Universidade de São Paulo
Museu de Arqueologia e Etnologia
Programa de Pós-Graduação em Arqueologia
O Músico na Iconografia da Cerâmica Ritual Mochica: Um Estudo
da Correlação Entre as Representações de Instrumentos Sonoros e
os Atributos das Elites de Poder
Museu Etnográfico de Berlim.
Daniela La Chioma Silvestre Villalva
São Paulo
2016
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
MUSEU DE ARQUEOLOGIA E ETNOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS - GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA
O MÚSICO NA ICONOGRAFIA DA CERÂMICA RITUAL
MOCHICA: UM ESTUDO DA CORRELAÇÃO ENTRE AS
REPRESENTAÇÕES DE INSTRUMENTOS SONOROS E OS
ATRIBUTOS DAS ELITES DE PODER.
Daniela La Chioma Silvestre Villalva
Tese
de
Programa
Doutorado
de
apresentada
Pós-Graduação
ao
em
Arqueologia do Museu de Arqueologia e
Etnologia da Universidade de São Paulo.
Área de Concentração: Arqueologia
Linha
de
Pesquisa:
Identidade
Orientadora: Profa. Dra. Maria Isabel D’Agostino Fleming
Co-Orientadora: Profa. Dra. Marcia Maria Arcuri Suñer
São Paulo
2016
Arqueologia
e
Tengo tu amor y tu suerte
Y un caminito empinado
Tengo el mar del otro lado
Tu eres mi norte y mi sur.
Gian Marco Zignago - Hoy
Pampa Grande, Vale de Lambayeque, Peru. Foto da autora.
Sumário
Resumo.............................................................................................................
I
Abstract.............................................................................................................
I
Agradecimentos................................................................................................
III
Lista de Figuras.................................................................................................
IX
Lista de Tabelas................................................................................................
XI
Lista de Gráficos...............................................................................................
XII
Abreviaturas das Instituições Visitadas.............................................................
XIV
Introdução............................................................................................................
1
Capítulo I. A Convergência entre a Etnoarqueomusicologia e a Semiótica:
Um Marco Teórico para o Estudo da Iconografia Musical Mochica............ 5
I.I. A Etnoarqueomusicologia Andina e as fontes........................................ 6
I.II. Arte e Iconografia.................................................................................. 11
I.III. Arqueologia Cognitiva, Semiótica e Agência....................................... 12
I.III.I.Semiótica...................................................................................................
13
I.III.II. Agência....................................................................................................
14
I.IV. Preceitos da Cosmovisão Andina e a Interpretação Iconográfica.....
17
I.V. Perfil dos dados e Critérios de Análise................................................ 25
I.V.I. Objetivos Específicos................................................................................
27
I.V.II.Metodologia de Análise e Critérios de Classificação................................
27
I.VI. Premissas.......................................................................................... 29
Capítulo II. Contextualização do Mundo Mochica.................................................. 33
II. I. Panorama e Localização............................................................................................ 33
II.II. Poder e Organização Sociopolítica............................................................................ 35
II.II.I. As elites e seu papel cerimonial..............................................................................
39
II. III. Os Estudos da Cerâmica Ritual................................................................................ 42
II.III.I. Características formais e fases cronológicas da cerâmica Mochica..........................
43
II. III.II. Nossos dados frente às cronologias relativas da cerâmica Moche.........................
45
II.III.III. O Período Moche Médio e a iconografia do poder...............................................................
48
II.III.IV. A Iconografia Mochica e o contexto arqueológico: seu potencial explanatório..
51
II.III.V. Os precursores dos estudos iconográficos Mochica e a análises da semântica
visual...............................................................................................................................
52
II. III.V.I A síntese de Gölte: semiótica e cosmovisão......................................................
56
II. III.V.II. A abordagem semiótica com pinceladas de agência: Margaret Jackson.........
58
II. III.V.III. Jeffrey Quilter e a agência de Gell..................................................................
61
II.IV. Música e Organologia no Mundo Moche....................................................... 63
II.IV.I. Aerofones...............................................................................................................
65
II.IV.I.I. Antara......................................................................................................
65
II.IV.I.II. Quena.....................................................................................................
65
II.IV.I.III. Ocarina..................................................................................................
65
II.IV.I.IV. Trombeta...............................................................................................
65
II.IV.I.V. Pututo.....................................................................................................
66
II.IV.II. Membranofones....................................................................................................
66
II.IV.II.I. Tinya.......................................................................................................
66
II.IV.II.II. Wankar...................................................................................................
66
II.IV.III. Idiofones................................................................................................................
67
II.IV.III.I. Idiofones de Golpe Direto Horizontal
67
II.IV.III.II. Idiofones Suspensos Conjugados......................................................................
67
II.IV.III.III. Idiofones de Campânula Fusiforme...................................................................
67
II.IV.III.IV. Idiofones de Golpe Indireto...............................................................................
67
II.IV.IV. Organologia Simbólica..........................................................................................
68
Capítulo III. Música, Performance e Poder: Os Músicos Oficiais......................... 72
Parte I. Performance, Ritual e Poder no Mundo Moche........................................ 73
III. I.I. Personalidades Iconográficas e Papéis de Autoridade no Mundo Moche.. 77
III.I.II.. A Cerimônia do Sacrifício: Religião, Ritual e Poder.................................... 79
Parte II. Identificação dos Músicos Oficiais............................................................ 86
III. II. I. Oficiantes A: Sacerdotes Guerreiros e Sacerdotisas................................. 88
III. II.A.1. Senhores Noturnos (Adoradores)..................................................................................
88
III. II.A.1.1. O Senhor Noturno e as Tumbas de Sipán.....................................................
89
III. II.A.1.2. A Tumba 14 e a peça do Fowler Museum......................................................
100
III. II.A.1.3. A Tumba 16 e o Senhor dos Pututos
106
III. II.A.1.4. A Tumba 15 e o Guerreiro Coruja.................................................................
108
III. II.A.1.5. Senhores Noturnos Escultóricos..................................................................
109
III. II.A.2. Senhor Solar.................................................................................................................
110
III. II.A.3.Toucados de Dois Círculos............................................................................................
112
III. II.A.4. Toucados de Diadema Semilunar.................................................................................
115
III. II.A.5. Toucados de Cabeça de Animal...................................................................................
116
III. II.A.6. Toucados de Duas Mãos (Tomadores de Coca)..........................................................
117
III. II.A.7. Outros tipos de toucados..............................................................................................
120
III. II.A.8. Sacerdotisas.................................................................................................................
120
III. II.A.9. Quenistas de Turbante..................................................................................................
125
III.II.II. Oficiantes B: Guerreiros, Acompanhantes e Anunciantes.......................... 128
III. II.B.1. Guerreiros.........................................................................................................
128
II.B.1.1. A Tumba 5 De Sipán: o “Guerreiro Músico”...........................................
129
III. II.B.2. Acompanhantes................................................................................................
132
III. II.B.3. Tocadores de Pututos – Anunciantes...............................................................
133
III. II.B.4. Mulheres Percussionistas.................................................................................
135
III. II.B.5. Antaristas simples da região Moche Sul...........................................................
138
Parte III. Danças, Batalhas e Procissões: Performances Musicais em
Cerimônias Oficiais..................................................................................... 138
III. III.I. A Comitiva dos “Sikuris Moche”: Interpolação e Tinku.................... 139
III. III.II. Danças e Batalhas Rituais............................................................. 159
III. III.II.I. Dança da corda protagonizada pelo Senhor Solar.............................
160
III.III.II.II. Dança da Corda protagonizada pelo Senhor Noturno........................
166
III.III.II.III. Danças de Guerreiros com atributos de Senhor Solar ......................
167
III.III.II.IV. Danças de Guerreiros em Espiral......................................................
168
III.III.II.V. Dança Circular de Guerreiros com Corda...........................................
170
III.III.II.VI. Batalhas com Tocadores de Pututos..................................................
171
III.III.II.VII. Outros...............................................................................................
173
III. III.III. Procissões.................................................................................... 174
III. III.IV. Discussão..................................................................................... 176
III.IV. Considerações sobre os Músicos Oficiais.................................................... 178
Capítulo IV. Os Músicos Sobrenaturais e os Sons do Mais Além.......................... 188
Parte I: Divindades................................................................................................. 190
IV.I.A. Ai Apaec............................................................................................192
IV.I.A.I. Análise de atributos.................................................................................
198
IV.I.A.II. Análise Temática.....................................................................................
200
IV.I.B. A Divindade da Terra.............................................................. 203
IV.I.II Discussão da Parte I.......................................................................... 204
Parte II. Músicos Antropozoomorfos e Fitomorfos................................................. 205
IV.II.I. Músicos Antropozoomorfos.............................................................. 205
IV.II.I. A. Macacos...............................................................................................
206
IV.II.I. B. Iguanas................................................................................................
209
IV.II.I.C. Lobos Marinhos...................................................................................
211
IV.II.I.D. Raposas..............................................................................................
212
IV.II.I.E. Corujas.................................................................................................
213
IV.II.I.F. Aves Marinhas.......................................................................................
214
IV.II.I.G. Veados.................................................................................................
215
IV.II. II. Músicos Fitomorfos........................................................................ 215
IV.II.II.A. Ulluchus...............................................................................................
215
IV.II.II.B. Tubérculos...........................................................................................
216
IV.II.II.C. Amendoins…………………………………………………………………..
218
IV.II.III. Discussão da Parte II..................................................................... 219
Parte III. Os Músicos Mortos e o Inframundo........................................................ 220
IV. III.I. Músicos Esqueléticos e/ ou Cadavéricos Escultóricos.................. 221
IV. III.I.A. Antaristas Esqueléticos e/ ou Cadavéricos........................................
221
IV. III.I.B. Quenistas Esqueléticos e/ ou Cadavéricos.......................................
225
IV. III.I.C.Percussionistas Esqueléticos e/ ou Cadavéricos...............................
225
IV.III.II. Músicos Esqueléticos e/ou Cadavéricos Pictóricos...................... 226
IV.III.II.A. As Danças do Inframundo.............................................. 226
IV.III.II.A.I. Tema 1. Duplas de antaristas.............................................
227
IV.III.II.A.II. Tema 2. Antaristas pairando sobre Guerreiros..................
230
IV.III.II.A.III. Tema 3. Trios de Antaras e Percussão............................
231
IV.III.II.A.IV. Tema 4. Trompetistas Esqueléticos.................................
233
IV.IV. Discussão do Capítulo IV................................................................. 235
Capítulo V. O Som que Conecta os Espaços: Os Músicos Intermediadores........ 248
III.
V.I. Músicos Degenerados e Transitórios......................................... 249
V.I.I. Antaristas Degenerados e Transitórios.......................................................
251
V.I.II.Percussionistas Cegos...............................................................................
252
V.I.II.A. Em Alça Estribo.........................................................................
252
V.I.II.B. Em Aplique de Alça Estribo.......................................................
252
V.I.II.C. Em Cântaros.............................................................................
252
V.II. Xamãs e Curandeiros ......................................................................... 253
V.II.I. Idiofones de Campânula Fusiforme........................................ 257
V.II.I.A. Em Alça Estribo I – Degenerados.............................................
257
V.II.I.B. Em Alça Estribo II – Curandeiros..............................................
257
V.II.I.C. Em Alça Estribo III - Toucados de Felino..................................
258
V.II.I.D. Em Estatuetas...........................................................................
258
V.II.I.E. Em Cântaros I – Toucado de Felino..........................................
258
V.II.I.F. Em Cântaros II – Outros toucados.............................................
258
V.II.I.G. Em Cântaros III – Cegos...........................................................
258
V.II.II. Idiofones de Golpe Direto Horizontal..................................... 259
V.II.II.A. Em Cântaros I – Sementes de Nectandra................................
259
V.II.II.B. Em Cântaros II – Sementes Alongadas ...................................
260
V.II.II.C. Em Alça Estribo........................................................................
260
V.II.III. Idiofones Suspensos Conjugados......................................... 260
V.II.III.A. Em Cântaros – Toucado de Ave e Capa..................................
260
V.II.III.B. Em Cântaros – Toucado de Ave e Colar de Nectandras..........
261
V.II.III.C. Em Cântaros – Toucado de Felino...........................................
261
V.II.III.D. Em Cântaros – Toucado de Felino e Colar de Hamalas...........
261
V.II.III.E. Em Cântaros – Mulheres com Manta Longa.............................
261
V.II.III.F. Em Alça Estribo – Mulheres.......................................................
262
V.II.III.G. Em Alça Estribo – Cegos...........................................................262
V.II.IV. Idiofones de Golpe Direto Horizontal em Colar......................262
V.III. Outros tipos de Músicos Intermediadores............................................263
V.IV. Discussão: Xamanismo, Transformação e Intermediação...................265
VI. Epílogo
VI.I. Os músicos e a cerâmica mochica: considerações gerais sobre o
material analisado....................................................................................... 275
VI.II. Relação entre categorias de músicos e tipos de instrumentos .......... 280
VI.III. Música e Encontro: Calendário, Sazonalidade e Tinku ..................... 284
VI.IV. A música e o Período Moche Médio....................................................291
VI.V. Futuros Questionamentos e Perspectivas...........................................293
VII. Tabelas e Gráficos.............................................................................................295
VIII. Bibliografia........................................................................................................318
IX. Catálogo.............................................................................................................347
Resumo
Esta pesquisa pretende realizar um mapeamento e análise de artefatos
cerâmicos da cultura Mochica que contenham personagens que tocam
instrumentos sonoros (aerofones, membranofones e idiofones 1) com vistas a
encontrar nesses “músicos” atributos e características que os identificam como
figuras que concentram poder político-religioso. O objetivo geral da pesquisa é
compreender se haveria um espaço de atuação específico para os músicos nas
estruturas de poder mochicas, bem como a relação dos mesmos com as elites
durante o período Moche Médio. Este período foi marcado pela ascensão das
elites dos vales mochicas ao sul de Jequetepeque, contexto em que surgem,
na iconografia da cerâmica ritual arqueológica, muitos músicos portando
atributos de indivíduos de elevado status social, como o o Senhor Noturno, o
Senhor Solar e o Tomador de Coca, entre outros. O trabalho visa, também,
discutir se havia ou não uma relação hierárquica entre grupos de músicos, e
seus respectivos instrumentos (tocadores de antaras, quenas, tambores,
chocalhos etc.) que reflita o status político-religioso de suas especializações.
Foram analisados, além dos dados iconográficos, contextos e padrões
funerários relacionados às estruturas de poder mochicas escavados nas
últimas três décadas.
Palavras – Chave: Mochica – Cerâmica – Arqueomusicologia – Arqueologia
Peruana – Música - Músicos
Abstract
This research intends to survey and analyze Moche ceramic artifacts
depicting
characters
associated
to
sound
instruments
(aerophones,
membranophones and idiophones 2). We search in these musicians attributes
and features that identify them as political-religious power figures. The main
goal of the research is to comprehend how these musicians were inserted in the
1
De acordo com a classificação de Sachs & Hornbostel, 1992.
2
According to Sachs & Hornbostel, 1992.
