). Tem praticamente a mesma ordenação da Sequência 1, porém com duas duplas de antaristas, duas mulheres e um personagem que paira detrás de um dos músicos. Sequências incomuns Encontramos na amostra quatro peças com duplas de antaristas em meio a sequências pouco comuns, todas na prancha 113. A primeira delas, M003, é uma peça incomum por apresentar uma característica extremamente rara nas narrativas de Danças do Inframundo: é um vaso com a pintura em linha fina e acabamento típico das deste tipo. Além disso, é o único vaso do Tema 1 com um aplique escultórico (ver tabela IV.IV), representando um percussionista com capa e capuz. Na narrativa em linha fina aparecem quatro músicos. Além dos dois antaristas centrais unidos por uma corda, há um músico grande na extrema direita e um pequeno na extrema esquerda. Ambos tocam instrumentos não identificados. Não podemos afirmar com segurança que sejam antaras, pois em geral elas são reproduzidas na arte moche de forma bastante nítida. Não vemos muita lógica no fato de o artista que produziu a peça ter representado 228 duas antaras à maneira tradicional nos músicos centrais, para depois reproduzir os mesmos instrumentos em perfil para os músicos das extremidades. Também não se parecem com quenas, já que os músicos as tocam com apenas uma das mãos. Consideraremos estes dois instrumentos como “não identificados”. Aparecem os dançarinos guerreiros de mãos dadas e as mulheres, como na Sequência 1. As paicas aparecem em maior tamanho, acompanhadas de pequenas cuias para servir o liquido. Elementos incomuns, como estrelas, aparecem sobre os músicos e as paicas. Um traço importante a ser considerado nesta peça é que os personagens não são esqueléticos, e usam capas com capuzes, atributos presentes em geral nos personagens que fazem a conexão entre o kay pacha e o hurin pacha. Estes indivíduos parecem estar em um plano intermediário, não completamente mortos. Voltaremos a esta discussão no capítulo V, quando detalharemos este âmbito e os personagens transitórios de Bourget. A sequência desta peça é como segue: Músico 1 – Mulher com cuia – Paicas – Antarista 1 – Antarista 2 –Dançarinos Guerreiros – Mulher – Músico 2. A segunda peça com uma sequência incomum é M460, na qual os dois antaristas, separados por um pequeno personagem, apresentam apenas toucados, mas estão rodeados por guerreiros paramentados com atributos de poder de sacerdotes guerreiros, como peitorais, protetores coxais, orelheiras circulares e toucados com diademas. Um destes guerreiros apresenta os atributos de Senhor Solar, outro, toucado de Senhor Noturno. Todos, porém, são seres esqueléticos atuando no inframundo. A sequência final é: Antarista 1 – Mini Personagem – Antarista 2 – Dançarino Guerreiro 1 – Dançarino Guerreiro 2 (Senhor Solar) – Dançarino Guerreiro 3 – Dançarino Guerreiro 4 (Senhor Noturno). As peças M544 e M545, por sua vez, apresentam uma ordenação muito parecida com a Sequência 1, porém sem o carregador de mandioca e o 229 personagem suplicante. Ambas as peças foram encontradas nas escavações da Huaca de la Luna. As peças foram encontradas juntas na Tumba 4 da Plataforma Uhle, junto a um indivíduo do sexo masculino, entre 35 e 45 anos de idade, que os arqueólogos chamaram de Senhor dos Prisioneiros. (Projeto Arqueológico Huaca de La Luna, 2000). Sua sequência final é: Antarista 1 – Antarista 2 – Mulher com Bebê – Dançarinos Guerreiros – Guerreiro Condutor. IV.III.II.A.II. Tema 2. Antaristas pairando sobre Guerreiros O segundo grande tema das Danças do Inframundo é também o mais expressivo, contando com trinta e sete peças (pranchas 114 a 119). Os tocadores de antaras, neste tipo de representação, se encontram sempre pairando sobre um guerreiro paramentado com atributos de poder. Cada personagem da dupla o cerca de um lado, enquanto a narrativa que se desenrola com outros personagens em redor das vasilhas pode mostrar pequenas variações. Sequência Única Antarista 1 – Guerreiro – Antarista 2 – Dançarino Guerreiro – Mini Percussionista (varia) – Dançarino Guerreiro – Carregador de Mandioca – Mulher – Criança – Mulher com Bebê – Chicoteador – Dançarinos. Ou Antarista 1 – Guerreiro – Antarista 2 – Dançarino Guerreiro – Mini Percussionista (varia) – Dançarino Guerreiro – Carregador de Mandioca – Mulher – Criança – Mulher com Bebê – Carregador de Mandioca – Dançarinos. A sequência desta categoria está presente em cântaros, vasos de alça estribo e alça lateral, e abrange praticamente a totalidade da amostra. A sequência mostra o Sacerdote Guerreiro paramentado flanqueado pelos dois antaristas, ao qual se seguem dois dançarinos guerreiros que estão em 230 combate ritual (atipanakuy). Entre eles, há um mini percussionista sem atributos. Em seguida aparece o Carregador de Mandioca acompanhado de mulheres e crianças. Aparece também um personagem com uma espécie de chicote, que em algumas peças pode ser substituído por outro carregador de mandioca. Dançarinos fecham a sequência. Podem haver variações quanto à presença e à posição dos mini percussionistas. Em cinco peças o mini percussionista está posicionado sob dançarinos em vez de estar sob os guerreiros em combate. Em uma peça a sequência aparece dobrada, com quatro antaristas. Os dois vasos de alça lateral da prancha 118 pertencem a este grupo e apresentam a mesma sequência das outras, mas têm um detalhe pouco comum que deve ser observado: um aplique escultórico entre o bojo e o gargalo representando um personagem deitado jogando um círculo que aparece em relevo na parte de cima do bojo, caindo na cena reproduzida abaixo. Este signo será discutido ao final deste capítulo. Os músicos nesta categoria não apresentam quaisquer atributos de poder, nem vestimenta, nem toucados (ver tabelas IV.V. e IV.VI). IV.III.II.A.III. Tema 3. Trios de Antaras e Percussão Este tema é conformado por dezenove vasos, principalmente de alça lateral, seguidos por alça estribo (ver tabela IV.IV). O núcleo da narrativa é um trio de músicos, formado sempre por duas antaras e uma tinya. Sequência 1 Antarista 1 – Mini Percussionista – Antarista 2 – Dançarinos – Mulher com Bebê – Dançarino Guerreiro em combate 1 - Dançarino Guerreiro em combate 2 – Personagem olhando para trás – Carregador de Mandioca A primeira sequência aparece em três vasos de alça estribo e quatro de alça lateral (ver prancha 120, M461 e M516 e prancha 121, M517, M518 e M525). Dois antaristas são intercalados por um mini percussionista. Logo em seguida aparecem os dançarinos, a mulher com o bebê e os combatentes em 231 atipanakuy. Um novo personagem aparece nesta categoria: um indivíduo que está sempre com a cabeça virada para trás e segurando na mão uma espécie de faca sacrificial. O carregador de mandioca finaliza a sequência, entretanto com uma diferença em relação aos carregadores de mandioca das sequências anteriores: ele toca uma trombeta reta terminada em boca de felino. Sequência 2 Antarista 1 – Mini Percussionista – Antarista 2 – Dançarinos – Mulher com cuia – Carregador de Mandioca (Repete). Está presente em dois vasos de alça estribo, dentre ele M519 (prancha 120). Em vez de um bebê a mulher aparece carregando uma cuia, e não há o personagem olhando para trás. Sequência 3 Antarista 1 – Suplicante – Antarista 2 – Dançarinos – Mulher com Bebê – Antarista 3 – Antarista 4 - Percussionista – Combatentes Aparece em apenas um vaso de alça estribo (M540, prancha 120). Nele há cinco músicos, já que ao trio clássico unem-se mais dois antaristas, não acompanhados de percussão. Este vaso tem um aplique escultórico de percussionista. Sequência 4 Antarista 1 – Antarista 2 – Percussionista – Dançarinos Aparece em cinco vasos de alça lateral (prancha 122). É uma ordenação muito simples, com o trio de músicos e dançarinos sem atributos de poder, nus, e com o órgão sexual à mostra. Nesta sequência o percussionista não se 232 encontra entre a dupla de antaristas, mas ao lado. Os antaristas apresentam toucados de ave. Em geral no tema 3 os antaristas e trompetistas apresentam atributos de poder, enquanto os percussionistas não apresentam atributo algum. Os antaristas usam toucados de cabeça de ave e de mamífero (ver tabela IV.VI). IV.III.II.A.IV. Tema 4. Trompetistas Esqueléticos Trompetista 1 – Trompetista 2 - Dançarinos É um tema simples composto por três peças feitas, provavelmente, a partir de um mesmo molde (prancha 123). Duas delas (M534 e M535) tem informação de proveniência: Pur Pur, Vale do Virú. São vasos de alça estribo de bojo comum e aplique escultórico, de fase III, mostrando dois trombeteiros esqueléticos e nus, sem atributos de poder, que se encontram no centro do bojo. Ambos apresentam o órgão sexual à vista. O restante do bojo apresenta dançarinos sem atributos. O aplique escultórico mostra um ser cadavérico com as mãos para trás e que não apresenta órgão sexual masculino. É provável que se trate de uma mulher. IV.III.II.A.V. Tema 5. A Entrada no Inframundo A prancha 124 mostra duas reproduções retiradas de vasos de cerâmica, cujos exemplares não pudemos encontrar. São narrativas complexas as quais Hocquenghem (1987: 138) denominou Entrada no Inframundo. Ambas as imagens são divididas em duas partes, uma superior e uma inferior. O personagem central passa de um plano a outro ajudado por personagens cadavéricos em seu redor. Na parte de cima se destacam casais em ato sexual invertidos (cópula não vaginal) acompanhados de perto por um esqueleto que carrega esferas, provavelmente o sêmen. Outros personagens esqueléticos dançam enquanto um amendoim toca sua quena, sempre ao lado de um morcego. Dois esqueletos em cima ajudam o personagem central a descer. Na parte inferior vários esqueletos dançam ao som de dois antaristas. 233 Um deles cavalga uma lhama, enquanto outros indivíduos esqueléticos aparecem fechados em câmaras. Dois esqueletos puxam o personagem central, acompanhados por um cachorro, aí aparecem vasilhas idênticas às utilizadas em enterramentos, como cântaros e vasos de alça estribo. Os antaristas usam toucados de ave e mamífero (tabela IV.VI). O desenho de Gölte (M009) mostra a vasilha original de onde foi retirada a representação: um vaso de alça estribo fase III. Por não termos encontrado uma grande quantidade deste tema, é possível que tenha sido um tema anterior ao período Médio, que tenha sido deixado de ser produzido na fase IV, dando origem aos temas 1, 2 e 3, amplamente representados. O tema será discutido na conclusão deste capítulo. IV.III.II.A.VI. Outros Temas Encontramos algumas peças únicas, que fogem à regra das representações encontradas em grande número, não podendo ser encaixadas em nenhum dos grupos estudados. Três delas apresentam um item novo: tocadores de quena nas Danças do Inframundo, algo que não encontramos em nenhuma das peças analisadas anteriormente (ver tabela IV.III). Todas estas peças são cântaros (prancha 125), nos quais os quenistas não apresentam nenhum atributo de poder, atuam em dupla e são acompanhados por dançarinos esqueléticos representados em redor do bojo. Uma variação deste tema (M506) apresenta uma dupla de antaras acompanhada por um quenista e os dançarinos. Destacam-se ainda as peças M462 e M466 (prancha 126) por contarem com mini antaristas e mini percussionistas. M174 (prancha 126) apresenta um vaso fase IV de alça estribo com bojo quadrado e um aplique escultórico complexo. Nele, pequenos seres cadavéricos preparam um fardo funerário, observados por um personagem esquelético grande. Na parte de baixo do bojo a representação em linha fina mostra uma Dança do Inframundo apenas com percussionistas e guerreiros portando clavas. Quatro esqueletos têm seus órgãos sexuais à mostra (Bourget, 2006: 91). Observa-se a representação de vasilhas na parte de trás do bojo. 234 IV.IV. Discussão do Capítulo IV Este capítulo analisou toda a iconografia dos músicos sobrenaturais, isto é, aqueles relacionados apenas às ontologias mochicas. Divindades, seres cadavéricos, mortos com genitálias vivas, plantas e animais aparecem associados a todos os instrumentos sonoros existentes na organologia mochica e fazem parte de um mundo musical fantástico, no qual a produção sonora revela seus aspectos mais simbólicos e metafóricos. Embora aparentemente desconexos, todos esses elementos se interrelacionam: mortos, divindades, plantas, sementes e animais estão interconectados, distinguindo precisamente as relações entre vida e morte, dois aspectos fundamentais que sustentam as cosmovisões mochicas e, por consequência, legitimam e pautam as cerimônias oficiais celebradas no mundo dos vivos, discutidas no Cap. III. As divindades representam importantes linhagens das quais descendem os homens de poder. Governantes, sacerdotes e sacerdotisas, oficiantes e sacerdotes-guerreiros: todos os indivíduos de alto status da sociedade mochica têm suas posições legitimadas por suas ascendências. Muitas cenas com músicos cadavéricos escultóricos apresentam conotação sexual, seja por meio da representação de genitálias nitidamente como partes vivas desses esqueletos ou por meio da associação de parceiras, na maioria das vezes vivas, que atuam conjuntamente a esses indivíduos mortos em uma série de atividades de cunho erótico. Representações com temáticas eróticas são comuns na arte mochica e foram discutidas por alguns estudiosos (Larco, 1966; Bourget, 2006). Os conceitos de vida e morte estão intimamente relacionados ao erotismo expresso na arte mochica. Bourget (2006: 107-108) interpreta as cores da cerâmica mochica sob uma perspectiva simbólica. Para o autor as partes em vermelho da cerâmica representariam a vitalidade e a virilidade, enquanto o branco, em contraposição, simbolizaria a morte. Ao discutir as peças com seres mortos baseando-se nesta premissa (ibid.), o autor alega que as genitálias em vermelho nos seres mortos simbolizam a regeneração da vida 235 e que, igualmente, as mulheres vivas que acompanham os seres cadavéricos (prancha 105) estão sempre representadas em vermelho (ibid.) devido à metáfora produzida pelas cores. As a research hypothesis, I suggest that these contrasting colors—red and white—represent respectively the fundamental concepts of life and death. As such, they must have been systematically used in other media such as murals, to convey what may appear to be the most basic principle of Moche iconography and religion. This is probably why in scenes in which the woman is also depicted as a skeleton, her body is white (…). Thus, the red capes worn by skeletal males would not only reinforce the association with the feminine gender but also with the dualist concept of life (red cape) and death (white corpse (…)). (Bourget, 2006: 108) Esta lógica se encontra presente em uma cena singular do repertório iconográfico da fase IV (M015, prancha 127). Apesar da sua raridade é um tema muito significativo, mencionado previamente em nossa dissertação de Mestrado (La Chioma, 2012: 160). Trata-se de um vaso de alça estribo com bojo comum e aplique escultórico que não apresenta nenhum músico em particular, mas sim uma antara pairando entre diversos personagens mortos. O aplique escultórico mostra um ser cadavérico do inframundo em ato de masturbação. Na parte de baixo, a representação pictórica em linha fina mostra quatro personagens, dois deles masculinos nas extremidades da imagem, próximos ao entroncamento da alça estribo com o bojo, associados a tronos. Na parte central da imagem duas mulheres, cada uma associada a um destes seres cadavéricos, parecem disputar a antara e o semema circular, provavelmente sêmen, que pode ter sido originado tanto do órgão sexual do personagem escultórico quanto do ser cadavérico pictórico que abraça a mulher. Bourget (2006: 105) interpreta esta cena como um ritual funerário, pois associa quatro elementos fundamentais deste tipo de atividade: as oferendas funerárias (representadas pelo vaso de alça estribo na cena pictórica), a música (representada pela antara), as mulheres e a atividade sexual (ibid.). É importante atentar para as relações de fertilização expressas nesses vasos e que muitas vezes estão associadas a instrumentos sonoros. As esferas como signos do sêmen aparecem também em outras vasilhas vistas neste capítulo. Na prancha 118 duas peças da subcategoria 2 da categoria de 236 Danças do Inframundo mostram o semema circular arremessado pelos indivíduos deitados no topo do bojo, como já mencionado. Em M003 (prancha 113), por exemplo, as estrelas que aparecem sobre o par central de antaristas e sobre a mulher que vigia as paicas poderiam também ter esta conotação, mas não são elementos muito comuns na iconografia mochica, tornando necessárias mais referências para tal interpretação. De qualquer forma, em todas estas vasilhas parece haver uma disputa pelo sêmen circular que cai no mundo dos mortos, especialmente porque as mulheres têm suas mãos estendidas para cima, como num ato de tentar apanhar este elemento, em praticamente todas as cenas. Relações metafóricas de fertilização também podem envolver as tinyas, instrumentos simbolicamente femininos sempre presentes nas Danças do Inframundo, tanto nas representações pictóricas quanto nos apliques escultóricos dos vasos, tocados por seres cadavéricos ou transitórios. Os estudos iconográficos de Bourget (2006: 65-66) levaram-no a observar que na arte mochica os temas eróticos estão associados tanto a divindades quanto a seres do inframundo. Segundo o autor (ibid.), os personagens envolvidos em diversos tipos de representações sexuais que não envolvem cópula vaginal são mortos e degenerados, enquanto os personagens envolvidos diretamente em cópulas vaginais são seres sobrenaturais e divindades, como Ai Apaec (ibid.). Bourget lembra que, da mesma forma, Hocquenghem (1987: 46 apud Bourget, 2006:70) divide as cenas eróticas mochicas em dois grandes grupos: os atos sexuais que levam à procriação, e os que não levam à procriação. Os primeiros são interpretados como rituais celebrados na estação seca, e os segundos, como rituais característicos da estação úmida (ibid.). A presença de relações sexuais invertidas nas representações iconográficas é discutida por estes estudiosos sob a perspectiva da inversão ritual, conceito muito debatido nos estudos das ontologias andinas (Bourget, 2006: 70, Allen, 2015: 315-316): Ritual inversion would represent the ritual actions or symbolic concepts that are used simultaneously to unite and distinguish between two extreme but related conditions such as life and death. In certain Andean cultures, the consumption of raw meat during funerary rituals would constitute a ritual inversion of the consumption of 237 cooked meat during everyday conditions. Likewise, a number of Andean communities, such as the Bolivian Laymi, consider that the underworld is inverted in comparison with the world of the living. (Bourget, 2006: 210) A Entrada no Inframundo (prancha 124) é um tema relevante para a discussão sobre inversão ritual e a fertilidade no mundo Moche. Esta cena complexa, decrita anteriormente, mostra dois rituais distintos ocorrendo em dois planos da existência, ao passo que um indivíduo, provavelmente de alto status social (em uma das cenas ele tem toucado e orelheiras circulares) faz sua passagem para o inframundo. Bourget e Hocquenghem têm interpretações diferentes sobre esta cena (Bourget, 2006: 179-182). O primeiro crê que a passagem esteja se dando do inframundo para o mundo de cima, que ele chama de “afterworld” dando à parte superior da cena um sentido de mundo intermediário que não exatamente o mundo dos vivos, e a segunda interpreta esta cena como uma passagem do mundo dos vivos para o mundo dos mortos. Enquanto o aspecto esquelético dos seres em ambos os setores do desenho – à exceção do casal em cópula invertida – nos leva a deduzir que nenhum destes mundos representados refira-se ao “mundo dos vivos” ou ao Kay Pacha necessariamente, a interpretação de Hocquenghem tem maior coerência quando se levam em conta os aspectos simbólicos dos instrumentos musicais envolvidos. O personagem que carrega as esferas está associado diretamente ao casal, provavelmente uma metáfora de fecundação, ainda que a cópula não seja vaginal. O sêmen não parece pertencer ao personagem masculino do casal, mas ao próprio esqueleto que os carrega, que também tem seu órgão sexual ereto. Neste sentido, é presumível que na cosmovisão mochica os indivíduos, após sua morte física, tenham que “nascer para o inframundo”, à maneira do nascimento tradicional no Kay Pacha e que, para tanto, as relações sexuais necessárias para este nascimento inverso também tenham que ser inversas. Nas cosmovisões ameríndias a passagem entre estes planos é muito mais fluida que nas concepções ocidentais. Portanto acreditamos que o indivíduo esteja sendo puxado para o inframundo, uma passagem possibilitada por diversos componentes da cena, como a cópula invertida que, ontologicamente, necessita também da força contida no sêmen e tem a 238 capacidade de mobilizar os seres para uma nova vida no inframundo. Bourget acredita que estes rituais de inversão tenham de fato ocorrido entre os mochicas com o objetivo de conduzir seus mortos, principalmente os de alto status, para o Uku Pacha: (…) the scenes of anal copulation, which apparently took place at the same time as the “passage” of the deceased, could have happened during the funerary or mourning period by people closely related to the deceased, to mark the transition and the necessary inversion from death to a particular form of life. Thus, the funerary ritual would have taken care of the physical remains of this high-ranking person; rituals of inversion would have attended to the metaphysical part or essence of this same individual. (Bourget, 2006: 221) Elementos que fazem referência a tumbas estão presentes, como vasilhas e cântaros, além de um pequeno espaço fechado no inframundo onde repousam dois esqueletos que pode ser uma referência direta à câmara funerária do indivíduo. O músico de cima tem aspecto de amendoim e toca uma quena. Em contraposição estão os músicos do abaixo, esqueletos tocando antaras em pares. Allen (2015: 316) menciona algumas mitologias andinas citadas em fontes etnográficas e coloniais, nas quais os mortos são considerados fontes de vida, análogas a sementes: While there is much variation, many accounts from early colonial sources to the present describe the afterlife as a kind of parallel world to that of the living, “where spirits, like seeds, could flourish back toward life” (…). In Sonqo some of my respondents described this as God’s hacienda. In other contexts the dead are said to enter underground lakes in the interior of a mighty mountain. According to Bastien (1985), the Qollahuaya dead are carried in a subterranean river to a lake within Mt. Kaata, from whence they are reborn. Similarly, in Sonqo the dead were said to “travel” (puriy) in subterranean water that breaks through Sonqo’s hillsides in springs (pukyu) and marshes (wayllar). Huaquiranos describe Mt. Qoropuna as giving rise to an underground system of lakes and rivers, through which moisture expelled by the dead returns to the living in the form of irrigation water (…). In either version, as water or seeds, the dead become sources of life-giving water and new generations of people. 239 They belong to a generalized category within which the particularity of persons is lost (…). (Allen, 2015: 316) O mesmo conceito é discutido por Kaulicke 61 (2001: 25 apud La Chioma, 2012: 154) e Platt (2002, apud Soares, 2015: 165), em um e seus trabalhos etnográficos na região de Potosí, Bolívia, enfocado no tema da gravidez e da concepção. O nascimento dos bebês estaria, segundo as conclusões do autor, conectado ao inframundo, ao hurin, já que deste plano viria a energia necessária para o nascimento. Esta força, ao entrar no ventre da mulher, movimentaria as substâncias femininas (sangue) e masculinas (sêmen) para formar um novo ser humano vivo (ibid.). O nascimento é um momento de transição no qual os bebês, concebidos no mundo noturno e do abaixo, deixam esse âmbito para passar para o mundo do Kay Pacha (Soares, 2015: 165-166). Todo este conteúdo simbólico pode explicar porque tantos mortos aparecem na iconografia mochica com genitálias plenamente vivas e férteis, já que é do mundo dos mortos e dos ancestrais que surge a força telúrica responsável pela geração. No que tange ao nosso tema, a música, podemos afirmar que seus papéis estão plenamente associados à simbologia dos instrumentos sonoros tocados por eles. Como vimos no Capítulo III, antaras estão associadas à estação seca e aos mortos. Músicos cadavéricos escultóricos estão associados predominantemente a antaras (Gráfico IV.XVII). Muito provavelmente estes são instrumentos responsáveis por uma “procriação reversa”. A agentividade deste instrumento reside em seu próprio poder de conduzir os mortos ao inframundo, garantindo a existência da vida nos planos abaixo do Kay Pacha. A iconografia mostra claramente que é com este instrumento, acompanhado de tinyas, que os mortos são recebidos no inframundo. Já as quenas, ligadas à estação úmida e à procriação, têm a agentividade oposta às antaras: dão força e virilidade aos seres do Kay Pacha. O fato de seus tocadores serem em grande medida 61 Análogo al ciclo biológico de la planta que se inicia como brote tierno y jugoso y termina en semilla seca y dura para luego rebrotar (...) el lugar del enterramiento y un término para el cuerpo disecado usado en la Sierra Central durante el siglo XVII, mallqui, semanticamente relaciona muerte y enterramiento con siembra y rebrote (...) o muerte y regeneración. El poder germinativo o generativo se debe a lo que se conoce por camaquen (...) o illa (...). Como la noche significa la muerte del Sol y su regeneración en el dia siguiente, los ancestros deben pasar por um destino análogo (Kaulicke, 2001: 25). 240 plantas que crescem para baixo, como amendoins e batatas, além de guerreiros, demonstra que este instrumento, assim como as plantas, promove o nascimento das coisas, pessoas e forças do mundo de baixo (hurin) para o mundo dos vivos. A antara, pelo contrário, promoveria o nascimento das coisas, pessoas e forças do mundo dos vivos para o inframundo. Ambos os instrumentos de sopro têm em comum o fato de estarem relacionados aos fenômenos que ocorrem na fronteira entre o inframundo e o mundo dos vivos. Segundo as interpretações de Hocquenghem (1987: 98-99) as danças dos mortos e os eventos terrenos em honra aos mortos se davam na época úmida, em novembro. Quanto aos músicos, observamos que as qualidades simbólicas dos instrumentos estão plenamente associadas a seus tocadores. As qualidades simbólicas da antara, como morte, regeneração e passagem entre mundos estão plenamente associadas a seus tocadores: seres mortos, degenerados e, no caso dos indivíduos de poder, os Sacerdotes Guerreiros ligados à coruja e ao mundo noturno, portanto ao sacrifício e à morte. As qualidades simbólicas da quena, como virilidade, força e fertilidade, estão igualmente associadas às qualidades de seus músicos, plantas, guerreiros e acompanhantes presentes nas grandes cerimônias coletivas. Na cena da Entrada no Inframundo observamos que os músicos que tocam a quena, na parte superior da cena, são amendoins, e os que tocam as antaras no Inframundo, são esqueletos. Amendoins, segundo Bernier, apresentam conexões claras com o tema da morte e do inframundo: In Moche ceramic art, peanuts appear as anthropomorphic musicians playing the flute or panpipes, as skeletal figures, or as sleeping persons (Bourget 1994: 105). In their natural form, peanuts are presented in stacked gourd plates filled with food (Donnan 1978: 178). In Moche art, such gourd plates are associated with ceremonial feasts and funerary rituals (Arsenault 1992: 51). This thematic connection between peanuts and death-related subjects is shared with other plants and animals such as tubers and spiders, for example. Bourget (1994: 95) proposes that in the Moche system of beliefs, the symbolic role of some plants and animals stemmed from their behavior and properties in the natural environment. Like tubers and spiders, peanuts live under the ground, where the deceased are buried and where the world of the dead lies. (Bernier, 2010: 105) 241 É possível verificar, pela discussão de todos estes dados, que temáticas eróticas e funerárias estão intimamente conectadas na iconografia mochica (Bourget, 2006: 178). Os amendoins, portanto, simbolizam a fertilidade e a concepção não apenas no mundo dos vivos ou Kay Pacha, mas também no inframundo. Antaras são indiscutivelmente os instrumentos sonoros mais presentes nesses tipos de representação (Gráfico IV.XVII e Tabela IV.III), mas quenas também aparecem em alguns momentos e provavelmente fazem menção à geração ou concepção de uma nova vida entre os dois planos. As Danças do Inframundo referem-se a este momento de passagem de almas e de ancestrais entre dois importantes planos da existência, congregando diversos personagens que têm diferentes papéis e agências nesta narrativa. Por exemplo, os indivíduos responsáveis por carregar plantas, como a mandioca e o milho, além da chicha, geralmente carregada por mulheres, são citados com estas mesmas atribuições em fontes etnohistóricas. Segundo Benson (2012: 92), até hoje mulheres carregam chicha e espigas de milho em danças comunais dos ayllus tradicionais, geralmente dançadas em círculos (ibid e Urton, 1993: 126-129 apud Benson, 2012: 92). A planta de mandioca, como bem observou Bourget (2006: 85), é mais um dos tipos de plantas que crescem para baixo e está associada a cenas eróticas na iconografia mochica, muito provavelmente conservando um sentido de fertilidade e reprodução (fig. IV.8). 