I
moche power structures, and their relationship with the elites of the Middle
Moche Period, marked by the ascension of political groups from the valleys
south of Jequetepeque. In this context many musicians arise in moche ritual
ceramic`s iconography holding the attributes of high status individuals, like the
Nocturnal Lord, the Solar Lord, the Coca Taker, among others. We also intend
to discuss if there was a hierarchical relationship between different categories of
musicians and their respective instruments (panpipe players, quena players,
drum players, rattle players etc.), which reflect their political-religious status.
Besides iconographic data, funerary contexts related to the Moche power
structures excavated in the last three decades were also analyzed.
Keywords: Moche – Ceramics – Archaeomusicology – Peruvian Archaeology –
Music – Musicians
II
Agradecimentos
Uma pesquisa desta magnitude demanda o apoio, a paciência e a
amizade de muitas pessoas queridas que encontramos ao longo da nossa
jornada, dispostas a trocar as melhores vibrações e informações de forma
espontânea e entusiástica. Ao mencioná-las expresso minha mais profunda
gratidão por terem colaborado não só para esta pesquisa, mas por me terem
brindado experiências que contribuíram para meu desenvolvimento pessoal e
profissional. Também por terem me recebido tão vivamente em seus
escritórios, sítios arqueológicos, museus, bibliotecas, salas de aula e,
principalmente, em suas vidas.
Ao Jaime Villalva, pelo amor, por tanta paciência com a distância física e
mental ao longo dos anos de doutorado e pelo esteio em todos os momentos.
Aos meus pais, Julia e David, pelo apoio em todos os momentos para
que eu pudesse concluir esta importante etapa. A eles e à minha sogra Neize
Durães por todo o suporte ao longo de anos, especialmente quando estamos
ausentes em razão da trajetória que escolhemos – ou que a vida nos brindou.
Às minhas orientadoras, Maria Isabel D`Agostino Fleming e Marcia
Maria Arcuri, por depositarem toda a confiança em mim e pela condução ao
longo destes anos. Graças ao apoio e entusiasmo de ambas pude trilhar meu
caminho acadêmico na Arqueologia Andina mesmo com todas as dificuldades
resultantes da incipiência da área no Brasil.
À CAPES, pelo fomento a esta pesquisa de outubro de 2012 a maio de
2013.
À FAPESP, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo,
pelo fomento a esta pesquisa de 2013 a 2015, que me permitiu realizá-la de
forma sólida e dedicada.
Aos professores do Museu de Arqueologia e Etnologia pelo apoio e
conhecimentos transmitidos: Fabíola Andrea Silva, Maria Beatriz Florenzano,
Elaine Hirata e Eduardo Neves. Aos Profs. Drs. Pedro Paulo Salles, Leila Maria
França, Cristiana Barreto, Silvia Cunha Lima, Eduardo Natalino, Auxiliomar
III
Ugarte, Aristóteles Barcelos e Marcelo Campagno por todo o apoio acadêmico
e as inestimáveis discussões sobre esta pesquisa.
À Profa. Dra. Maria Lígia Coelho Prado, do Departamento de História da
FFLCH-USP, por me apoiar e incentivar profundamente no caminho dos
estudos andinos desde a época da graduação.
Aos funcionários da Biblioteca do MAE-USP, especialmente Eliana
Rotolo, Eleuza Gouveia, Marta Vieira e Hélio Rosa de Miranda. À Regina
Estela Leopoldo e Silva, Karen Ribeiro e Cleberson Moura da Seção
Acadêmica.
Às funcionárias da Divisão de Apoio à Pesquisa do MAE-USP, Francisca
Figols e Cristina Demartini.
À equipe do Museu Rafael Larco Herrera em Lima, especialmente às
suas extraordinárias curadoras Ulla Holmquist (até 2016) e Isabel Collazos (a
partir de 2016) por todo o apoio dado a esta investigação e pela sincera
amizade que floresceu em meio às vasilhas mochicas do casarão de Pueblo
Libre.
À equipe do Museu Nacional de Arqueologia, Antropologia e História do
Peru: Dra. Teresa Carrasco (diretora de 2012 a 2014) pela permissão para
investigação no museu. A Elba Manrique pela supervisão e a Victor Hugo
Farfán por disponibilizar as peças para análise e pela amizade.
Aos musicólogos Carlos Mansilla, Júlio Mendívil, Dimitri Manga, Marino
Martínez e aos arqueólogos Paco Merino e Milano Trejo. A todos agradeço
pelo constante apoio desde o início de minha trajetória arqueomusicológica
andina. A Jorge Gamboa, pela atenção e preciosas discussões sobre esta
pesquisa. A Daniel Benavides, Diretor de Investigação da Escuela Nacional de
Foklor José Maria Arguedas, em Lima.
Ao Diretor do Museu de Arqueologia do Centro Cultural San Marcos,
Pieter Van Dalen, pela autorização para consulta à coleção de cerâmica e a
Juan Yataco pelo suporte.
Aos amigos queridos do MAE que estiveram ao lado em todos os
momentos: Lilian Laky, Débora Soares, Agda Sardinha, Alex Martire (que
IV
desenvolveu o banco de dados para esta pesquisa!), Irmina Doneux, Erêndira
Oliveira, Cláudio Gomez Duarte, Maria Ester Franklin, Rodrigo de Lima, Jaq
Beletti e Sara Haro. Também aos colegas Pedro Damin, Ana Paula Gonçalves,
Carol, Leandro e o pequeno Henrique. A Marcio Figueiredo um agradecimento
especial por toda a amizade e lealdade na convivência ao longo de quatro
temporadas no Peru.
Aos queridos colegas do Centro de Estudos Mesoamericanos e Andinos
da USP, Ana Cristina de Vasconcelos, Eduardo Gorobets, Fernando Pesce e
Carla Carbone.
A Grace Alexandrino Ocaña, peruana-brasileira, pela amizade tão
preciosa, em São Paulo, em Lima e na Califórnia. Pelos livros emprestados, o
sorriso, as receitas, a hospedagem e os conselhos. À sua família: Carmen,
Maria e Corina, pelo carinho e por me fazerem sentir como parte da família em
Lima.
A Moises Diaz Pérez pela amizade tão especial, pelo apoio e incentivo
todos estes anos, em Lima e em SP.
A Walter Alva, Luis Chero, Nacho Alva e família e toda a equipe do
Proyecto Tumbas Reales de Sipán, em Lambayeque.
A Carlos Wester e Marco Fernandez do Museu Bruning de Lambayeque.
A Milagros Fernandez e Luz Marina Llontop, em Lambayeque, por
adoçarem minha vida. A Don Carlos Roncalpe pelo apoio logístico em
Lambayeque desde 2012. Aos pobladores de Ventarrón pela generosidade e
hospitalidade desde 2008.
A Régulo Franco, diretor do Proyecto Arqueologico El Brujo, pelas
informações para esta pesquisa, pela permissão para fotografar as peças do
museu de sítio e pela sempre amável recepção.
Aos diretores do Proyecto Arqueologico Huacas de Moche, Ricardo
Morales e Santiago Uceda, por facilitarem os informes de escavação e algumas
fotografias para esta pesquisa, bem como por permitirem fotografar as peças
do museu de sítio.
V
A Maria Isabel Paredes, do Museu de Arqueologia da Universidade
Nacional de Trujillo, pelo apoio para estudo das coleções do museu e amizade
ao longo dos anos.
A Cecília Bákula, diretora do Museu do Banco Central de Reserva do
Peru em 2013, pela permissão para acessar peças da coleção arqueológica.
A Colin McEwan, Diretor de Estudos Pré-Colombianos da Dumbarton
Oaks Research Library & Collection (Washington D.C) pela orientação e
incentivo durante a Residência Pré - Doutoral em Estudos Pré-Colombianos
realizada em 2016. A Kelly McKenna, Bridget Gazzio, Alyson Williams, Jessica
Cebra e Juan Antonio Murro pelo suporte constante nas coleções e bibliotecas.
A Elizabeth Benson, Patricia Netherly, Daniela Triadan e a todos os fellows de
2016
que
tornaram
esta
experiência
absolutamente
afortunada
e
intelectualmente enriquecedora.
Nos arquivos da Dumbarton Oaks também me foi apresentado um
estudo não publicado, inédito, de Donna McClelland sobre instrumentos
musicais na iconografia mochica 3. O estudo, produzido nos anos 80, foi todo
feito à mão com fichas nas quais constavam informações e desenhos de todas
as peças compiladas por ela e Christopher Donnan. Acessar este estudo,
doado à Dumbarton Oaks por seu marido Don, foi uma importante experiência
acadêmica e emocional, não só pelo significado do trabalho de McClelland para
os estudos Moche, mas porque provavelmente fui a primeira pesquisadora da
área a ter acesso ao estudo inédito, como me foi informado pelos funcionários
do arquivo, aos quais sou profundamente grata. Aproveito para reiterar aqui
meu sincero agradecimento a toda a equipe da Dumbarton Oaks.
A Lisa Trever pela cordial recepção em Berkeley. A ela, junto a Joanne
Pillsbury, Marco Curatola e Cécile Michaud agradeço o convite para o Simpósio
Art Before History: Towards a History of Ancient Andean Art (Lima, 2016) e pela
oportunidade de expor e debater esta pesquisa em ambiente de tão alto nível
intelectual durante o final do meu período doutoral.
3
Study of musical instruments in fineline drawings and modeled ceramic vessels by Donna
McClelland, ca. 1980s, donated by Donald McClelland. Christopher B. Donnan and Donna
McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
VI
A Henry Stobart pela amabilidade e disponibilidade constante em discutir
e contribuir para esta pesquisa.
A Matthias Stockli e Adje Both pelo apoio durante o período doutoral.
A Angela Bellia e Clemente Marconi (Institute of Fine Arts, University of
New York) por enriquecerem esta interlocução arqueomusicológica com as
perspectivas do mundo clássico.
Ao Professor Krzysztof Makowski, referência fundamental na minha
formação em Arqueologia Andina, pelo apoio, confiança e amabilidade ao
longo de tantos anos.
Ao Professor Jurgen Golte, por todo o respeito e carinho pelo grupo de
alunos brasileiros de Pré-Colombiana e também pelas contribuições para esta
pesquisa.
Ao Professor Luis Guillermo Lumbreras e sua esposa Marcela Ríos
Rodriguez pelo afeto, confiança e incentivo constante para que eu continue
trilhando o caminho da Arqueologia Andina.
A Mar y Sol Latorre e sua linda família / equipe em Lima por terem me
provido as condições ideais para que a pesquisa nos museus em longas
temporadas durante três anos consecutivos fosse mais produtiva, menos
cansativa e absolutamente tranquila.
A Rosío e família em Pisaq, pela profunda amizade e apoio.
A Rolando Flores Vega e Álvaro Ortiz, dois jovens talentosos
historiadores, pelo entusiasmo compartilhado pela Arqueologia Andina e
amizade, que encheu de contentamento o final do meu período doutoral.
Aos queridos amigos de todas as horas: Bruno Monjon, Nathalia Moreira
Santos, Yuri Marcondes Almeida, Adriana Madeira, Sandra Rossi, Amanda
Alves, Marluce Faustino e suas lindas filhas, Marcela, Marcia e Mari.
A Christian e Paula Duwe e a todos os que trabalham com eles por
cuidarem com tanto carinho e responsabilidade de uma parte fundamental da
minha vida, que seguramente possibilitou este doutorado.
VII
A todas as pessoas que por ventura não estejam nomeadas nestas
páginas, mas que contribuíram para o processo, cada uma à sua maneira,
estando presentes em minha vida.
A todos os músicos andinos, de huayno, cumbia, cumbia sanjuanera,
folklore, fusión andina, caporales, chimayches e tantos outros gêneros
populares que embalaram e inspiraram esta pesquisa.
Ao Peru, minha pátria espiritual, pela força viva que me inspira e conduz
há muitas eras.
VIII
Lista de Figuras
Fig. I.1. Esquema Metodológico de Dale Olsen, 2002
08
Fig. I.2. Esquema Metodológico de Adje Both, 2009
09
Fig.II.1. Mapa da costa norte peruana mostrando a ocupação Mochica
34
Fig. II.2.Esquema das fases cronológicas de Larco
44
Fig. II.3. Canchero
45
Fig.II.4. Esquema mostrando as cinco fases de Larco
46
Fig.II.5. Quadro mostrando as diferenças estilísticas e cronológicas da cerâmica Mochica
nas esferas norte e sul
47
Fig. II.6. Reprodução de Gölte (2009: 264), de um vaso de alça estribo com aplique
escultórico com representação de Dança no Inframundo
57
Fig. III.1. Vaso de alça estribo com representação pictórica de Guerreiro Coruja,
cujos atributos se igualam aos do Senhor Noturno
Fig. III. 2. O Senhor Noturno no centro e objetos encontrados na Tumba 14 de Sipán
89
101
Fig. III. 3. Detalhe de cena com Senhor Noturno usando toucado de tentáculos de polvo
(ver prancha 8) e o toucado de tentáculos de polvo encontrado na tumba 14
101
Fig. III. 4. Trombeta de cerâmica em formato de espiral com cabeça de felino
102
Fig. III. 5. Trombeta de cerâmica em formato de espiral com cabeça de felino
103
Fig. III. 6: Quadro comparativo dos atributos do Sacerdote Guerreiro (Tumba
14 de Sipán) com os atributos do músico da vasilha do Fowler Museum
103
Fig. III. 7. Quadro comparativo dos atributos do Sacerdote Guerreiro (tumba 14
de Sipán) com os atributos mostrados pelos trombeteiros no vaso do
Fowler Museum
Fig. III. 8. Detalhe das miniaturas de guerreiros encontrados na Tumba 14
105
106
Fig. III. 9 a, b e c. Peças escultóricas mostrando guerreiros com Toucados de
Dois Círculos sentados em liteiras
Fig. III. 10. Molde de guerreiro com Toucados de Dois Círculos
113
113
Fig. III. 11. Artefatos encontrados nas escavações na Huaca de La Luna,
pertencentes a Tomadores de Coca
119
Fig. III. 12. Objetos em ouro e prata encontrados com a Dama de Cao
121
Fig. III. 13. Quenas de osso do Período Tardio encontradas na Huaca Cao Viejo
122
Fig. III. 14. Toucados encontrados associados à Dama de Cao
122
Fig. III. 15. Vasos de alça estribo encontrados na Tumba 1 do quinto edifício
da Plataforma Principal da Huaca de La Luna
126
Fig. III. 16. Vasos de alça estribo encontrados na Tumba 25 da Unidade 16
da Huaca de La Luna
126
Fig. III. 17. Vasos de alça estribo encontrados na Tumba 25 da Unidade 16
da Huaca de La Luna
Fig. III. 18. Máscara de cobre encontrada com o “Guerreiro Músico” de Sipán
127
130
IX
Fig. III. 19. Antara de cerâmica com placa metálica encontrada com o
“Guerreiro Músico” de Sipán
130
Fig. III. 20. Antara de cerâmica sem a placa metálica encontrada com o
“Guerreiro Músico” de Sipán
Fig. III. 21. O esquema de Golte para o uso dos espaços nos vasos de alça estribo
130
156
Fig. III. 22. Quadro comparativo mostrando antaristas com toucado de
ave marinha representados em duas peças diferentes
158
Fig. III. 23. Cena Moche fase IV representando feijões guerreiros
158
Fig. III. 24. Senhor Solar liderando a Dança da Corda
163
Fig. III. 25. Ajudantes atuando na Dança da Corda
163
Fig. III. 26. Quenistas atuando na Dança da Corda
163
Fig. III. 27. Percussionistas atuando na Dança da Corda
164
Fig. III. 28. Grupo central da Dança da Corda
164
Fig. III. 29. Grupos com máscaras atuando na Dança da Corda
165
Fig. III. 30. Comparação entre percussionistas e quenistas representados em duas
peças com cenas de “Danças de Guerreiros com atributos de Senhor Solar
168
Fig. IV. 1. Representação de Ai Apaec escultórico, com presas e atributos de coruja
194
Fig. IV. 2. Representação de Ai Apaec pictórico, com presas, camisa de
pirâmide invertida, brincos e cintos de serpente
194
Fig. IV. 3. A cena da Cópula Mítica
208
Fig. IV. 4. Ser antropozoomorfo com fisionomia de macaco associado a bolsa
208
Fig. IV. 5. Cântaro representando tubérculo
218
Fig. IV. 6. Vaso de alça estribo representando personagem sentado sobre manta
enrolada
Fig. IV. 8. Planta de mandioca associada a cena erótica
223
243
Fig. V. I. Imagem comparativa de duas imagens que estão em pranchas diferentes
do catálogo: M351 (prancha 149) e M434 (prancha 153)
266
Fig. V.II. Imagem representando coruja antropomorfa
270
Fig. V.III. Comparação entre um músico da categoria dos animais
(M324, prancha 79) e um xamã, ambos com idiofones
de golpe direto horizontal
271
Fig. V.IV. Comparação entre o Monstro Strombus com a concha
(retirado da prancha 73) e o Monstro Strombus sem a concha (prancha 166)
272
Fig. VI.1. Diagrama de Stobart que mostra quais aerofones sao tocados
nos diferentes meses do ciclo anual em Potosí, Bolívia
285
X
Tabelas
Tabela III. I. Objetos encontrados nas tumbas 14, 15 e 16 de Sipán,
na temporada de escavação de 2007
091
Tabela III. II. Atributos compartilhados por antaristas na peça do
Fowler Museum of Cultural History (prancha 46)
141
Tabela III. III. Atributos compartilhados por antaristas na peça do
Museu Etnográfico de Berlim (prancha 47)
142
Tabela III. IV. Distribuição de subcategorias de Músicos Oficiais
por Instrumento Sonoro associado
295
Tabela III. V. Distribuição de categorias de Músicos Oficiais por Instrumento Sonoro
associado
295
Tabela III. VI. Distribuição de subcategorias de Músicos Oficiais por tipo de
representação iconográfica
295
Tabela III. VII. Distribuição de subcategorias de Músicos Oficiais por
categoria organológica
296
Tabela III. VIII. Distribuição de categorias de Músicos Oficiais por categoria
organológica
296
Tabela III. IX. Distribuição de subcategorias de Músicos Oficiais por tipo de artefato
296
Tabela III. X. Distribuição de categorias de Músicos Oficiais por tipo de artefato
296
Tabela III. XI. Distribuição de instrumentos sonoros tocados por narrativas
pictóricas analisadas
297
Tabela IV. I. Distribuição de instrumentos sonoros por tipos de músicos
antropozoomorfos
301
Tabela IV. II. Distribuição de categorias de músicos antropozoomorfos
por tipo de suporte artefactual
302
Tabela IV. III. Distribuição de categorias de músicos antropozoomorfos
por tipo de suporte artefactual
302
Tabela IV. IV. Distribuição de instrumentos sonoros por
Temas das Danças do Inframundo
305
Tabela IV. V. Distribuição de tipos de suporte artefactual por temas
de Danças do Inframundo
307
Tabela IV. VI. Distribuição de atributos de poder por temas
de Danças do Inframundo
307
Tabela IV. VII. Distribuição de tipos de toucados por temas
de Danças do Inframundo
307
XI
Gráficos
Gráfico III. I. Distribuição de instrumentos sonoros por narrativas pictóricas
297
Gráfico III. II. Distribuição de categorias organológicas por narrativas pictóricas
297
Gráfico IV. I. Distribuição de Ai Apaecs por Instrumento Sonoro
298
Gráfico IV. II. Distribuição de Ai Apaecs por Categoria Organológica
298
Gráfico IV. III. Distribuição de Ai Apaecs por tipo de representação
298
Gráfico IV. IV. Distribuição de Ai Apaecs por suporte artefactual
299
Gráfico IV. V. Distribuição de partes de toucados em Ai Apaecs músicos
299
Gráfico IV. VI. Distribuição de Divindades por Instrumento Sonoro
299
Gráfico IV. VII. Distribuição de Divindades por categoria organológica
300
Gráfico IV. VIII. Distribuição de Divindades por tipo de representação
300
Gráfico IV. IX. Distribuição de Divindades por suporte artefactual
300
Gráfico IV. X. Distribuição de músicos antropozoomorfos por instrumentos sonoros
301
Gráfico IV. XI. Distribuição de músicos antropozoomorfos por categoria organológica
301
Gráfico IV. XII. Distribuição de músicos antropozoomorfos por tipo de
representação iconográfica
302
Gráfico IV. XIII. Distribuição de músicos antropozoomorfos por tipo de suporte
303
Gráfico IV. XIV. Distribuição de músicos fitomorfos por instrumento sonoro
303
Gráfico IV. XV. Distribuição de antaristas cadavéricos escultóricos por suporte
303
Gráfico IV. XVI. Distribuição de antaristas cadavéricos escultóricos por grupo
304
Gráfico IV. XVII. Distribuição de instrumentos sonoros na categoria músicos
cadavéricos
304
Gráfico IV. XVIII. Distribuição de músicos cadavéricos por categoria organológica
304
Gráfico IV. XIX.Distribuição de músicos cadavéricos por suporte artefactual I
305
Gráfico IV. XX. Distribuição de músicos cadavéricos por suporte artefactual II
305
Gráfico IV. XXI. Distribuição de instrumentos sonoros presentes em Danças do
Inframundo
306
Gráfico IV. XXII. Distribuição de categorias organológicas por Temas de Danças
do Inframundo
306
Gráfico IV. XXIII. Distribuição de categorias organológicas por Danças do Inframundo 306
Gráfico IV. XXIV. Distribuição de Danças do Inframundo por suporte artefactual
307
Gráfico IV. XXV. Distribuição de toucados de músicos em Danças do Inframundo
308
Gráfico IV. XXVI. Quantidade de músicos com e sem atributos de poder em
Danças do Inframundo
308
Gráfico IV. XXVII Distribuição de Temas das Danças do Inframundo por vales
308
Gráfico V. I. Distribuição de Percussionistas Cegos por Suporte Artefactual
309
Gráfico V. II. Distribuição de Percussionistas Cegos por Suporte Artefactual II
309
Gráfico V. III. Distribuição de Percussionistas Cegos por Vales
309
Gráfico V. IV. Distribuição de Músicos degenerados por suporte artefactual
310
XII
Gráfico V. V. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de campânula fusiforme por
subgrupo
310
Gráfico V. VI. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de campânula fusiforme por
suporte artefactual
310
Gráfico V. VII. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de campânula fusiforme por
suporte artefactual II
311
Gráfico V. VIII. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de G.D.H. por grupos
311
Gráfico V. IX. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de G.D.H. por suporte
311
Gráfico V. X. Distribuição de peças com Xamãs com I.S.C por grupos
312
Gráfico V. XI. Distribuição de músicos tocando I.S.C por suporte
312
Gráfico V. XII. Distribuição de peças por subgrupos na categoria Xamãs com Idiofones
Suspensos Conjugados e Bolsa
312
Gráfico V. XIII. Proporção dos dois grandes grupos de cântaros com Idiofones Suspensos
Conjugados
313
Gráfico V. XIV. Distribuição de toda a categoria de xamãs e curandeiros por suporte
Artefactual
313
Gráfico V. XV. Distribuição de toda a categoria de xamãs e curandeiros por Vale
313
Gráfico VI. I. Proporção de músicos por categoria
314
Gráfico VI. II. Proporção de peças por categoria
314
Gráfico VI. III. Instrumentos sonoros tocados por músicos oficiais
314
Gráfico VI. IV. Proporção de cats. organológicas na amostra de Músicos Oficiais
315
Gráfico VI. V. Instrumentos sonoros tocados por músicos sobrenaturais
315
Gráfico VI. VI. Proporção de cats. orgs .na amostra de Músicos Sobrenaturais
315
Gráfico VI. VII. Instrumentos sonoros tocados por Músicos Mediadores
316
Gráfico VI. VIII.Proporção de cats. orgS. na amostra de Músicos Mediadores
316
Gráfico VI. IX. Proporção de instrumentos sonoros tocados por todas as categorias
316
Gráfico VI. X. Categorias organológicas dentro da amostra total
317
XIII
Abreviaturas das Instituições Visitadas
MARLH - Museu Arqueológico Rafael Larco Herrera (Lima)
MNAAHP - Museu de Arqueologia, Antropologia e História do Peru (Ministério de Cultura do
Peru, Lima)
MAASM - Museu de Arqueologia e Antropologia do Centro Cultural da Universidade Nacional
Maior de San Marcos (Lima)
MAUNT - Museu de Arqueologia da Universidade Nacional de Trujillo (Trujillo)
MSHM - Museu de Sítio Huacas de Moche (Projeto Arq. Huacas de Moche, Trujillo)
MC - Museu Cassinelli (Trujillo)
MSHC - Museu de Sítio Huaca Cao (Trujillo)
MB - Museu Bruning de Lambayeque
MTRS - Museu Tumbas Reales de Sipán (Lambayeque)
MSRH - Museu de Sítio Huaca Rajada Sipán (Lambayeque)
MAE - Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (São Paulo)
MAM - Museu de América (Madri)
MET - The Metropolitan Museum of Art (Nova York)
AMNH - American Museum of Natural History (Nova York)
DO - Dumbarton Oaks Research Library and Collection (Harvard, Washington D.C)
XIV
Introdução
La música de la antigüedad del Nuevo
Mundo ha desaparecido para siempre. No
existe ninguna notación que nos ilustre
sobre el curso de sus melodías y ritmos y
que nos permita reconocer sus estructuras
musicales.
Ninguna
fuente
escrita
nos
informa sobre sus sistemas tonales, sus
intervalos o escalas; nada nos ha sido
legado
sobre
su
música
vocal
o
instrumental, sobre la confección de sus
instrumentos musicales, nada sabemos con
relación a quién hacía música, si músicos
instruidos en escuelas o sin una formación
particular o para quién tocaban, qué status
social tenían, en pocas palabras, qué
significado tenía la música en la vida de los
pueblos. (Hickmann 1990:5 apud Mendivil,
2009: 7)
Esta pesquisa de doutorado tem como proposta fundamental identificar
e discutir os papéis sociais e espaços de atuação dos músicos na sociedade
Mochica (ou Moche), a qual ocupou a costa norte do Peru aproximadamente
entre 100 A.C e 700 D.C. A extensa iconografia que tanto caracteriza esta
cultura, com grande quantidade de temas produzidos em cerâmica e outros
suportes, dentre eles os temas musicais, nos permitiu delinear uma série de
questionamentos sobre a produção sonora na sociedade mochica e os
indivíduos por ela responsáveis. Apesar de ser uma temática muito pouco
explorada na literatura arqueológica sobre os Andes Pré-Colombianos, esta
tem se mostrado muito promissora nos últimos anos, transcendendo questões
sonoras e organológicas para abordar aspectos sociais e ontológicos da
música pré-hispânica.
Os
cânones
da
arte
mochica
obedeciam
a
uma
significativa
normatização por parte das elites dominantes, principalmente no Período
Moche Médio (aproximadamente entre 300 e 400 d.C), quando as
1
representações iconográficas passam a enfatizar personagens de poder, como
sacerdotes, guerreiros e governantes, bem como seres sobrenaturais, tais
como divindades, personagens esqueléticos, figuras antropozoomorfas etc.
Assim, ao longo da pesquisa buscamos identificar os principais personagens
da iconografia mochica que se encontram engajados em atividades musicais e
em quais períodos ou fases essas representações teriam se tornado mais
recorrentes. Além disso buscamos identificar diferenças regionais entre os
músicos representados nos diferentes tipos de cerâmica produzidos nos vales
mochicas.
Os dados iconográficos levantados, bem como evidências arqueológicas
e etnohistóricas, foram organizados e discutidos à luz de uma metodologia de
análise semiótica, levando em conta os princípios fundamentais da cosmovisão
andina.
Os dois primeiros capítulos se dedicam a contextualizar o tema da tese
e o quadro teórico-metodológico de pesquisa. O Capítulo I detalha os
fundamentos teórico-metodológicos da pesquisa, apresentando nossa proposta
interdisciplinar de convergência entre a Etnoarqueomusicologia (Olsen, 2002),
um novo enfoque disciplinar interessado na análise e interpretação de diversas
fontes para a compreensão da música pré-hispânica, e a semiótica como
ferramenta metodológica de análise iconográfica, constituindo um olhar inédito
para o material que coletamos ao longo da pesquisa. Este capítulo apresenta
os objetivos específicos da tese e as diretrizes para atingi-los: a) a análise
iconográfica e classificação dos dados; b) a identificação dos tipos de músicos
e de performances musicais encontrados na iconografia mochica; c) a
compreensão sobre os papéis sociais e simbólicos dos músicos na iconografia
mochica e, finalmente, d) uma discussão mais ampla sobre os músicos e a
produção sonora na sociedade mochica, relacionando-os com os preceitos das
ontologias andinas. As premissas, os critérios de análise e o perfil de nossos
dados estão amplamente explicitados no Capítulo I.
O Capítulo II trata da contextualização do mundo mochica. Panorama,
localização, organização sócio-política, religião, arte e a organologia musical da
costa norte estão entre os tópicos explorados, além de um estado da arte dos
estudos iconográficos da cerâmica mochica ao longo das últimas quatro
décadas.
2
Os Capítulos III, IV e V são dedicados à análise e interpretação dos
dados e conformam o cerne da pesquisa. Nossos dados foram organizados
com base nos tipos de músicos encontrados na análise iconográfica e nos
princípios da cosmovisão andina, que se encontram por sua vez refletidas nas
temáticas iconográficas da arte mochica (Golte, 2009; La Chioma, 2013).
Assim, o material coletado e analisado foi dividido em três grandes grupos, os
quais conformam os três capítulos centrais da tese. Cada um destes grupos,
por sua vez, engloba diversas subcategorias. São eles: o grupo dos Músicos
Oficiais, o grupo dos Músicos Sobrenaturais e o grupo dos Músicos
Mediadores.