242 Fig. IV.8. Planta de mandioca associada a cena erótica. Bourget, 2006: 85 Para Bourget (2006: 147-148), amendoins, assim como tubérculos e toda ordem de plantas que crescem para dentro da terra, têm conexões com o conceito de fertilidade invertida. 62 Além dos tubérculos, esta força reprodutiva e fértil também é observada nos mortos. Soares relata que Cavalcanti-Schiel, em 62 The Moche did not randomly choose chili peppers and peanuts because these two plants are symbolically important. As noted above, the chili is frequently depicted on the bodies of toads, while the peanut is often transformed into a human or skeletal being playing a musical instrument (panpipes, flute) or with the head simply resting on a potato (figure 2.114). In a previous contribution, I suggested that peanuts formed part of a cluster of plants and food products directly associated with symbolic aspects of death and fertility (Bourget 1990). This group, mostly comprised of potatoes, camote, yucca, and peanuts, provides complex metaphors, since these crops grow underground and may have been perceived as possessing some uncanny associations with death and ideas regarding the inside of the earth and the underworld. This connection with the inside of the earth is not unique to these plants, as some of the most important animals of this system of representation, such as bats, foxes, burrowing owls, snakes, toads, and, of course, rodents, also dwell inside the ground or in anfractuosities during most of the day. The connection between tubers and some form of inverted fertility is further emphasized by a representation of a woman masturbating a skeletal man, in which the cape covering the couple takes the form of a tuber (figure 2.115). A yucca plant is represented just alongside a couple in an anal copulation scene (figure 2.20). Tubers and sexual subjects have a pervasive association, so I will need to return to this subject later. (Bourget, 2006: 147148) 243 um de seus trabalhos etnográficos de campo na região de Potosí, observou em um enterro que os seus informantes comparavam os ossos do morto a batatas, dado que o lugar de ambos seria embaixo da terra (Cavalcanti Schiel 2013: apud Soares, 2015: 255). A relação de fertilidade invertida tem uma profunda conexão com a morte e, por essa razão, os músicos mortos mochica apresentam genitálias vivas. A relação entre tubérculos e ossos também é verificada em Rostworowski (2000: 41) quando a autora conta o mito narrado por Calancha sobre a luta entre Pachacamac e Vichama. Segundo a lenda Pachacamac havia criado um casal de seres humanos, mas não lhes proporcionou alimentos (ibid.), razão pela qual o homem morreu. A mulher então foi fecundada pelo Sol e deu à luz um menino, o qual Pachacamac despedaçou motivado pela raiva da intervenção de seu pai. Pachacamac semeou as partes do menino. De seus dentes nasceu o milho, de seus ossos a mandioca e de seu corpo as frutas da terra. Devido a este sacrifício é que teria se iniciado a abundância e a fertilidade (ibid.). As plantas nascem dos ossos e do sacrifício, e por esta razão a fertilidade e a morte fazem parte do mesmo ciclo e se encontram conceitualmente, embora no ocidente estas concepções sejam totalmente separadas. As genitálias vivas e à mostra dos músicos e dançarinos nas Danças do Inframundo reforçam a relação entre morte e fertilidade. Rostworowski (2000: 80), retomando novamente as tradições de Huarochirí (Ávila, 1598), menciona uma festa na qual todos dançavam nus, e que isso contribuiria para a fertilidade: Cinco días duraban las celebraciones em honor de la diosa y bailaban el Huancaycocha, trayendo para ello a llamas y pumas; también danzaban el Ayño y el Casayaco, este último era el preferido de Chaupiñamca porque lo ejecutaban desnudos, con sólo puestos sus adornos. La gente decía que Chaupiñamca se alegraba de ver el sexo de los bailarines y cuando se efectuaba esta danza aumentaba la fertilidad del mundo. (Ávila apud Rostworowski, 2000: 80) Vimos anteriormente que a peça M143 (prancha 105) foi encontrada em um contexto funerário, uma tumba contendo cinco indivíduos. A presença na tumba de peças deste tipo, de cunho erótico, com um tocador de antara 244 acompanhado de uma mulher, pode fazer referência à importância do instrumento sonoro no momento de passagem para o inframundo, não apenas no sentido de cruzar uma fronteira, mas de nascer novamente, de ser concebido para o inframundo. Por isso, a força reprodutiva e erótica referente à cópula é aludida na iconografia que acompanha estes mortos, bem como a antara como instrumento emblemático do inframundo. Segundo Olsen (2002: 99), a intensa associação de antaras a personagens mortos na iconografia mochica demonstra que este instrumento esta ligado à jornada para “a outra vida”, sendo verdadeiro símbolo da ponte entre vida e morte (ibid.). As diferenças entre os diferentes temas de Danças do Inframundo são bastante amplas e significativas. Dão-se em relação aos tipos de personagens encontrados, aos tipos de instrumentos sonoros tocados, à presença ou ausência de atributos de poder nos músicos e até mesmo em relação aos vales em que foram produzidas as peças. Quanto aos instrumentos sonoros, apenas os Temas 2 e 3 apresentam percussionistas (gráfico IV.XX), sendo que os outros apresentam exclusivamente antaristas, e o tema 4, trombeteiros. A tabela IV.III e o gráfico IV.XXVI mostram que as antaras são os instrumentos mais representados nas Danças do Inframundo, seguidos das tinyas. Quenas e trombetas aparecem muito raramente. Os músicos podem ou não apresentar atributos de poder. A tabela IV.V mostra a distribuição de atributos dos músicos tendo como referência o grupo ou tema no qual atuam. Enquanto nos Temas 1 e 3 os músicos apresentam quantidades significativas de atributos de poder, nos Temas 2, 4 e 5 eles aparecem geralmente nus e sem toucados. A tabela IV.IV mostra que nos Temas 1 e 3, nos quais predominam músicos com atributos de poder, a grande maioria dos toucados são de aves marinhas, seguidos por outros tipos de toucados menos frequentes (ver gráfico IV.XXV). Finalmente, o gráfico IV.XXVI mostra que nas Danças do Inframundo músicos sem atributos de poder ou vestimentas superam em grande quantidade os que apresentam estes elementos. Os atributos de poder em algumas cenas podem aludir a uma importância social dos músicos ou sua pertença a grupos de poder. Entretanto, as Danças do Inframundo em geral não mostram um protagonista específico 245 que se destaque de todos os outros personagens, com exceção do Tema 2, cujo personagem principal é nitidamente o Sacerdote Guerreiro ladeado pelos antaristas. Desta forma, os músicos dividem o espaço das cenas com mulheres, crianças, dançarinos e outros personagens que compõem estas narrativas, não demonstrando qualquer destaque em relação a estes. É certo que, dentro da cosmovisão mochica, a produção sonora era parte fundamental do momento de entrada no inframundo e, aparentemente, os músicos poderiam ou não ser membros das elites do mundo dos vivos. Enquanto o Tema 1 é mais representado em vasos de alça estribo, o Tema 2 é proeminente em vasos de alça lateral, e o Tema 3 se divide entre estes dois tipos de suporte de maneira mais ou menos uniforme (tabela IV.IV). O “personagem olhando para trás” segurando um tumi só aparece no Tema 3, quando há trios de antara e percussão. Já o chicoteador aparece apenas no Tema 2, algumas vezes substituindo o Carregador de Mandioca. Estas observações são feitas aqui com o propósito de esclarecer que estas variações nas cenas dependem do subtema. Estudos mais aprofundados teriam que ser empreendidos com o objetivo de entender melhor estas cenas e as variações em temas, personagens e na morfologia dos vasos. Finalmente, desde a nossa pesquisa de Mestrado (La Chioma, 2012: 159-160) notamos que havia uma relação entre os temas das Danças do Inframundo e vales específicos. É certo que não temos a informação de proveniência da maioria de nossas peças, mas as informações de proveniência do Museu Larco são suficientemente confiáveis, já que os vasos são procedentes de escavações ou prospecções de Rafael Larco e foram registrados. Muitas das peças com Danças do Inframundo do Museu Larco têm informação de proveniência e, com base nestas peças, realizamos uma análise da relação entre os temas encontrados e os vales identificados nas fichas oficiais do museu. Desta vez analisamos uma maior quantidade de peças que no mestrado, e também tivemos acesso a mais dados de proveniência. O Gráfico IV.XXVII mostra esta relação. O Tema 1, com pares de antaristas, aparece em praticamente todos os vales da área Moche Sul exceto o de Chicama. O Tema 2, com os antaristas pairando sobre o Sacerdote Guerreiro aparece exclusivamente no Vale de Chicama. O Tema 3, com os trios de antara e percussão aparecem em praticamente todos os vales da esfera Moche 246 Sul exceto o de Moche. O Tema 4, com os trompetistas, aparece somente em Virú, mas como encontramos apenas duas peças deste tema, não é possível afirmar nada em relação à exclusividade de produção desta temática neste vale. De maneira geral, os Temas 1 e 3 estão contemplados de forma equilibrada em toda a área Moche Sul, mas é curioso que o Tema 2, justamente o mais numeroso de nossa amostragem, tenha proveniência exclusivamente do Vale de Chicama. É importante pensar na distribuição dos temas não apenas desta narrativa, mas de toda a iconografia mochica, em relação aos vales, já que, aparentemente, a iconografia parece seguir padrões normatizados, muito provavelmente definidos pelas elites dominantes em suas áreas de dominação, o que corresponde, no mundo Moche, aos vales. O que cremos importante compreender da análise dos dados deste capítulo é que os papéis dos músicos sobrenaturais estão diretamente associados à simbologia dos instrumentos sonoros. Não que entre os músicos oficiais a simbologia dos instrumentos não seja importante, já que certamente a agência específica de cada um deles nos eventos coletivos não deve ser ignorada. Entretanto, os músicos sobrenaturais não existem fisicamente. Atuam apenas no imaginário e nas mitologias mochicas. Por esta razão, compreender em que ocasiões míticas atuam e quais são as características destes músicos sobrenaturais (mortos, com aspecto de batata, raposa ou ave) nos leva a elucidar muito do papel do som e dos instrumentos sonoros na cosmovisão mochica. A relação das antaras com a morte e das quenas com a fertilidade, por exemplo, fica muito mais clara quando analisamos estes dados. 247 Capítulo V O Som que Conecta os Espaços: Os Músicos Mediadores D.O Can you tell me something about the power of the owl that you have drawn on your rattle? E.C Yes, the owl (I also have an eagle), the owl is a symbol of wisdom and the dominion of the night. These include the lechuzón (large owl), the lechuza (medium owl), and the lechucita (little owl), or paupaca. They all have their myths. When the lechucita sings, it is for a particular reason. (Eduardo Calderón apud Olsen, 2002: 160) Os dois capítulos anteriores apresentaram músicos atuando em mundos opostos: o mundo dos vivos, ou Kay Pacha, marcado pelas relações de poder e pela vida social, pelos eventos públicos e a atuação político-religiosa de indivíduos de alto status, e o mundo sobrenatural, tanto do acima (Hanan Pacha) quando do abaixo (Hurin Pacha) onde estão o camac ou as energias vitais de plantas, animais, divindades e ancestrais, onde vivem os seres extraordinários que são responsáveis pelas relações de equilíbrio de forças e pela própria sustentação do mundo dos vivos. Entretanto, como vimos na narrativa da Entrada no Inframundo, existem espaços de transitoriedade e comunicação entre o Kay Pacha e os outros planos que só podem ser acessados por indivíduos especiais. Eles aparecem no corpus artístico mochica não como sacerdotes ou guerreiros de alto status, tampouco como parte dos grupos de músicos sobrenaturais. São em geral indivíduos humanos, atuantes no Kay Pacha, com traços bem particulares. Podem apresentar degenerações 248 corporais, como escarificações ou amputações, cegueira ou estar em estado de transe. Suas vestes em geral são conformadas por túnicas, capas e turbantes. Algumas vezes podem exibir toucados elaborados, e quase sempre apresentam orelheiras circulares e colares. Levando em conta toda a discussão levantada nesta tese, de que a produção dos vasos cerâmicos mochica era extremamente normatizada, com temas escolhidos no âmbito do exercício de poder político-religioso das elites com a finalidade de legitimar, manter e propagar este poder, fundamentado por sua vez na cosmovisão, se observa uma tensão entre a iconografia dos personagens oficiais e do mundo sobrenatural por um lado, e dos personagens que serão discutidos neste capítulo por outro. A iconografia dos capítulos anteriores parece servir ao propósito de legitimar o poder dessas elites. Enquanto a iconografia do poder expõe e legitima os principais chefes e suas posições na sociedade, a iconografia do sobrenatural sustenta todas as ontologias que, por sua vez, dão base a este poder, calcando-se na força dos antepassados, das divindades e no potencial transformativo do mundo natural que organiza os ciclos calendáricos e os próprios eventos oficiados pelos indivíduos de poder. Aparentemente, os indivíduos apresentados neste capítulo não estariam conectados aos grupos dominantes, nem pelos atributos que apresentam e menos ainda pela forma como atuam. Também não estão ligados ao sobrenatural. Não são ancestrais, divindades ou mortos. São indivíduos viventes no Kay Pacha com atributos simples, mas massivamente representados na cerâmica ritual. Quantitativamente, conformam a maior categoria de nossa pesquisa, com 39% das peças analisadas. V.I. Músicos Degenerados e Transitórios Bourget (2006: 233) aponta em seu trabalho para a importância dos espaços liminais, ou de transição, no mundo mochica, questionando como estes espaços de transição são representados na iconografia. A ênfase a esses espaços na iconografia dos espaços rituais ameríndios é também lembrada por outros autores (p. ex. Gillespie 1991: 332; Arcuri 2003, 2011). Para Bourget, a iconografia é muito clara em mostrar os estágios de transformação e os momentos de passagem (como, por exemplo, a “Entrada 249 no Inframundo”). Para trabalhar com este conceito de transitoriedade na iconografia mochica, o autor criou o conceito de “personagens transitórios” (ibid:58): As a research hypothesis, it can be suggested that in Moche iconography, a transitory stage exists between life and death, which seems to have been expressed by a number of symbolic devices and dualist subjects – or transitional beings – such as the living-dead, the monkey-man, and the one eyed person. (Bourget, 2006: 58) O conceito de “personagens transitórios” busca reduzir a rigidez com que a iconografia mochica tem sido tratada em muitos momentos do debate acadêmico, focando a fluidez própria das relações espaço-temporais da cosmovisão registradas na cerâmica ritual. Os personagens mutilados, por exemplo, não expressam apenas indivíduos doentes ou fisicamente degenerados, mas um estágio de transição no qual estes indivíduos se encontram entre dois planos, o Kay Pacha e o Hurin, e uma capacidade de agenciar as relações entre eles: Conceptually, these types of individual would occupy a transitory position between life and death. The facial attributes of the mutilatedperson would transform him into a sort of living-dead (…), whereas captured warriors and eventual sacrificial victims enter this liminal position by being designated for sacrifice. (Bourget, 2006: 8688) Benson supõe que personagens degenerados desempenhavam papéis sacerdotais, sendo escolhidos para esta função exatamente em razão de deformidades físicas e da maior possibilidade de aproximação ao inframundo estando assim capacitados a cumprirem esta intermediação: All of these figures depicted on the modeled pots have somephysical disability: blindness, lameness, old age, or traces of disease, such as leishmaniasis or verruga (…)… It seems evident that the priests were chosen for their office – which I presume had to do with death – because they had a physical deformity. They were associated with the dead by a sympathetic magic. Faces which have been affected by leishmaniasis or verruga look like mummified faces: blind faces have the blank look of the dead. (Benson, 1975 apud Olsen, 2002: 78). 250 Os personagens degenerados são reconhecidos por deformidades físicas resultantes ou deficiências de doenças, e fazem a transição entre o mundo dos vivos e o inframundo. Entretanto, alguns personagens podem compartilhar traços de animais também, estendendo essa capacidade de transição para mais planos e mundos. Conceitualmente, vítimas de sacrifícios humanos também estariam na posição de transitórios entre a vida e a morte, após capturados (Bourget, 2006: 85). Outro conceito interessante trazido por Allen (2015: 315) ao debate dos seres degenerados nas cosmologias andinas é o de que indivíduos transgressores dos preceitos de reciprocidade fiquem aprisionados aos seus corpos em decomposição, nunca conseguindo cumprir completamente sua passagem para o inframundo: After death, qayqa becomes perceptible in the putrid atmosphere surrounding the corpse. Decomposition, which already has long been underway, manifests itself as the body rots and the flesh separates from the bones. It is of the utmost importance to survivors, as well as the deceased, that this process be properly completed. Persons who in life violated their reciprocity relationships (the worst such offense being incest) never complete this separation of flesh and bone. Imprisoned in rotting bodies, surrounded by qayqa and howling in pain, these kukuchis (or condenados) roam boulder fields and glaciers, filled with cannibalistic longings to eat human flesh. (Allen, 2015: 315) Veremos nesta parte alguns exemplos desses personagens transitórios e degenerados associados a instrumentos sonoros. V.I.I. Antaristas Degenerados e Transitórios A prancha 129 mostra um cântaro e três vasos escultóricos de alça estribo com tocadores de antaras. A peça M004 mostra um personagem semicadavérico, com a mandíbula escalonada bem marcada. Já os personagens das peças M021, M022 e M057 apresentam características físicas de degenerados. Os rostos apresentam deformidades, muitas vezes 251 interpretadas como sinais de leishmaniose (Benson apud Olsen, 2002: 78). Apresentam turbantes, camisas e calções como vestimenta. Também carregam uma manta ou aguayo amarrada ao corpo. Estas foram as únicas quatro peças encontradas na amostra com este tipo de representação escultórica. Todos os vasos são do Período Médio. É interessante notar que todos tocam antaras, instrumento relacionado à passagem entre os planos de baixo e o terreno, entre o inframundo e o Kay Pacha. V.I.II. Percussionistas Cegos Uma categoria bastante ampla na amostragem, com trinta e três peças, é a de percussionistas cegos. Em geral estes personagens aparecem tocando tinyas vestidos com túnicas, turbantes, capas e capuzes. São sempre representados em forma escultórica, seja em alça estribo, em cântaros e até mesmo em alça lateral (um exemplar). V.I.II.A. Em Alça Estribo As pranchas 130, 131 e 132 mostram diversos destes personagens representados no próprio bojo dos vasos de alça estribo. São peças feitas em moldes e, muitas vezes, os personagens não são apenas cegos, mas apresentam deformações no rosto, como os antaristas vistos acima. V.I.II.B. Em Aplique de Alça Estribo Este subgrupo apresenta os mesmos percussionistas representados em aplique de alça estribo. Os vasos, neste caso, apresentam bojo comum, que podem não apresentar qualquer tipo de representação (prancha 133), como também podem trazer representações de Danças do Inframundo (prancha 134). V.I.II.C. Em Cântaros Poucos cântaros foram encontrados com percussionistas cegos, todos na prancha 135. Um deles (M179) se diferencia por seus atributos de poder: toucado com cabeça de felino, peitoral e orelheiras circulares. 252 Os gráficos V.I e V.II mostram a distribuição de percussionistas cegos por suporte artefactual. Destacam-se os vasos de alça estribo, com ênfase no tipo de representação escultórica em aplique. Cântaros e vasos de alça lateral são praticamente insignificantes na amostra apontando para uma produção em massa deste tema em vasos de alça estribo. Já o gráfico V.III, produzido somente a partir das peças com referência de proveniência de escavação, demonstra uma maior recorrência deste tipo de representação no vale de Santa, ao sul da região Moche Sul. V.II. Xamãs e Curandeiros Uma das categorias mais expressivas de toda a nossa amostra é a de Xamãs e Curandeiros. São 161 peças no total, perfazendo 25% de todo o material encontrado. São todas peças escultóricas feitas em molde, principalmente cântaros, além de uma quantidade expressiva de vasos de alça estribo (ver gráfico V.XIV). Estes personagens estão associados a diversos tipos de idiofones, demonstrando também uma grande diversidade de atributos físicos e vestimentas. Uma de suas principais características é a relação com idiofones. Como aponta Soares (2015: 124-5) podem estar associados a plantas sagradas ou alucinógenas, como a coca (aparecem na iconografia com uma saliência na lateral da face que faz referência ao fato de estarem mascando) ou segurando cactos San Pedro (Trichocereus pachanoi). Seus colares são feitos de sementes, em geral nectandras, chamadas também de ishpingo (Soares, 2015: 140). Nos estudos iconográficos recentes (Franco, 2012; Soares, 2015) estes personagens têm sido interpretados como xamãs e curandeiros. As amplas discussões teóricas da Antropologia sobre o xamanismo e o curandeirismo na América do Sul têm sido adotadas por estes pesquisadores em suas análises do material mochica, como no caso de Soares (2015), e oferecido uma sólida base para a discussão sobre papéis sociais similares na era Moche. Em nosso trabalho não pretendemos elaborar uma discussão aprofundada sobre o 253 xamanismo, mas analisar estas peças à luz das discussões que fundamentam esta tese, sobre a atuação sonora destes indivíduos e sua posição dentro da sociedade mochica. Soares (2015: 67-69) argumenta, com base nos estudos de Polia, que na cosmovisão andina somente curandeiros têm a habilidade de entrar em contato direto com um conjunto específico de forças do cosmos que viriam a ser potencialmente perigosas para indivíduos comuns. Isso por estarem imbuídos abundantemente com camac, a força vital andina (ibid.). Xamãs formariam, por esta razão, uma espécie de ponte entre diferentes âmbitos e planos da existência: Neste sentido, todo tipo de mediação xamânica entre um mundo humano e outro não humano, seja ela através da palavra, do gesto, ou da música, faz com que os xamãs se apresentem com uma natureza híbrida, pois estão localizados na fronteira entre humanos e não humanos. (Soares, 2015: 80) Nas ontologias ameríndias xamãs têm o poder de mediar relações com outros planos, se comunicar com os mortos e os animais e efetuar curas. (Soares, 2015: 124). A atuação dos xamãs no mundo andino em geral, e mochica em particular, é um quesito conflitante com a atuação dos membros do “Estado”, as elites centralizadoras que mantêm o poder por meio de seus representantes, sacerdotes e governantes de poder político-religioso. Como vimos no Capítulo III, os rituais públicos oficiais de grande envergadura, esteio do poder das elites mochicas, eram oficiados por indivíduos de altíssimo status, com diversas atribuições (política, administrativa, religiosa, militar). Ainda assim, xamãs com seus poucos atributos de poder e praticamente nenhuma representação em linha fina, aparecem abundantemente em forma escultórica na cerâmica ritual mochica. É importante questionar em que medida o poder destes xamãs, representantes de outras esferas da sociedade, como pequenos povoados, ayllus e linhagens, coexiste com o poder chamado de “oficial”, como aponta Polia: 254 La promoción de ciertas deidades relacionadas con la aristocracia dominante responde a la necesidad de respaldar con el mito el poder político, como ocurre especialmente en el caso de los Incas, creando al mismo tiempo un culto común, controlado por ministros estatales, por encima de las varias expresiones religiosas particulares de los clanes, tribus, etnias “naciones” que integraban la multiforme realidad cultural del Tahuantinsuyu incaico. (Polia, 1994: 284) Os xamãs representariam estas expressões religiosas locais “ministros de culto que, mesmo atuando nos períodos de centralização do poder, estavam sob o domínio dos governantes ditos “oficiais”: estos, a veces tolerados, a veces rechazados y perseguidos, eran en todo caso controlados por el poder central incaico (Hualpa apud Polia, 1994: 288). A representação iconográfica dos xamãs mochica em geral se dava em vasilhas de cerâmica escultórica. Não achamos representações de xamãs em cerâmica pictórica, seja em representações de linha fina ou relevo. Há uma controvérsia na identificação de certos personagens da iconografia mochica como xamãs. Makowski faz um balanço crítico das funções de xamã e sacerdote na sociedade mochica, discutindo que papéis sociais de fato as imagens vistas na cerâmica representam: La figura del Sacerdote mochica conservaría ciertos rasgos típicos de la personalidad del “shamán”, lo que justificaría el uso del término “shamán-sacerdote”? El sacerdote y el shamán tendrían que ser, por el contrario, considerados como dos instituciones diferentes y coexistentes? Las similitudes con el shamanismo se reducen a una de las modalidades permitidas de acceso al sacerdocio, las técnicas extáticas, incluyendo el uso de los alucinógenos y la magia, siendo plenamente incorporados em el complejo culto oficial? En este último