O Capítulo III trata dos Músicos Oficiais, indivíduos que aparecem na
iconografia associados a instrumentos sonoros e que apresentam papéis
importantes em cultos, batalhas, sacrifícios, procissões e outros eventos
considerados oficiais no mundo Moche. Em geral são sacerdotes ou
sacerdotisas, guerreiros, governantes e acompanhantes de autoridades cujas
performances em eventos públicos podem incluir, entre outras atividades, a
produção sonora. São representados tanto em forma escultórica quanto em
linha fina ao redor dos bojos dos vasos de alça estribo.
O Capítulo IV apresenta e discute os Músicos Sobrenaturais. Esta ampla
categoria inclui divindades, seres míticos, animais, plantas, seres mortos e
cadavéricos atuando musicalmente, tanto em forma escultórica quanto em
narrativas em relevo em redor de vasos. É um capítulo que enfatiza os
aspectos ontológicos e simbólicos da música no mundo mochica, identificando
relações muito específicas entre instrumentos sonoros e tipos particulares de
seres sobrenaturais e discutindo a relação destes músicos com narrativas
importantes do universo mochica, como a recepção dos mortos no inframundo.
O Capítulo V discute os Músicos Mediadores, uma categoria que
congrega músicos antropomorfos, que podem ter aspecto tanto saudável
quanto degenerado. Estes músicos não aparecem relacionados aos cultos
oficiais, mas ao xamanismo, à cura, a oferendas e atos de transformação. São
geralmente representados em forma escultórica.
O Epílogo faz algumas considerações gerais sobre o material analisado,
além de discutir questões relativas à música e à cosmovisão, como calendário
e sazonalidade, e uma avaliação sobre a importância da performance musical
3
para as elites do período Moche Médio, dada a grande proporção de músicos
representados na cerâmica deste período.
Finalmente, a proposta deste trabalho é a de construir um diálogo
constante entre os aspectos sociais e simbólicos da música no mundo Moche,
sempre enfatizando os sujeitos que a produzem (os “músicos”) e seus papéis
sociais, e considerando a cosmovisão andina, as questões cronológicas e
regionais da produção cerâmica mochica como fundamentos sobre os quais se
efetua a discussão. Esperamos que ele traga contribuições importantes para os
estudos de Etnoarqueomusicologia Andina e, principalmente, que a partir dele
surjam novos questionamentos que contribuam para a ampliação dos estudos
nessa área ainda tão incipiente.
4
Capítulo I
A Convergência entre a Etnoarqueomusicologia e a Semiótica:
Um Marco Teórico para o Estudo da Iconografia Musical
Mochica
Ya bien en una tumba depositados junto al
cadáver de su habiente o representados en
un
intrincado
motivo
iconográfico,
los
instrumentos antiguos surgen, tal cual los
versos de Un tiro de dados, dispersos en el
espacio y el tiempo para perderse en los
irremediables
vacíos
que
completan
y
entreveran su historia. Mas dejar caer en el
olvido un instrumento o silenciarlo durante
un período determinado de tiempo obedece
tanto a una decisión histórica como el hecho
de tocarlo, representarlo gráficamente o
hablar del él. En otras palabras, es también
un suceso histórico y pertenece, por ende, a
la representación, o si se quiere, a la
realización de su historia. ¿Cómo integrar
entonces dichos silencios? (Mendívil, 2009:
6)
A proposta desta pesquisa se fundamenta em questionamentos de
caráter bastante particular, que se inserem, por sua vez, em uma temática
muito pouco explorada academicamente: a produção sonora no mundo andino
Pré-Colombiano.
O estudo da música e do som no passado pode se dar a partir de
perspectivas e campos disciplinares muito diversos, e com base em dados
também variados. Estudos acústicos buscam informações a partir de
instrumentos sonoros encontrados arqueologicamente, além de avaliar as
propriedades acústicas de espaços escavados, tais como templos ou praças
(Kollar et al, 2012; Scullin, 2015). Outra importante perspectiva aos estudos da
5
música no passado é a social, que analisa os elementos de performance
musical, o papel que a produção sonora cumpria socialmente, a posição de
seus tocadores, a forma de organização dos grupos, além de aspectos
simbólicos dos instrumentos sonoros. Esta última conforma as análises que os
musicólogos costumam chamar de “aspectos extramusicais” (Mendívil, 2009:
48).
Nesta tese, objetivamos focar no segundo conjunto de questionamentos,
ligado particularmente ao papel social e simbólico dos músicos no mundo
Moche. Nossa pesquisa está fundamentada em uma ampla base de dados
iconográficos, organizada em um banco de dados em Microsoft Access, e
presente no catálogo de imagens que acompanha este texto. É a partir da
iconografia que empreendemos a análise principal de nossas questões,
buscando um debate interdisciplinar no qual dados de contexto arqueológico e
evidências etnohistóricas sejam cotejadas com os corpora iconográficos
encontrados, com o objetivo de realizar uma análise consistente da posição e
da atuação dos músicos na sociedade mochica.
A seguir delinearemos este complexo quadro teórico-metodológico que
envolve diversas disciplinas, esclarecendo de que forma serão aplicados estes
postulados e premissas aos nossos dados.
I.I. A Etnoarqueomusicologia Andina e as fontes
A investigação sobre a produção sonora nos Andes sempre apresentou
duas facetas ou linhas de pesquisa que, em realidade, nunca deixaram de
caminhar juntas: a etnomusicologia e a arqueomusicologia. Enquanto a
primeira se preocupava em entender diferentes aspectos da produção sonora
nas comunidades andinas contemporâneas, utilizando dados recolhidos em
estudos de campo diretamente com a comunidade e seus músicos, a segunda
sinalizava seu empenho em compreender como soaram os instrumentos
sonoros do passado, encontrados em contextos arqueológicos ou presentes
em coleções, um trabalho focado na medição de escalas e na análise de
detalhes técnicos destes artefatos.
Os trabalhos etnomusicológicos clássicos realizados nas pequenas
comunidades do altiplano andino (Stobart, 1994, 1996, 2006; Baumann, 1996;
6
Bellenger, 2007) cederam espaço, no início do século XXI, a trabalhos
centrados nos grandes núcleos urbanos e em seus fenômenos musicais
marcados pela miscigenação, como o huayno com harpa (Ferrier, 2010), a
cumbia e a chicha. Outros musicólogos escolheram se dedicar ao estudo
arqueomusicológico dos instrumentos sonoros pré-hispânicos (Bolaños, 1988;
Mansilla, 2009; Gudemos 2009; Gruszczisnka, 2004, 2006, 2014).
Enquanto os trabalhos etnomusicológicos sempre fizeram menção a
dados arqueológicos, usando ocasionalmente artefatos arqueológicos e cenas
da iconografia pré-hispânica a fim de encontrar elos com a música investigada,
os trabalhos dos musicólogos, fundamentados em fontes arqueológicas,
também faziam menções a fenômenos musicais contemporâneos, com vista a
buscarem interpretações para seus dados. Assim, a biografia da área
arqueomusicológica
nos
Andes
compõe
uma
história
de
recorrentes
aproximações disciplinares, nas quais os investigadores, maiormente ligados à
Musicologia, buscavam no presente as explicações para a produção sonora do
passado pré-hispânico, e vice-versa 1.
Pode-se utilizar uma grande variedade de fontes, com diferentes
alcances e limites analíticos, para se abordar a produção sonora pré-hispânica.
Instrumentos sonoros arqueológicos podem ser analisados em seus aspectos
acústicos, tecnológicos e organológicos e, em menor medida, sociais e
cosmológicos. As fontes iconográficas, por sua vez, elucidam de maneira geral
aspectos das práticas sociocosmológicas que envolvem os intrumentos
sonoros e seus tocadores. O uso das fontes históricas e etnográficas tem o
objetivo de compreender aspectos tanto sociais quanto musicológicos da
produção
sonora
na
longa
duração.
A
esta
proposta
metodológica
interdisciplinar cujo objetivo é compreender diferentes aspectos musicais do
passado andino, levando em consideração as diferentes fontes, Dale Olsen
(2002:8) chamou de Etnoarqueomusicologia Andina. O esquema teóricometodológico de Olsen (2002:8) propôs uma abordagem que permitisse uma
1 Pouco se estudou ou se abordou sobre o grau da influência ibérica na formação de diferentes
estilos musicais andinos contemporâneos, a não ser em alguns poucos estudos sobre os
cordofones trazidos da Espanha para os Andes, que levaram à origem de cordofones
genuinamente andinos, como o charango. Estudos nessa linha teriam muito a contribuir para
uma compreensão mais exata de quais elementos cosmológicos e sonoros na produção
musical andina seriam originários, e quais teriam sido introduzidos por meio do contato.
7
análise conjunta destes dados, sugerindo a apreciação e cruzamento entre as
diferentes fontes, como demonstra o quadro abaixo:
Fig. I.1. Olsen, 2002.
Segundo
Olsen
(2002:
30),
o
investigador
não
deve
ser
necessariamente musicólogo de formação para compreender aspectos
musicais do passado andino. Cada formação, segundo ele, traz uma série de
habilidades que podem ser utilizadas para a construção de um conhecimento
mais amplo. A nosso ver o arqueólogo tem muito a contribuir para a
contextualização e compreensão de aspectos sociais da música no passado,
mais especificamente no que diz respeito à performance e à relação entre a
prática musical e os diferentes grupos sociais (Scullin, 2015). Assim, a despeito
de os musicólogos apresentarem a formação e as aptidões necessárias aos
estudos sociais da música, a Etnoarqueomusicologia torna-se uma área
convidativa também a outros investigadores de áreas das Humanidades que
queiram aprofundar a compreensão da música em seu aspecto social a partir
de suas próprias perspectivas.
Nos últimos anos os esforços em construir análises interdisciplinares
sobre a música no passado têm gerado um debate estável engendrado
principalmente por musicólogos, mas também por arqueólogos, antropólogos e
outros especialistas. Modelos posteriores aos de Olsen, como os de Mendívil
(2009) e Both (2009) buscaram diferentes perspectivas para este tipo de
estudo.
8
A partir da perspectiva de Olsen para os Andes, o arqueomusicólogo
mesoamericanista Adje Both (2009:4-5) reestruturou este modelo visando sua
aplicação para toda a América Pré-Hispânica, como esquematizado no quadro
a seguir:
Fig. I.2. Both, 2009.
Tais modelos pleiteiam que uma análise holística e completa da
produção sonora no passado só pode ser empreendida considerando a
diversidade de fontes que podem ser consultadas e analisadas.
Mendívil
(2009), seguindo este modelo, atentou não só para a diversidade de fontes,
mas para a sustentação teórica de sua análise, de perfil claramente pósprocessual. Sua abordagem se assume ciente de que seus dados, as flautas
de crânio de veado do Chincaysuyo Inca, o ajudarão a criar discursos históricos
e sociais sobre este instrumento, que têm relação direta com sua formação
acadêmica, o caráter de suas perguntas específicas e as circunstâncias de sua
investigação. O autor cotejou dados arqueológicos, históricos e etnográficos,
criando diálogos entre suas fontes e seus discursos, na busca por uma nova
disciplina, a da Arqueomusicologia:
Tal originalidad en el abordaje del objeto conlleva naturalmente a una tentativa
de construir una nueva profesión investigativa, la de un arqueomusicólogo que asume,
además, su papel de constructor de discursos históricos y sociales: “A diferencia del
historiador musical, el arqueomusicólogo encontrará sus partituras tanto en la
iconografía, como en la concepción sonora que acompaña a la performance de las
9
tradiciones contemporáneas o, mas aún, deberá aprender a tratar e interpretar éstas
como tales”. (Mendívil, 2009: 15)
O debate teórico-metodológico sobre a construção desta nova disciplina
tem sido reforçado após os trabalhos de Olsen, principalmente partindo da
definição das fontes que possibilitam as diferentes análises da música no
passado, bem como dos seus alcances e limites, como propõem Gudemos
(2009: 120) e Benito & Pasalodos (2011: 81):
La arqueomusicología, o musicoarqueología o música arqueológica o músicaarqueología, como unos y otros la denominan, es por definición un área de
investigación interdisciplinaria aplicada al estudio de las manifestaciones musicales de
antiguas culturas. El material arqueológico que se expone al análisis no incluye solo
instrumentos musicales, objetos y sistemas sonoros y representaciones iconográficas
de los mismos o de coreografías danzadas; sino todo aquello que brinde información
acerca de tales manifestaciones (...). Por cierto, somos conscientes de las limitaciones
operativas que en el área se presentan. En efecto, jamás tendremos la oportunidad de
registrar el instante en el que las manifestaciones musicales tuvieron lugar, ni
contamos con la información de quienes las produjeron (...) pero eso no significa que
no tengamos acceso al conocimiento de aquellas realidades musicales. (Gudemos,
2009: 120)
Benito & Pasalodos, por exemplo, lembram que a análise de dados
musicais transcende a compreensão puramente da produção sonora e permite
a compreensão de aspectos extramusicais:
La gran cantidad de materiales arqueológicos existentes que demuestran la
importante presencia de la música en las culturas pasadas hace necesaria la
consolidación de una disciplina con una significativa especialización metodológica y
teórica. Por lo tanto, debemos dejar de lado el escepticismo epistemológico
fundamentado en la visión de la música como una simple sucesión ordenada de
sonidos y definir las metodologías necesarias para poder conocer los aspectos de la
Prehistoria y la Antigüedad que nos revela la cultura material. Este conocimiento
permitirá no sólo conocer mejor el pasado de la música sino también las propias
culturas estudiadas, ya que la música encierra gran cantidad de comportamientos
10
sociales, simbólicos y rituales que pueden responder a cuestiones en torno a culturas
pasadas imposibles de revelar en base a otros restos de cultura material. (Benito &
Pasalodos, 2011: 81)
De
fato,
diferentes
aspectos
da
cultura
estudada
podem
ser
compreendidos a partir de dados musicais, como organização social e
performance em cerimônias religiosas. Algumas destas características só
podem ser avaliadas quando o investigador demonstra um profundo
conhecimento e intimidade com questões específicas da cultura estudada. Por
exemplo, identificar mudanças na representação das práticas musicais na
longa duração levando em conta as diferentes fases e estilos da cerâmica é um
trabalho que pode ser perfeitamente realizado por arqueólogos. É possível
compreender aspectos musicais a partir de dados aparentemente não
musicais, como vasilhas ou outros objetos associados a instrumentos sonoros
em tumbas, uma perspectiva que temos endossado em nosso trabalho (La
Chioma, 2012, 2013; Nielsen, 2013) e que demonstraremos ao longo desta
tese.
Nosso trabalho se insere na discussão teórico-metodológica da
Etnoarqueomusicologia, tendo a arte e a iconografia como fonte fundamental
de estudo. Atentando para o debate sobre as representações iconográficas em
Arqueologia e associando-o à discussão interdisciplinar proposta pela
Etnoarqueomusicologia propomos um encontro entre as duas perspectivas
teórico-metodológicas para a análise iconográfica dos músicos no mundo
Moche.