caso, la comparación con el complejo shamánico resultaría en algún grado superficial, concerniente a las formas “anacrónicas” y no a los contenidos de las instituciones religiosas. (Makowski, 1994: 53) De fato, como vimos no Capítulo III, indivíduos com alto status e grau de sacerdotes também estão associados a elementos alucinógenos (coca e ulluchu) e, pelo fato de se valerem do transe para cumprirem uma conexão 255 com o plano superior, poderiam ser considerados também como xamãs. Esta é uma discussão que não pretendemos aprofundar aqui. Consideraremos xamãs os personagens de túnica longa e associados a idiofones, que por ventura possam ter também cegueira ou olhos fechados em razão do estado de transe. A mesa, composta por uma série de objetos com diferentes simbologias, é um item fundamental para o trabalho do xamã (Elera, 1994; 23). Dentre os objetos que compõem uma mesa xamânica na atual costa norte peruana estão os instrumentos sonoros, geralmente idiofones de vários tipos, mas também podem estar presentes instrumentos de sopro, como ocarinas (Olsen, 2002: 150-151; Soares, 2015: 132). Xamãs também fazem uso de psicoativos para chegarem ao estado de transe e estabelecerem as conexões necessárias para empreender a cura: El shamán, a través de la técnica del éxtasis, establece una comunicación entre el mundo profano y sagrado. En el caso del shamanismo nor-costeño, incluyendo ciertas regiones de la sierra norte, el trance o éxtasis se consigue a través de la ingestión del jugo de una cactácea de principios psicoativos, el San Pedro (trichocereus pachanoi), llamada también huachuma o achuma, adicionándose además el jugo de otras plantas de sustancias psicoativas. Es interesante destacar que dichas cactáceas columnares tienen mayor poder para las visiones del shamán cuando éstas son recolectadas en ciertos ambientes ecológicos de los Andes que son de difícil acceso. Esos lugares son muy respetados y venerados por los shamanes norteños. Tal percepción sagrada aparentemente se originaría desde el período formativo de la civilización andina. (Elera, 1994: 23) Por ser um grupo muito amplo, dividimos os músicos xamãs em quatro categorias, cada uma com suas subcategorias. O primeiro critério de classificação foi o tipo de idiofone associado (de campânula fusiforme, idiofones de golpe direto horizontal e idiofones suspensos conjugados), o segundo critério foi o tipo de vasilha (em cântaro ou em alça estribo), e o terceiro critério foram os atributos específicos destes músicos. O chocalho é, até o presente, um dos elementos fundamentais na mesa de um xamã andino, segundo Polia: inseparável da função de curandeiro (Polia 1996 apud Soares, 2015:131). Esses idiofones podem ser de vários tipos. Em 256 nossa pesquisa encontramos três tipos específicos, que serão detalhados ao longo da discussão dos dados: - Idiofones de Campânula Fusiforme - Idiofones de Golpe Direto Horizontal - Idiofones Suspensos Conjugados V.II.I. Idiofones de Campânula Fusiforme Xamãs associados a idiofones de campânula fusiforme estão distribuídos em seis subgrupos, detalhados a seguir. V.II.I.A. Em Alça Estribo I – Degenerados Esta categoria conta com sete peças das quais quatro estão expostas no catálogo (pranchas 136 e 137). São todos vasos de alça estribo que podem tanto ter o bojo escultórico (prancha 136 e M430, M494, prancha 137) quanto bojo comum, em geral quadrado ou retangular, contendo aplique escultórico representando o personagem (M428, prancha 137). Encontram-se ajoelhados ou sentados, e têm sempre a cabeça apontada para cima. São geralmente cegos e/ou apresentam deformações na face, como os degenerados que vimos anteriormente. Usam túnicas, aguayos e colar de sementes. Ao passo que com uma das mãos seguram o chocalho, na outra mão espalmada sempre mostram algumas sementes (M494 e M428). V.II.I.B. Em Alça Estribo II – Curandeiros Este subgrupo conta com dez peças, das quais quatro estão expostas na prancha 138. São vasos de alça estribo com bojo comum, quadrado ou circular, cujos apliques escultóricos representam curandeiros cuidando de seus pacientes, que se encontram deitados diante deles. O chocalho em forma fusiforme pode ser notado pendurado nos ombros do personagem (M493 e M613) ou ao lado deles, repousando no chão (M501 e M608). Nota-se a variedade de toucados e atributos utilizados por estes indivíduos. Há toucados 257 de felino (M493 e M608), de diadema semicircular (M501) ou simples turbantes (M613). V.II.I.C. Em Alça Estribo III - Toucados de Felino Apenas duas peças (prancha 139) mostram tocadores de chocalhos de campânula fusiforme em alça estribo de olhos fechados, com toucados de felino e orelheiras circulares. Eles seguram o chocalho com uma das mãos e na outra carregam uma bolsa. V.II.I.D. Em Estatuetas Foi encontrada apenas uma estatueta com representação de xamã com idiofone de campânula fusiforme (prancha 139). V.II.I.E. Em Cântaros I – Toucado de Felino Esta é a subcategoria mais expressiva da amostra, com doze peças, das quais cinco foram exibidas na prancha 140. São cântaros cujos personagens apresentam atributos de poder, como toucado de felino, túnica, capa, orelheiras circulares, e tocam o idiofone de campânula fusiforme em uma das mãos, carregando uma bolsa na outra. V.II.I.F. Em Cântaros II – Outros toucados Um conjunto de apenas cinco peças (prancha 141) apresenta cântaros com personagens tocando chocalhos de campânula fusiforme, porém com outros tipos de toucados, como de ave (M434) ou até mesmo turbantes (M436). V.II.I.G. Em Cântaros III – Cegos A última subcategoria de Idiofones de Campânula Fusiforme se refere aos cântaros representando chocalheiros cegos ou de olhos fechados (prancha 258 142). Eles apresentam atributos de poder, como toucados variados e orelheiras circulares. Sempre carregam uma bolsa, além do instrumento sonoro. De maneira geral, a categoria como um todo apresenta personagens bem paramentados e com atributos de poder. Os tocadores de idiofones de campânula fusiforme atuam em cenas de curandeirismo e, muitas vezes, apresentam elementos de indivíduos degenerados, como cegueira e deformações faciais e corporais. As representações se dividem entre cântaros e vasos alça estribo (gráficos V.VI e V.VII). O grupo dos cântaros cujos personagens apresentam toucado de felino (V.II.I.E) é o mais expressivo, seguido pelos curandeiros em alça estribo (V.II.I.B) (gráfico V.V). V.II.II. Idiofones de Golpe Direto Horizontal Idiofones de Golpe Direto Horizontal foram encontrados em trinta e oito peças, das quais a maior parte é de cântaros (32) contra apenas seis peças de alça estribo (gráfico V.IX). Este é o grupo com menos artefatos e menor variabilidade entre os personagens, como veremos a seguir. V.II.II.A. Em Cântaros I – Sementes de Nectandra Esta é a subcategoria mais expressiva, com vinte e sete peças. Trata-se de cântaros escultóricos representando os músicos segurando seus chocalhos pelas duas mãos (pranchas 143 e 144). Eles usam camisas, bolsas que levam às costas (como se verifica em M310) e orelheiras circulares, não apresentando toucados ou demais atributos de poder. O chocalho é geralmente feito de sementes de nectandra (Nectandra sp.). Esta semente faz parte do grupo de cotiledôneas, dentre as quais estão também o mishpingo, a amala, e o ispincu (Montoya Vera, 2015: 238). De todas estas, a nectandra é a única procedente da selva amazônica (ibid.). Geralmente estas sementes estão associadas a enterramentos de prestígio (ibid.), tendo sido também muito utilizada em rituais e cerimonias (ibid.) Muitas delas foram recuperadas de contextos arqueológicos na Huaca de la Luna, da fase IV Moche e tb de períodos posteriores (tardio) (ibid.: 243). Segundo 259 Bernier (2010: 105) nectandras são geralmente associadas, na iconografia mochica, a xamãs, sacerdotes e curandeiros. V.II.II.B. Em Cântaros II – Sementes Alongadas Este grupo é formado por peças muito semelhantes às do grupo anterior, com variações em alguns detalhes (prancha 145). Em vez de camisas os personagens usam túnicas. Alguns apresentam toucados de duas plumas (M316, M301) enquanto outros não levam toucados (M308, M311, M299). Entretanto, seus chocalhos são feitos de uma semente diferente da nectandra,não identificada, mais alongada e com curvatura nas pontas. V.II.II.C. Em Alça Estribo Tocadores de idiofones de golpe direto horizontal também aparecem em vasos de alça estribo, embora em menor quantidade. Não são representados em apliques, mas no próprio bojo (pranchas 146 e 147). Apresentam túnica e orelheiras circulares sem toucado. Levam sempre uma bolsa nos ombros. V.II.III. Idiofones Suspensos Conjugados V.II.III.A. Em Cântaros – Toucado de Ave e Capa O primeiro subgrupo dos músicos que tocam Idiofones Suspensos Conjugados está composto por cântaros escultóricos. Os personagens usam túnica, capa, turbante, braceletes e um toucado com duas aves marinhas nas laterais. Carregam em uma mão o instrumento, e na outra uma bolsa (pranchas 149 e 150). Apenas uma peça (M355, prancha 149) tem informação de proveniência: Tanguche, vale de Santa). 260 V.II.III.B. Em Cântaros – Toucado de Ave e Colar de Nectandras O segundo grupo (prancha 151) é muito similar ao primeiro, mas em vez da capa amarrada ao pescoço os indivíduos usam colares de nectandras. A única peça com informação de proveniência é M352, também procedente do vale de Santa. V.II.III.C. Em Cântaros – Toucado de Felino O terceiro grupo se assemelha aos anteriores. O detalhe que varia são os toucados, agora de felino. É um grupo muito pequeno. Todas as peças encontradas na amostra (três) foram exibidas no catálogo (prancha 152). Nenhuma delas tem informação de proveniência. V.II.III.D. Em Cântaros – Toucado de Felino e Colar de Hamalas Seguindo a mesma lógica dos grupos anteriores, esta variação apresenta toucados de felinos com colares de hamalas (prancha 153). Nenhuma das peças tem informação de proveniência. V.II.III.E. Em Cântaros – Mulheres com Manta Longa Este conjunto é o maior da categoria, contando com sessenta peças (pranchas 154, 155, 156, 157 e 158). Trata-se de cântaros representando personagens femininos que apresentam um longo véu cobrindo a cabeça e todo o corpo. Soares (2015: 148) menciona em sua tese que o longo manto que cobre a cabeça seria o traço mais diagnóstico de mulheres ligadas ao curandeirismo. Os atributos mais comuns usados por essas mulheres são colares, tanto de placas trapezoidais (pranchas 154 e 155) quanto de hamalas (prancha 157), orelheiras circulares, os chocalhos e as bolsas. Algumas (apenas sete de sessenta peças) apresentam toucados de felino (prancha 156). Como as associações de atributos neste grupo podem ser múltiplas, não o dividimos em subgrupos, como no caso anterior. Apenas três peças 261 apresentam informação de proveniência, sendo duas do vale de Chao e uma do vale do Virú (M348, prancha 156). V.II.III.F. Em Alça Estribo – Mulheres Foram encontradas duas peças na amostra de mulheres com véus tocando estes idiofones, porém representadas em alça estribo em vez de cântaros (prancha 158). Nenhum deles tem informação de proveniência. V.II.III.G. Em Alça Estribo – Cegos Por fim, encontramos cinco vasos de alça estribo com indivíduos cegos tocando idiofones suspensos conjugados (prancha 159). Todos esses personagens têm em comum o fato de estarem na categoria dos degenerados, com cegueira e deformações físicas. Duas destas peças procedem do vale do Virú (M383 e M402) e uma do vale de Chicama (M384). Uma das peças (M385) é peculiar por seu formato de vaso sibilante, com bojo duplo. Estes músicos apresentam capas, túnicas e turbantes. Alguns deles têm toucados (M384 e M385). É importante notar que devido às variações muito sutis nos atributos, os primeiros grupos de cântaros: V.II.III.A, V.II.III.B, V.II.III. V.II.III.C e V.II.III.D podem ser agrupados em um grande conjunto: de Xamãs com Idiofones Suspensos Conjugados e Bolsa. O segundo grupo de cântaros pode ser denominado de Mulheres Xamãs com Idiofone de Golpe Direto Horizontal. O segundo grupo é muito maior que o primeiro, como aponta o gráfico V.XIII. V.II.IV. Idiofones de Golpe Direto Horizontal em Colar Idiofones de golpe direto horizontal podem ser encontrados na forma de colares, como é o caso das peças da prancha 160. Esta categoria é pouco expressiva, já que foram encontradas apenas duas peças. 262 V.III. Outros tipos de Músicos Mediadores Os músicos das categorias a seguir não se encaixam em nenhum grande grupo. São formados, em geral, por poucas peças ou peças únicas e apresentam personagens com atributos muito peculiares. Na prancha 162 vemos um vaso de alça estribo do MNAAHP, Lima, com um antarista usando túnica, capa e um turbante com aplique de animal quebrado. Tem também pintura facial. Ele não apresenta pupilas nos olhos. Analisamos a peça no Museu considerando que as pupilas poderiam ter sido inicialmente reproduzidas e estivessem desgastadas, o que impossibilitaria sua visualização nas fotos, mas não notamos qualquer presença da pintura das pupilas, o que significa que este é provavelmente um personagem cego. Não havíamos visto, até o momento, um antarista humano escultórico usando apenas capa e túnica em vaso de alça estribo. Vimos os esqueléticos, cadavéricos e os oficiantes, estes últimos com muitos atributos de poder. Mas antaristas usando apenas capa e túnica foram representados de forma pictórica em vasos de alça estribo, como vimos na prancha 114, M003. Reproduzimos um dos detalhes da peça M003 na prancha 162, abaixo da peça discutida, apenas para efeito de comparação. Este antarista apresenta os mesmos atributos dos personagens identificados com o hurin: a capa e o capuz, porém não está degenerado ou desencarnado. Tem uma deficiência visual que também o conecta com o inframundo, mas está nitidamente entre os dois planos, por sua condição de encarnado, assinalada pelos traços faciais, membros superiores e inferiores. A prancha 162 mostra três vasos de alça estribo representando de indivíduos com capas, túnicas, turbantes e orelheiras circulares tocando tambores de chão. Este grupo será discutido mais adiante. A prancha 163 mostra uma peça (M175) de alça lateral, com um aplique escultórico de mulher percussionista tocando tinya e duas mulheres pictóricas tocando idiofones de entrechoque. Diante da percussionista encontra-se uma oferenda de ave em uma vasilha. Representação semelhante, sem as mulheres com chocalhos, ocorre em M173, uma reprodução de Ana Hoyle para uma peça não encontrada em nosso levantamento de dados. Ambas as percussionistas demonstram deficiência visual e são encarnadas. Elas têm, 263 portanto, uma conexão com o hurin, mas atuam provavelmente como intermediadoras entre os dois planos. A peça da prancha 164 é única em nossa amostragem: um percussionista prisioneiro representado em aplique de vaso de alça estribo, nu e com a corda amarrada ao pescoço. Esta peça é muito surpreendente ao passo que nos permite compreender a produção sonora no mundo Moche para além dos momentos de cerimônias oficiais ou intermediação xamânica. Como vimos no início deste capítulo, indivíduos capturados em batalhas, despojados dos seus atributos e prestes a ser sacrificados são conceitualmente considerados personagens transitórios por Bourget. Na prancha 165 se exibe um grupo de peças, todos vasos de alça estribo escultóricos, representando indivíduos sentados com as pernas cruzadas ou dobradas segurando pututos entre as mãos. Eles vestem túnicas ou camisas e apresentam um penteado com a franja em destaque na parte central da testa. Eventualmente podem usar turbantes e orelheiras circulares. As pranchas 166 e 167 mostram dois vasos de alça em fita com apliques escultóricos de tocadores de pututo. Seus bojos apresentam, de apenas um lado, representação pictórica de um ser sobrenatural híbrido com atributos de diversos animais. Este personagem sobrenatural está conectado ao inframundo, e os músicos munidos dos pututos fazem a intermediação entre o mundo marinho e noturno e o Kay Pacha. É possível que o pututo esteja associado a este ser sobrenatural e que o vaso faça referência ao âmbito marinho. A prancha 168 mostra uma das peças mais peculiares encontradas em todo o nosso corpo de dados. Trata-se de um vaso de alça estribo escultórico representando uma ave antropomorfa que leva em suas asas, na parte traseira da peça, dois personagens humanos. Ambos apresentam apenas toucados de aves como atributos, um deles toca um idiofone de golpe direto horizontal e o outro leva uma espécie de chicote na mão direita. A falta de outras peças ou representações iconográficas semelhantes na amostra torna muito difícil a interpretação desta cena. Por fim, a prancha 169 apresenta três músicos com vestimentas alusivas a feijões. Dois deles são quenistas e o outro toca uma ocarina. Ambos os quenistas apresentam turbantes, túnicas e um detalhe no pescoço, similar a um 264 pendente. O músico M097, inclusive, tem a deficiência visual comum aos músicos humanos degenerados e mediadores. Após esta descrição, a seguir discutiremos os conjuntos de peças contemplados neste capítulo. V.IV. Discussão: Xamanismo, Transformação e Intermediação Segundo os estudos etnográficos, os curandeiros da costa norte peruana utilizam atualmente os Idiofones de Campânula Fusiforme e Suspensos Conjugados. Segundo Polia (1996 apud Soares, 2015: 132) o primeiro é chamado de chungana sorda. Ela tem um som surdo e rouco, e está relacionada aos ritos que ocorrem antes do amanhecer. Fica ao lado esquerdo da mesa, sendo também o principal responsável por ritmar o canto ritual, e pelas operações de defesa. (Soares, 2015: 132). Os idiofones Suspensos Conjugados por sua vez são chamados de chungana clara: Estas são tocadas de modo a produzir uma série de repiques velozes, e sua função está relacionada com a ação de “despertar los encantos”, quando o curandeiro dá uma série de voltas em torno dos objetos que quer “despertar”. São também utilizadas ao amanhecer, para acompanhar os cantos de propiciação, ou “florescimento”. (Soares, 2015: 133) De acordo com o estudo de Polia, tipos diferentes de idiofones teriam funções e poderes distintos, ocupam espaços distintos na mesa e estão ligados simbolicamente a diferentes momentos do dia. Entretanto, nos estudos etnomusicológicos de Olsen (2002: 148) seu informante Eduardo Calderón, um respeitado xamã da costa norte, apresenta apenas o idiofone de campânula fusiforme como chungana. Na foto apresentada por Olsen (ibid.) este instrumento está posicionado ao lado direito da mesa, e o informante não menciona o outro tipo de idiofone, suspenso conjugado. A forma como cada xamã produz sua mesa e usa seus instrumentos atualmente não parece ser ortodoxa ou seguir uma norma rígida. De qualquer forma, todos estes 265 instrumentos são conhecidos como chunganas entre os xamãs andinos, não importando a subcategoria. Em nosso corpo de dados estão associados à chungana sorda os curandeiros (prancha 138), os curandeiros degenerados (prancha 137) e outros personagens de sexo masculino com turbante (prancha 141) e toucados de felino (prancha 140). Já chunganas claras estão associadas a personagens com estes mesmos atributos (pranchas 149 a 153) e a mulheres (pranchas 154 a 158). Colocamos os dois exemplares abaixo (fig. V.I) lado a lado para fins de comparação. Apesar de estarem organizados em pranchas diferentes (149 e 141, respectivamente) por tocarem instrumentos diferentes, eles são praticamente idênticos em seus atributos e morfologia. Ambos carregam uma bolsa. Isto pode significar que os mesmos xamãs tocassem instrumentos diferentes dependendo do momento do dia. Neste caso, instrumentos sonoros não estariam ligados necessariamente a personalidades iconográficas específicas. Sugerimos que o sujeito abaixo seja a mesma personalidade iconográfica, isto é, o mesmo tipo de xamã mochica, tocando instrumentos diferentes seguindo a lógica das chunganas sorda e clara. A primeira seria tocada ao amanhecer, e estaria ligada à propiciação e à fertilidade. A segunda, tocada à noite, ou de madrugada, estaria ligada ao inframundo. Fig. V.I. Imagem comparativa de duas imagens que estão em pranchas diferentes do catálogo: M351 (prancha 149) e M434 (prancha 153). Em geral os xamãs que tocam idiofones de golpe direto horizontal são os mais simples (pranchas 143 a 148), ainda que aqueles que toquem os idiofones com as sementes alongadas tenham toucados elaborados (prancha 145). Não encontramos mulheres tocando idiofones de campânula fusiforme 266 (chungana sorda), apenas de tipo suspenso conjugado (chungana clara). Muitas delas também carregam a bolsa (prancha 155). Pode ser, neste sentido, que haja alguma relação entre gênero e o tipo de chocalho usado nos rituais, mas duas das sacerdotisas (prancha 28) analisada na categoria de Músicos Oficiais, tocam idiofones de campânula fusiforme. Neste caso, há duas possibilidades: que apenas mulheres de alto status pudessem tocar este idiofone ou que curandeiras comuns pudessem usar este idiofone, mas não foram representadas na iconografia. É importante atentar para o fato de que nem todos os tipos de xamãs existentes nas comunidades mochicas foram representados na cerâmica, apenas alguns tipos específicos. Elera descreve em seu artigo de 1994 o processo de escavação de um indivíduo com atributos de xamã no Morro de Éten, Lambayeque. Ele não especifica a datação deste enterro, que tanto poderia ser da época Moche quanto do período Tardio. O indivíduo havia sido enterrado com um espelho de antracita, têxteis, espátulas feitas de tíbia de veado, conchas e um chocalho, também talhado na tíbia de um veado. O chocalho tinha uma longa haste e uma parte escultórica no topo em formato de ave a voar, com asas abertas e segurando uma cabeça humana. Segundo os estudos de antropologia física o instrumento era levado pelo indivíduo em sua perna de maneira permanente, já que foi feita uma perfuração no fêmur do xamã, tendo sido ali depositada a haste do chocalho. Este teria sido, segundo as descrições, um processo lento e doloroso, iniciado na juventude do indivíduo (Elera, 1994: 50). Os estudos de antropologia física também atestaram que ele teria caminhado intensamente ao longo de sua vida, sempre levando o chocalho em sua perna (ibid. 39). Elera considera, ao final de sua análise, que a escolha da tíbia de veado para produzir o instrumento não teria sido aleatória, e sim conduzida pela simbologia do animal na costa norte peruana. Um dos objetivos, por exemplo, seria o de obter determinados poderes do veado, como a velocidade (ibid. 42). Ora, xamãs com este tipo de incisão não são encontrados na iconografia. Lembramos novamente que a produção da cerâmica ritual estava submetida à normatização das elites do período Intermediário Inicial, e que alguns tipos de xamãs e curandeiros, aceitos ou absorvidos pelo culto estatal mochica, podem ter sido representados, enquanto outros, de atuação mais 267 local ou periférica, podem não ter feito parte do repertório de xamãs expresso na cerâmica ritual. Soares (2015) discute em sua dissertação a inserção dos xamãs na sociedade levando em conta a natureza política do que se convencionou chamar de Estado Moche. Nesse sentido, uma organização política mais verticalizada, com um calendário ritual oficial que organizasse cultos públicos de grande porte, como a Cerimônia do Sacrifício, produziria uma vida ritualística mais pautada pela atuação destes representantes do poder oficial, ao contrário dos xamãs, mais envolvidos com comunidades locais e sem atribuições essencialmente oficiais ou ligadas a um poder central. Nessa tese fundamentamos a classificação de nosso material na diferença entre indivíduos nitidamente ligados a um poder institucionalizado e outros aparentemente mais autônomos, embora não completamente desconectados desta jurisdição central. Como bem lembra Soares (ibid.: 121) Régulo Franco já havia feito essa diferenciação em 2012: Ainda de acordo com Régulo Franco (2012), tal diferença nos tipos de vasilhas cerâmicas associadas aos dois grupos citados, pode nos ajudar a pensar em uma diferença principal entre estes dois tipos de especialistas presentes na iconografia Mochica. Ambos parecem dotados de capacidades supranaturais, e desempenham funções mediadoras; parecem se diferenciar, contudo, basicamente por suas esferas de atuação e, pela classe social. Assim, o grupo chamado curandeiros poderia estar ligado a uma esfera de ação mais popular, enquanto o grupo de sacerdotes se relacionaria às elites e às esferas rituais mais institucionalizadas e coletivas. (Soares, 2015: 124) Parece tênue essa linha divisória entre xamãs e sacerdotes na iconografia mochica. Mas os olhos fechados e as escarificações em muitas das peças classificadas como xamãs indicariam o estado de transe induzido pelos efeitos psicoativos do cacto San Pedro (Soares, 2015: 156), além das visões produzidas pelo cacto (ibid. 162). Os músicos do âmbito oficial não parecem estar associados ao San Pedro, mas à coca. Em sua análise de xamãs na iconografia mochica Soares (2015: 158) encontrou uma categoria de personagens escultóricos que se caracterizavam 268 por possuir o cacto San Pedro nas mãos. Este cacto seria de uma variedade rara e muito valiosa, o San Pedro de cuatro ventos, em geral utilizado pelos xamãs mais importantes, os chamados Maestro de cuatro vientos. Há, claramente, uma hierarquização entre xamãs na iconografia mochica e nos dados etnohistóricos. Alguns apresentam muito mais atributos de poder que outros: Os três personagens (...) parecem dotados de um status mais alto que os demais, visto que usam toucados, peitorais e orelheiras. Isso pode indicar que existiam alguns curanderos dotados não apenas de prestígio (por conta de suas capacidades e funções), mas que também detinham um status social mais elevado. Isso, no mínimo, confirma a afirmação de Régulo Franco (2012), quando este aponta que tais sujeitos gozavam de um grande prestígio dentro da sociedade Mochica, o que parece condizer com a importância do papel desempenhado pelos curanderos. Além disso, estes personagens, que mostram atributos de um status mais elevado, podem indicar também uma possível verticalização dentro desta categoria de personagens. (Soares, 2015:169) De acordo com Soares, ainda, mulheres xamãs também aparecem na iconografia segurando um corte de cacto San Pedro, elemento essencial em práticas xamânicas (Soares, 2015: 148-155). Esta figura pode estar associada à função de parteira, sendo que foi encontrada ao lado de uma criança que morreu durante o parto. Além disso, é recorrente na iconografia Mochica a representação de personagens femininas usando um longo manto, que operam enquanto parteira. Tais considerações parecem confirmar a função destas mulheres enquanto mediadoras em situações de trânsito, uma vez que cuidariam de nascimentos e do preparo dos mortos (que discutiremos adiante). Além disso, Bourget (2011) chega a afirmar que tais figuras que utilizam este longo manto e que às vezes aparecem como velhas enrugadas seriam as responsáveis por levar bebês, ou crianças para serem sacrificadas. (Soares, 2015:152) É importante notar que as mulheres das pranchas 154 a 157 apresentam longas mantas que cobrem a cabeça e vão até os pés. Seus atributos são 269 análogos aos das corujas antropomorfas (Soares, 2015: 177-179), como se nota abaixo: Fig. V.II. Imagem representando coruja antropomorfa, com os mesmos atributos das mulheres xamãs. Museu Larco, Catálogo Online. A imagem à direita é da peça M417, prancha 158. As peças expressam os momentos de transformação pelos quais passam esses indivíduos ao atuarem ritualisticamente. As mulheres que tocam os idiofones suspensos conjugados têm uma nítida relação com a coruja, e nela se convertem no momento do ritual, absorvendo suas características ontológicas e sua força, seu camac. Calderón, o xamã informante de Olsen (2002: 160), associa o poder das chunganas (de campânula fusiforme, tocadas em geral de madrugada) a corujas em sua entrevista: D.O Can you tell me something about the power of the owl that you have drawn on your rattle? E.C Yes, the owl (I also have an eagle), the owl is a symbol of wisdom and the dominion of the night. These include the lechuzón (large owl), the lechuza (medium owl), and the lechucita (little owl), or paupaca. They all have their myths. When the lechucita sings, it is for a particular reason.