I.II. Arte e Iconografia
A Arte e a iconografia conformam um aspecto fundamental do material
arqueológico, visíveis desde 30 mil anos antes do presente na arte rupestre e
presentes em praticamente todos os conjuntos artefatuais estudados pela
Arqueologia. As representações iconográficas estão presentes em diversos
suportes materiais e mídias: em construções arquitetônicas, em cerâmica,
metais, tecidos e até mesmo em corpos mumificados na forma de tatuagens ou
pinturas corporais.
11
Muitos estudiosos, ao longo do amadurecimento intelectual da disciplina
arqueológica, buscaram formas distintas de compreender e interpretar estas
manifestações artísticas, e para tanto se utilizaram de teorias da Antropologia
da Arte, da Linguística e da Semiótica. Tal busca pelo diálogo com diferentes
disciplinas e tradições teóricas, tanto das humanidades quanto das ciências
naturais, é um traço distintivo da Arqueologia. As influências de perspectivas
tão diversas foram determinantes em conceder à Arqueologia, desde seus
inícios, um caráter reconhecidamente interdisciplinar.
No campo das análises iconográficas em Arqueologia existem
atualmente duas grandes orientações teóricas procedentes respectivamente da
Linguística e da Teoria Social: a Semiótica e a Agência, as quais
apresentaremos a seguir.
I.III. Arqueologia Cognitiva, Semiótica e Agência
A materialidade, objeto de estudo da Arqueologia, tem sido ao longo da
história da disciplina o ponto de partida para a construção de seus princípios
teóricos. Um dos posicionamentos teóricos procedentes deste inflamado
debate, foi o que se convencionou chamar de Arqueologia Cognitiva, uma
perspectiva que começou a despontar na década de 80 do século XX,
consolidando-se especialmente a partir dos anos 90 em diante. Segundo
Renfrew:
Arqueologia cognitiva (...) deveria ser aquela parte da arqueologia que lida com
conceitos e percepções. Em um contexto arqueológico isto pode ser tomado para
cobrir todo o espectro do comportamento humano, com referência especial à religião e
à crença, simbolismo e iconografia, ao desenvolvimento e expressão da consciência
humana (Renfrew et.al., 1993: 247).
Existem métodos para que aspectos cognitivos sejam verificados no
registro arqueológico, geralmente pautados pela associação com outros tipos
de fonte. Esta linha de análise se baseia, sobretudo, no estudo da recorrência
de contextos rituais arqueológicos, na cultura material que cada sociedade
produz e nas associações entre os diversos artefatos acessados a partir de
12
contextos secundários (definidos por sua musealização) e os dados de
escavações, com forte influência da semiótica e da Arqueologia Contextual. A
interdisciplinaridade neste campo de pesquisa é fundamental, em especial o
diálogo com a História, a Antropologia Social, a Antropologia da Arte e a
Linguística. Relações com as ciências cognitivas (Preucel, 2006: capítulo 7)
também podem ser inúmeras.
I.III.I.Semiótica
O termo semiótica define uma complexa área do conhecimento que
busca compreender os sistemas de significação. Segundo Preucel (2006:3) a
semiótica é um campo multidisciplinar dedicado à forma como os indivíduos
produzem, comunicam e codificam significado.
Os teóricos mais referidos, debatidos e utilizados nos estudos semióticos
são Ferdinand de Saussure e Charles Sanders Peirce, seguidos de Roland
Barthes e Umberto Eco. Na Arqueologia Cognitiva, especialmente após o
advento das teorias pós-processualistas, os estudos iconográficos foram muito
influenciados por uma perspectiva semiótica herdeira da tradição saussureana
e estruturalista, segundo a qual sistemas linguísticos apresentam normas
estritas de composição a ser compreendidas e são passíveis de comparação
com outros sistemas (Preucel, 2006: 6).
Uma das principais premissas da semiótica nos estudos de Arte e
Arqueologia – certamente influenciada pelas teorias estruturalistas – é a noção
de que um artefato ou uma representação são constructos culturais,
manifestando valores sociais das circunstâncias nas quais foram produzidos
(Moxey, 1991: 986), sendo de extrema importância o contexto social e as
ontologias particulares de cada grupo para a interpretação dos significados
presentes na cultura material. Compreender as normas da estrutura, neste
sentido, é fundamental para que o pesquisador entenda o sentido expresso nos
vários elementos materiais produzidos no contexto respectivo.
Outra premissa da perspectiva teórica de Saussure é a de que signos
linguísticos têm significado apenas quando em relação a outros signos,
conformando uma norma semântica (ibid: 988). Ao usar esta abordagem na
Arqueologia, o pesquisador considera que artefatos também são signos e que
13
seu contexto seria comparável a um sistema semântico, no qual o significado é
construído na relação entre os vários elementos. O mesmo ocorre com as
análises iconográficas.
Segundo Preucel (2006:2) o que define o status da disciplina
arqueológica é o estudo da cultura material, e este estudo constitui por si só
uma empreitada semiótica na medida em que busca, sobretudo, significado e
coerência em conjuntos de dados. Neste sentido, a própria interpretação
arqueológica seria um ato semiótico, pois a cultura material teria um significado
que a transcende (ibid:4).
I.III.II. Agência
Há uma problemática inerente à conceptualização de agência de forma
unívoca, já que esta expressão envolve diversas definições, produzidas por
diferentes teóricos da Sociologia e da Antropologia (Dornan, 2002: 304).
Entretanto, em sua essência, o conceito de agência supõe a capacidade de
ação e de tomada de decisões de um indivíduo frente à estrutura social na qual
se insere e, consequentemente, à capacidade do agente de moldar seu próprio
entorno. Esta ideia, como se verá ainda neste tópico, pode se estender
também a artefatos e sua capacidade de mediar relações sociais, noção
geralmente utilizada na Antropologia da Arte e na Arqueologia.
O conceito de agência tem sua origem nos debates clássicos da teoria
social sobre as relações e presumíveis subordinações existentes entre
indivíduo e sociedade, estrutura e agência (Dornan, 2002: 303; Barrett, 2001:
148). Bourdieu e Giddens foram os grandes instauradores das teorias de
agência, o primeiro com a Teoria da Prática (cujo ponto central é a ideia de
habitus – cerne da ação do indivíduo – e de que a ação seria um reflexo de
disposições inconscientes individuais) e o segundo com a Teoria da
Estruturação (na qual a própria estrutura só existe e se mantém em razão da
conduta dos indivíduos, resultando de suas interações) (Dornan, 2002: 305).
Este alicerce teórico cunhou a premissa fundamental da agência: a ideia
de que a ação individual também é estruturante, ao contrário da ideia de que o
comportamento individual seria um mero reflexo da estrutura (ibid: 304).
14
Em Arqueologia as teorias de agência começaram a ecoar nos anos 80
do século XX como parte da crítica às teorias processualistas, que
consideravam as condições externas ao indivíduo como determinantes à sua
ação (Barrett, 2001: 141). Para Barrett (2001: 142) a busca por padrões e
regularidades na produção material, parâmetros com os quais a Arqueologia
trabalhou desde seu nascimento, levaram a uma visão normativa da cultura, na
qual o artefato refletiria processos normativos e normas comportamentais, das
quais resultaria diretamente o comportamento humano (ibid: 144).
Ainda
segundo o mesmo autor, o estudo da agência em Arqueologia deve levar em
conta a compreensão da performance ou ação perpetrada que possibilita a
criação do registro material, isto é, os meios de execução de um artefato (ibid:
152). Destarte, a cultura material não deve ser concebida simplesmente como
reflexo / resultado do comportamento humano, mas como a condição material
que ativamente facilita certas estratégias de prática social (ibid: 156).
A agência se converteu de fato em uma teoria da Antropologia da Arte
com a produção científica de Alfred Gell, contendo uma série de princípios
básicos focalizados no contexto social da arte, em sua produção, circulação e
recepção e em sua relação direta com os grupos e indivíduos.
A capacidade de agência é inerente tanto a um objeto quanto aos
indivíduos e grupos. A agência de um objeto tem relação, entre outras coisas,
com os efeitos que ele causa nas pessoas e seu poder social (Gosden, 2005:
193). Gell atentou para as questões do efeito e da eficácia que um agente
artefatual apresenta sobre os indivíduos, sua capacidade de os moldar e suas
experiências, agenciando experiências físicas, sensoriais e ideológicas. Desta
forma o mundo material afeta as relações humanas, e como os indivíduos se
relacionam através de objetos (ibid:196). O poder de agência dos objetos
apresenta uma pujante perspectiva material, altamente conectada às teorias da
cultura material e da Arqueologia.
Um outro tipo de agência, a de indivíduos e grupos, pressupõe uma
relação de mão dupla: ao passo em que o indivíduo está inserido em uma
estrutura que o influencia, a estrutura também se molda por seu poder de
agência, não necessariamente no sentido de poder político ou de dominação
(Barrett 2001: 150), mas de poder de ação. A estrutura não é só uma definidora
do indivíduo, como entendiam muitas orientações teóricas anteriores, mas é o
15
meio de possibilidades para a agência, ou o próprio campo e cenário que
permite que a agência se dê (ibid).
Substancialmente, as teorias de agência levam em conta o potencial dos
artefatos para intermediar interações entre indivíduos e grupos e, neste
sentido, as performances rituais, as ocasiões de uso dos artefatos e da arte, os
diversos efeitos que a arte causa nos sujeitos são de fundamental importância
para a compreensão deste fenômeno, tanto por parte dos agentes humanos
quanto dos agentes artefatuais. Também é imprescindível conhecer a história
de vida de um artefato, isto é, como ele foi criado e qual foi sua trajetória desde
a concepção até o consumo e o descarte, pois nesse âmbito já estão sendo
criadas e mantidas relações de poder e de troca com outros indivíduos e
grupos, além de relações com o meio imediato de subsistência e com o
sobrenatural. A natureza do registro arqueológico, entretanto, parcial e na
maioria das vezes silenciosa quanto a esta série de percursos perpetrados
pelos objetos, dificulta uma aplicação absoluta do conceito de agência
“gelliano” à disciplina arqueológica.
À diferença das abordagens semióticas, as abordagens da agência não
estão preocupadas com o significado ou a simbologia dos artefatos, mas com
seu poder de mediação e intervenção no meio social, em diversas ocasiões.
Destarte, uma determinada iconografia pode não apenas significar um ritual ou
conformar uma “frase” sobre ele. Ela pode efetivamente conter um poder
sobrenatural para aquela sociedade, pode tecer redes de relações entre seu
artista produtor e outros indivíduos circundantes, como as elites que aceitam ou
rejeitam tal representação iconográfica em seu corpus de artefatos litúrgicos,
etc.
Todas essas questões são importantes para compreender como se
aplica a perspectiva da agência em contraposição às análises semióticas na
Antropologia da Arte e, em nosso caso particular, na Arqueologia, visto que
ambas têm sido utilizadas por estudiosos que trabalham com a iconografia
mochica, como veremos detalhadamente no próximo capítulo.
16
I.IV. Preceitos da Cosmovisão Andina e a Interpretação Iconográfica
Nos Andes, particularmente, as relações duais compõem o principal
fundamento da cosmovisão. A tradição estruturalista buscou compreender o
universo andino (pré-hispânico, colonial e contemporâneo) a partir da
existência de parcialidades ou metades que dividem todas as coisas, sejam
territórios, pessoas ou animais, e que ao dialogarem entre si engendram o
equilíbrio vital (Platt, 1986; Sallnow, 1987; Gelles, 1995; Moore, 1995; Wachtel,
2001; Rostworovski, 2000; Taylor, 2008; Golte, 2009). Este tem sido o viés
teórico mais utilizado para a análise semiótica do material arqueológico
escavado na região centro-andina, tendo sido aplicado por diversos estudiosos
não só para os dados de contextos funerários e arquitetônicos, mas
principalmente para o estudo das manifestações artísticas e iconográficas:
Muchos de los estudios de la cosmovisión andina, muy influenciados por la
antropología estructuralista, se enfocan en preceptos cosmológicos y la organización
socio-política inca (Rostworowski 2000a: 21-23; Taylor 2008), pero también en
trabajos etnográficos (Platt 1978, 1986). Muchos de estos estudios fueron formulados
con base en el análisis iconográfico del período Intermedio Temprano Andino (Golte
2003, 2009). De todas maneras, aplicados a distintos artefactos y contextos
arqueológicos andinos, algunos conceptos, como hanan, hurin, kay pacha, tinku y
camac, traen consigo resultados sorprendentes y sientan las bases para un lenguaje
común entre los especialistas en las discusiones acerca de datos arqueológicos desde
la costa norte hasta la sierra sur del Perú. Es cierto que esta metodología sigue siendo
reevaluada constantemente, y no es utilizada por todos los investigadores, pero al
momento tenemos en ella no sólo una rica fuente de comparación para nuestros
datos, sino también un vocabulario conceptual que nos permite expresar fenómenos
observables en las vasijas de manera menos arraigada en las cosmovisiones
occidentales. (La Chioma, 2013:60-61)
O dualismo andino pressupõe a existência e interação entre duas partes
opostas e complementares, os moieties 2, respectivamente chamados de Hanan
2
Segundo Gelles (1995: 710) o termo “moiety” é utilizado na literatura antropológica para se
referir às partes que conformam o todo na organização espacial andina desde os tempos préhispânicos até a época contemporânea.
17
e Hurin (ou Uku Pacha) (Wachtel, 2002). Este tipo de organização, muito
presente nas fontes históricas coloniais e nos dados etnográficos, passou
também a ser verificado nos dados arqueológicos escavados em toda a região
andina, bem como nas artes e na iconografia (Moore, 1995: 165-166). Este
dualismo se fundamenta no conceito de reprodução, no qual os opostos se
encontram para engendrar o novo:
O fundamento do dualismo andino é, essencialmente, a ideia de reprodução,
possibilitada por sua vez pelo encontro de duas partes (Gölte, 2007: 2). Há uma
homologia basilar com o masculino e o feminino que se estende aos ciclos da
natureza: dia e noite, estação úmida e seca, estação quente e fria etc. Na concepção
andina todos estes elementos se organizam e criam realidades distintas em
determinados momentos do ciclo temporal: “el presente se deriva de una reproducción
constante de encuentros de opuestos complementarios en el pasado y de la misma
forma piensan que surge el futuro” (Gölte, 2009: 59). Segundo Sallnow, o dualismo é o
meio cultural pelo qual a fertilidade inerente à natureza se reflete no plano humano
criando o equilíbrio necessário à manutenção da vida (Sallnow, 1987: 217 apud
Gelles, 1995: 715). (La Chioma, 2012: 63-64)
Quando em contato no tempo ou no espaço, os dois lados opostos,
hanan e hurin, produzem materialmente novos produtos e indivíduos 3 e,
ontologicamente, geram o equilíbrio cosmológico responsável pela fertilidade,
pela vida e pela harmonia social. Este encontro geralmente é chamado de
tinku, e uma das formas para concretizá-lo nos Andes tem sido desde o
período Pré-Hispânico (Rostworowski, 2000: 132, 140) a famosa batalha ritual
entre os dois moieties da comunidade (Stobart, 2006: 134), ou entre duas
comunidades que simbolizam lados opostos, como explica Gelles:
A key concept in societies that employ duality as a fundamental organizing
principle is that of "alternation," which, "whether is idea or procedure, is one of the
classic means of creating equilibrium"(Maybury-Lewis19 89:8). Although his logic
receives many different expressions on the social plane and must be understood in
each particular context, it often takes the form of ritualized competition. The purpose of
3
A analogia com a relação sexual é um importante aspecto do conceito de encontro entre
opostos.
18
this, however, is not to establish the victory of one side over the other but to attain a
balance of social and spiritual forces. The societies that institute the dual divisions
"believe that the kind of alternation and equilibrium they provide is a guarantee of
stability… dualistic theories create order by postulating a harmonious interaction of
contradictory principles"(Maybury-Lewis19 89:9, 13) (Gelles, 1995: 712).
O conceito de dualismo nos Andes é materializado desde o período
Arcaico, verificável em contextos arqueológicos como a arte e arquitetura de
Ventarrón (Vale de Lambayeque), mantendo uma presença constante em todos
os períodos e culturas até a época da Conquista, e em menor grau nos
pequenos ayllus e comunidades após o processo de Conquista. A presença do
dualismo se verifica na organização espacial dos edifícios escavados. No caso
mochica, por exemplo todos os grandes centros apresentam duas grandes
huacas, como a Huaca do Sol e da Lua, uma de frente para a outra no Vale de
Moche, ou como as Huacas do complexo El Brujo no Vale de Chicama
(Makowski, 1996: 106; Bourget, 2006: 227). Nas artes, os mantos Paracas, do
período Formativo na Costa Sul apresentam fortemente as relações duais em
suas cores e padrões, e também a arte pública, bem como a arte móvel em
cerâmica, ouro e prata de todos os Horizontes e Intermediários:
La secuencia de actos rituales proyecta una imagen dual del mundo,
gobernado por dos bandos opuestos y complementarios. La existencia de ambos es
necesaria para que haya vida en la tierra. La tierra habitada por los Mochica, protegida
por el Guerrero del Águila con atributos solares y por el Mellizo terrestre, se encuentra
en medio de dos mundos hostiles, el océano y la sierra, gobernados, respectivamente
por la pareja del Mellizo Marino y la Divinidad Femenina y por el Guerrero del Búho
(...) Esta dualidad primordial se refleja no sólo en la organización del panteón, sino en
todos los niveles. A ella remite probablemente el típico diseño del centro ceremonial
Mochica con dos pirámides, una frente a la otra, como las huacas del Sol y de la Luna
en Moche y las dos huacas Cao en Chicama. La misma relación de oposición y
complementariedades se percebe en la iconografía entre: 1) el Strombus y el caracol
terrestre (...); 2) la plata y el oro; (...) 3) la trompeta de concha y la trompeta-serpiente
adornada con la imagen del búho (...); 4) el lobo marino y el venado, ambos
representados cazados o como músicos sobrenaturales que tocan el tambor; 5) el
degollamiento en la orilla del mar y en las islas frente al despeñamiento de montañas;
19
y, 6) el transporte de prisioneros en embarcaciones de totora frente al transporte de
prisioneros en andas (Makowski, 1996: 106).
Portanto, o dualismo é a base do pensamento andino, estendendo-se a
toda a produção material, sendo verificado em muitos detalhes da arte
mochica, como veremos ao longo da análise de nossos dados:
Extrapolating from the ethnohistoric record, a growing number of Andeanists
have interpreted archaeological patterns as reflecting dual organization; the inference
is usually based on some form of paired construction, spatial division, or other
architectural feature interpreted as evidence of dual social organizations. (Moore, 1995:
168)
Rostworowski (2000: 11-113) sustentava que esta dualidade era tão
estrutural no período Pré-Hispânico que até a organização do poder teria
obedecido primordialmente a este conceito, com a presença de dois líderes ou
dois Incas em vez de apenas um. Moore também menciona este tipo de
organização dual do poder com base em relatos etnohistóricos. Por exemplo,
segundo os trabalhos de Murra, entre os lupacas do altiplano centro-andino a
liderança era compartilhada por dois líderes de diferentes moieties (Murra,
1968 apud Moore, 1995: 167):
The best-known example of dual organization is associated with the Inka. For
example, Zuidema's detailed analyses (1964, 1973, 1977,1983, 1990a, 1990b)
illustrate how the organization of Inka society and polity incorporated principles of
dualism, particularly as expressed in the division between hanan and hurin, the upper
and lower moieties of Inca Cuzco. Rowe (1946:255-256, 262-263) observes that Inka
moiety divisions were opposed but not equal in status, and notes that "the chief of the
Lower Moiety [hurinsaya] was subordinate to that of the upper one [hanansaya]."
(Moore, 1995: 166).
Moore retoma um estudo de Netherly (1978) para demonstrar que a
costa norte do Peru, região de ocupação mochica, também apresentou este
tipo de organização do poder no período Tardio:
Dualism seems to have been a similarly significant principle of social order on
the Prehispanic North Coast of Peru (Netherly 1978, 1984, 1990; Netherly and Dillehay
20
1986; for a dissenting view, see Rowe 1993). In her analyses of colonial documents,
Netherly (1990:463) has discovered repeated references to a sociopolitical order
structured by the principles of hierarchy and duality in which "the parcialidades or
polities are grouped in pairs as ranked moieties, and the heads of these moieties are
also grouped in ranked pairs at each level." Meaning simply "a part of the whole," the
North Coast parcialidades appear to represent moiety divisions made up of groups of
patrilineages (Netherly 1978: 110), each with a socially recognized leader (…). The
order of succession was apparently from a paramountl ord to his younger brothers in
order of birth and then to the paramount lord's son (Netherly 1978:183-187). (Moore,
1995: 167)
Segundo Moore (1995: 167-168) esta organizaçao do poder na costa
norte adviria dos períodos mais recuados, não estando diretamente relacionada
à recente chegada do poderio Inca:
The North Coast ethnohistoric evidence for dualism appears to reflect a political
institution with deep roots that survived Inka rule and persisted, though with increasing
difficulty, into the early Colonial Period. (Moore, 1995: 168)
As divisões entre o hanan e hurin expressam também a existência de
diferentes espaços de atuação de indivíduos e divindades, no sentido de
planos sobrenaturais (acima e abaixo) que se encontram nos espaços liminais,
em constante contato com a terra, ou o plano humano:
Hanan Pacha é o mundo de cima, a parte alta ou hanan, no qual atuam as
divindades Sol (Inti) e Lua (Killa). Segundo Gölte (2009: 61), Hanan Pacha também se
divide em duas partes, o mundo de cima diurno e masculino (relacionado ao Sol) e o
mundo de cima noturno e feminino (relacionado à Lua). Kay Pacha é o mundo terreno,
intermediário, no qual atuam os homens, plantas e os animais (chamado de esta
dimensão). Segundo Gölte (ibid.), é a interface entre o Hanan Pacha e Hurin Pacha e
para existir depende da interação entre os outros dois. No mundo intermediário, nome
que utilizaremos nesta dissertação, as montanhas se relacionam ao Hanan e o oceano
ao Hurin, o milho ao Hanan e as mandiocas ao Hurin, os homens ao Hanan e as
mulheres ao Hurin etc. Tudo na natureza possui uma conexão com algum destes
mundos, e muitas vezes com ambos ao mesmo tempo (...). Uku Pacha é o
inframundo, a parte de baixo ou hurin, onde atuam as divindades da Terra
21
(Pachamama e Pachatata) e onde vivem os mortos. Este também se divide em duas
partes, o mundo de baixo diurno e masculino (representado por Pachatata) e o mundo
de baixo noturno e feminino (representado por Pachamama). (La Chioma, 2012: 6970)
Estes diferentes planos existentes na cosmovisão são claramente
perceptíveis na iconografia mochica. Na arte do Intermediário Inicial, todas as
coisas que acontecem em um plano, também acontecem nos outros
(Hocquenguem, 1987: 20). Ou seja, cerimônias, batalhas, danças, procissões,
relações sexuais etc. não ocorrem apenas no plano humano, mas também no
Hanan Pacha, ocupado pelas divindades, e no Uku Pacha, habitado pelos
mortos e ancestrais. Assim, é comum ver representações iconográficas de
esqueletos e seres sobrenaturais engajados nesses eventos:
In Moche visual culture the sexual acts, the transport of funerary paraphernalia,
and the offering of children are consistently being carried out by three broad types of
subjects. The first one consists of human beings. The second one consists of livingdead, skeletal, or mutilated beings. The third one consists of individuals with
supernatural attributes and the bat. I have suggested here that to explore Moche
religion and belief system, these three types of actors had to be related to three
conceptually and cognitively different but related domains: the World of the Living
(human beings), the World of the Dead (skeletal and mutilated beings), and the
afterworld (beings with supernatural attributes, animals). Throughout this analysis it
became apparent that another group of people could be associated with these actors:
the eventual sacrificial victims, who may represent most of the male individuals of this
corpus, and the sacrificial victim, who engages in the same actions as the beings with
supernatural attributes. (Bourget, 2006: 225)
A ancestralidade é um dos elementos mais importantes da cosmovisão
andina. A legitimação e manutenção do poder e das funções sociais, como de
xamã, governante, sacerdote, guerreiro etc. são justificadas pela ascendência
ontológica de cada indivíduo, sustentada pelo conceito de paqarina
(Rostworowski, 2000: 13), palavra quéchua referente aos lugares de origem de
uma família ou grupo consanguíneo (ayllu). Estes locais podem referir-se a
zonas naturais, como cavernas, rios, lagos ou montanhas, ou a animais e entes
sobrenaturais. O importante é que o camac, ou a energia vital existente em
22
determinada paqarina, seja passada aos seus descendentes dando-lhes a
legitimidade conferida pela divindade ancestral, detentora desta força
primordial (Rostworowski, 2000: 12; Golte, 2009: 21).
Segundo Rostworowski (2000: 64) no período colonial o culto aos heróis
míticos e divindades se mesclava com o culto aos mortos, sendo ambos
considerados ancestrais. Os ancestrais humanos se encontram no Uku Pacha
ou inframundo, onde vivem os mortos. São representados pelos falecidos que,
à época inca tinham seus corpos mumificados (mallquis). Estas múmias eram
colocadas em eventos coletivos como uma forma de expressar a continuidade
de sua participação na vida em comunidade. Por esta razão, a relação das
sociedades com os mortos e o inframundo parece ter sido muito orgânica no
período Pré-Colombiano, como discutem Weismantell & Meskell:
Ethnohistoric, ethnographic and archaeological data overwhelmingly suggest
that for Moche elites, as for other Andean peoples, tombs were not a realm of the
dead, separated from everyday life; instead, they were important places for the living,
who went there to revitalize their connection to their ancestors – and to publicly enact
their right to inherit from them. (Weismantell & Meskell, 2015: 242)
Segundo Stobart (ibid:99-100) festivais coletivos nos Andes se
caracterizam por uma espécie de saturação sensorial na qual existe, além da
música, comida, bebida, decoração, aromas, risos, conversas, danças,
encontros e até mesmo combates. Esta situação deve ser compreendida como
um momento no qual as forças animadoras (camaq) circulam na comunidade.
Os conceitos de vida, morte, renascimento, energia vital e ancestralidade são
fundamentais neste contexto. Além disso, a questão do calendário é muito
importante, já que festivais são marcadores temporais, que constituem a
concepção das pessoas sobre o tempo (ibid.). Por esta razão é importante
analisar os músicos e a música na iconografia mochica de forma tanto social
quanto ontológica, levando em consideração os cânones da cosmovisão e, por
consequência, da organização do poder e dos eventos públicos, postos aqui.
Foi Hocquenguem (1987: 24) quem primeiro analisou as imagens mochica sob
uma perspectiva cíclica e calendárica, argumentando que:
23
Los mitos y ritos andinos establecen paralelos entre el ciclo de los astros, de
las estaciones, del crecimiento de las plantas cultivadas y el de la vida de los hombres.
Se transmiten y celebran en forma colectiva en momentos determinados del ciclo
anual, según el calendario ceremonial, y en forma privada, según las circunstancias de
vida de cada individuo. (Hocquenguem, 1987: 24)
Hocquenguem (1987: 26) organiza sua análise iconográfica de acordo
com os ciclos calendáricos, fazendo uma relaçao direta entre calendário
cerimonial e calendário agrícola. Segundo ela os ritos de nascimento e
“adultez” correspondem ao solstício de junho, momento de descanso da terra e
renascimento do ciclo anual. A puberdade se festeja com o solstício de
dezembro, início da estação úmida e época do crescimento das plantas. A
morte, por sua vez, se festejaria no equinócio de março, quando secam as
plantas e começa o ciclo de inversão da ordem.
Por tudo o que foi aqui colocado, os conceitos de dualismo, encontro,
ancestralidade, morte e renovação e energia vital devem ser levados em
consideração nas interpretações iconográficas, visto que foram materializados
na arte andina em geral e mochica em particular:
A importância da cosmovisão nos estudos ameríndios está, essencialmente, no
fato de que estes conhecimentos, obtidos e gerenciados pelas mais altas hierarquias
da sociedade, efetivamente passam a nortear a organização interna dos grupos e a
produção material. Desta forma, as relações de poder intrasocial, o gerenciamento dos
recursos naturais, a organização do culto e do trabalho especializado se pautavam, na
América Pré-Colombiana, pelas linhas mestras dos ciclos calendáricos e dos
fenômenos naturais que regiam a cosmovisão ameríndia. A cosmovisão, portanto, não
constitui uma série de conhecimentos que reverberam apenas no plano ideológico das
sociedades ameríndias ou na epistemologia da ciência antropológica. Ela participou
ativamente da organização e manutenção das sociedades pré-colombianas e
influenciou a produção material ditando conceitos que foram incorporados a estilos de
arte nada aleatórios e, ao contrário, muito bem prescritos por classes consolidadas no
poder. (La Chioma, 2012: 62)
Estes conceitos, os quais voltaremos a referenciar e discutir ao longo da
tese, conformam uma das mais importantes bases de sustentação das
24
interpretações iconográficas do material andino, e são também utilizados
largamente pelos musicólogos que trabalham na região. Sua materialização no
aparato ritual mochica seguramente influenciou na caracterização dos músicos
representados na arte. Por esta razão, nesta pesquisa os músicos não foram
simplesmente classificados por seus attibutos ou instrumentos, mas também
por sua pertença simbólica a um ou outro plano da existência, como será
detalhado a seguir.