(Olsen, 2002: 160) É curioso que a chungana clara, tocada ao amanhecer, esteja relacionada na iconografia a corujas, animais noturnos. Não sabemos, entretanto, qual era a simbologia deste instrumento no período PréColombiano. Os dados recolhidos por Polia e citados por Soares (2015) são etnográficos, bem como os recolhidos por Olsen (2002). 270 Os xamãs das pranchas 143 a 148 tocam seus idiofones de nectandras segurados por ambas as mãos. Lembremos que no capítulo anterior, macacos eram os únicos animais que tocavam, também, este tipo de instrumento, como observado nas pranchas 79 e 80. Há homologias entre estes músicos em seus atributos: todos os chocalheiros macacos e os xamãs que tocam esta subcategoria de idiofone têm uma espécie de bolsa nas costas cuja alça cruza o pescoço e orelheiras circulares. Fig. V.III. Comparação entre um músico da categoria dos animais (M324, prancha 79) e um xamã, ambos com idiofones de golpe direto horizontal. Na prancha 89, as representações de raposas antropomorfas que tocam os wankares também parecem aludir à lógica da transformação, já que os corpos humanos em posição sentada podem apontar para xamãs em transfiguração. Os músicos das pranchas 166 e 167 estão posicionados sobre seres sobrenaturais híbridos com traços de serpente felina. Entre os sememas que aparecem nestes vasos estão a cruz de malta (em ambos), o escalonado (em M109) e vagens que parecem de feijões (em M110). É possível que esses seres representados em linha fina no bojo dos vasos, sejam as criaturas vivas que habitem os pututos, pois, ao observar pormenorizadamente a peça, podemos constatar que se trata do Monstro Strombus, porém sem a concha (ver prancha 73). O pututo tocado pelos músicos escultóricos no topo das vasilhas, provavelmente referem-se às conchas desses seres sobrenaturais, que deles foram retiradas, como mostra a imagem comparativa abaixo: 271 Fig. V.IV. Comparação entre o Monstro Strombus com a concha (retirado da prancha 73) e o Monstro Strombus sem a concha (prancha 166). Na segunda vasilha um personagem escultórico toca um pututo, provavelmente uma alusão à concha retirada do ser sobrenatural. Estes músicos tocam os pututos, mas as representações em linha fina mostram exatamente de onde vieram estas conchas: dos corpos da serpente felina, que antes era Monstro Strombus, mas que perdeu sua carapaça. Estes músicos não apresentam atributos de poder, apenas turbantes, mas intermedeiam as relações entre o plano dos vivos e o mundo sobrenatural, o hurin marinho e noturno, visto que seus instrumentos foram produzidos a partir dos seres sobrenaturais que o habitavam e, portanto, exigiram o sacrifício deles para que pudessem ser tocados. As mulheres da prancha 163 tocam suas tinyas na presença de pratos de comida e cântaros, provavelmente oferendas para o inframundo. Neste sentido, o som produzido por elas aciona as relações com outro plano da existência. Neste sentido, elas também são consideradas musicistas intermediadoras. Novamente notamos em nossos dados a recorrência da associação da tinya ao elemento feminino. Os músicos da prancha têm atributos de feijões e tocam quenas, os mesmos instrumentos tocados pelos fitomorfos vistos nas pranchas 95 e 96. É possível que sejam as versões humanas dos músicos fitomorfos, já que tudo na iconografia mochica tem suas contrapartes humanas e sobrenaturais. Os personagens da prancha 97, igualmente, podem representar os indivíduos em transformação relacionados aos amendoins quenistas da prancha 96. Pelo fato de serem versões humanas de outros músicos já vistos ao longo desta tese (alguns animais e plantas, bem como seres sobrenaturais) os músicos intermediadores obedecem à lógica da transformação e da comunicação com outros planos. É muito possível que os animais e plantas já analisados no Capítulo IV, todos antropomorfizados, sejam estes músicos intermediadores em seus processos de transformação, no auge da 272 comunicação com o numen e imbuídos do camac destes entes da natureza. Podemos considerar todos estes músicos, mesmo os degenerados e os que tocam os pututos sobre os monstros Strombus mutilados, como xamãs? Acreditamos que sim, visto que todos abrem as portas do mundo sobrenatural e, como dizem seus nomes, fazem a intermediação entre dois planos: Em linhas gerais, é possível afirmar que o xamanismo trata de um modo de mediação das relações entre as esferas humanas e não humanas da existência. Esta comunicação não é opcional, mas, sobretudo, necessária; uma vez que a própria dinâmica da existência se dá no decorrer destes contatos e relações cotidianas. É por isso que os xamãs desempenham um papel vital nas sociedades ameríndias; pois são os únicos capazes de operar como mediadores ativos, sem se perder enquanto sujeitos. Seriam desta forma, a expressão das relações dentro de um âmbito da cosmopolítica, o que os faz carregar certas capacidades de ação e transformação, que são propiciadas e potencializadas pelas relações que mantêm com as potências não humanas que habitam o cosmos. (Sztutman, 2012 apud Soares, 2015: 262) Mesmo em uma sociedade altamente verticalizada, como a mochica, estes indivíduos tinham grande importância e eram representados na cerâmica ritual. Segundo Soares (2015: 270), os estudos de Sztutman demonstram que há casos de verticalização do xamanismo entre os amuesha que habitam o piemonte andino, zona de fronteira entre a Bacia Amazônica e a cordilheira. Neste caso havia dois tipos diferentes de xamãs, um mais “horizontal”, que tinha entre suas atribuições atividades curadoras, e um de status mais elevado que detinha “as disposições morais e conhecimentos rituais”, e cuja função “não se mistura com as ações curativas, pois assume um patamar “mais elevado”: a busca a restauração da comunicação com os deuses” (Sztutman, 2012:464 apud Soares, 2015: 270) Os músicos mediadores representados na iconografia mochica parecem estar mais relacionados ao segundo tipo de xamã relatado por Sztutman. Muitas vezes apresentam atributos de poder, até mesmo semelhantes aos dos indivíduos de alto status do poder oficial discutidos no Capítulo III. Sua representação na iconografia dentro dos cânones propostos pelas elites mochicas demonstra o importante papel de mediação que esses indivíduos conservavam, não apenas entre os diferentes planos, mas também dentro da 273 sociedade, já que mantinham e mediavam relações tanto com as elites quanto com o restante da população. 274 VI. EPÍLOGO Music is intimately associated with agricultural production and each instrument, genre and dance form is linked with specific activities or times of the year. New melodies are collected each year, their origin attributes to magical spirit beings called sirinus (‘sirens’). These sources of musical creation are linked with the creation of new food crops – as assurance of good health – but inappropriate contact with such musical beings may lead to illness, madness or death. Appropriate music played in the correct contexts, as ‘consolation’ (kunswillu) for the forces which oversee the fortunes of the community, may be seen as directly related to the maintenance of bodily health. (Stobart, 2000: 27) Os dados levantados e analisados em nossa pesquisa foram organizados em três categorias principais: Músicos Oficiais, Músicos Sobrenaturais e Músicos Mediadores, considerando as características físicas dos personagens, seus atributos e os pressupostos da cosmovisão andina referentes ao encontro, transitoriedade e mediação entre os diferentes planos da existência. Acreditamos que esta classificação tenha sido satisfatória para esclarecer nossos questionamentos sobre os papéis sociais e simbólicos dos músicos no mundo Moche. Aqui, teceremos algumas considerações finais sobre os principais tópicos elucidados pelo material coletado e analisado. VI.I. Os músicos e a cerâmica mochica: considerações gerais sobre o material analisado É importante esclarecer que muitas das peças analisadas apresentam mais de um músico representado. Desta forma, foram analisadas 605 peças e encontrados 987 músicos no total. Predominam na amostra peças da região 275 Moche Sul e de fase IV, correspondente ao Período Médio. Poucas peças são provenientes da região Moche Norte (apenas 6% da amostra) e/ou pertencentes a outros períodos. Os gráficos VI.I e VI.II mostram que os personagens sobrenaturais predominam quanto ao número de músicos, mas que em números de peças, Sobrenaturais e Mediadores estão equiparados. Os músicos oficiais são os menos numerosos, tanto em número de personagens quanto de peças. A maior quantidade de músicos sobrenaturais na amostra se dá em decorrência da subcategoria Danças do Inframundo, um grupo quantitativamente muito significativo (aproximadamente cem peças) e todas com pelo menos dois músicos cadavéricos, podendo chegar a sete músicos em uma única peça. A categoria de Músicos Sobrenaturais é extensa e diversificada, incluindo múltiplas subcategorias, como animais, plantas, divindades e mortos, ao contrário da categoria de Músicos Mediadores que é mais homogênea, incluindo xamãs, curandeiros, personagens degenerados e alguns exemplares menos comuns na amostra. Por qual razão os músicos sobrenaturais e mediadores seriam mais expressivos em quantidade que os músicos de alto status, ou oficiais, no Período Médio, justamente quando a performance musical parece se tornar tão importante nas esferas de poder político-religioso? É muito claro que a produção de cerâmica ritual na fase IV se caracterizou por temas específicos e um alto grau de normatização (Donnan & Mc Clelland, 1999). Os temas eram produzidos em moldes e em grandes quantidades para, de maneira rápida e eficiente, circularem os principais cânones da ideologia mochica entre os diferentes vales. Segundo Makowski (2010: 281-282) a cerâmica ritual era um dos mais importantes marcadores de autoridade e hierarquia no mundo Moche, tendo um papel central nas redes de manutenção do poder. É a partir da fase III, mas principalmente na fase IV, que o “Estado Mochica Sul” se expande de forma rápida pelos vales de Chao, Santa e Nepeña (Chapdelaine, 2010: 257), provavelmente agenciando uma rede muito maior de elites locais e distribuindo bens de prestígio a uma quantidade muito maior de pessoas. Por esta razão, a partir do final da fase III, a liberdade do artista parece ter sido, de alguma forma, refreada e os temas principais passaram a ser produzidos em larga escala, provavelmente com o 276 objetivo de atenderem a essa expansão. Temas nitidamente produzidos na fase IV se repetem em nosso material, mesmo que sejam apenas três ou quatro vezes. Os que não se repetem são raros, e são de fases inespecíficas ou de vales ao norte, como Jequetepeque e Lambayeque. O Tomador de Coca tocando flauta, por exemplo (prancha 23) é uma peça única e pelas características do gargalo e bojo, provavelmente produzida na fase III, correspondente ao início do Período Médio. Na fase III são muito comuns peças com Tomadores de Coca escultóricos paramentados e sentados sobre uma espécie de trono (primeira peça da prancha 26). Isso parece apontar para o importante papel deste personagem desde períodos mais recuados da história mochica. Na fase IV, o Tomador de Coca começa a aparecer atuando no ritual da Coca junto ao Senhor Noturno (ou Adorador), um personagem que só surge na fase IV e que provavelmente simboliza uma nova elite que toma conta do “Estado Moche Sul”. Os instrumentos sonoros de vento, na fase IV, não são mais tocados pelo Tomador de Coca, mas por seu companheiro Senhor Noturno, que no período Moche Médio deve ter usufruído de maior prestígio que ele. A atuação do Senhor Noturno no ritual da Coca em algumas cenas de fase IV parecem mostrar que esta nova elite passa a interferir nos rituais que anteriormente eram de caráter xamânico. Cerimônias como esta e a cerimônia do Sacrifício sempre devem ter existido entre os mochicas, pois muito provavelmente são heranças do Período Formativo. Entretanto a nova elite que, acreditamos, surge no Período Médio passa a interferir diretamente na condução desses rituais, moldando-os segundo suas normas e usando-os como ferramenta de manutenção do poder. São eles os representantes dos ancestrais e divindades no Kay Pacha e como tais atuam nos principais eventos públicos, como cerimônias, batalhas, procissões, jogos etc. Os membros emblemáticos desta elite da fase IV, como o Senhor Noturno, o Senhor Solar e o Senhor de Toucado de Dois Círculos aparecem nestas atividades que, muitas vezes, estão acompanhadas de performances musicais. Se não estão eles próprios a cargo da produção sonora, estão os músicos acompanhantes e anunciantes, às vezes também paramentados com atributos de poder. Estes personagens de poder quando em forma escultórica estampam majoritariamente apitos e trombetas, sendo raramente representados em vasilhas de alça estribo. Apitos, trombetas e outros instrumentos sonoros 277 parecem ser suportes artefactuais relacionados a personagens de poder do plano terreno e divindades, já que não observamos músicos mortos, animais ou plantas neste tipo de suporte, mas somente Sacerdotes Guerreiros e Ai Apaecs. Aparentemente, como afirma Gölte, vasos de alça estribo expressam o conceito de encontro entre as duas partes opostas, ou tinku. Este tipo de artefato, até mesmo por seu caráter funerário, se relaciona ao inframundo e ao hurin, sendo responsável por realizar a conexão simbólica entre os dois planos. É nos vasos de alça estribo que está representada a maior parte dos músicos sobrenaturais. Sejam os mortos, as aves, Ai Apaecs, os amendoins ou outros subgrupos, certamente vasos de alça estribo são muito mais representativos nesta categoria do que na de Músicos Oficiais (embora presentes, com representações de linha fina) e Mediadores (maiormente conformada por cântaros e jarros). Os músicos do âmbito sobrenatural são maiormente representados na fase IV, à exceção das peças tardias do Vale do Jequetepeque com Iguanas e Ai Apaecs tocando antaras e chocalhos, como visto no capítulo IV. A cena da Entrada no Inframundo (prancha 124) ocorre em vasos de alça estribo de fase III 63. É interessante notar que todos os vasos de Danças do Inframundo com os temas mais tradicionais e recorrentes (temas 1, 2 e 3, nas pranchas 111 a 122) são pertencentes à fase IV. Muito provavelmente a Entrada no Inframundo é um tema mais antigo que, a partir das mudanças políticas e sociais introduzidas no Período Médio pelos novos grupos de poder, sofreu transformações significativas até chegar ao tema das Danças do Inframundo, por sua vez um tema que apresenta diferenças iconográficas que podem estar associadas a diferentes vales (ver Capítulo IV). Assim, determinados temas seriam mais recorrentes em determinados vales, uma hipótese plenamente plausível considerando os vales como centros de poder político e religioso, nos quais a produção cerâmica era controlada diretamente pelas elites locais (Russel & Jackson, 2001: 163-164). Como vimos ao longo da análise, mudanças na representação de músicos entre os diferentes vales podem ocorrer, especialmente entre as 63 Esta observação foi feita mediante análise das fotografias de exemplares originais no Arquivo Moche da Dumbarton Oaks, em Washington D.C. 278 regiões Moche Norte e Moche Sul. Enquanto os tambores de tipo ampulheta são representados exclusivamente na região Moche Norte, bem como iguanas musicistas e mulheres percussionistas de tembetá, as Danças do Inframundo parecem conformar um tema exclusivo da esfera Moche Sul, bem como os Sacerdotes Guerreiros em procissões e danças. Criamos uma subcategoria de músicos Xamãs e Curandeiros dentro da categoria de músicos Mediadores. Sabemos, entretanto, que os instrumentos sonoros associados a estes personagens são incidências da própria função de xamã. Assim, esses personagens não são inicialmente considerados músicos, mas curandeiros e sacerdotes que fazem mediações, usando para isso os instrumentos sonoros. Este grupo é um dos mais expressivos de toda a amostra, contando com aproximadamente duzentas peças. Muitas podem ser as razões pelas quais xamãs mereceram tal destaque no aparato ritual mochica, e muito provavelmente a massiva presença de diversos tipos de xamãs com diversos tipos de chocalhos demonstra que esses indivíduos exerciam poder religioso e eram reverenciados pela sociedade, ainda que em um momento de grande verticalização do poder dos sacerdotes e governantes, como é caracterizado o período Moche Médio. O papel central desses indivíduos na iconografia é o de xamã, como discutido amplamente no capítulo V, mas por estarem associados a instrumentos sonoros e produzirem som de forma recorrente em eventos cerimoniais, não poderiam ser relegados em nossa análise. Esta é uma tendência que encontramos em nossos dados: os músicos representados na iconografia mochica não conformam uma classe exclusiva de indivíduos, todos com os mesmos atributos, como se a produção sonora fosse um tipo de especialização. Muito pelo contrário, todos os músicos que encontramos, sejam sobrenaturais ou humanos, podem ser relacionados a personagens específicos da iconografia mochica, visíveis em uma infinidade de temas e narrativas atuando de outras maneiras, muitas vezes sem nenhum instrumento sonoro associado. Praticamente todos os personagens da iconografia mochica, como mortos com seus capuzes e mantas enroladas, as iguanas, divindades, aves marinhas, macacos, Sacerdotes Guerreiros, homens degenerados, prisioneiros de guerra, guerreiros, mulheres, curandeiros, amendoins, feijões, mortos que participam em cenas eróticas etc., aparecem 279 em algum momento associados a algum instrumento sonoro, seja tocando-o, seja carregando-o. Eles podem ser os personagens principais, como os Sacerdotes Guerreiros que tocam antaras nas procissões, ou personagens secundários, como os músicos que acompanham dançarinos nas danças terrenas e nas Danças do Inframundo. O importante é observar que cada papel está associado a um tipo específico de instrumento sonoro, e que instrumentos sonoros têm uma simbologia relevante na sociedade mochica. O som produzido por uma ave marinha com seu tambor, um sacerdote com sua quena ou um morto com sua antara, tem uma função específica em determinados momentos de passagem, transfiguração e transformação. Não há uma classe exclusiva de músicos no mundo Moche. Entretanto, o que define o grau de hierarquia desses músicos são seus atributos de poder e o que define o poder de transformação que esses músicos engendram no ritual são as agências específicas de cada instrumento sonoro, como veremos a seguir. VI.II. Relação entre categorias de músicos e tipos de instrumentos Muitos são os tipos de músicos na iconografia mochica, mas cada um deles está relacionado a um número limitado de instrumentos sonoros. Nenhum dos subtipos de músicos pormenorizados ao longo desta tese é encontrado associado a todos os instrumentos ou categorias organológicas ao mesmo tempo. Os gráficos específicos feitos para o estudo de cada subcategoria, mencionados ao longo dos Capítulos III, IV e V, mostram as especificidades destas relações. Vimos, por exemplo, que Aves Marinhas, pertencentes ao grupo dos Músicos Sobrenaturais, tocam apenas tinyas, enquanto macacos podem tocar pututos ou idiofones de golpe direto horizontal. Ai Apaecs podem estar associados a uma gama maior de instrumentos, principalmente as antaras, também muito tocadas por músicos mortos e degenerados, reforçando a relação deste instrumento com o hurin. Sacerdotes Guerreiros tocam antaras, quenas e chocalhos e xamãs estão predominantemente associados a idiofones de diferentes tipos. Os gráficos VI.III e IV mostram que músicos oficiais estão muito mais relacionados a aerofones e membranofones que a idiofones. A proporção de tinyas e quenas se dá pela grande quantidade de músicos acompanhantes nas 280 narrativas de linha fina, já analisadas no Capítulo III. Ainda assim, os aerofones se destacam como os instrumentos mais tocados por estes indivíduos. Já os gráficos VI.V e VI.VI mostram que antaras e tinyas são os instrumentos mais tocados por músicos sobrenaturais, instrumentos que se destacam pela grande quantidade de músicos mortos que os tocam nas Danças do Inframundo, uma subcategoria quantitativamente bastante relevante. Divindades estão geralmente associadas a antaras, pututos e quenas. Músicos fitomorfos tocam geralmente aerofones, especialmente a quena, e músicos zoomorfos, tocam tinyas, wankares e pututos. É interessante observar que nenhum animal da iconografia Moche Sul foi encontrado tocando antara, apenas as iguanas da região Moche Norte. Idiofones praticamente não são tocados por músicos sobrenaturais. Os poucos idiofones de golpe direto horizontal do gráfico estão associados aos macacos músicos e a peças esparsas. A ausência de idiofones nas categorias anteriores é inversamente proporcional à presença deles na categoria de Músicos Mediadores, como demonstram os gráficos VI.VII e VI.VIII, destacando-se os idiofones suspensos conjugados. Por fim, a antara é o instrumento mais representativo de toda a amostra, seguida pela tinya (gráfico VI.IX). As categorias organológicas mais frequentes são, na ordem, os aerofones, os membranofones e os idiofones (gráfico VI.X). Cada um desses músicos, sua função social ou simbólica, suas características e atributos, têm relações com o papel simbólico dos próprios instrumentos sonoros aos quais estão associados. Vimos que os instrumentos podem estar diretamente ligados a questões de gênero, poder, calendário e sazonalidade, aos eventos nos quais são tocados etc. Aparentemente não há uma hierarquia rígida entre instrumentos sonoros que reflita a hierarquia de seus tocadores. Senhores Solares, por exemplo, não estão hierarquicamente abaixo de Senhores Noturnos, mas tocam chocalhos, instrumentos que aparentemente estão muito menos relacionados a personagens de poder que a antara. Mortos, divindades e animais podem tocar todos os tipos de instrumentos, mas é muito claro que antaras destacam-se como o instrumento mais tocado entre Sacerdotes Guerreiros, Divindades e mortos, estando muito pouco relacionado a xamãs e nunca aparecendo entre os músicos acompanhantes ou secundários nas narrativas de linha fina. A 281 estes são sempre associadas quenas e tinyas. Não podemos esquecer, entretanto, que existem antaras muito simples na iconografia mochica, e antaras sofisticadas com apêndices e apliques. Segundo Olsen (2002: 84), as antaras mais simples eram tocadas pelos mortos, degenerados e músicos mais simples e o segundo tipo de antara era tocado pelos indivíduos de mais alto status, havendo então uma hierarquia entre o tipo de instrumento e o status social de indivíduos. De fato, a antara da Tumba 5 de Sipán era elaborada, feita em cerâmica com aplique decorado em osso, mas no caso da Tumba 14, o par de antaras era muito simples, não estando de acordo com a função de Sacerdote Guerreiro do individuo enterrado. Pututos, por exemplo, estão sempre associados a indivíduos fortes e robustos, que geralmente os sopram em batalhas, ou a divindades, como Ai Apaec ou o próprio Monstro Strombus. Segundo Herrera (2004: 22) Paulsen considera que o pututo represente “a voz do oráculo e o som da divindade”. As pranchas 10, 73 e 166 mostram como o pututo pode ser representado como parte de uma divindade, seja o Monstro Strombus, seja Ai Apaec. Sua origem marinha ligada à simbologia do hurin o torna um instrumento relacionado ao âmbito masculino do hurin, assim como a antara. Estes instrumentos fazem a conexão com a força masculina do mundo noturno, escuro, onde vivem os mortos e ancestrais. São, portanto, instrumentos masculinos do hurin, ao contrário da tinya um instrumento feminino do hurin. Quenas, sempre ligadas a indivíduos do sexo masculino fortes e robustos, são provavelmente instrumentos relacionados ao lado masculino do hanan, bem como trombetas retas ou em espiral feitas em cerâmica. Trombetas e pututos são instrumentos claramente utilizados em batalhas, séquitos e anunciações, como observado em cenas complexas pintadas em linha fina e relatado nas crônicas: One of the most striking ethnohistoric references to the ceremonial role of waylla kepa in the past is found in Cabello de Valboa’s account of the origins of north coast peoples. “The indians of Lanbayeque […] say that in very ancient times […] came from the upper part of this Piru a lord of campaigns with a large fleet of rafts, a man of much wealth and quality called Naimlap and brought with him many concubines and a main wife said to have been called Cetreni […], but what was of most value to them were the officials, nearly forty in number, so Pita Zofi who was his trumpeteer or 282 player of some large snails that among the Indians were held in high esteem […]”. (Herrera, 2004: 59) Mulheres aparecem associadas a tambores, como tinyas e tambores em formato de ampulheta, bem como a chocalhos de dois tipos: idiofones suspensos conjugados e idiofones de campânula fusiforme. Instrumentos de sopro, simbolicamente associados ao masculino, eram majoritariamente tocados por homens. No altiplano atual quenas e pinquillos são metáforas de órgãos sexuais masculinos (Olsen, 2002: 44). Estes instrumentos também estão associados a indivíduos mortos ou cadavéricos com genitálias eretas, como vimos ao longo do Capítulo IV. A ampla ocorrência de quenas e tinyas tocadas conjuntamente em cenas de danças (Capítulo III) pode ser uma metáfora de fertilização engendrada pela conjunção entre os dois instrumentos, sendo o tambor o instrumento feminino que recebe a força masculina da flauta. É muito comum que instrumentos sonoros tocados conjuntamente simbolizem uniões sexuais, como visto no Capítulo III com relação aos grupos de sikuris. Este tipo de interpretação também pode ser aplicado no caso dos trios de antaras com um personagem percussionista, muito presentes nas Danças do Inframundo, na peça do Museu Larco (prancha 71) ou nas peças da prancha 134. Neste caso, é possível que as antaras, enquanto instrumentos masculinos, estejam disputando o útero feminino representado pelo tambor para engendrar a vida que nasce no inframundo. Chocalhos asseguram a conexão com outros planos, e são instrumentos com grande poder de transformação, tocados majoritariamente por xamãs e curandeiros. Podem estar associados a mulheres e animais, e raramente a Senhores Solares ou Divindades. A diversidade de instrumentos sonoros presentes na organologia mochica pode ser vista em todas as categorias de músicos. Não há instrumentos exclusivos para Sacerdotes Guerreiros, mortos, divindades, animais, plantas ou xamãs, mas uma maior concentração de alguns instrumentos em determinadas categorias e subcategorias. Por exemplo, por mais que amendoins estejam relacionados maiormente a quenas, ainda é possível encontrar uma antara (prancha 96). Danças do Inframundo são compostas em geral por antaras e tinyas, mas em alguns momentos surgem 283 quenas ou trombetas (pranchas 123 e 125). É muito possível que estas sutis variações estejam relacionadas a questões temporais e de sazonalidade, como veremos no próximo tópico. VI.III. Música e Encontro: Calendário, Sazonalidade e Tinku As cenas complexas analisadas nos Capítulos III e IV mostram músicos engendrados em danças, procissões, batalhas e outros rituais, em geral conduzidos por Sacerdotes Guerreiros ou outros indivíduos de poder. Essas cenas podem se passar tanto no Kay Pacha (eventos públicos, pranchas 46 a 64) quanto no hurin (Danças do Inframundo, pranchas 111 a 126). Muitas dessas cenas congregam antaras (pranchas 46 a 48, 61, 63 e a grande maioria das Danças do Inframundo) ou quenas (pranchas 50, 53 a 60), que ocorrem associadas a outros instrumentos. Em geral, quenas ocorrem associadas a tinyas e tipos variados de idiofones, e antaras aparecem associadas a trombetas e pututos. É muito clara a divisão entre cenas nas quais as antaras são os instrumentos de sopro principais, e as cenas nas quais predominam as quenas, à exceção da prancha 49 cujas cenas de batalha têm como instrumentos principais os pututos. A etnoarqueomusicologia, como expusemos no Capítulo I, configura-se mais como um esforço interdisciplinar do que propriamente uma disciplina da área de Arqueologia ou Musicologia. O constante diálogo entre as fontes arqueológicas, etnográficas e históricas é condição importante para uma boa compreensão dos aspectos sociais da música, como é o caso deste estudo. Os estudos feitos no altiplano do Lago Titicaca são os mais importantes para a compreensão da produção musical nos Andes atualmente, bem como do papel dos instrumentos sonoros nas ontologias andinas. Esses estudos demonstram que antaras e quenas são aerofones com simbologias opostas na cosmovisão andina, e são tocados em épocas distintas do ciclo anual, como se observa na figura a seguir: 284 Fig. VI.1. Diagrama de Stobart que mostra quais aerofones são tocados nos diferentes meses do ciclo anual em Potosí, Bolívia. (Stobart, 2006: 53) É possível observar no diagrama de Stobart que as flautas tubulares (quenas e pinquillos) são tocadas na estação úmida, de novembro a fevereiro, e que as antaras são tocadas no início de no fim da estação seca. Segundo Stobart, em Kalankira pinquillos são tocados na estação chuvosa com a finalidade de chamar a chuva, ou chorar pela chuva, para que as sementes cresçam. Por outro lado, antaras são tocadas na estação seca e fria para atrair geadas e ventos, que afastam as nuvens, trazendo claridade aos céus (Stobart, 2006: 52). Os grupos de antaras também têm épocas diferentes para soar no povoado. Enquanto os julajulas são tocados na festa da Santa Cruz em maio e estão associados à colheita, os sikus são tocados na época do plantio, momento que representa a renovação e o início de um novo ciclo (ibid.). Os informantes de Stobart afirmam que pinquillos não podem ser tocados na época errada, são tocados geralmente sozinhos e por homens ao caminhar (ibid.: 53-54). Segundo Bellenguer (2007: 136), em Taquile também os sikuris aparecem na Festa da Santa Cruz em maio, quando se invoca a proteção das colheitas, sendo tocados esporadicamente ao longo de toda a estação seca para pedir por chuvas. Já os pinquillos são tocados no brote das primeiras flores de planta cultivada, em especial a batata. (ibid.: 153) 285 A questão do calendário e do tempo cíclico é fundamental na produção musical andina e influencia a posição dos músicos, já que as diferentes formas de tocar os instrumentos e participar musicalmente dos rituais indicam diferenças de hierarquia, gênero e autoridade política: In many rural communities of the Southern and central Andes the economic and ‘festive’ year is orchestrated into seasonally distinct episodes, marked by a shifting array of musical instruments, genres, tunings and dances. But such calendars – musical and otherwise – are by no means simple, inert, ideology-free or apolitical reflections of ‘natural’ ecological and productive cycles. Historically, in the Andes – as in other parts of the world – they have functioned as a particularly important and powerful tool for invoking or controlling socio-economic, political and religious relations. Although the epistemologies and values that underlie and sustain musical calendars are open to ever increasing challenges, in many places this mode of orchestrating production and relations with the human and spirit community continues to serve as a potent medium for expressing identity, ethnicity, class, knowledge and political authority. (Stobart, 2006: 47). Segundo Bellenguer (2007: 77) as melodias produzidas em Taquile para um determinado ritual seguem uma ordenação, havendo uma norma para as sequências de canções que devem reproduzir o desenrolar dos acontecimentos. Nas palavras do próprio autor, estas canções atuam como marcadores espaço-temporais, e suas sequências específicas identificam os músicos ao lado alto ou baixo da comunidade (ibid. 81). Além disso, estas canções são produzidas apenas para fins rituais e obedecem, no plano ontológico, às divisões duais entre o lado alto e baixo da comunidade (Hanan Pacha e Uku Pacha). Desta forma, a organização dos grupos de músicos, dos dançarinos e da comunidade nestas festas sempre corresponde à tensão entre os dois lados opostos e ao produto que dela pode ser gerado. O autor repete exaustivamente em seu estudo momentos de tinkus, atipanakuys e tumpanakuys, todas ramificações do conceito de luta, encontro ou batalha entre os lados hanan e hurin da comunidade. (Bellenguer, 2007: 119-120; 174) Benson (2012: 91) descreve o tinku como um encontro entre duas parcialidades, o rito de passagem para jovens guerreiros no qual demonstram sua aptidão para defender a comunidade, que ocorria entre o solstício de verão 286 e o equinócio de outono, ou seja, na época úmida. Ainda segundo a autora, hoje em dia considera-se que, segundo a cosmovisão andina, se a luta do tinku gera sangue e morte, as próximas colheitas serão fartas e estarão asseguradas. (ibid.:92). As antaras, sejam em conjuntos de jula-julas, sikuris, ou lakitas, simbolizam a masculinidade e o tempo seco, estão associadas à época do renascimento e das colheitas (Stobart, 2006: 133). As antaras não simbolizam puramente a morte, mas a vida numa forma diferente das quenas: representam o renascimento, o fim de um ciclo e início de outro, o espaço liminal, a passagem e a masculinidade (ibid.). Neste sentido, os conjuntos de antaras estão diretamente relacionados aos tinkus, um evento relacionado ao conceito de masculinidade: For most of the people I spoke to, tinku is about expressing courage, strenght, manhood, and ayllu (team!) identity. This focus on lif, potential and invincibility, which also emerges from julajula music might explain why people disputed its widely reported conection with blood sacrifice and death. Men charge into battle shouting su chacha karaju (“I`m a man dammit!”) or su Macha Karaju! (“I`m [a] Macha, dammit!”), bellowing and pawing the ground like powerful crazd bulls, which are among the most potent models for the “poetics of manhood” in the region. (Stobart, 2006: 136) Muitas das cenas analisadas aqui mostram líderes de dois lados opostos atuando o que poderia de fato representar um tinku. Esses líderes podem ser músicos que representam lados opostos (pranchas 46 a 48) ou guerreiros de lados opostos lutando (pranchas 57 a 61). Outras pranchas, como 53, 54, 55 e 56 mostram líderes, em geral Sacerdotes Guerreiros, conduzindo estes eventos. Os atipanakuys (Bellenguer, 2007: 120) se caracterizam por práticas de luta ritual semelhantes aos tinkus, porém com uma diferença. Enquanto o tinku apresenta uma lógica não combativa na qual o equilíbrio gerado é dividido entre os dois grupos, o atipanakuy é uma prática declaradamente combativa, na qual a abundância produzida incide sobre a parte vencedora. É possível que as Danças do Inframundo sejam também momentos de tinku e atipanakuy, como se pode observar nas peças do Tema 2 (por exemplo M558, prancha 287 117). Neste tema aparecem dois personagens que lutam um de frente para o outro, agarrando-se pelos punhos. Eles, bem como os antaristas, podem representar grupos opostos que dançam e se enfrentam no inframundo para gerar e manter a fertilidade e o equilíbrio. Na batalha ritual cada moiety leva seus músicos e dançarinos (Urton, 1993 apud Benson, 2012: 92). A competição entre as partes também é musical, havendo uma disputa entre os antaristas: Esta ceremonia del 3 de mayo hace participar a dos conjuntos que pueden llegar a tener centenas de tocadores de flautas de Pan que se enfrentan durante una justa musical. Los dos campos formados por estos agricultores de lengua aimará tratan de rodearse mutuamente a passo de carga. Cada uno de estos dos insólitos ejércitos va precedido por um capitán que blande dos banderas blancas para indicar a su tropa la orientación a seguir para abalanzarse sobre el adversario. El objetivo manifiesto es forzar al otro grupo a equivocarse en la ejecución de una melodía común a ambos grupos, melodía que aparentemente ha permanecido sin cambios por siglos. En realidad, el interés de este combate “musical” consiste en garantizar a los vencedores abundantes cosechas futuras. Este ejemplo me demonstró la importancia de ciertas prácticas rituales cuya estética musical aparente esconde en realidad aspectos esenciales que permanecieron durante mucho tiempo inaccesibles a los observadores no iniciados y me abría la vía para futuras reflexiones. (Bellenguer, 2007: 32) Segundo Benson (2012: 92) é comum que mulheres invadam as batalhas rituais atualmente portando espigas de milho ou garrafas de chicha, uma homologia bastante interessante com as mulheres presentes nas Danças do Inframundo, que carregam elementos semelhantes (bebida ritual e mandioca). Levando em conta os dados etnohistóricos recolhidos na região andina sobre as práticas musicais, consideramos que a iconografia mochica mostra uma dinâmica na performance musical muito similar à que ocorre no altiplano atual: as antaras são tocadas em duplas e representam lados opostos que se encontram em tinku, a fim de gerar o equilíbrio dinâmico e a harmonia social, bem como a fertilidade que trará as colheitas. As quenas são tocadas na época chuvosa em eventos distintos àqueles nos quais se usam as antaras. 288 Acreditamos então que as Danças com os guerreiros e quenistas (pranchas 53 a 61) não ocorriam na mesma época dos rituais com antaras (pranchas 46, 47, 48 e 63). A peça M003 (prancha 113), por exemplo, possivelmente mostra um marcador temporal importante. Nesta peça pertencente ao grupo das Danças do Inframundo, aparecem estrelas no céu, sememas que não estão presentes nas outras cenas da mesma categoria e que se tornam difíceis de interpretar. Vimos anteriormente que, segundo Stobart, as antaras são tocadas na época seca para atrair os ventos que soprarão as nuvens, a fim de tornar os céus limpos e claros. É possível que esse seja o significado da peça, ao demonstrar que a música está sendo produzida sob o céu noturno e limpo da época seca. Vimos no Capítulo V que até mesmo os idiofones devem ser tocados nos períodos corretos do dia: a chungana clara e a chungana sorda, em momentos de luz e sombra. Assim, os personagens que têm exatamente os mesmos atributos e aparecem na iconografia tocando idiofones de tipos diferentes, são provavelmente os mesmos xamãs em diferentes momentos da produção sonora e do ritual de cura. A produção musical andina obedece de forma geral a parâmetros temporais e ontológicos e tem como objetivo principal gerar a fertilidade e facilitar a reprodução dos animais e das plantas (Stobart, 2006: 50), e os músicos têm o papel de intermediar esta relação: Por su comportamiento y su vestimenta, los paq`u que ofician durante los rituales y conducen también los conjuntos de sikuri, e igualmente los instrumentistas, llevan signos que los designan como intermediarios o mensajeros entre estos dos mundos. Los tocadores de pitu señalan la presencia de los ancestros en la isla, y los sikuri mantienen con su ejecución el diálogo con los Apu. Este diálogo prosigue entre los conjuntos de Awki puli y Cinta k`ana quienes trenzan de un mundo a otro los lazos que los unen a través del soplo de sus orquestas respectivas. (Bellenguer, 2007: 298) Como na iconografía mochica, batalhas violentas ou tinkus entre moieties contam sempre com a presença de pututos ou trombetas: While ongoing territorial disputes are often expressed in tinku, major territorial battles may also erupt at any time of year. Ch`axwa, the usual term for such battles in the North of Potosí, tend to take place on the disputed territory itself, rather than a 289 predetermined ritual sites associated with tinku, a nd slingshots (warak`a) and other weapons are used. For example, some 40 men from cabildo Palqa Uyu (…), participated in a ch`axwa battle near Ocuri in October 1992. They fought in support of the neighboring Tomaykuris in a territorial dispute against Maraguas, who were supported by the nearby Q`illu Q`asas (…). According to Paulino, some 200 men fought on each side, using long sticks (waruti k`aspis) and slings (warak`as) as weapons. Many goat horn trumpets (cornetas) were sounded to give the fighters ‘strength’ (kallpa) and ‘fortune’ (surti), as their sound is ‘rich in animu’. (…) Thus, unlike the more destructive and asymmetrical nature of ch`awa battles, tinku has been widely associated with the definition and maintenance of balanced relations, especially the dialectical dualism or ‘charged diametricality’ of the ayllu (…) In this context, the word tinku emerges as a form of ‘violent harmony’. (Stobart, 2006: 139-140) O papel dos músicos nos Andes como intermediadores entre os planos da existência, ou entre a comunidade e a natureza nos diferentes momentos do ciclo calendário demonstra que a produção musical não está separada das outras atividades comunais, como as batalhas, as danças, os rituais o plantio e a colheita. Todos esses momentos são igualmente abastecidos com som na vida comunal andina dos pequenos ayllus. A iconografia mochica demonstra uma diversidade enorme de músicos, que nada mais são do que as personas sociais que compõem o mundo Moche, pertencendo a hierarquias mais altas ou mais baixas, atuando como sacerdotes, guerreiros ou xamãs, indivíduos doentes e degenerados, divindades, animais ou plantas. Todos eles cumprem papéis centrais na sociedade, na cosmovisão e também na produção sonora. A produção sonora no mundo mochica, portanto, não é reservada a indivíduos específicos, mas parece ser uma atividade fundamental e naturalmente realizada por praticamente todos os agentes sociais e ontológicos, isto é, por todos os indivíduos da sociedade mochica. O que determina a função e agência de determinado tipo de produção sonora é a conjunção entre o tipo de instrumento sonoro usado para determinado evento, o papel social do indivíduo que o toca e o momento do ciclo ritual no qual essa sonoridade deve ser produzida, seja uma estação do ano ou um período do dia. Aparentemente todos podem tocar instrumentos, mas não qualquer tipo de instrumento em qualquer ocasião ou época do ano. Stobart e Bellenguer apontam constantemente em seus trabalhos etnomusicológicos que seus informantes 290 repetem que jamais se deve tocar instrumentios sonoros em épocas erradas. Há épocas de quenas, épocas de antaras e épocas de silêncio, que devem ser respeitadas. Assim como a cada época, a cada papel social é reservado um tipo específico de produção sonora. Guerreiros devem tocar pututos em batalhas, sacerdotes podem tocar antaras em cerimônias, xamãs tocam chocalhos em processos curativos e, no plano sobrenatural Ai Apaecs tocam muitos instrumentos diferentes, provavelmente ligados a diferentes momentos de suas peripécias na longa narrativa que relata seu papel intermediador. Mulheres com tembetá que tocam tinyas são tão agentes da prática sonora quanto quenistas, isto é, podem ser consideradas “musicistas” da mesma maneira, mas muito provavelmente não devem poder tocar nenhum outro instrumento em outra ocasião que não sejam aqueles reservados ao seu papel social. Assim sendo, o papel social dos músicos no mundo mochica é simplesmente uma incidência natural do papel social exercido pelos diferentes indivíduos desta sociedade. Neste sentido, não poderíamos falar em uma especialização do papel de músico de forma geral, mas em especializações de papéis sociais (xamãs, sacerdotes, guerreiros, divindades etc.) que por sua vez produzem um tipo especializado de som ao atuarem socialmente. VI.IV. A música e o Período Moche Médio A iconografia mochica, dentre as tradições estilísticas do Peru PréHispânico, foi a que mais e melhor representou seus músicos em ação. É bastante claro que a intensificada produção de vasilhas representando importantes cerimônias com músicos se inseria dentro de um programa de produção da cerâmica controlado pelos governantes. A nosso ver, esta iconografia legitimava a posição dessas elites como oficiadoras dos ritos, do calendário e, portanto, como as detentoras do poder político e religioso. O som produzido nas grandes ocasiões cerimoniais ou guerreiras das elites era um dos suportes desta legitimação, já que como apontado anteriormente, esses ritos exigiam um alto grau de “teatralização” para se validarem como as cerimônias oficiais do mundo Mochica. A música, ao organizar e aparelhar os eventos oficiais dessas elites conformava um dos elementos fundamentais da 291 sustentação deste modelo ritualístico e religioso, e por isso seus produtores, os músicos, eram indivíduos inseridos automaticamente em rituais exclusivos aos oficiantes e governantes de grande poder. A compreensão da produção sonora no mundo Moche e pré-Colombiano em geral passa pela análise dos instrumentos sonoros escavados em contextos fechados, um tópico ainda muito pouco estudado pelos arqueólogos. Ao longo de nossa pesquisa não nos aprofundamos nos dados de escavação de instrumentos sonoros, mas compreendemos, a partir das leituras de informes de projetos arqueológicos, que era extremamente comum a produção em moldes de apitos, trombetas e pequenos instrumentos de cerâmica nos ateliês dos diversos centros de produção de cada vale da costa norte, especialmente na fase IV (Projeto Arqueológico Huacas de Moche, Informes de 1995 a 2013; Jackson, 2008:63-64, Bernier, 2010: 98). Vimos que a grande maioria dos artefatos coletados para análise apresenta relação estilística com a região Moche Sul – uma parte apresenta informação de proveniência –, e com as fases III e IV, isto é, o período Médio. Esta grande recorrência de músicos neste período e região pode evidenciar, não apenas uma ascensão social, política e religiosa de um grupo específico de músicos, mas também uma maior recorrência da produção sonora em rituais e cerimônias de elite. Parece claro, em razão dos dados analisados e apresentados, que a música foi sumamente importante em contextos rituais do período Moche Médio, denominado por Uceda (2010: 134) “o primeiro período Moche”, referente à primeira fase construtiva do templo antigo da Huaca de la Luna (ver Capítulo III). Este foi o momento do apogeu da utilização do edifício para fins cerimoniais e funerários, como atestam as escavações de enterros com grande quantidade de atributos de poder (muito similares aos representados na iconografia e cerâmica), que certificam o alto status das elites religiosas da época. Escavações na Huaca de la Luna atestam que o templo antigo foi abandonado ao final do período Moche Médio, aproximadamente entre 550600 d.C. (Uceda 2010: 141). Este abandono gerou uma nova gama de transformações sociais, bem como mudanças específicas na organização dos espaços no vale de Moche (Uceda 2010: 145). As cerimônias não eram mais executadas nas grandes plataformas da huaca, onde, supõe-se, uma audiência 292 de centenas de pessoas se aglomerava, mas no centro urbano de Moche, uma área localizada entre as duas Huacas principais (do Sol e da Lua) com residências de elite. Esta alteração demonstra a acentuada tendência a atividades coletivas no final do período Médio, início do período Final (fase V). Assim, a produção sonora parece haver mudado das plataformas religiosas para o âmbito doméstico: Instead of rituals and production being concentrated in the temples, the lords of the urban elite now controlled specialists and organized ceremonial and ritual activities within their own residences, which can be inferred from the increase in the presence of burials and ritual objects (such as figurines, vases, and musical instruments) in the houses. This increase in the power of the urban class marks the start of power secularization that would culminate with the appearance of the Chimú state (Uceda 2010: 147). Portanto, a tendência à secularização do poder político no final do período Moche Médio atingiu todas as esferas da vida social, inclusive a produção sonora, que passou a se concentrar no núcleo urbano. Nossos dados do período Moche Médio apontam para uma relação direta entre a produção sonora e as cerimônias oficiais geridas por grupos específicos de poder, uma prática que parece ter se enfraquecido na costa norte do período Tardio. Assim, a compreensão do Período Moche Médio e suas características políticas e religiosas são de fundamental importância para o entendimento da produção sonora no mundo Moche. VI.V. Futuros Questionamentos e Perspectivas Acreditamos que a abordagem teórico-metodológica conjunta da Etnoarqueomusicologia com a Semiótica foi profícua para a compreensão e discussão do papel dos músicos no mundo Moche. A análise detalhada dos músicos na iconografia e da maneira como são representados, levando em consideração os tipos de suportes artefactuais e o momento sócio-político de cada cultura estudada pode ser um importante acesso para a compreensão da produção musical no Peru Pré-Colombiano na longa duração. O processo 293 realizado nesta tese, inclusive com a discussão de dados etnohistóricos e etnomusicológicos, pode ser aplicado a outros períodos da história andina préhispânica, dependendo da quantidade de dados disponíveis. Nossa proposta abrangeu os músicos e seus papéis sociais, religiosos e políticos, mas outros questionamentos sobre o caráter social da produção sonora nos Andes podem ser levantados em futuras investigações, tendo como foco os eventos públicos nos quais havia intensa produção sonora, analisando para tanto, além da iconografia, a concentração de instrumentos sonoros nas plataformas das grandes huacas. Aspectos acústicos e organológicos da música nos Andes pré-hispânicos também foram pouco estudados e merecem maior atenção por parte dos arqueomusicólogos. São muitas as perspectivas possíveis para o estudo da música préhispânica não só nos Andes, mas nas Américas de forma geral. Como afirma Mendívil (2009: 8) a diferencia del historiador musical, el arqueomusicólogo encontrará sus partituras tanto en la iconografía, en la concepción sonora que acompaña a la performance de las tradiciones contemporáneas, o más aún, deberá aprender a tratar e interpretar éstas como tales. Assim, o trabalho do arqueomusicólogo é uma constante avaliação das fontes disponíveis para a análise da música do passado, e um aprendizado devotado da leitura de suas “partituras”, que devem responder a seus questionamentos sobre este aspecto ainda pouco estudado do passado humano. 294 VII. Tabelas e Gráficos Tab. III.IV. Distribuição de subcategorias de Músicos Oficiais por Instrumento Sonoro associado. Tab. III.V. Distribuição de categorias de Músicos Oficiais por Instrumento Sonoro associado Tab.III.VI. Distribuição de subcategorias de Músicos Oficiais por tipo de representação iconográfica. 295 Tab. III.VII. Distribuição de subcategorias de Músicos Oficiais por categoria organológica. Tab. III. VIII. Distribuição de categorias de Músicos Oficiais por categoria organológica. Tab. III. IX. Distribuição de subcategorias de Músicos Oficiais por tipo de artefato. Tab. III.X. Distribuição de categorias de Músicos Oficiais por tipo de artefato. 296 Tab. III.XI. Distribuição de instrumentos sonoros tocados por narrativas pictóricas analisadas. Gráfico III.I. Distribuição de instrumentos sonoros por narrativas pictóricas analisadas. Gráfico III.II. Distribuição de categorias organológicas por narrativas pictóricas analisadas. 297 Gráfico IV.I. Distribuição de Ai Apaecs por Instrumento Sonoro. Gráfico IV.II. Distribuição de Ai Apaecs por Categoria Organológica. Gráfico IV.III. Distribuição de Ai Apaecs por tipo de representação. 298 Gráfico IV.IV. Distribuição de Ai Apaecs por suporte artefactual. Gráfico IV.V. Distribuição de partes de toucados em Ai Apaecs músicos. Gráfico IV.VI. Distribuição de Divindades por Instrumento Sonoro. 299 Gráfico IV.VII. Distribuição de Divindades por categoria organológica. Gráfico IV.VIII. Distribuição de Divindades por tipo de representação. Gráfico IV.IX. Distribuição de Divindades por suporte artefactual. 300 Tabela IV.I. Distribuição de instrumentos sonoros por tipos de músicos antropozoomorfos. Gráfico IV.X. Distribuição de músicos antropozoomorfos por instrumentos sonoros. Gráfico IV.XI. Distribuição de músicos antropozoomorfos por categoria organológica. 301 Gráfico IV.XII. Distribuição de músicos antropozoomorfos por tipo de representação iconográfica. Tabela IV.II. Distribuição de categorias de músicos antropozoomorfos por tipo de suporte artefactual. Tabela IV.III. Distribuição de categorias de músicos antropozoomorfos por tipo de suporte artefactual. 302 Gráfico IV.XIII. Distribuição de músicos antropozoomorfos por tipo de suporte artefactual. Gráfico IV.XIV. Distribuição de músicos fitomorfos por instrumento sonoro. Gráfico IV.XV. Distribuição de antaristas cadavéricos escultóricos por suporte artefactual 303 Gráfico IV.XVI. Distribuição de antaristas cadavéricos escultóricos por grupo Gráfico IV.XVII. Distribuição de instrumentos sonoros na categoria músicos cadavéricos Gráfico IV.XVIII. Distribuição de músicos cadavéricos por categoria organológica 304 Gráfico IV.XIX. Distribuição de músicos cadavéricos por suporte artefactual I Gráfico IV.XX. Distribuição de músicos cadavéricos por suporte artefactual II Tabela IV.IV. Distribuição de instrumentos sonoros por Temas das Danças do Inframundo 305 Gráfico IV.XXI. Distribuição de instrumentos sonoros presentes em Danças do Inframundo Gráfico IV.XXII.. Distribuição de categorias organológicas por Temas de Danças do Inframundo Gráfico IV.XXIIII. Distribuição de categorias organológicas por Danças do Inframundo 306 Gráfico IV.XXIV. Distribuição de Danças do Inframundo por suporte artefactual Tabela IV.V. Distribuição de tipos de suporte artefactual por temas de Danças do Inframundo Tabela IV.VI. Distribuição de atributos de poder por temas de Danças do Inframundo Tabela IV.VII. Distribuição de tipos de toucados por temas de Danças do Inframundo 307 Gráfico IV.XXV. Distribuição de toucados de músicos em Danças do Inframundo Gráfico IV.XXVI. Quantidade de músicos com e sem atributos de poder em Danças do Inframundo Gráfico IV.XXVII. Distribuição de Temas das Danças do Inframundo por vales 308 Gráfico V.I. Distribuição de Percussionistas Cegos por Suporte Artefactual Gráfico V.II. Distribuição de Percussionistas Cegos por Suporte Artefactual II. Gráfico V.III. Distribuição de Percussionistas Cegos por Vales. 309 Gráfico V.IV. Distribuição de Músicos degenerados por suporte artefactual. Gráfico V.V. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de campânula fusiforme por subgrupo. Gráfico V.VI. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de campânula fusiforme por suporte artefactual. 310 Gráfico V.VII. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de campânula fusiforme por suporte artefactual II. Gráfico V.VIII. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de Golpe Direto Horizontal por grupos. Gráfico V.IX. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de Golpe Direto Horizontal por suporte artefactual. 311 Gráfico V.X. Distribuição de peças com Xamãs com Idiofones Suspensos Conjugados por grupos. Gráfico V.XI. Distribuição de músicos tocando Idiofones Suspensos Conjugados por suporte artefactual. Gráfico V.XII. Distribuição de peças por subgrupos na categoria Xamãs com Idiofones Suspensos Conjugados e Bolsa. 312 Gráfico V.XIII. Proporção dos dois grandes grupos de cântaros com Idiofones Suspensos Conjugados. Gráfico V.XIV. Distribuição de toda a categoria de xamãs e curandeiros por suporte artefactual. Gráfico V. XV. Distribuição de toda a categoria de xamãs e curandeiros por vale. 313 Gráfico VI.I. Proporção de músicos por categoria. Gráfico VI.II. Proporção de peças por categoria. Gráfico VI.III. Instrumentos sonoros tocados por músicos oficiais. 314 Gráfico VI.IV. Proporção de categorias organológicas na amostra de músicos oficiais. Gráfico VI.V. Instrumentos sonoros tocados por músicos sobrenaturais. Gráfico VI.VI. Proporção de categorias organológicas na amostra de músicos sobrenaturais. 315 Gráfico VI.VII. Instrumentos sonoros tocados por músicos mediadores. Gráfico VI.VIII.Proporção de categorias organológicas na amostra de músicos mediadores. Gráfico VI.IX. Proporção de instrumentos sonoros tocados por todas as categorias. 316 Gráfico VI.X. Categorias organológicas dentro da amostra total. 317 VIII. BIBLIOGRAFIA ALLEN, C. The Sadness of Jars: Separation and Rectification in Andean Understandings of Death. In: SHIMADA, I. & FITZSIMMONS, J.L. (eds.) Living with the Dead in the Andes. Tucson, University of Arizona Press, 2015, 304-328. ALVA MENESES, N. I. Spiders and Spider Decapitators in Moche Iconography: Identification from the Contexts of Sipán, Antecendents and Symbolism. In: BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 247-262. _____________. As imagens e os símbolos das tumbas de Sipán. In: ALVA, W. (curadoria). Tesouros do Senhor de Sipán, Peru. O esplendor da cultura Mochica. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2006: 145-157. ALVA, W. As tumbas reais de Sipán e a cultura peruana. In: ALVA, W. (curadoria). Tesouros do Senhor de Sipán, Peru. O esplendor da cultura Mochica. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2006. ________. The Royal Tombs of Sipán: Art and Power in Moche Society. In: PILLSBURY, J. (ed.) Moche Art and Archaeology in Ancient Peru. Studies in History of Art. Washington: National Gallery of Art, 2001: 223-245. ALVA, W. & CHERO ZURITA, L. La Tumba del Sacerdote Guerrero. Informe Oficial do Museu Tumbas Reales de Sipán. Projeto Especial Naylamp Lambayeque. s/d. ______ Sipán: Descubrimiento e Investigación. Lima: Edição do autor, 1998. ALVA, W.; DONNAN, C. Royal Tombs of Sipán. Los Angeles: University of California, 1993. ARCURI, M. M. Cosmografía y ritual en la Huaca Ventarrón: La naturaleza del Estado. In: ALVA MENESES, I. (ed.) Ventarrón y Collud: Origen y auge de 318 la civilización en la costa norte del Perú. Lambayeque: Unidad Ejecutora 111 - Naylamp Lambayeque/Instituto Nacional de Cultura del Perú, 2014. ___________. El Occidente no vio el Sol nocturno: el papel de la dualidad complementaria de las fuerzas cósmicas en la organización política de las jefaturas amerindias. In: ROJAS, B.A. & NAVARRETE, F.L. (Org.). Los pueblos amerindios: más allá del Estado .México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2011. ___________. O Tahuantinsuyu e o poder das huacas nas relações centro x periferia de Cusco. São Paulo, Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, 2008. Suplem. 8: 33-49. ___________. Tribos, cacicados ou Estados? A dualidade e a centralização da chefia na organização social da América Pré-Colombiana. In: Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, v. 17. São Paulo, 2007. _______________. Os Sacerdotese o Culto Oficial na Organização do Estado Mexica. Tese de Doutorado. São Paulo: Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, 2003. ARETZ, I. Música Prehispánica en las Altas Culturas Andinas. Buenos Aires: Lumen, 2003. BARRET, J. Agency, the duality of structure, and the problem of the archaeological record. In HODDER, I. (ed.) Archaeological Theory Today. Blackwell, 2001:141—64. BARS, C. O Felino na Iconografia Mochica: Análise dos Padrões de Estilização na Cerâmica Ritual. Dissertação de Mestrado. São Paulo, Museu de Arqueologia e Etnologia, 2010. BAUMANN, M. P. Andean Music, Symbolic Dualism and Cosmology. In: BAUMANN, M. P. (org.). Cosmología y música en los Andes. Frankfurt: Dietrich Briesemeister, 1996, 15:66. 319 BAWDEN, G. The Art of Moche Politics. In: SILVERMAN, H. (ed.) Andean Archaeology. Malden: Blackwell, 2004. ___________. The Moche. Cambridge: Blackwell, 1996. ___________. The Structural Paradox: Moche Culture as Political Ideology. In: Latin American Antiquity, 6 (3); 1995: 255-273. BELLENGER, X. El espacio musical andino. Lima: Instituto Frances de Estudios Andinos, 2007. BENITO, C.G; PASALODOS, R.J. La música enterrada: Historiografía y Metodología de la Arqueología Musical. In: Cuadernos de Etnomusicología, 1. Barcelona: Sociedad de Etnomusicología, 2011. BENSON, E. The Worlds of the Moche on the North Coast of Peru.Austin: University of Texas Press, 2012. ___________. Maya Political Structure as a Possible Model for the Moche. In: QUILTER, J & CASTILLO, L.J (eds.) New Perspectives on Moche Political Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 17-46. ___________. Iconography meets Archaeology. In: BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 121. ______ Moche and Vicús. In: KATZ, L. (ed.) Art of the Andes: Pre-Columbian and Painted Ceramics from the Arthur M. Sackler Collections. Washington D.C: The AMS Foundation, s/d: 69-77 ______ The Mochica: A Culture of Peru. London: Thames and Hudson, 1972. BENSON, E. & COOK, A. (eds.) Ritual Sacrifice in Ancient Peru. Austin: University of Texas Press, 2001. BEREZKIN, Y. An identification of the Anthropomorfic Mythological Personages in Moche representations. In: Ñawpa Pacha: California, 1981: 1-26. 320 BERNIER, H. Personal adornments at Moche, north coast of Peru. In: Ñawpa Pacha: Journal of Andean Archaeology, 2010, 30: 1, 91-114. BILLMAN, B. How Moche Rulers Came to Power: Investigating the Emergence of the Moche Political Economy. In: CASTILLO, L.J.B. & QUILTER, J. (eds.). New Perspectives on Moche Political Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 181-200. BOLAÑOS, C. Origen de la música en los Andes. Instrumentos musicales, objetos sonoros y músicos de la región andina precolonial. Lima: Fondo Editorial del Congreso del Perú, 2007. ____________. Las Antaras Nasca: Historia y Análisis. Lima: Programa de Arqueomusicología del Institito Andino de Estudios Arqueologicos (INDEA), 1988. BOTH, A. Music Archaeology: Some Methodological and Theoretical Considerations. In: BOTH, A.; NILES, D.; LAU, F, et al. (eds.). 2009 Yearbook for Traditional Music. International Council for Traditional Music; Vol. 41, 2009: 1-11. BOURGET, S. Cultural Assignations During the Early Intermediate Period : The case of Huancaco, Virú Valley. In: CASTILLO, L.J.B. & QUILTER, J. (eds.). New Perspectives on Moche Political Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 201-222 __________. The Third Man: Identity and Rulership in Moche Archaeology and Visual Culture. In: BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 263-288. ___________. Sex, death and sacrifice in Moche religion and visual culture. Austin: University of Texas Press, 2006. ___________. Sexo, Muerte y Fertilidad en la Religión Moche. In: Morir para Gobernar: Sexo y poder en la sociedad Mochica (Catálogo de Exposição). Santiago: Museo Chileno de Arte Precolombino: octubre 2007-marzo 2008. 321 ___________. Bestiaire sacre et flore magique: Écologie rituelle de l’iconographie de la culture Mochica, côte nord du Pérou. Tome II: Dossier iconographique. Janvier: Université de Montreal, 1994a. __________. El Mar y la Muerte en la Iconografía Mochica. In: UCEDA, S.& MUJICA, E. (eds.). Moche: Propuestas y Perspectivas. Actas del Primer Coloquio sobre la Cultura Mochica (Trujillo, 12 al 16 de abril de 1993). Lima: Institut Français d’Etudes Andines, Vol. 79, 1994b: 425-477. BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008. BOZA CUADROS, M. F. La ocupación Mochica en los valles de Lambayeque y Zaña. In: Arkeos: Revista Electrónica de Arqueología de la PUCP. Vol. 1, no. 4, 2006. BURTENSHAW-ZUMSTEIN, J. The “Tembladera” Figurines: Ritual, Music, and Elite Identity in Formative Period North Peru, Circa 1800–200 B.C. In: Ñawpa Pacha: Journal of Andean Archaeology, 33: 3. Berkeley, 2013: 119-148. CANEDO, W.S. Algunas Consideraciones Hipotéticas Sobre Música y Sistema de Pensamiento. La Flauta de Pan en los Andes Bolivianos. In: BAUMANN, M.P. (ed.), Cosmología y Música en Los Andes. Vervuert: Iberoamericana, 1996. CANZIANI, J.A. City Planning and Architecture in the Analysis of Moche Social Formation. In: New Perspectives on Moche Political Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 159-180. CASTILLO B., L. J. Moche Politics in the Jequetepeque Valley: A Case for Political Opportunism. In: New Perspectives on Moche Political 322 Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 83-109. ________________. Informe do Programa Arqueologico San José de Moro. Pontifícia Universidad Católica del Perú, 2009. Disponível em: http://sanjosedemoro.pucp.edu.pe/index.html ________________. Origem, Desenvolvimento e Colapso das Sociedades Mochicas. In: Tesouros do Senhor de Sipán, Peru - O Esplendor da Cultura Mochica. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2006: 125-142. ________________. Las Señoras de San José de Moro: Rituales funerarios de mujeres de élite en la costa norte del Perú. In: Arkeos: Revista Electrónica de Arqueología de la PUCP. Vol. 1, no. 3, 2006. ________________. Informe do Programa Arqueologico San José de Moro. Pontifícia Universidad Católica del Perú, 2004. Disponível em: http://sanjosedemoro.pucp.edu.pe/index.html ________________. Informe do Programa Arqueologico San José de Moro. Pontifícia Universidad Católica del Perú, 2003. Disponível em: http://sanjosedemoro.pucp.edu.pe/index.html ________________. La Cerimonia del Sacrifício - Batalla y Muerte en el Arte Mochica. In: La Cerimonia del Sacrifício - Batalla y Muerte en el Arte Mochica. Catálogo da exposição, Fevereiro a Agosto de 2000. Lima: Museo Arqueológico Rafael Larco Herrera, 2000: 14-27. ________________. Los rituales Mochica de la muerte. In: MAKOWSKI et al. Los dioses del antiguo Perú. Lima: Banco de crédito del Perú, 2000b: 103135. ________________. Personajes míticos, escenas y narraciones en la iconografía Mochica. Lima: Fondo Editorial PUCP, 1989. CASTILLO B., L. J.; DONNAN, C.B. Los Mochica del Norte y los Mochica del Sur, una perspectiva desde el valle del Jequetepeque. In: MAKOWSKI, K. (ed.). Vicús. (Colección Arte y Tesoros del Perú). Lima: Banco de Crédito del Perú, 1994: 142-181 323 CASTILLO B., L; UCEDA, S. The Moche of Northern Peru. Artigo do Programa Arqueologico San Jose de Moro, 2007. Disponível em: http://sanjosedemoro.pucp.edu.pe/descargas/articulos/TheMochePeru.pdf CHAPDELAINE, C. Moche Political Organization in the Santa Valley: A Case of Direct Rule through Gradual Control of the Local Populations. In: New Perspectives on Moche Political Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 252-279. ______________. Moche Art Style in the Santa Valley: Between being “à la Mode” and Developing a Provincial Identity. In: BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 129152. CHAPDELAINE, C.; PIMENTEL, V.; GAMBOA, J. Rol de la Cerámica en la Afirmación Social de los Moches del Valle de Santa. In: Revista de Antropología, no. 20. Santiago: Universidad de Chile, 2009: 37-76. CHERO ZURITA, L. Nuevos Aportes en la Investigación Arqueológica de Sipán. Unidad Ejecutora 005 – Proyecto Especial Naylamp Lambayeque. Ministério de Cultura del Perú. Lambayeque, 2015. ________________. Huaca Rajada / Sipán: Esplendor y Complejidad. Lima, Edição do Autor, 2013. ________________. Los Guardianes de las Tumbas Reales de Sipán. In: Tesoros Preincas de la Cultura Mochica. (Catálogo de Exposição). Lima, 2012. COBO, B. (1653). Inca Religion and Customs. In: HAMILTON, R. (ed.). Inca Religion and Customs. Austin: University of Texas Press, 2004. CORDY COLLINS, A. Labretted Ladies: Foreign Women in Northern Moche and Lambayeque Art. In: PILLSBURY, J. (ed.). Moche Art and Archaeology in Ancient Peru. Washington: National Gallery of Art, 2001a: 247-257. 324 __________________. Decapitation in Cupisnique and Early Moche Societies. In: BENSON, E. & COOK, A. (eds.) Ritual Sacrifice in Ancient Peru. Austin: University of Texas Press, 2001b: 21-33. CORDY COLLINS, A.; MERBS, C.F. Forensic Iconography: The case of the Moche Giants. In: BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 93-112. CURAZZI CALLO, A. Sobre Siku Aimara: Ejecutante de Siku o Zampoña. In: Todo Sikuri. Edição especial da Revista Folklore: Arte, Cultura y Sociedad. Revista del Centro Universitario del Folklore - UNMSM. Lima, 2007: 71-84. DE BOCK, E. Human sacrifices for cosmic order and regeneration: structure and meaning in Moche iconography, Peru, AD 100-800. Oxford: BAR International Series, 2005. DE MARRAIS, E.; CASTILLO, L.J.B.; EARLE, T. Ideology, Materalization, and Power Strategies.In: Current Anthropology, vol. 37, no. 1, 1996: 15-31. DEN OTTER, E. Pre-Columbian Musical Instruments: Silenced Sounds in the Tropenmuseum collection. In: Bulletins of the Royal Tropical Institute. Amsterdan: Royal Tropical Institute, 1994. DONNAN, C. B. Dressing the Body in Splendor: Expression of Value by the Moche of Ancient Peru. In: PAPADOPOULOS J.K & URTON, G. (eds.) The Construction of Value in the Ancient World. Los Angeles: University of California, 2012. ____________. Moche Substyles: Keys to Understanding Moche Political Organization. In: Boletín del Museo Chileno de Arte Precolombino. Vol 16, No. 1. Santiago, 2011: 105-118. ____________. Moche State Religion: A Unifying Force on Moche Political Organization. In: CASTILLO, L.J.B. & QUILTER, J. (eds.). New 325 Perspectives on Moche Political Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 47-69. ____________. Moche Masking Traditions. In: BOURGET, S. & JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 6780. ____________. Dance in Moche Art. In: Ñawpa Pacha, 20, Berkeley, 1982: 97120. ____________. Moche Art and Iconography. Los Angeles: University of California, 1978. ____________. Moche Art of Peru: Pre Columbian Symbolic Communication. California: California: Latin American Studies Publications, 1976. DONNAN, C. B.; McCLELLAND, D. Moche Fineline Painting: Its Evolution and Its Artists. Los Angeles: University of California, 1999. ______ The Burial Theme in Moche Iconography. In: Studies in Pre-Columbian Art & Archaeology num. 21. Washington D.C: Dumbarton Oaks, 1979: 5-46. DONNAN, C.B.; SCOTT, D.A.; BRACKEN, T. Moche Forms for shaping Sheet Metal. In: BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 113-128. DORNAN, J. L. Agency and Archaeology: Past, Present, and Future Directions. In: Journal of Archaeological Method and Theory, Vol. 9, No. 4, 2002: 303-329. ELERA, C. El shaman del Morro de Eten: antecedentes arqueológicos del shamanismo en la costa y sierra norte del Perú. In: MILLONES, L. & LEMLIJ, M. (eds). En el nombre del Señor: shamanes, demonios y curanderos del norte del Perú. Lima: Biblioteca Peruana de Psicoanálisis; Seminario Interdisciplinario de Estudios Andinos, 1994: 22-50. FASH, W.L. An Outsider’s Reflections on the Moche Political Organization. In: CASTILLO, L.J.B. & QUILTER, J. (eds.). New Perspectives on Moche 326 Political Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 306-322. FERRIER, C. El Huayno con Arpa: estilos globales en la nueva música popular andina. Lima: Instituto Francés de Estudios Andinos: 2010. FORTUN, J. E. Aerofonos Prehispánicos Andinos. Folklore Americano. Organo del Comité Interamericano de Folklore. Años XVII-XVIII. No. 16. Lima, 1969-70: 49-77. FRANCO, R.J. Oficiantes y Curanderos Moche, una Visión desde la Arqueología. In: Pueblo Continente, Revista Oficial de la Universidad Privada Anyenor Orrego. Trujillo, V. 23, Nº 1, 2012: 18-26. ___________. Mochica: Los Secretos de la Huaca Cao Viejo. Lima: Fundación Wiese, 2009. FRANCO, R.J.; GALVEZ, M. S.; VASQUEZ, S.S. Moche Power and Ideology at the El Brujo Complex and in the Chicama Valley. In: CASTILLO, L.J.B. & QUILTER, J. (eds.). New Perspectives on Moche Political Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 110-131. GAMBOA, J. Dedication and Termination Rituals in Southern Moche Public Architecture. In: Latin American Antiquity (26) 1, 2015: 87-105. __________. Identificación de una técnica de elaboración de botellas Moche de asa estribo en el Castillo de Santa, Costa norte del Perú. In: Boletín del Museo Chileno de Arte Precolombino, vol. 18, no.1. Santiago, 2013. GELL, A. The technology of enchantment and the enchantment of technology. In: COOTE, J. & SHELTON, A. (eds.). Anthropology, Art and Aesthetics. Oxford: Clarendon, 1992: 40-63. _________. Art and agency. An anthropological theory. Oxford: Clarendon,1998. 327 GELLES, P. Equilibrium and Extraction: Dual organization in the Andes. In: American Ethnologist, 22 (4); 1995: 710-742. GIERSZ, M.; MAKOWSKI, K.; PRZADKA, P. El mundo sobrenatural Mochica: imágenes escultóricas de las deidades antropomorfas en el Museo Arqueológico Rafael Larco Herrera. Varsovia: Universidad de Varsovia; Lima: PUCP; Fondo Editorial, 2005. GILLESPIE, S. Ballgames and boundaries. In: SCARBOROUGH, V.L.& WILCOX, D.R (eds.) The Mesoamerican Ballgame. Tucson, University of Arizona Press, 1991. GLASS-COFFIN, B.; SHARON, D; UCEDA, S. Curanderas a la Sombra de la Huaca de la Luna. In: Bulletin de l’Institute Français d’ Études Andines. Lima, 34(1): 2004: 81-95. GÖLTE, J. Moche, Cosmología y Sociedad: una interpretación iconográfica. Cusco: Instituto de Estudios Peruanos, 2009. ______ Un modelo para comprender la cosmovisión en las culturas de los Andes Centrales. Manuscrito, 2007. ______ Construcción de sentido en una cosmovisión o novela policíaca: la secuencia del entierro en la iconografia. In: XIX Reunión anual de etnología (Anales de la reunión anual de etnología). La Paz: Museo nacional de etnografía y folklore, 2006: 757-806. ______ La Construcción de la Naturaleza en el Mundo Prehispánico Andino, su Continuación en el Mundo Colonial y en la Época Moderna. In: Revista de Antropologia, UNMSM. Facultad de Ciencias Sociales, 3 (3); 2005. ______ Un universo oculto. Baessler-Archiv., 52. Berlin, 2004: 125-174. ______ La iconografía Nasca. In: Arqueológicas. Revista del Museo Nacional de Arqueología, Antropología e Historia del Perú, 26. Lima, 2003: 179218. ______ Íconos y Narraciones: la reconstrucción de uma secuencia de imágenes Mochica. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 1994. 328 GOSDEN, C. What do objects want? In: Journal of Archaeological Method and Theory, Vol. 12, No. 3, 2005: 193-211. GRUSZCZYNSKA, A. Detrás del silencio. La música en la cultura Nasca. Lima: Sociedad Polaca de Estudios Latinoamericanos & Fondo Editorial, Pontificia Universidad Católica del Perú, 2014. __________________. Is sound the First and Last Sign of Life? An Interpretation of the Most Recent Archaeomusicological Discovery of the Nasca Culture (Panpipes). In: HICKMANN, E.; EICHMANN, R. (org.). Studien zur Musikarchäologie, V. Rahden/Westf: Verlag Marie Leidorf GmbH, 2006: 191-202. ______ Under the Safe Cover of Sound: The Sense of Music in a Cycle of Lifeand-Death According to Andean Tradition. In HICKMANN, E.; EICHMANN, R. (org.). Studien zur Musikarchäologie, V. Rahden/Westf: Verlag Marie Leidorf GmbH, 2006b: 80-94. ______ Masculine Musical Instruments in the Andean Tradition. In: HICKMANN, E.; EICHMANN, R. (org). Studien zur Musikarchäologie, V. Rahden/Westf: Verlag Marie Leidorf GmbH, 2006c: 253-260. ______ El Poder del Sonido: El papel de las crónicas españolas en la etnomusicología andina. Cayambe (Equador): Ediciones Abya-Yala, 1995. ______ La creación del espacio sonoro: testimonios musicales del Sector Y13. Manuscrito, s/d: 1-33. GUDEMOS, M. Apuntes preliminares a esta edición. In: GUDEMOS, M. (org.) Dossier de Arqueomusicología Andina. Revista Española de Antropología Americana. Madrid: Universidad Complutense de Madrid, 2009: 119-124. ______ Canto, Danza y Libación en Los Andes. Madrid: Ministerio de Cultura, Dirección General de Bellas Artes y Bienes Culturales. Subdirección General de Museos Estatales, 2004. HERRERA, A.W. Pututo and Wayllaquepa: New Data on Andean Pottery Shell Horns. In: HICKMANN, E.; EICHMANN, R. (org). Studien zur Musikarchäologie, V. Rahden/Westf: Verlag Marie Leidorf GmbH, 2006: 17-37. 329 HICKMANN, E. Precolumbian Music Archaeology: an Introduction. In: HICKMANN, E.; EICHMANN, R. (org). Studien zur Musikarchäologie, V. Rahden/Westf: Verlag Marie Leidorf GmbH, 2006: 251-254. ______ The Iconography of Dualism: Precolumbian Instruments and Sounds as Offerings? In: BAUMANN, M. P. (org.). Cosmología y Música en los Andes. Frankfurt: Dietrich Briesemeister, 1996: 123-133. HOCQUENGHEM, A.M. Sacrifices and Ceremonial Calendars in Societies of the Central Andes. In: BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 23-42. ___________________. Relación entre mito, rito, canto y baile e imagen: afirmación de la identidad, legitimación del poder y perpetuación del orden. In: BAUMANN, M. P. (org.). Cosmología y Música en los Andes. Frankfurt: Dietrich Briesemeister, 1996: 137-173. ___________________. Iconografía Mochica. Lima: PUCP; Fondo Editorial, 1987. HOCQUENGHEM, A.M.& LYON, P. A Class of Supernatural Female in Moche Iconography. Ñawpa Pacha no 18: Berkeley, 1980: 27-50. HODDER, I. Interpretación en Arqueología: Corrientes actuales. Barcelona: Crítica Editorial, 1994. HOLMQUIST, U.P. El Personaje Mítico Femenino de la Iconografía Mochica. Memoria para obtençao de grau de Bacharel em Humanidades com menção em Arqueologia. Pontifícia Universidad Católica del Perú: Lima, 1992. HOYLE, A. Patrimonio musical de la cultura Mochica. Tese para a obtenção do grau de Licenciado em Arqueologia. Universidade Nacional de Trujillo, 1985. 330 JACKSON, M. Moche Art and Visual Culture in Ancient Peru. Albuquerque: University of New Mexico Press, 2008. JIMÉNEZ BORJA, A. Instrumentos musicales del Perú. Lima: Museo de la Cultura, 1951. JOFFRÉ, G. R. Periodificación en Arqueología Peruana: Genealogía y Aporía. In: Bulletin de l’Institute Français d’ Études Andines. Paris, 2005, 34(1): 533. JULIEN, C. On The Beggining of the Late Horizon. Ñawpa Pacha, 29: 1. Berkeley, 2008: 163-177. KAULICKE, P. Prólogo. In: KAPSOLI, W.; MILLONES, L. (eds.) La memoria de los ancestros. Lima: Universidad Ricardo Palma, 2001: 9-61. __________. Vivir con los ancestros en el Antiguo Perú. In: KAPSOLI, W.; MILLONES, L. (eds.) La memoria de los ancestros. Lima: Universidad Ricardo Palma, 2001b. __________. Memoria y Muerte en el Perú Antiguo. Lima: Fondo Editorial de la Pontifica Universidad Católica del Perú, 2001c. __________. La Muerte en el Antiguo Peru: Contextos y Conceptos funerarios: una introducción. Separata. Boletin de Arqueologia PUCP, 1. Lima, 1997: 7-54 KNIGHT, V.J. Iconographic Method in New World Prehistory. New York: Cambridge University Press, 2013. KOLAR, M. Et al. Ancient Pututus Contextualized: integrative Archaeoacoustics at Chavín de Huántar, Peru. In: STOCKLI, M. & BOTH, A.A. Flower World: Music Archaeology of the Americas. Vol. I / Mundo Florido: Arqueomusicología de las Américas Vol. I. Berlim: Ecko Verlag, 2012. 331 KOONS, M. External Versus Internal: An Examination of Moche Politics Through Similarities and Differences in Ceramic Style. In: DRUC, I. (ed.) Ceramic Analysis in the Andes. Deep University Press, 2015. LA CHIOMA , D.S.V. The Social Roles of Musicians in the Moche World: an Iconographic Analysis of Their Attributes in Middle Moche Period´s Ritual Pottery. In: MARCONI, C. & BELLIA, A. (eds.) Representations of Musicians in the Coroplastic Art of the Ancient World: Iconography, Ritual Contexts, and Functions. Pisa & Roma: Fabrizio Serra Editore, Telestes 2, (no prelo). __________________. Representaciones iconográficas en la cerámica moche. Debate sobre instrumentos sonoros y roles sociales protagónicos en el Período Medio. In: Arariwa: Revista de la Dirección de Investigación de la Escuela Nacional Superior de Folklore Jose María Arguedas. Año 10, no. 15, Julho del 2015. ___________________. Las representaciones iconográficas de músicos en la cerámica del período Moche Medio: un debate sobre instrumentos sonoros y roles sociales protagónicos. Conferência apresentada no Conversatório de Iconografia Moche. Lima, Ministério de Cultura do Peru. 20 de agosto de 2014. Disponível em: http://www.escuelafolklore.edu.pe/investigacion/archivos/arariwa15.pdf __________________. O músico na iconografia da cerâmica ritual Mochica do Período Médio: uma relação entre instrumentos sonoros e papéis sociais. In: III Semana Internacional de Arqueologia André Penin, 2012, São Paulo. Anais da III Semana Internacional de Arqueologia André Penin Revista do MAE/USP, 2013a. __________________. El Señor de las Antaras: Música y Fertilidad en la Iconografía Nasca. In: STOCKLI, M. & BOTH, A.A. Flower World: Music Archaeology of the Americas. Vol. II / Mundo Florido: Arqueomusicología de las Américas Vol. II. Berlim: Ecko Verlag, 2013b: 51-70. __________________. Emissários do Vento: Um Estudo dos Tocadores de Antaras representados na Cerâmica Ritual Mochica e Nasca. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Museu de Arqueologia e Etnologia, 2012. 332 LARCO HOYLE, R. Checan: Essay on erotic elements in Peruvian art. Nagel, 1965. _______________. Los Mochicas. Tomos I e II. Lima: Museu Arqueológico Rafael Larco Herrera, 2001 (1938). LAU, G. Andean expressions: art and archaeology of the Recuay culture. Iowa City: University of Iowa Press, 2011. ______. Object of Contention: an Examination of Recuay-Moche Combat Imagery. In: Cambridge Archaeological Journal, 14:2, 2004: 163-184. LOCKHART, G. The ocupation history of Galindo, Moche Valley, Peru. Latin American Antiquity, vol. 20, no. 2, 2009. Pp. 279-302. LÓPEZ AUSTIN, A. & MILLONES, L. Dioses del Norte, Dioses del Sur: Religiones y cosmovisión en Mesoamérica y los Andes. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 2008. ANTICONA, J L.N.. El Gollete estribo de la cerámica precolombina peruana: interpretación estética. Lima: UNMSM; Fondo Editorial, 2000. LUMBRERAS, L. G. Arqueología y Sociedad. In: DEL ÁGUILA, C.; CARRÉ, E. G. (eds.). Arqueología y Sociedad. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 2005. MAKOWSKI, K. Religion, Ethnic Identity, and Power in the Moche World: A View from the Frontiers. In: QUILTER, J. & CASTILLO, L.J. (eds.) New Perspectives on Moche Political Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 280-305. ______. La religión de las altas culturas de la costa del Perú Prehispánico. In: ALBÓ, X. (org.) Religiones Andinas. Madrid: Trotta, 2005: 39-88. ______. Ritual y Narración en la Iconografía Mochica. In: Arqueologicas, 25. Lima: Museo Nacional de Arqueología, Antropología e Historia del Perú. 2001: 175-203. 333 ______. Las Divinidades en la iconografía Mochica. In: MAKOWSKI, K. et al. (eds.). Los dioses del antiguo Perú. Lima: Banco de crédito del Perú, 2000. ______. Los seres sobrenaturales en la iconografía Paracas y Nasca. In: MAKOWSKI, K. et al. (org). Los dioses del antiguo Perú. Lima: Banco de Crédito del Perú, 2000b: 277-323. ______. Los Seres Radiantes, el Águila y el Búho. La Imagen de la Divinidad en la Cultura Mochica (siglos II-VIII D.C). In. MAKOWSKI, K; AMARO, I; HERNANDEZ, M (eds.). Imágenes y Mitos: Ensayos sobre las Artes Figurativas en los Andes Prehispánicos. Lima: Australis; Casa Editorial; Fondo Editorial SIDEA, 1996: 13-106. ______. La figura del oficiante en la iconografía Mochica: ¿shamán o sacerdote? In: MILLONES, L.; LEMLIJ, M. (eds). En el nombre del Señor: shamanes, demonios y curanderos del norte del Perú. Lima: Biblioteca Peruana de Psicoanálisis; Seminario Interdisciplinario de Estudios Andinos, 1994: 51-95. MANSILLA, C. El artefacto sonoro más antiguo del Perú: aclaración de un dato histórico. In: GUDEMOS, M. (org.). Dossier de Arqueomusicología Andina. Revista Española de Antropología Americana. Madrid: Universidad Complutense de Madrid, 2009: 185-193 ______ El sonido de otros tiempos: las antaras de cerámica de la tumba SIIICQT-5 de Las Trancas, Nasca. In: Arariwa (Vocero de la Dirección de Investigación de la Escuela Nacional Superior de Folclore José María Arguedas), Lima, 2006: 14-17. McCLELLAND, D. Ulluchu: an Elusive Fruit. In: BOURGET, S. & JONES, K (eds.). The Art and Archaeology of the Moche: an Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 4365. _____________. Study of musical instruments in fineline drawings and modeled ceramic vessels by Donna McClelland, ca. 1980s, donated by Donald McClelland. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork 334 Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. MENDÍVIL, J. Del juju al uauco. Un estudio arqueomusicológico de las flautas globulares cerradas de cráneo de cérvido en la región Chinchaysuyo del imperio de los incas. Quito: Abya Yala, 2009. MILLAIRE, J.F. Moche Political Expansionism as Viewed from Virú: Recent Archaeological Work in the Close Periphery of a Hegemonic-City-State System. In: CASTILLO, L.J.B. & QUILTER, J. (eds.). New Perspectives on Moche Political Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 223-251. ___________. Moche Textile Production on the Peruvian North Coast: A Contextual Analysis. In: BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 229-246. MILLONES, L. Historia y poder en los Andes Centrales: desde los orígenes al siglo XVII. Madrid: Alianza, 1987. MONTOYA VERA, M.R. Multidisciplinary Study of Nectandra Sp. Seeds from Chimu Funerary Contexts at Huaca de la Luna, North Coast of Perú. In: EECKHOUT, P. & OWENS, L.S. (eds.) Funerary Practices and Models in the Ancient Andes The Return of the Living Dead. Cambridge: Cambridge University Press, 2015: 238-260. MOORE, J. The Archaeology of Dual Organization in Andean South America: A Theoretical Review and Case Study. In: Latin American Antiquity, Vol. 6, No. 2, 1995: 165-181. MOSELEY, M. The Incas and their ancestors: The Archaeology of Peru. London: Thames and Hudson, 1992. 335 MOSELEY, M.; DONNAN, C.B; KEEFER, D.K. Convergent Catastrophe and the Demise of Dos Cabezas: Environmental Change and Regime Change in Ancient Peru. In: BOURGET, S. & JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 81-92. MOXEY, K.P.F. Semiotics and the Social History of Art. In: New Literary History, Vol. 22, No. 4, Papers from the Commonwealth Center for Literary and Cultural Change, 1991: 985-999. NETHERLY, P.J. The Local and Regional Lords of Chimor (Peru). Tese de Doutorado. Universidade de Cornell, 1978. NIELSEN, K. Flower World, Music Archaeology of the Americas Vol 2. (Review). In: Ethnomusicology Review, vol. 19. Los Angeles: University of California, 2014. OLSEN, D. Music of Eldorado: the ethnomusicology of ancient southamerican cultures. Orlando: University Press of Florida, 2002. ______ Towards a Musical Atlas of Peru. In: Ethnomusicology, 30 (3). University of Illinois Press on behalf of Society for Ethnomusicology, 1986: 394-412. PAIRUMANI, F.L. La concepción del tiempo y la música en el mundo Aymara. In: BAUMANN, M. P. (org.). Cosmología y música en los Andes. Frankfurt: Dietrich Briesemeister, 1996, 107-116. PANOFSKY, E. Estudos de Iconologia. Lisboa: Estampa, 1986 (1939). PILLSBURY, J. (ed.). Moche Art and Archaeology in Ancient Peru. Studies in History of Art. Washington: National Gallery of Art, 2001. 336 PLATT, T. El Feto Agresivo. Parto, Formación de la Persona y Moti-Historia en los Andes. Estudios Atacamaños. Chile: Universidad Católica del Norte del San Pedro de Atacama, N° 22: 127 -155. ________. Mirrors and Maize: the Concept of Yanatin among the Macha of Bolivia. In: MURRA, J. V.; WACHTEL, N.; REVEL, J. (eds.). Anthropological History of Andean Polities. Cambridge: Cambridge University Press, 1986: 228–59. ________. Symetrie en miroir. In : Annales, 33; année septembre-décembre. Paris: Armand Coli,1978. PINNEY, C. & THOMAS, N. Beyond Aesthetics. Art and the Technologies of Enchantment. Oxford, New York, 2001. PREUCEL, R. Archaeological Semiotics. Oxford: Blackwell, 2006. POLIA, M. El curandero, sacerdote tradicional de los encantos. In: MILLONES, L.; LEMLIJ, M. (eds). En el nombre del Señor: shamanes, demonios y curanderos del norte del Perú. Lima: Biblioteca Peruana de Psicoanálisis; Seminario Interdisciplinario de Estudios Andinos, 1994: 284-330. PONCE JARA, Y. Sikus Masculino de Tiempo Seco. Todo Sikuri. Edição especial da Revista Folklore : Arte, Cultura y Sociedad. Revista del Centro Universitario del Folklore - UNMSM. Lima, 2007 : 157-175. QUILTER, J. The Moche of Ancient Peru: Media and Messages. Cambridge, Massachussets : Peabody Museum Press, 2011. ________. Art and Moche Martial Arts. In: BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 215-228. ________. Representational Art in Ancient Peru and the Work of Alfred Gell. In: OSBORNE, R. & TANNER, J. (eds.) Art's Agency and Art History. Oxford: Blackwell, 2007: 136-157 ________. Moche Politics, Religion and Warfare. In: Journal of World Prehistory, Vol. 16, No. 2, 2002. 337 ________. The narrative approach to Moche Iconography. In: Latin American Antiquity, 8 (2), 1997: 113-133. QUILTER, J. & CASTILLO, L.J. (Eds). New Perspectives on Moche Political Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010. __________________________. Many Moche Models: An Overview of Past and Current Theories and Research on Moche Political Organization. In: QUILTER, J. & CASTILLO, L.J. (eds). New Perspectives on Moche Political Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 1-16. QUILTER, J. & KOONS, M. The Fall of the Moche: A Critique of Claims for South America`s First State. In: Latin American Antiquity 23(2), 2012: 127143. RENFREW, C. Symbol before Concept: Material Engagement and the Early Development of Society. In: HODDER, I. (ed.). Archaeological Theory Today. Cambridge: Polity Press, 2002: 122-139. _____________. Towards a Cognitive Archaeology. RENFREW, C. & ZUBROW (eds.). The Ancient Mind: Elements of Cognitive Archaeology. Cambridge University Press, Cambridge, 1994. RENFREW. C, et all. What is Cognitive Archaeology? Viewpoint: Cambridge Archaeological Journal 3:2, 1993: 247-270. ROSENZWEIG, A; MOLOSZYN, J.Z. Offerings for the Afterlife: Peruvian Pottery and Artifacts from the Maiman Collection. Israel: Ampal / Merhav, 2008. ROSTWOROWSKI, M. La Religiosidad Andina. In: MAKOWSKI,K. et al. (eds.). Dioses del Antiguo Perú. Lima: PUCP, 2000a: 185-221. __________________. Estructuras andinas del poder: ideología religiosa y política. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 2000b. 338 ROWE, J.H. Stages and Periods in Archaeological Interpretation. In: Southwestern Journal of Anthropology, 18 (1), 1962: 40-54 _________. Absolute Chronology in the Andean Area. In: American Antiquity 10(3), 1945: 265-284. RUSSEL, G.; JACKSON, M. Political Economy and Patronage at Cerro Mayal, Peru. In: PILLSBURY, J. (ed.). Moche Art and Archaeology in Ancient Peru. Washington: National Gallery of Art, 2001: 159-173. SACHS, E.; HORNBOSTEL, C. Classification of Musical Instruments. In: MYERS. (ed.). Ethnomusicology: an Introduction. New York: Norton, 1992: 444-461. SALAZAR SÁENZ, S.D. La comunicación con los dioses: sacrificios y danzas en la época prehispánica según las "Tradiciones de Huarochirí". In: BAUMANN, M. P. (org.). Cosmología y música en los Andes. Frankfurt: Dietrich Briesemeister, 1996, 175-196. SALLES, P.P. Adjunorá: Percursos Simbólicos da Trompa Karajá. Manuscrito, 2015. SALLNOW, M. Pilgrims of the Andes: Regional Cults in Cusco. Washington, DC: Smithsonian Institution Press, 1987. SCULLIN, D. A materiality of Sound: Musical Practices of the Moche of Peru. Tese de Doutorado. Columbia University, 2015. SHIMADA, I. Moche Sociopolitical Organization: Rethinking the Data, Approaches and Models. In: CASTILLO, L.J.B. & QUILTER, J. (eds.). New Perspectives on Moche Political Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 70-82. 339 SHIMADA, I.; SHINODA, K.; ALVA, W. et al. The Moche People: Genetic Perspectives on Their Sociopolitical Composition and Organization. In: BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 179-194. SILVERMAN, H.; ISBELL, W. H. Andean Archaeology II: Art, Landscape and Society. New York: Kluwer Academic/Plenum Publishers, 2002. SOARES, D.L. Xamanismo e Cosmovisão Andina: Um estudo sobre práticas de curanderismo Mochica expressas na cerâmica ritual. Dissertação de Mestrado. São Paulo, Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, 2015. STEVENSON, R. The Music of Perú: Aboriginal and Viceroyal Epochs. Washington: Pan American Union; General Secretariat of the Organization of American States, 1960. STOBART, H. Music and the poetics of production in the Bolivian Andes. Aldershot: Ashgate, 2006. ___________. Interlocking Realms: Knowing Music and Musical Knowing. In: STOBART, H. & HOWARD-MALVERDE, R. (eds.). Knowledge and Learning in the Andes. Liverpool: University of Liverpool, 2002. _____________. Tara and Q’iwa: Worlds of Sound and Meaning. In: BAUMANN, M. P. (org.). Cosmología y música en los Andes. Frankfurt: Dietrich Briesemeister, 1996, 67-81. ___________. Flourishing horns and enchanted tubers: music and potatoes in Highland Bolivia. In: British Journal of Ethnomusicology, 3, 1994: 35-48. STONE, R. Art of the Andes: from Chavín to Inca. London: Thames and Hudson, 2002. SWENSON, E. Competitive Feasting, Religious Pluralism and Decentralized Power in the Late Moche Period. In: SILVERMAN, H. & ISBELL, W. (eds.) Andean Archaeology, Vol. III: North and South. New York: Springer, 2005. 340 SZTUTMAN, R. O Profeta e o Principal: A ação política ameríndia e seus personagens. São Paulo: Edusp, 2012. TANNER, J. & OSBORNE, R. Art's Agency and Art History. Blackwell Publishing Ltd, Oxford, 2007. TAYLOR, G. (ed.). Ritos y Tradiciones de Huarochirí. Lima: Instituto Frances de Estudios Andinos, 2008. TILLEY, C. Interpreting material culture. In: HODDER, I. (ed.). The Meanings of Things: material culture and symbolic expression. Cambridge: Cambridge University Press, 1989: 185-194. TOMASTO, E. Relatório de análise do Músico de Las Trancas. Museo Nacional de Arqueología, Antropología y Historia del Perú, Lima, 2006. UCEDA, S.C. Theocracy and Secularism: Relationships between the Temple and Urban Nucleus and Political Changes at the Huacas de Moche. In: CASTILLO, L.J.B. & QUILTER, J. (eds.). New Perspectives on Moche Political Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 132-158 _________. The Priests of the Bicephalus Arc: Tombs and Effigies Found in Huaca de la Luna and Their Relation to Moche Rituals. In: BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the Moche: an Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 153-178 UCEDA, S. ; MUJICA, E. & MORALES, R. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 1995. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 1995. ___________________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 1996. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 1996. 341 ___________________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 1997. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 1997. ___________________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 1998. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 1998. ___________________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 1999. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 1999. ___________________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 2000. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2000. ___________________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 2001. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2001. UCEDA, S. & MORALES, R.. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 2002. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2002. _________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 2003. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2003. __________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 2004. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2004. __________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 2005. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2005. ____________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 2006. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2006. ____________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 2007. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2007. 342 ____________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 2008. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2008. ____________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 2009. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2009. ____________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 2010. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2010. ____________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 2011. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2011. ____________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 2012. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2012. ____________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 2013. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2013. VALENCIA, A.C. El siku bipolar en el Antiguo Perú. Boletín de Lima. Vol. IV, No. 23. Lima : 1982 : 29-48. VERANO, J. Communality and Diversity in Moche Human Sacrifice. In: BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 195-214. ________. War and death in the Moche world: osteological evidence and visual discourse. In: PILLSBURY, J. (ed.) Moche Art and Archaeology in Ancient Peru. Washington: National Gallery of Art, 2001: 111-126. VERGARA CERQUEIRA, F. Digressões sobre o sentido e a interpretação das narrativas iconográficas dos vasos áticos: o caso das representações de instrumentos musicais. In: Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, 20. São Paulo, 2010: 219-233 343 ______________________. Os instrumentos musicais na vida diária da Atenas tardo-arcaica e clássica. O testemunho dos textos antigos e da iconografia dos vasos áticos. Tese de Doutorado. São Paulo: Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, 2001. VERGARA, E. M.; SÁNCHEZ, M.V. Mitografía Mochica. Trujillo: Universidad Nacional de Trujillo, 1996. WACHTEL, N. El regreso de los antepasados: Los indios Urus de Bolivia, del siglo XX al XVI. México: Fondo de Cultura Económica, 2001. WALLIS, N. The Materiality of Signs: Enchaintment and Animacy in Woodland Southeastern North American Pottery. In: American Antiquity, 78(2), 2013: 207-226. WASSÉN, H. S. El Ulluchu en La Iconografia y Cerimonias de Sangre Mochica: La Busqueda de su Identificacion. In: Boletin Del Museo Chileno de Arte Precolombino, 3. Santiago de Chile, 1989: 25-45. WEISMANTEL, M. Many Heads Are Better Than One: Mortuary Practice and Ceramic Art in Moche Society. In: SHIMADA, I. & FITZSIMMONS, J.L. (eds.) Living with the Dead in the Andes. Tucson, University of Arizona Press, 2015: 76-100. WEISMANTEL, M & MESKELL, L. Substances: ‘Following the Material’ through two prehistoric cases. In: Journal of Material Culture Vol. 19 (3), 2014: 233-251. WRIGHT, V. Pigmentos y tecnología artística mochicas: nueva aproximación para comprender la organización social. In: Bulletin de l’Institut Français d’Études Andines 39 (2). Lima, 2010: 299-330. WOLOSZYN, J. Enemigos íntimos – los representantes de la cultura Recuay en la iconografía Moche. Manuscrito ceido pelo autor, s/d. 344 _____________. Los rostros silenciosos: Los huacos retrato de la cultura Moche. Lima: Fondo Editorial PUCP, 2008. ZUIDEMA, R.T. Inca Cosmos in Andean Context. In: DOVER, R.V.H.; SEIBOLD, K.E. & McDOWELL, J.H. (eds.) Andean Cosmologies Through Time. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press. 1992: 17–45. 345 CATÁLOGO O Músico na Iconografia da Cerâmica Ritual Mochica: Um Estudo da Correlação Entre as Representações de Instrumentos Sonoros e os Atributos das Elites de Poder. Daniela La Chioma Silvestre Villalva PRANCHA 1 MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM TOUCADOS DE DIADEMA SEMICIRCULAR EM “V” (SENHORES NOTURNOS) M052. Museu Larco, Lima M635. Art Institute of Chicago, catálogo online. M035. Museu Larco, Lima M037. Museu Larco, Lima PRANCHA 2 TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA REPRESENTAÇÕES ESCULÓRICAS DE GUERREIRO CORUJA E SENHOR NOTURNO G.C.1. Museu Larco, Lima G.C.2. Art Institute of Chicago, catálogo online. G.C.5. Museu Larco, Lima G.C.3. Museu Cassinelli, Trujillo. Foto: Dábora Leonel Soares. G.C.4. Metropolitan Museum of Art, Nova York. Catálogo Online G.C.6. Museu Larco, Lima PRANCHA 3 MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM TOUCADOS DE DIADEMA SEMICIRCULAR EM “V” (SENHORES NOTURNOS) M406. Museu Larco, Lima. Detalhe: foto da autora. M408. Museu Larco, Lima M410. Museu Larco, Lima M411. Museu Larco, Lima PRANCHA 4 MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM TOUCADOS DE DIADEMA SEMICIRCULAR (SENHORES NOTURNOS) M183. Museu de América, Madri PRANCHA 5 INSTRUMENTOS SONOROS COM ICONOGRAFIA TROMBETA COM REPRESENTAÇÃO DE SENHOR NOTURNO Museu Larco, Lima. PRANCHA 6 TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA A CERIMÔNIA DO SACRIFÍCIO A D B C Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. Museu Larco, Lima. PRANCHA 7 TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA O TEMA DA ESCADA Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. . PRANCHA 8 TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA O SENHOR NOTURNO E O SENHOR SOLAR ATUANDO NA CERIMÔNIA DO SACRIFÍCIO Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. . Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. . PRANCHA 9 TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA O SENHOR NOTURNO E O SENHOR SOLAR ATUANDO NA REBELIÃO DOS OBJETOS Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. . PRANCHA 10 TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA O MONSTRO STROMBUS Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. Foto: Daniela La Chioma Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. . PRANCHA 11 TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA TEMA DA ENTREGA DO STROMBUS Museu Larco, Lima. Bourget, 2006: 175 PRANCHA 12 DADOS DE CONTEXTO ARQUEOLÓGICO ATRIBUTOS DO SENHOR DE SIPÁN Rodríguez, L.H.; Alva, W.A. et al, 2012 PRANCHA 13 DADOS DE CONTEXTO ARQUEOLÓGICO ATRIBUTOS DO SACERDOTE GUERREIRO DA TUMBA 14 DE SIPÁN Museu de Sítio Huaca Rajada Sipán, Lambayeque,. Foto: Daniela La Chioma PRANCHA 14 DADOS DE CONTEXTO ARQUEOLÓGICO ATRIBUTOS DO SACERDOTE GUERREIRO DA TUMBA 14 DE SIPÁN II Museu de Sítio Huaca Rajada Sipán, Lambayeque. Foto: Daniela La Chioma PRANCHA 15 MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS SUB-CATEGORIA: SENHOR SOLAR E GUERREIRO RAPOSA M407. Museu Larco, Lima M638 Museu Larco, Lima M638 Museu Larco, Lima PRANCHA 16 MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM TOUCADOS DE DOIS CÍRCULOS EM APITOS TOCANDO AEROFONES M043 Museu Larco, Lima M044 Museu Larco, Lima M005. Jackson, 2008: 43 M046 Museu Larco, Lima M008. Golte, 2009: 156 M626. Scullin, 2015: 87 M084. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora. M626. Museu Larco, Lima M014 MAAUNT – Trujillo PRANCHA 17 MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM TOUCADOS DE DOIS CÍRCULOS OU TOUCADO DE ANIMAL TOCANDO IDIOFONES DE VÁRIAS CATEGORIAS M294. MAAUNT, Trujillo - 3533 M629. Museu Larco, Lima M642. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. . M409. Museu Larco, Lima M627. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. . PRANCHA 18 MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM TOUCADOS DE DOIS CÍRCULOS EM APITOS TOCANDO PUTUTOS M124. Museu Larco, Lima M129. Museu Larco, Lima M131. Museu Larco, Lima M126. Museu Larco, Lima M127. Museu Larco, Lima M130. Museu Larco, Lima M125. Museu Larco, Lima M128. Museu Larco, Lima PRANCHA 19 MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM TOUCADOS DE DIADEMA SEMILUNAR M041. Museu Larco, Lima M036. Museu Larco, Lima M604. Projeto Arqueológico San Jose de Moro. Informe Online. M423. Museu Larco, Lima M425. Museu Larco, Lima PRANCHA 20 MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM TOUCADOS VARIADOS EM FORMA ESCULTÓRICA M038. Museu Larco, Lima M085. Museu Larco, Lima M023. Museu Larco, Lima PRANCHA 21 MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM TOUCADOS EM “V” ASSOCIADOS A PUTUTOS (SENHOR DOS PUTUTOS) M620. Imagem cedida gentilmente por Ignacio Alva Meneses M612. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. . PRANCHA 22 TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA O ADORADOR (CERIMÔNIA DA COCA) Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 23 MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM ROUCADO DE MÃOS PARA CIIMA (TOMADORES DE COCA) M034. Museu Larco, Lima - ML012778 PRANCHA 24 TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA O TEMA DO ARCO BICÉFALO OU TEMA DA CERIMÔNIA DA COCA (TOMADORES DE COCA E ADORADORES) Museu Larco, Lima Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. . Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. . PRANCHA 25 TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA TOMADORES DE COCA ESCULTÓRICOS Museu Larco, Lima Museu Larco, Lima Museu Larco, Lima PRANCHA 26 TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA TOMADORES DE COCA EM POSIÇÃO DE DESTAQUE Museu Larco, Lima Museu Larco, Lima Museu Larco, Lima PRANCHA 27 TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA SACERDOTISAS Museu Larco, Lima Sacerdotisa de Pañamarca. Stone, 2000. Metropolitan Museum of Art, Nova York. Catálogo Online MNAAHP, Lima. Foto da autora. PRANCHA 28 MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS SUB-CATEGORIA: SACERDOTISAS M386. Museu Larco, Lima M062. Coleção Particular de Tito la Rosa, Carhuaz. Foto da autora. M628. Museu Larco, Lima M416. Museu Casinelli, Trujillo. Foto da autora. M605. Museu Larco, Lima PRANCHA 29 MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES SUB-CATEGORIA: GUERREIROS M090. Museu de Sítio Huacas de Moche, Trujillo. Vitrines. Fotos da autora. M091. Museu de Sítio Huacas de Moche, Trujillo. Vitrines. Fotos da autora. PRANCHA 30 MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES SUB-CATEGORIA: ACOMPANHANTES M081. Museu Larco, Lima PRANCHA 31 TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA GUERREIROS COM DIVERSOS TOUCADOS Museu Larco, Lima Museu Larco, Lima Museu Larco, Lima Museu Larco, Lima Museu Larco, Lima Museu Larco, Lima PRANCHA 32 MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES SUB-CATEGORIA: GUERREIROS M105. Museu Larco, Lima M089. MNAAHP, Lima. Foto da autora. M403. Museu Larco, Lima M092. Benson, s/d. PRANCHA 33 MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES SUB-CATEGORIA: QUENISTAS DA DANÇA DO LAÇO M078. Museu Larco, Lima M079. Museu Larco, Lima M476 M154 M088 M602 PRANCHA 34 MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS DA DANÇA DO LAÇO M194. Museu Larco, Lima M069 M153 PRANCHA 35 MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS DA DANÇA DO LAÇO M188. Museu Larco, Lima M193. Museu Larco, Lima M155 M149 PRANCHA 36 MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS M162. Museu de Arqueologia da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Lima – Foto da autora. M605. American Museum of Natural History, New York. Foto: Bruno Monjon M245. Museu Cassinelli, Trujillo. Foto da autora. M281. Benson, s/d. M233. Museu Larco, Lima M260. MNAAHP, Lima. Foto da autora. M604. American Museum of Natural History, New York. Foto: Bruno Monjon M280 M228. Museu Larco, Lima M200. Museu Larco, Lima PRANCHA 37 MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES SUB-CATEGORIA: PUTUTEIROS EM NARRATIVAS M136. Museu de Sítio Huacas de Moche, Foto cedida gentilmente pelo Projeto Arqueológico Huacas de Moche M603. Imagem cedida gentilmente por Ignacio Alva Meneses. PRANCHA 38 MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES SUB-CATEGORIA: PUTUTEIROS EM CÂNTAROS M101. Museu de Gotenburgo. Catálogo Online. M122. Museu Larco, Lima M138. Museu de Gotenburgo. Catálogo Online. M102. MAUNT, Trujillo. Foto da autora. M104. Museu Larco, Lima PRANCHA 39 MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES SUB-CATEGORIA: PUTUTEIROS EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO M113. Museu Larco, Lima M116. Museu Larco , Lima M108. Museu Larco – Lima M106. Museu Larco, Lima M117. Museu Larco, Lima M107. Museu Larco, Lima PRANCHA 40 MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES SUB-CATEGORIA: PUTUTEIROS EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO M132. MNAAHP, Lima. Foto da autora. M135. MNAAHP, Lima. Foto da autora. M147. University of Pennsylvania Museum of Archaeology and Anthropology, M112. Museu Larco, Lima M134. MNAAHP, Lima . Foto da autora. M103. Museu de America, Madri PRANCHA 41 MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES SUB-CATEGORIA: PUTUTEIROS EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO M133. MNAAHP, Lima. Fotos da autora. Reprodução Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. . PRANCHA 42 MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES SUB-CATEGORIA: MULHERES PERCUSSIONISTAS EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO M264. MNAAHP, Lima. Fotos da autora. M171. Museu de Gotenburgo, catálogo online. M224. Museu Larco, Lima M186. Museu de América, Madri. Catálogo online. PRANCHA 43 MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES SUB-CATEGORIA: MULHERES PERCUSSIONISTAS EM ESTATUETAS M238. Museu Larco, Lima M240. Museu Larco, Lima M239. Museu Larco, Lima M167. Coleção particular Leistenschneider, Lima. M629. Museu Larco, Lima PRANCHA 44 MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS EM CÂNTAROS - SIPÁN M597. Foto cedida gentilmente por Museo Tumbas Reales de Sipán, Lambayeque. M585. Foto cedida gentilmente por Museo Tumbas Reales de Sipán, Lambayeque. M594. Foto cedida gentilmente por Museo Tumbas Reales de Sipán, Lambayeque. M583. Foto cedida gentilmente por Museo Tumbas Reales de Sipán, Lambayeque. M586. Foto cedida gentilmente por Museo Tumbas Reales de Sipán, Lambayeque. PRANCHA 45 MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES SUB-CATEGORIA: ANTARISTAS SIMPLES DA REGIÃO MOCHE SUL M016. Museu de America, Madri . Catálogo online. M615. Makowski, 2010. M017. Museu de America, Madri. Catálogo online. M053. MNAAHP, Lima. Foto da autora. PRANCHA 46 CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS SUB-CATEGORIA: PROCISSÃO DE ANTARISTAS A C B 1 D 2 M001 Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. Fowler Museum of Cultural History, UCLA – X863922. Catálogo Online PRANCHA 47 CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS SUB-CATEGORIA: PROCISSÃO DE ANTARISTAS A C D B 3 1 2 4 M002. Museu Etnográfico de Berlim – VA62192. Fotos cedidas gentilmente por Manuela Fischer. Desenho: Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 48 CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS SUB-CATEGORIA: PROCISSÃO DE ANTARISTAS M481. Donnan & Mc Clelland, 1999. Desenho: : Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. M063. : Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 49 CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS SUB-CATEGORIA: BATALHAS COM TOCADORES DE PUTUTOS M489. Donnan & McClelland, 1999. M482. Donnan & McClelland, 1999. Desenho:Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. . PRANCHA 50 CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS SUB-CATEGORIA: PROCISSÃO DE MÚSICOS LIDERADOS POR SENHOR SOLAR M152. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora. PRANCHA 51 CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS SUB-CATEGORIA: PROCISSÃO DE MÚSICOS LIDERADOS POR SENHOR SOLAR E SENHOR NOTURNO M645. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 52 TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA SACERDOTES GUERREIROS ATUANDO NA DANÇA DO LAÇO Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 53 CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS SUB-CATEGORIA: DANÇA DO LAÇO PROTAGONIZADA PELO SENHOR SOLAR M153. Museu Larco, Lima. Desenho: Museu Larco,. Detalhes: fotos tiradas pela autora. PRANCHA 54 CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS SUB-CATEGORIA: DANÇA DA CORDA PROTAGONIZADA PELO SENHOR SOLAR M069. Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Lima. Foto da autora com autorização da Direção do Museu. Desenho: Golte, 2009. PRANCHA 55 CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS SUB-CATEGORIA: DANÇA DA CORDA PROTAGONIZADA PELO SENHOR SOLAR M601. Desenho por Donna McClelland. Imagem cedida gentilmente por Ignacio Alva Meneses M072. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 56 CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS SUB-CATEGORIA: DANÇAS DE GUERREIROS PROTAGONIZADA PELO SENHOR NOTURNO M149. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 57 CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS SUB-CATEGORIA: DANÇAS DE GUERREIROS COM ATRIBUTOS DE SENHOR SOLAR M088. Museu Cassinelli, Trujillo. Foto da autora. Desenho: Golte, 2009. M602. . Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 58 CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS SUB-CATEGORIA: DANÇA DE GUERREIROS EM ESPIRAL M154. MNAAHP, Lima . Fotos da autora. Desenho: Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 59 CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS SUB-CATEGORIA: DANÇA DE GUERREIROS EM ESPIRAL M067. Hoyle, 1985. M476. . Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 60 CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS SUB-CATEGORIA: DANÇAS CIRCULAR DE GUERREIROS COM CORDA M491. Golte, 2009. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 61 CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS SUB-CATEGORIA: OUTRAS M006. Donnan & McClellans, 1999.. Desenho: Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 62 CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS SUB-CATEGORIA: OUTRAS M155. MNAAHP, Ministério de Cultura do Peru, Lima. Fotos de Daniela La Chioma e Débora Leonel Soares. Desenho: Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 63 CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS SUB-CATEGORIA: PROCISSÃO M007. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 64 CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS SUB-CATEGORIA: JOGO DE LÓTUS M636. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. M646. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 65 MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS REPRESENTADOS NAS DANÇAS M154 M067 M153 M069 M149 M155 M088 M602 M476 M149 M476 M476 PRANCHA 66 MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES SUB-CATEGORIA: QUENISTAS REPRESENTADOS NAS DANÇAS M153 M601 M069 M149 M072 M476 M154 M602 M088 M071 M491 M071 M071 PRANCHA 67 MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES SUB-CATEGORIA: TROMBETEIROS E CHOCALHEIROS REPRESENTADOS NAS DANÇAS M071 M491 M491 M071 PRANCHA 68 MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES SUB-CATEGORIA: AI APAECS TOCANDO ANTARAS M026. Museu Larco, Lima M059. Rosenzweig & Moloszyn, 2008 PRANCHA 69 MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES SUB-CATEGORIA: AI APAECS TOCANDO PUTUTOS M119. Museu Larco, Lima M140. Benson, s/d. M141. Benson, s/d. PRANCHA 70 MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES SUB-CATEGORIA: AI APAECS TOCANDO ANTARAS E PUTUTOS M042. Museu Larco, Lima M123. Museu Larco, Lima M045. Museu Larco, Lima - ML014812 PRANCHA 71 MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES SUB-CATEGORIA: AI APAECS TOCANDO ANTARAS Golte, 2009. M047. Museu Larco, Lima PRANCHA 72 MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES SUB-CATEGORIA: AI APAECS ASSOCIADOS A QUENAS M639. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 73 MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES SUB-CATEGORIA: AI APAECS ASSOCIADOS A PUTUTOS (MONSTRO STROMBUS) M145. Peabody Museum, Harvard – 4677305004. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 74 MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES SUB-CATEGORIA: AI APAECS TOCANDO IDIOFONES DE GOLPE INDIRETO VERTICAL M387. Museu Larco, Lima - ML003346 PRANCHA 75 MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES SUB-CATEGORIA: AI APAECS PERCUSSIONISTAS DO VALE DO JEQUETEPEQUE M100. Castillo & Donnan, 1994: 30. M637. Museu Larco, Lima. PRANCHA 76 MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES SUB-CATEGORIA: DIVINDADE DA TERRA M192. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora. PRANCHA 77 MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES SUB-CATEGORIA: DIVINDADE DA TERRA M204. Museu Larco, Lima. M227. Museu Larco, Lima. M246. Museu Cassinelli, Trujillo. Fotos da autora. PRANCHA 78 MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS SUB-CATEGORIA: MACACOS TOCANDO PUTUTOS M146. Peabody Museum, Harvard – 933075614. M121. Museu Larco, Lima. PRANCHA 79 MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS SUB-CATEGORIA: MACACOS TOCANDO IDIOFONES DE GOLPE INDIRETO HORIZONTAL M324. MNAAHP, Lima - C-03519. Fotos da autora. PRANCHA 80 MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS SUB-CATEGORIA: MACACOS TOCANDO IDIOFONES DE GOLPE INDIRETO HORIZONTAL M454. Museu de América, Madri 01261 M319. Museu Larco, Lima M318. Museu Larco, Lima PRANCHA 81 MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS SUB-CATEGORIA: IGUANAS M203. Projeto Arqueológico San Jose de Moro. Informe Online. . M250. Golte, 2009. Fig 7.26 M241. Museu Larco, Lima - M037244 M641. . Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 82 MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS SUB-CATEGORIA: IGUANAS M262. MNAAHP, Lima - C54700. Fotos da autora. PRANCHA 83 MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS SUB-CATEGORIA: IGUANAS M262. MNAAHP, Lima - C54700. Fotos da autora. Desenho: . Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.. M644. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.. PRANCHA 84 TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA O TEMA DO ENTERRO Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.. PRANCHA 85 MÚSICOS SOBRENATURAIS- ANIMAIS SUB-CATEGORIA: LOBOS MARINHOS PERCUSSIONISTAS M178. MAAUNT, Trujillo – 3303. M272. Benson, s/d. M116. Museu Larco, Lima – ML004044 PRANCHA 86 MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS SUB-CATEGORIA: RAPOSAS PERCUSSIONISTAS M221. Museu Larco, Lima M222. Museu Larco, Lima M232. Museu Larco, Lima PRANCHA 87 MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS SUB-CATEGORIA: RAPOSAS PERCUSSIONISTAS M182. Museu de América, Madri - 01386 M285. University of Pennsylvania Museum of Archaeology and Anthropology, Filadélfia . PRANCHA 88 MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS SUB-CATEGORIA: LOBOS MARINHOS PERCUSSIONISTAS M161. Museu do Banco Central de Reserva do Peru, Lima. Foto da autora. M159. Art Institute of Chicago, Chicago - 1957.424. M172. Museu de Gotenburgo 1920.09 M248. Museu Cassinelli, Trujillo. Foto da autora. M266. Museu de Sitio Huacas de Moche, Trujillo. Foto da autora. M632. Art Instituteof Chicago. Catálogo Online. PRANCHA 89 MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS SUB-CATEGORIA: RAPOSAS PERCUSSIONISTAS M169. Museu Cassinelli, Trujillo . Foto da autora. M252. Museu Cassinelli, Trujillo . Foto da autora. M250. Museu Cassinelli, Trujillo . Foto da autora. M254. Museu Cassinelli, Trujillo . Foto da autora. PRANCHA 90 MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS SUB-CATEGORIA: RAPOSAS TOCANDO IDIOFONES DE GOLPE INDIRETO HORIZONTAL E PUTUTO M321. Museu Larco, Lima M120. Museu Larco, Lima. PRANCHA 91 MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS SUB-CATEGORIA: CORUJAS M205. Museu Larco, Lima M257. Museu Cassinelli, Trujillo. Foto da autora. PRANCHA 92 MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS SUB-CATEGORIA: AVES MARINHAS PERCUSSIONISTAS M206. Museu Larco, Lima M208. Museu Larco, Lima M210. Museu Larco, Lima PRANCHA 93 MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS SUB-CATEGORIA: AVES MARINHAS PERCUSSIONISTAS M261. MNAAHP, Lima - C54555. Foto da autora. M258. MNAAHP, Lima - C02920. Fotos da autora. M166. Museu de Arqueologia da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Lima. Foto da autora. M185. Museu de America, Madri – 01395. M177. MAAUNT, Trujillo – 136. PRANCHA 94 MÚSICOS SOBRENATURAIS - FITOMORFOS SUB-CATEGORIA: ULLUCHUS M226. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora, 2013. PRANCHA 95 MÚSICOS SOBRENATURAIS - FITOMORFOS SUB-CATEGORIA: TUBÉRCULOS M087. Museu Cassinelli, Trujillo. Fotos da autora. PRANCHA 96 MÚSICOS SOBRENATURAIS - FITOMORFOS SUB-CATEGORIA: AMENDOINS EM ALÇA ESTRIBO M095 M070. Emory Museum, Atlanta, catálogo online. M080. Museu Larco, Lima M074. Museu Bruning, Lambayeque. M058. Museu de Gotenburgo, catálogo online. PRANCHA 97 MÚSICOS SOBRENATURAIS - FITOMORFOS SUB-CATEGORIA: AMENDOINS OU FEIJÕES M013. MAAUNT, Trujillo. M086. Museu Bruning, Lambayeque M024. Museu Larco, Lima PRANCHA 98 MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS ESCULTÓRICOS TOCANDO ANTARA M051. Museu Larco, Lima M244. Museu Bruning, Lambayeque – Vitrines. Foto da autora. PRANCHA 99 MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS ESCULTÓRICOS TOCANDO ANTARA M019. MAAUNT, Trujillo - 134 PRANCHA 100 MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS EM CÂNTAROS TOCANDO ANTARA M039. Museu Larco, Lima M040. Museu Larco, Lima PRANCHA 101 MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS EM APLIQUES ESCULTÓRICOS TOCANDO ANTARA M018. Museu de Arqueologia da Universidade Nacional Mayor de San Marcos. Foto da autora. M050. Museu Larco, Lima M064. Donnan, 1978. M056. Olsen, 2002: 76 PRANCHA 102 MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS COM ÓRGÃO SEXUAL À MOSTRA TOCANDO ANTARA M028. Museu Larco, Lima - ML004326 M055. Olsen, 2002: 77 PRANCHA 103 MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS ENROLADOS EM MANTA TOCANDO ANTARA M020. Museu Cassinelli , Trujillo- 3435. Foto cedida gentilmente por Ilder Cruz M029. Museu Larco, Lima M048. Museu Larco, Lima PRANCHA 104 MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS EM DUPLAS TOCANDO ANTARA M025. Museu Larco, Lima. Detalhe: foto da autora. M033. Museu Larco, Lima. M065. Museu Etnográfico de Berlim VA17625. Foto cedida gentilmente por Manuela Fischer. PRANCHA 105 MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS ASSOCIADOS A MULHERES TOCANDO ANTARA M030. Museu Larco, Lima M031. Museu Larco, Lima M032. Museu Larco, Lima M143. Museu de Sítio Huacas de Moche, Trujillo. Foto da autora, 2012. Autorização do Diretor do Projeto, Ricardo Morales Gamarra. M066. Museu Etnográfico de Berlim - VA17643. Foto cedida gentilmente por Manuela Fischer. Reprodução: Golte, 2009. PRANCHA 106 MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS EM DUPLAS TOCANDO ANTARA M027. Museu Larco, Lima. Detalhes da autora. PRANCHA 107 MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS TOCANDO QUENA M082. Museu Larco, Lima M557. Museo de América, Madrid. Catálogo online. M083. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora, 2013. PRANCHA 108 MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS CADAVÉRICOS EM ALÇA ESTRIBO E ALÇA LATERAL M165. Museu de Arqueologia da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Lima. Foto da autora. M243. Museu Bruning, Lambayeque. Fotos da autora. PRANCHA 109 MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS CADAVÉRICOS EM ALÇA ESTRIBO M267. Museu de Sítio Huaca Rajada, Lambayeque. Réplica. Foto da autora. M199. Museu Larco, Lima M276. Donnan, 1976. PRANCHA 110 MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS CADAVÉRICOS EM ALÇA ESTRIBO COM ATRIBUTOS DE PODER M163. Museu de Arqueologia da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Lima. Fotos da autora, 2010. M225. Museu Larco, Lima. PRANCHA 111 MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO SUB-CATEGORIA: TEMA 1 - ANTARISTAS EM DUPLAS EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO M464. Museu Larco, Lima. M472. Museu Larco, Lima M474. Museu Larco, Lima M538. Golte, 2009. Fig. 7.14 M538. MAUNT, Trujillo. Foto da autora. PRANCHA 112 MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO SUB-CATEGORIA: TEMA 1 - ANTARISTAS EM DUPLAS EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO II M547. Museu Larco, Lima. Detalhe: fotos da autora. Desenho: Golte, 2009: fig. 156.3. M512. MNAAHP, Lima. Fotos da autora, 2010. Desenho: Golte, 2009: 154 M514. Golte, 2009. Fig. 7.19. PRANCHA 113 MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO SUB-CATEGORIA: ANTARISTAS EM DUPLAS EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO M003. Museu Etnográfico de Berlim. Foto cedida gentilmente por Manuela Fischer. Desenho: Golte, 2009: 264 M544 e M545. Museu de Sítio Huacas de Moche, Trujillo. Fotos cedidas gentilmente pelo Projeto Arqueológico Huaca de la Luna. M460. Museu Larco, Lima. PRANCHA 114 MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO SUB-CATEGORIA: TEMA 2 - ANTARISTAS PAIRANDO SOBRE GUERREIRO EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO M170. Fowler Museum of Cultural History, Los Angeles. Catálogo Online do Fowler Museum. M456. Museu Larco, Lima M559. Museu Larco, Lima PRANCHA 115 MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO SUB-CATEGORIA: TEMA 2 - ANTARISTAS PAIRANDO SOBRE GUERREIRO EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO M647. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.. PRANCHA 116 MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO SUB-CATEGORIA: TEMA 2 - ANTARISTAS PAIRANDO SOBRE GUERREIRO EM VASOS DE ALÇA LATERAL M139. Peabody Museum, Harvard University. Fotos: Catalogo Online do Peabody Museum M566. Museu Larco, Lima. Detalhes: Fotos da autora, 2013. PRANCHA 117 MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO SUB-CATEGORIA: TEMA 2 - ANTARISTAS PAIRANDO SOBRE GUERREIRO EM VASOS DE ALÇA LATERAL II M567. Museu Larco, Lima M558. Museu Larco, Lima M560, Museu Larco, Lima. PRANCHA 118 MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO SUB-CATEGORIA: TEMA 2 - ANTARISTAS PAIRANDO SOBRE GUERREIRO EM VASOS DE ALÇA LATERAL III M458. Museu Larco, Lima. M532. MAUNT, Trujillo. Fotos da autora. Desenho: Golte, 2009: fig. 7.16 PRANCHA 119 MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO SUB-CATEGORIA: TEMA 2 - ANTARISTAS PAIRANDO SOBRE GUERREIRO EM CÂNTAROS E TIGELAS M463. Museu Larco, Lima. M465. Museu Larco, Lima. M467. Museu Larco, Lima. PRANCHA 120 MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO SUB-CATEGORIA: TEMA 3 - TRIOS DE ANTARISTAS E PERCUSSIONISTAS EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO M461. Museu Larco, Lima M516. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora M519. Museu Larco, Lima M540. Museu Larco, Lima PRANCHA 121 MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO SUB-CATEGORIA: TEMA 3 - TRIOS DE ANTARISTAS E PERCUSSIONISTAS EM VASOS DE ALÇA LATERAL M517. Museu Larco, Lima. M518. Museu Larco, Lima. Detalhe: Foto da autora, 2013. M525. MAUNT, Trujillo. Fotos da autora, 2010. PRANCHA 122 MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO SUB-CATEGORIA: TEMA 3 - TRIOS DE ANTARISTAS E PERCUSSIONISTAS EM VASOS DE ALÇA LATERAL II M546. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora, 2013. M507. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora, 2013. M483.Museu Larco, Lima M475. Museu Larco, Lima PRANCHA 123 MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO SUB-CATEGORIA: TEMA 4 - DANÇAS DO INFRAMUNDO COM TROMBETAS M455. Museu Larco, Lima M534. Museu Larco, Lima M535. Museu Larco, Lima PRANCHA 124 MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO SUB-CATEGORIA: TEMA 5 - ENTRADA NO INFRAMUNDO M009. Golte, 2009: 162 M010. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. M647. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 125 MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO SUB-CATEGORIA: DANÇAS DO INFRAMUNDO COM QUENAS M506. Museu Larco, Lima M473. Museu Larco, Lima M479. Museu Larco, Lima PRANCHA 126 MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO SUB-CATEGORIA: DANÇAS DO INFRAMUNDO COM PERCUSSIONISTAS M462. Museu Larco, Lima. Detalhe: foto da autora, 2013. M174. Peabody Museum, Harvard University. Cat]alogo Online do Peabody Museum. M466. Museu Larco, Lima PRANCHA 127 AEROFONES SEM MÚSICOS APARENTES I M015. Museu de Arte de Lima, Lima - IV2.0-0410. Fotos cedidas gentilmente por MALI. Reprodução: Golte, 2009. PRANCHA 128 AEROFONES SEM MÚSICOS APARENTES I M094. National Museum of the American Indian, Washington D.C. - 21/7950 M098. Museu Larco, Lima PRANCHA 129 MÚSICOS INTERMEDIADORES: DEGENERADOS E TRANSITÓRIOS SUB-CATEGORIA: ANTARISTAS DEGENERADOS M004. Museu de Gotemburgo - 1920090013 M022. Museu Cassinelli, Trujillo - 3445 M021. Museu Cassinelli, Trujillo - 3440 M057. Olsen, 2002: 75 PRANCHA 130 MÚSICOS INTERMEDIADORES: DEGENERADOS E TRANSITÓRIOS SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS CEGOS EM ALÇA ESTRIBO M229. Museu Larco, Lima M230. Museu Larco, Lima M231. Museu Larco, Lima PRANCHA 131 MÚSICOS INTERMEDIADORES: DEGENERADOS E TRANSITÓRIOS SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS CEGOS EM ALÇA ESTRIBO M157. Museu de Gotenburgo. M164. Museu de Arqueologia da Universidad Nacional Mayor de San Marcos. Foto da autora. M580. American Museum of Natural History, New York. Foto: Bruno Monjon. M202.Museu Larco, Lima M269. Museu Chileno de Arte Precolombino, Santiago. MCHAP 3382 M197. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora. M283. Peabody Museum, Harvard University. 4763-30 5645 PRANCHA 132 MÚSICOS INTERMEDIADORES: DEGENERADOS E TRANSITÓRIOS SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS CEGOS EM ALÇA ESTRIBO M259. MNAAHP, Lima - C54550. Fotos da autora. M190. Museu Larco, Lima - ML001487 PRANCHA 133 MÚSICOS INTERMEDIADORES: DEGENERADOS E TRANSITÓRIOS SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS CEGOS EM APLIQUE DE ALÇA ESTRIBO M195. Museu Larco, Lima M189. Museu Larco, Lima M191. Museu Larco, Lima PRANCHA 134 MÚSICOS INTERMEDIADORES: DEGENERADOS E TRANSITÓRIOS SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS CEGOS EM APLIQUE DE ALÇA ESTRIBO SOBRE CENAS DE DANÇAS DO INFRAMUNDO M170. Fowler Museum of Cultural History, Los Angeles. Catálogo Online. M273. Benson. s/d. M003. Museu Etnográfico de Berlim VA4676. Foto cedida gentilmente por Manuela Fischer. PRANCHA 135 MÚSICOS INTERMEDIADORES: DEGENERADOS E TRANSITÓRIOS SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS CEGOS EM CÂNTAROS/ ALÇA ESTRIBO M237. Museu Larco, Lima M235. Museu Larco, Lima M179. MAAUNT, Trujillo. Detalhes: fotos da autora, 2012. M236. Museu Larco, Lima M255. Museu Cassinelli, Trujillo. Foto da autora, 2012. PRANCHA 136 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE CAMPÂNULA FUSIFORME EM ALÇA ESTRIBO – DEGENERADOS M494. MNAAHP, Lima . Fotos da autora e Débora Leonel Soares, 2013. PRANCHA 137 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE CAMPÂNULA FUSIFORME EM APLIQUE DE ALÇA ESTRIBO – DEGENERADOS M428. Museu Larco, Lima. Detalhe: foto da autora, 2013. M490. Museu Larco, Lima M430. MAUNT, Trujillo. Detalhes: fotos da autora, 2013. PRANCHA 138 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE CAMPÂNULA FUSIFORME EM ALÇA ESTRIBO: CURANDEIROS M493. MNAAHP, Lima. Fotos da autora e Débora Leonel Soares, 2013. M501. Museu Larco, Lima M608. Museu Larco, Lima M613. Museu Larco, Lima PRANCHA 139 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE CAMPÂNULA FUSIFORME EM ALÇA ESTRIBO E ESTATUETA M422. Museu Larco, Lima. Detalhe: foto da autora. M499. Museu de América, Madri M287. Museu de Arqueologia da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Lima. Foto da autora. PRANCHA 140 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE CAMPÂNULA FUSIFORME EM CÂNTAROS I: TOUCADO DE FELINO M440. Museu Larco, Lima M437. Museu Larco, Lima M424. Museu Larco, Lima M432. MAAUNT, Trujillo M420. MAAUNT, Trujillo. PRANCHA 141 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE CAMPÂNULA FUSIFORME EM CÂNTAROS M434. Museu Larco, Lima M436. Museu Larco, Lima M439. . Museu Larco, Lima M432. MAAUNT, Trujillo M431. MAAUNT, Trujillo PRANCHA 142 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE CAMPÂNULA FUSIFORME EM CÂNTAROS: CEGOS M438. Museu Larco, Lima M423. Museu Larco, Lima M425. Museu Larco, Lima M433. MAAUNT M427. Museu Larco, Lima M429.Museu Larco, Lima PRANCHA 143 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE GOLPE DIRETO HORIZONTAL EM CÂNTAROS M310. Museu Larco, Lima M300. Museu Larco, Lima M305. Museu Larco, Lima M307.Museu Larco, Lima M309.Museu Larco, Lima PRANCHA 144 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE GOLPE DIRETO HORIZONTAL EM CÂNTAROS M313. Museu Larco, Lima M314. Museu Larco, Lima M315. Museu Larco, Lima M317. Museu Larco, Lima M289. MAAUNT, Trujillo M290. MAAUNT, Trujillo M442. Emory Museum, Atlanta. M292. MAAUNT, Trujillo PRANCHA 145 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE GOLPE DIRETO HORIZONTAL EM CÂNTAROS M316. Museu Larco, Lima M308. Museu Larco, Lima M301.Museu Larco, Lima M311. Museu Larco, Lima M299. Museu Larco, Lima PRANCHA 146 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE GOLPE DIRETO HORIZONTAL EM ALÇA ESTRIBO M302. Museu Larco, Lima M298. Museu Larco, Lima M303. Museu Larco, Lima M296. Museu Larco, Lima PRANCHA 147 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE GOLPE DIRETO HORIZONTAL EM ALÇA ESTRIBO M304. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora. PRANCHA 148 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE GOLPE DIRETO HORIZONTAL EM ALÇA ESTRIBO M323. MNAAHP, Lima. Fotos da autora, 2013. PRANCHA 149 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM CÂNTAROS (TOUCADO DE AVE) M351. Museu Larco, Lima M354. Museu Larco, Lima M355. Museu Larco, Lima PRANCHA 150 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM CÂNTAROS (TOUCADO DE AVE) M338. Museu Larco, Lima M340. Museu Larco, Lima M370. Museu Larco, Lima M392. Museu Larco, Lima PRANCHA 151 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM CÂNTAROS (TOUCADO DE AVE E COLAR DE HAMALAS) M339. Museu LarcoLima , M352. Museu Larco, Lima M350. Museu Larco, Lima M388. Museu Larco, Lima PRANCHA 152 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM CÂNTAROS (TOUCADO DE FELINO) M330. MAAUNT, Trujillo M334. MAAUNT, Trujillo M391. Museu Larco, Lima. PRANCHA 153 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM CÂNTAROS (TOUCADO DE FELINO E COLAR DE HAMALAS) M393. Museu Larco, Lima M353. Museu Larco, Lima. Detalhe: foto da autora, 2013. M389. Museu Larco, Lima M415. Museu Bruning, Lambayeque. Fotos da autora, 2013. M390. Museu Larco, Lima M332. MAAUNT, Trujillo M327. MAAUNT, Trujillo PRANCHA 154 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM CÂNTAROS (MANTA LONGA E COLAR DE PLACAS) M326.Museu Larco, Lima M328. MAAUNT, Trujillo M345. Museu Larco, Lima M329. MAAUNT, Trujillo M401.Museu Larco, Lima PRANCHA 155 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM CÂNTAROS (MANTA LONGA E COLAR DE PLACAS) M400. Museu Larco, Lima M401. Museu Larco, Lima M369. Museu Larco, Lima M382. . Museu Larco, Lima M375. . Museu Larco, Lima M376. . Museu Larco, Lima PRANCHA 156 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM CÂNTAROS (MANTA LONGA E TOUCADO DE FELINO) M348. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora, 2013. M377. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora, 2013. PRANCHA 157 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM CÂNTAROS (MANTA LONGA E COLAR DE HAMALAS) M347. Museu Larco, Lima M372. Museu Larco, Lima M336. MAUNT, Trujillo PRANCHA 158 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM ALÇA ESTRIBO (MULHERES) M337. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora, 2013. M417. Museu Cassinelli, Trujillo. Foto da autora. PRANCHA 159 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM ALÇA ESTRIBO (XAMÃS CEGOS) M384. Museu Larco, Lima M385. Museu Larco, Lima M383. Museu Larco, Lima M418. Museu Cassinelli, Trujillo. Foto da autora, 2012. M402. Museu Larco, Lima PRANCHA 160 MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE GOLPE DIRETO HORIONTAL EM COLAR . M495. Museu de Sítio Huacas de Moche, Trujillo. Fotos da autora, 2012 M312. Museu Larco, Lima PRANCHA 161 MÚSICOS INTERMEDIADORES: OUTROS MÚSICOS INTERMEDIADORES SUB-CATEGORIA: ANTARISTAS TRANSITÓRIOS M054. MNAAHP, lima. Foto da autora. PRANCHA 162 MÚSICOS INTERMEDIADORES: OUTROS MÚSICOS INTERMEDIADORES PERCUSSIONISTAS DE TAMBOR DE CHÃO COM PUPILAS DILATADAS M284. University of Pennsylvania Museum of Archaeology and Anthropology, Filadélfia, Catálogo Online. M256. Museu Cassinelli, Trujillo. Foto da autora, 2012. M253. Museu Cassinelli, Trujillo. Foto da autora, 2012. PRANCHA 163 MÚSICOS INTERMEDIADORES: OUTROS MÚSICOS INTERMEDIADORES MULHERES PERCUSSIONISTAS ASSOCIADAS A OFERENDAS M173. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. M175. MAAUNT, Trujillo. Fotos: MAAUNT e autora. M640. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C. PRANCHA 164 MÚSICOS INTERMEDIADORES: OUTROS MÚSICOS INTERMEDIADORES PERCUSSIONISTAS PRISIONEIROS M181. Museu de América, Madri. Catálogo Online. PRANCHA 165 MÚSICOS INTERMEDIADORES: OUTROS MÚSICOS INTERMEDIADORES XAMÃS SEGURANDO / TOCANDO PUTUTOS M111. Museu Larco, Lima M151. University of Pennsylvania Museum of Archaeology and Anthropology, Filadélfia. Catálogo Online M115. Museu Larco, Lima M099. Museu de Gotenburgo. Catálogo Online M631. Art Institute of Chicago. Catálogo Online. M581. Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. Foto da autora, 2015. PRANCHA 166 MÚSICOS INTERMEDIADORES: OUTROS MÚSICOS INTERMEDIADORES TOCADORES DE PUTUTOS SOBRE PERSONAGEM SOBRENATURAL M109. Museu Larco, Lima M110. Museu Larco, Lima PRANCHA 167 MÚSICOS INTERMEDIADORES: OUTROS MÚSICOS INTERMEDIADORES TOCADORES DE PUTUTOS SOBRE PERSONAGEM SOBRENATURAL M109 e M110. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora, 2013. PRANCHA 168 MÚSICOS INTERMEDIADORES: OUTROS MÚSICOS INTERMEDIADORES TOCADOR DE IDIOFONE DE GOLPE DIRETO HORIZONTAL EM ASAS DE AVE M500. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora, 2013. PRANCHA 169 MÚSICOS INTERMEDIADORES: OUTROS MÚSICOS INTERMEDIADORES MÚSICOS ASSOCIADOS A FEIJÕES M068. Museu Britânico, Londres. Catálogo Online M148. MNAAHP, Lima. Foto da autora, 2013. M097. Royal Ontario Museum, Ontario.