I.V. Perfil dos dados e Critérios de Análise
Nosso corpo de dados é composto primordialmente por artefatos de
cerâmica com representações iconográficas, sejam escultóricas ou pictóricas,
de músicos. Estas peças se encontram sob a guarda de museus e acervos de
todos os tipos, desde grandes instituições, como Universidades e Arquivos, até
coleções particulares. Foi analisada para esta tese um total de seiscentas e
cinco (605) peças, muitas delas contando com mais de um músico
representado. As peças analisadas presencialmente pertencem principalmente
aos seguintes museus: Museu Arqueológico Rafael Larco Herrera (Lima),
Museu de Arqueologia, Antropologia e História do Peru (Ministério de Cultura
do Peru, Lima), Museu de Arqueologia do Centro Cultural da Universidade
Nacional Maior de San Marcos (Lima), Museu de Arqueologia da Universidade
Nacional de Trujillo (Trujillo), Museu de Sítio Huacas de Moche (Projeto
Arqueológico Huacas de Moche, Trujillo), Museu Cassinelli (Trujillo), Museu de
Sítio Huaca Cao (Trujillo), Museu Bruning de Lambayeque, Museu Tumbas
Reales de Sipán (Lambayeque), Museu de Sítio Huaca Rajada Sipán
(Lambayeque), Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (São Paulo), Museu
de América (Madri) The Metropolitan Museum of Art (Nova York), American
Museum of Natural History (Nova York) e Dumbarton Oaks Research Library
and Collection (Harvard, Washington D.C). Outros museus foram consultados
eletronicamente, como o Museu Etnográfico de Berlim, Museu Fowler de
História Cultural (Los Angeles), o Museu de Gotenburgo (Gotenburgo, Suécia)
etc.
A costa peruana tem sido, por séculos, alvo de saqueios de tesouros
arqueológicos
conhecidos
como
huaqueos.
Além
disso,
escavações
25
arqueológicas no século XIX e início do XX não eram tão rigorosas quanto
atualmente e, mesmo sendo salvaguardadas por expedições oficiais, muitas
peças não foram registradas como deveriam. Em razão das características
naturais da costa peruana, muitas dessas peças foram encontradas em
prospecções de superfície nos áridos desertos, sem a necessidade de
escavações mais profundas. Todas estas práticas legaram um patrimônio
imenso de peças arqueológicas a museus e instituições do Peru e do mundo
todo, todas sem contexto de escavação ou informação de proveniência. As
iconografias das regiões costeiras peruanas são em geral figurativas e
extremamente ricas em diferentes temas, com representações de seres
sobrenaturais, indivíduos de poder, animais, cenas complexas, etc (por
exemplo Paracas, Nasca, Cupisnique, Moche, Chimú, Lambayeque, Chancay
etc.). De modo que nosso corpo de dados se caracteriza por peças com
iconografia altamente figurativa e sem proveniência de escavação. Esses
dados, que se acumularam por anos em coleções, têm imenso potencial para
explicar aspectos da arte e da sociedade mochica, inclusive a música, como
defendemos nesta tese.
O perfil de nossos dados nos leva naturalmente a um posicionamento
teórico-metodológico semiótico, centrado na interpretação da iconografia
mochica e nas análises da cosmovisão. Como veremos no Capítulo II, apenas
um especialista em arqueologia andina tem aplicado as teorias da agência ao
material mochica (Jeffrey Quilter).
A nosso ver, a ausência de informações de proveniência de nossos
dados limita e até mesmo impede a abordagem do material sob a perspectiva
da agência, visto que não temos o registro da história de vida desses artefatos,
fundamental, segundo Gell, para este tipo de análise. Acreditamos sim que os
artefatos mochicas têm potencial para serem analisados sob perspectivas da
agência, tendo uma posição fundamental nas relações de mediação entre
pessoas e grupos, porém, a perspectiva semiótica responde com maior
eficiência a nossas perguntas sobre o papel social e simbólico dos músicos e
dos instrumentos sonoros, como será demonstrado ao longo desta tese. Toda
a nossa análise está fundamentada em uma metodologia semiótica, bem como
nas cosmovisões andinas e nos aspectos simbólicos do material estudado,
26
como por exemplo as relações com o mundo sobrenatural e o significado dos
diferentes tipos de suporte artefactual.
I.V.I. Objetivos Específicos
Os objetivos da pesquisa têm como ação preliminar o levantamento de
artefatos arqueológicos mochica contendo representações iconográficas de
músicos e, em menor grau, instrumentos sonoros. De forma concisa são eles:
a) A análise iconográfica e classificação destes dados com base em
uma metodologia semiótica a ser detalhada neste capítulo;
b) A identificação dos tipos de músicos e de performances musicais
encontrados na iconografia mochica;
c) A compreensão sobre os papéis sociais e simbólicos dos músicos
na iconografia mochica, buscando compreender em que épocas e
vales estas representações se tornam mais fortes;
d) Uma discussão mais ampla sobre os músicos e a produção
sonora na sociedade mochica, relacionando-os com os preceitos
das ontologias andinas.
I.V.II. Metodologia de Análise e Critérios de Classificação
Nossa metodologia de análise se fundamenta em uma perspectiva
semiótica, sob a qual uma análise sistemática de artefatos arqueológicos
mochica contendo representações iconográficas de músicos é realizada
organizando e comparando e rearranjando as partes mínimas da composição
visual, como demonstrado nos critérios a seguir:
1. Os músicos foram, primeiramente, classificados de acordo com seus
atributos de poder e características físicas, bem como outros
elementos suplementares associados a esses personagens. Grupos
de músicos com os mesmos atributos foram formados, e então
relacionados com o restante dos personagens do corpus iconográfico
mochica.
27
2. Em um segundo arranjo, baseado nos instrumentos tocados pelos
personagens, foram observadas as associações de determinados
personagens da iconografia mochica com instrumentos sonoros
específicos.
3. A morfologia do suporte artefactual foi o terceiro tópico de análise. As
representações iconográficas não eram feitas aleatoriamente na arte
mochica. Nós podemos notar uma clara associação entre certos tipos
de suporte e certas cenas, narrativas ou personagens (Golte, 2009:
82). Portanto, temos observado que tipos específicos de músicos
estão representados em estatuetas, vasos de alça estribo, cântaros
etc.
Seguindo os critérios descritos, ao final da análise ficaram muito claros
grupos de músicos com os mesmos atributos, tocando os mesmos
instrumentos e representados nos mesmos tipos de suporte artefactual. Eles
foram, então, divididos em três principais grupos de acordo com a cosmovisão
andina com o objetivo de permitir a discussão sobre os papéis sociais e
simbólicos dos indivíduos. Os princípios da cosmovisão associados aos tipos
de músicos encontrados determinaram a organização dos três principais
grupos, que conformam por sua vez os capítulos desta tese: os Músicos
Oficiais, os Músicos Sobrenaturais e os Músicos Mediadores. Estes grupos
foram, por sua vez, divididos em subcategorias, resultando no quadro a seguir,
composto por todas as categorias encontradas em nosso estudo:
28
I.
Músicos Oficiais
I.A. Sacerdotes Guerreiros / Sacerdotisas
I.B. Acompanhantes e Anunciantes
II.
Músicos Sobrenaturais
II.A. Divindades
II.B. Animais
II.C. Plantas
II.D. Cadavéricos e Mortos
II.D.1. Danças do Inframundo
III.
Músicos Mediadores
III.A. Cegos e Mutilados
III.B. Xamãs e Curandeiros
III.C. Outros Músicos Mediadores
Ao final, os grupos foram discutidos em relação a dados arqueológicos
ou etnohistóricos, visando aprofundar as interpretações acerca dos papéis
sociais e simbólicos dos músicos.
I.VI. Premissas
Trabalhamos com duas principais premissas em nossa investigação:
Primeira Premissa: Relacionar os músicos a todo o repertório
iconográfico mochica.
Com o objetivo de compreender os papéis dos músicos e instrumentos
sonoros na sociedade mochica, as análises não devem recair apenas sobre as
representações iconográficas de músicos. Melhor dizendo, a análise das
representações musicais não deve estar isolada de todo o restante do corpus
iconográfico mochica, bem como das informações sobre escavações
arqueológicas ou estudos mais gerais sobre organização espacial, paisagem,
relações de poder e cosmovisão. Esta foi uma das premissas de Hocquenguem
(1987: 22) em seu clássico estudo sobre a iconografia mochica, já que uma
29
única imagem só tem significado quando analisada em conjunto com a
estrutura, isto é, o todo da iconografia mochica, como também sustenta
Bourget:
Ideally, because of the interrelationships between these two broad themes and
the rest of the iconography, they cannot and should not be isolated from the rest of the
corpus to be studied productively and understood correctly, as this would run the risk of
obscuring the meaning of these scenes and rendering the resulting analyses
misleading. It would thus appear that selecting one or two themes and treating them
somewhat separately would constitute if not an impossible project, most probably a
fruitless one. Keeping this caveat in mind, I would nevertheless propose that the cluster
of scenes loosely associated with sexual representations, and the second one
apparently depicting funerary activities, can be studied together. Indeed, their analysis
will show that these scenes often portray similar actors and activities, suggesting that
they may have been perceived as conceptually and cognitively related. (Bourget, 2006:
10)
Por muito tempo as análises da música estiveram isoladas dos estudos
mais amplos sobre a sociedade mochica. Alguns trabalhos recentes têm
começado a atentar para estas relações, como os de Mirian Kolar (2012) e
Diane Scullin (2015), os quais avaliam os aspectos acústicos dos espaços
construídos em Chavín de Huantar e na Huaca de la Luna, respectivamente.
Estas análises consideram os estudos arquitetônicos, espaciais, políticos e
cosmológicos das sociedades estudadas para compreender a produção sonora
e as performances musicais.
Em nossa investigação, particularmente, propomos manter um diálogo
constante dos músicos encontrados com todo o repertório iconográfico mochica
e os informes e relatórios dos principais projetos arqueológicos responsáveis
pelas escavações nas grandes huacas, bem como com os estudos das
ontologias andinas. Sob esta ótica, músicos deixam de ser somente “músicos”
e passam a ser governantes, figuras de poder, divindades e outros
protagonistas da iconografia que, aparentemente, não manifestam conexões
específicas com temas musicais.
30
Segunda Premissa: A utilização do conceito de Personalidades
Iconográficas ou Personas Sociais para orientar a identificação de personagens
A grande quantidade e sofisticação de artefatos de prestígio e atributos
de poder normalmente presentes tanto nos contextos funerários quanto na
iconografia indicam uma grande variedade de papéis de autoridade no mundo
Moche. Indivíduos e personagens específicos podem ser identificados na
iconografia com base na combinação de seus elementos e atributos de poder.
Tais elementos conferem a esses indivíduos qualidades e poderes de
divindades e ancestrais que fazem parte do sistema de crenças mochica, como
sustenta Golte:
No cabe duda de que para los moche existía una serie de “seres de poder
”que poblaban sus mitos y los esquemas de un mundo construído en oposiciones
complementarias entre los espacios y tempos. La forma más simple de reconocer en
las pinturas y esculturas a los “seres de poder” (kamaq en quéchua) o a las
divinidades, es por medio de los atributos con los cuales aparecen en los íconos (...) si
uno quiere entender la lógica de las representaciones, es imprescindible su
identificación y la de sus atributos. (Golte, 2009: 69)
Estas associações precisas de atributos levaram Makowski (1996: 17) a
trabalhar com o conceito de personalidade iconográfica, mais tarde utilizado
por Bourget (2008: 263) com a denominação de persona social. Sob esta
abordagem, a ser detalhada no Capítulo III, se distinguem os papéis sociais
específicos de personagens da iconografia ou encontrados em contextos
funerários.
Makowski (2010), Donnan (2012) e Bernier (2010) têm debatido como a
suntuosa materialidade manteve um papel importante em identificar, manter e
legitimar as autoridades destes indivíduos, permitindo que conduzissem e
participassem nos ritos mochicas mais importantes:
Texts reveal that many social roles and functions were associated with specific
garments and adornments. Individuals like priests, priestesses, warriors, or
messengers were signified by particular headdresses and precious ornaments (…).
(Bernier, 2010: 91-92)
31
Desta maneira, veremos ao longo desta tese como o conceito de
persona social, que se usa geralmente para definir um indivíduo de alto status,
mas que pode também caracterizar um ser sobrenatural, um animal ou até
mesmo um tubérculo, pode ser usado para identificar os músicos encontrados
na iconografia mochica.
Antes de adentrar o próximo capítulo, gostaríamos de ressaltar que, ao
pressupor análises iconográficas da música como parte de seu conjunto de
interesses disciplinares, a Etnoarqueomusicologia permite aos acadêmicos que
queiram partilhar de sua conjuntura certa autonomia disciplinar e metodológica
na análise de suas fontes. Por esta razão, propomos nesta tese não só a
análise iconográfica e a compreensão dos papéis sociais dos músicos no
universo mochica, mas também a convergência de dois esquemas teóricometodológicos
que,
ao
se
complementarem,
podem
trazer
grandes
contribuições à compreensão da música no passado pré-hispânico: a
Etnoarqueomusicologia e a Semiótica. Esta última, por sua vez, se faz presente
tanto no sentido teórico, de viés estruturalista e inserida na discussão teórica
da Arqueologia Cognitiva e Pós- Processual, que consideram as subjetividades
próprias da leitura que cada arqueólogo empreende das suas fontes, quanto
como uma ferramenta metodológica de análise semiológica, na qual os
mínimos elementos das imagens são verificados e reagrupados a todo
momento para dar sentido à narrativa construída a partir dos dados. É dentro
deste contexto teórico-metodológico que se desenvolverá a leitura dos nossos
dados.
32
Capítulo II
Contextualização do Mundo Mochica
El
mochica
se
nos
revela
como
el
dominador de todas las técnicas del arte,
hasta
del
modelador
mismo
insigne,
arte
industrial.
escultor,
Es
tallador,
grabador, repujador, entre muchas otras
cosas. Producto de su arte y de su industria
es todo lo que palpita y deslumbra en los
museos y lo que contiene el relato gráfico
de su gloriosa vida. (Rafael Larco Hoyle,
1938)
II. I. Panorama e Localização
Os mochicas (também conhecidos como os moche) ocuparam a parte
norte da costa peruana e formaram a maior organização sócio-política da
região andina durante o período Intermediário Inicial (100 a.C - 600 d.C) 4. As
ocorrências
arqueológicas
associadas
a
esta
cultura
se
situam,
aproximadamente, entre o início da era cristã até cerca do século IX d.C, já
então numa fase tardia associada à influência serrana do Horizonte Médio
(Huari) (La Chioma, 2012: 30).
Apesar de desértica, a costa norte do Peru apresenta uma série de vales
férteis de norte a sul, formados pelos principais rios que descem a cordilheira
dos Andes, cortando de leste a oeste a serra e a costa. Esta configuração
geográfica permitiu o desenvolvimento de zonas de cultivo e uma agricultura
4
Intermediário Inicial é a terminologia cunhada por John Rowe (1945; Rowe apud Joffré, 2005)
e geralmente utilizada em Arqueologia Andina para se referir a uma época em que os
regionalismos, caracterizados por uma pronunciada territorialização foram mais acentuados na
área centro-andina, durante a qual as diversas populações espalhadas pela costa e cordilheira
desenvolveram técnicas muito particulares de construção arquitetônica, irrigação, produção
artefactual, organização política e religiosa etc. (Silverman & Proulx 2002: 12), (como por
exemplo, Moche, Nasca e Recuay).
33
baseada em um consistente sistema de irrigação, desenvolvido pelos povos da
região desde o Período Formativo (aproximadamente 1000 a.C a 100 d.C) e
incrementado na época mochica. Os vales ocupados pelos mochicas de norte
a sul foram Lambayeque, Jequetepeque, Chicama, Moche, Virú, Chao, Santa e
Nepeña.
Fig.II.1. Mapa da costa norte peruana mostrando a ocupação Mochica nas esferas norte e sul,
ambas separadas pelas Pampas de Paiján, entre Chicama e Jequetepeque. Imagem: Castillo &
Donnan, 1994: 10.
34
II.II. Poder e Organização Sociopolítica
O conhecimento sobre o mundo Moche foi construído paulatinamente,
desde o final do século XIX, com base em uma grande quantidade de vestígios
arqueológicos encontrados na costa norte, atribuídos ao período Intermediário
Inicial. Muitos pesquisadores, encaminhando projetos maiores ou menores de
investigação, basearam suas inferências, fundamentalmente, sobre três tipos
de evidências: técnicas específicas da arquitetura em tijolos de adobe adotada
nos grandes centros político-religiosos (Shimada, 2010: 70), os padrões de
enterramento das elites e os padrões deposicionais dos vestígios cerâmicos
escavados em diversos contextos arqueológicos, rituais ou domésticos, bem
como
encontrados em
áreas
de
refugo.
Paralelamente,
os
estudos
iconográficos da cerâmica ritual musealizada trilharam uma história de
pesquisa muitas vezes apartada dos dados arqueológicos de campo, na
análise de historiadores da arte, artistas plásticos e antropólogos, sendo alvo
de
interpretações
pouco
associadas
aos
contextos
estudados
pelos
arqueólogos ou mesmo à arqueologia de cunho histórico culturalista (Quilter &
Castillo, 2010: 1).
As categorias iconográficas postuladas pelos primeiros trabalhos
(Donnan, 1975; Benson, s/d; Hoqcuenghem, 1987) partiam de uma repetição
“coerente” e dicotômica que separava as representações de seres humanos
dos sobrenaturais, a partir da identificação dos atributos individuais observados
nas vasilhas escultóricas ou nas narrativas visuais presentes nos bojos dos
vasos cerâmicos, que eram passadas para planos bidimensionais para fins
didáticos. Aos olhos dos primeiros investigadores, esta era uma produção de
perfil “estatal”, o que Michael Moseley denominou como “estilos corporativos”
(corporate style). 5
Todas essas evidências e contextos arqueológicos levaram os
arqueólogos, a partir da primeira metade do século XX, a atribuir aos mochicas
uma organização estatal, como defendido por Rafael Larco (1938).
5
O termo de Moseley, corporate styles, refere-se a estilos de arte produzidos dentro de um
contexto, se não estatal, ao menos com condições ideais para experiências políticas comparáveis
a estados e confederações. Essa arte era produzida com fins políticos e religiosos, com um forte
controle do trabalho dos artesãos por parte das elites (Silverman & Proulx, 2002).
35
Larco foi o primeiro arqueólogo peruano a estudar os artefatos atribuídos
aos mochicas (1938) e difundiu, inicialmente, a hipótese de que eles teriam se
organizado na forma de um Estado unificado, decorrente de um curso histórico
sem inflexões, com origem no período Formativo (segundo Larco, herdeiro da
tradição Cupisnique). Por essa perspectiva, o Estado Moche teria se
desenvolvido de forma linear, com um perfil de evolução progressiva, de longa
duração, tanto na produção material quanto na organização do espaço, nas
funções cerimoniais e em outras esferas da vida social (Castillo, 2006: 126). Os
postulados de Larco foram claramente influenciados pelo momento históricoculturalista em que se encontrava a disciplina arqueológica em seu período de
atuação, tendo sido as semelhanças estilísticas e a posição estratigráfica de
artefatos cerâmicos suas mais importantes ferramentas metodológicas de
trabalho. O estilo mochica conformava, para ele, uma entidade cultural. Sua
maior contribuição foi sem dúvida a cronologia cerâmica mochica (baseada
quase que exclusivamente em dados dos vales de Moche a Nepeña, na região
Moche Sul). Esta classificação 6 segue como referência para a grande maioria
dos trabalhos de investigação centrados na cerâmica proveniente da esfera
Moche-Sul (Pillsbury, 2006: 11), tanto porque até o presente a cronologia da
cerâmica mochica não foi refinada, quanto porque os trabalhos mais recentes
atestam a legitimidade da ordenação de Larco para os vales de Moche,
Chicama e Virú.
As evidências arqueológicas levantadas nas últimas três décadas não
sustentam mais a hipótese de Larco (Castillo & Uceda, 2007: 2). Os trabalhos
arqueológicos feitos na costa norte a partir da década de 80 do século XX
mostraram nítidas particularidades arquitetônicas, tecnológicas, estilísticas e
iconográficas (especialmente com relação às produções cerâmica e metalúrgica)
em cada um dos oito vales que conformavam o mundo Moche, levando os
especialistas a questionarem o modelo de Estado Unificado de Larco (Castillo &
Donnan, 1994: 144). As descobertas em Vicús (Vale de Piura, extremo norte do
Peru), Pacatnamú e Dos Cabezas (Vale de Jequetepeque) foram decisivas em
6
A discussão sobre os estilos cerâmicos produzidos nas esferas Moche Norte e Moche Sul
será retomada na p. 63.
36
mostrar a heterogeneidade presente entre os Mochicas7, especialmente porque
os achados cerâmicos desses sítios não se encaixavam na sequência
cronológica elaborada por Larco.
Para Castillo (2006, 2010) é clara a divisão entre a esfera sul e a esfera
norte da costa norte peruana, geograficamente separadas pelas Pampas de
Paiján. Esta barreira natural permitiu que as duas áreas desenvolvessem
algumas diferenças culturais e estilísticas desde os períodos pré-mochica,
mesmo que as semelhanças superassem as diferenças levando à formação de
uma unidade político-religiosa no Intermediário Inicial, tendo passado por uma
separação cultural mais visível nos períodos denominados Intermediário Médio e
Intermediário Tardio.
Os estudos mais recentes têm contemplado diversos sítios e huacas,
atentando para enterramentos de personagens de elite, padrões arquitetônicos
e urbanísticos, estudos dos canais de irrigação e da distribuição hidráulica,
análises iconográficas e tecnológicas da cerâmica e dos metais encontrados
tanto em contextos arqueológicos quanto em coleções de museus. A arte já
não tem sido analisada separadamente, mas em conjunto com os dados
provenientes de contextos de escavação. Esta nova abordagem contextual tem
contribuído, ao longo das últimas três décadas, para um entendimento mais
integral da sociedade mochica, marcando um amplo avanço na compreensão
da organização sócio-política e inaugurando um novo momento iniciado pelas
escavações de Huaca Rajada / Sipán, no Vale de Lambayeque, em 1987, que
culminou na chamada Nova Era da Arqueologia Mochica (Castillo & Quilter
2010:1), marcada pela expansão da interdisciplinaridade e um maior diálogo
entre os estudos iconográficos e os estudos de campo (ibid.). Este novo quadro
também tem levado a discussões sobre a natureza da organização política
Moche, e se esta configuraria, de fato, um Estado (Castillo & Quilter, 2010).
Se por um lado, alguns elementos considerados típicos de organizações
estatais aparecem na evidência arqueológica mochica, por outro, têm-se
encontrado no registro arqueológico elementos que atestam fragmentações e
regionalismos na costa norte peruana deste período. No caso da arquitetura
monumental, por exemplo, algumas características construtivas de populações
7
O detalhamento e os resultados das escavações foram publicados em Castillo & Uceda,
2007.
37
locais estão presentes nos edifícios mochica mais afastados da região
Moche/Chicama, considerada a região central do “Estado Moche Sul”. Segundo
estudos recentes (Chapdelaine, 2010; Millaire, 2010; Billman, 2010; Wright,
2010), as populações periféricas não foram completamente submetidas pelos
mochicas, visto que muitos de seus padrões de enterramento, produção
cerâmica
e
arquitetônica
continuavam
presentes,
e
em
ocorrência
concomitante, com o material Moche considerado “oficial”. Em alguns casos
esta situação é extremamente confusa, como em Huancaco (Bourget, 2010:
209-211) onde o material arqueológico atribuído a Gallinazo, tradição local do
vale de Virú contemporânea a Moche, ocorre associado de forma tão
equilibrada aos artefatos mochicas que não se pode inferir controle político
direto dos vales de Moche/Chicama sobre o vale do Virú (ibid).
Os estudos mais recentes apontam, assim, que a presença de
arquitetura monumental mochica nos vales periféricos não é suficiente para
demonstrar o controle regional centralizado a partir de uma configuração
política de moldes “estatais”. Em outras palavras, dados arqueológicos
provenientes da arquitetura monumental por si só não têm levado os
investigadores a apreciações conclusivas sobre a existência de um Estado
Moche (Castillo et al, 2008, Quilter e Koons 2012; Arcuri 2014).
Os únicos elementos que parecem ser idênticos em todos os vales são
os atributos de poder das elites enterradas e encenadas na iconografia, alguns
elementos iconográficos que demonstram poder, como armas de guerra,
personagens decapitados ou prisioneiros, bem como “divindades universais” do
mundo Moche, como Ai Apaec, chamado por Golte (1994, 2009) de Divindade
Intermediadora. Por esta razão Donnan (2010: 47) é assertivo quanto à
importância do culto e das elites para a unificação do mundo Moche, mais que
qualquer outro elemento. Portanto, é sumamente importante levar em
consideração os modelos da cosmovisão andina, e particularmente mochica,
para compreendermos melhor essa sociedade e, para nosso objetivo particular,
sua relação com a música.
Pensar Moche como uma unidade monolítica não tem mais sentido em
vista
dos
novos
dados
levantados,
especialmente
se
levarmos
em
consideração as grandes diferenças existentes entre os vales ao norte e ao sul
de Jequetepeque. É importante que, a partir de agora, as particularidades
38
regionais nos permitam pensar em novas categorias de análise sobre o
universo sociopolítico mochica, que deve ser entendido a partir das
cosmologias, à luz do estudo das organizações sociais ameríndias (Arcuri
2007, 2011, 2012). Para o caso mochica, vem sendo pensado um novo modelo
de organização com base nas evidências arqueológicas apresentadas
recentemente (Castillo &Quilter, 2010).
Esta discussão será importante na medida em que buscarmos
compreender a relação dos instrumentos sonoros e seus portadores no mundo
Moche com base nos pilares do poder e da cosmovisão. Estas relações serão
construídas ao longo desta tese.
II.II.I. As elites e seu papel cerimonial
Ao longo das últimas décadas a Arqueologia Mochica tem encontrado
cada vez mais evidências da relação intrínseca entre os artefatos descobertos
em contextos funerários atribuídos às elites e a identificação destes
personagens na iconografia da cerâmica ritual. Os indivíduos representados na
iconografia dos vasos rituais têm sido paulatinamente encontrados em
contextos de escavação, exatamente com a mesma associação de atributos de
poder e as mesmas indumentárias. São os casos dos enterramentos de Sipán,
San Jose de Moro, El Castillo, Pampa Grande, Huaca Cao Viejo etc. (Donnan,
2010: 47-66; Arcuri, 2014).
No auge do período Médio (200 a 450 d.C) (Billman, 2010: 185), figuras
de poder, sejam elas pertencentes ao mundo natural ou a divindades e outros
seres “extraordinários”, paramentadas com uma série de atributos, assumem
maior destaque na iconografia dos vasos rituais e dos centros cerimoniais. Uma
das narrativas mais conhecidas e estudadas deste período é a Cerimônia do
Sacrifício (Donnan, 1975), reproduzido na prancha 6.
Como se observa na imagem, as figuras de status elevado podem ser
identificadas na iconografia a partir de uma composição de determinados
elementos iconográficos ou atributos de poder, na configuração de seus
toucados, capas, ou na própria taça – artefato que foi encontrado na tumba do
sacerdote, que a apresenta ao Senhor de Sipán, nas escavações da Huaca
Rajada – bem como elementos que lhes conferem uma identidade predatória
39
“sobrenatural”, como as presas (Makowski, 2000:279, Alva 2006:27, AlvaMeneses 2006:148). Os vários elementos dotam os seres com qualidades e
poderes que estão presentes em divindades conhecidas do repertório
iconográfico Mochica e bastante discutidas na bibliografia especializada
(Donnan, 1978, Donnan&McClelland, 1999; Hocquenghem, 1987; Castillo,
1989, 2000; Golte, 1994, 2009; Makowski, 1994, 1996, 2000; Bourget, 2006;
Jackson, 2008), como a Divindade Intermediadora, o Ajudante Iguana, o
Guerreiro Coruja etc. Neste sentido, divindades compartilham seus atributos e
poderes mágicos com seres humanos de posição hierárquica importante que
comandam os rituais públicos encenados nas huacas, pois os eventos
cerimoniais deveriam estar atrelados a uma narrativa mítica que sustentasse e
legitimasse o poder destas elites (De Marrais et.al., 1996: 17):
Nas cerimônias moche cada segmento da sociedade detinha um papel que
refletia sua posição no panteão Moche de divindades e seres sobrenaturais. Apenas
elites de alto status poderiam assumir. (De Marrais et.al., 1996: 17)
Estas associações levaram Makowski (1996: 17) a usar o termo
“personalidades
iconográficas”,
referindo-se
a
personagens
específicos
identificáveis por uma associação muito coerente de seus atributos não apenas
na iconografia, mas também nos enterramentos. Makowski estabeleceu este
conceito para se referir a personagens da iconografia que cumprem papéis
sociais específicos e protagônicos relacionados a determinadas cerimônias e
cultos oficiais, reconhecíveis também nos contextos funerários por uma
associação sumamente coerente entre seus atributos. Donnan (2010: 51) e
Bourget (2006: 235; 2008: 262) utilizam o mesmo conceito, porém empregando
a expressão “persona social” (social persona). Autores como Alva, Golte,
Makowski e Hocquenghem nomearam cada um destes personagens (Gêmeos,
Sacerdote Guerreiro, Divindade Intermediadora) outros (Berezkin, Donnan,
Bourget) os identificaram com letras (personagem A, personagem B, C, D, E e
F). Este tema será retomado, e tais personagens apresentados e discutidos no
Capítulo III, referente aos músicos do âmbito oficial.
Os atributos das elites e sua atuação cerimonial são características da
sociedade Moche que levaram muitos especialistas a avaliarem sua
40
configuração política como de caráter estatal, principalmente a partir das
escavações de Sipán, já que a opulência demonstrada por estas elites através
de sua materialidade suntuosa levava a acreditar em uma espécie de “realeza”
(Marcelo Campano, comunicação pessoal, 2013). Faltava, entretanto, saber se
um dos traços característicos de uma “realeza”, o parentesco entre os
membros das elites, estava mesmo presente nesta sociedade (ibid.).
Estudos de DNA nos remanescentes humanos de Sipán mostraram uma
relação de matrilinearidade entre o Senhor e o Velho Senhor (Alva Meneses,
2006: 146). O poder era, portanto, relacionado à ascendência e à
ancestralidade, visto que a organização parental é uma característica
importante das sociedades ameríndias:
Podemos supor (...) que os governantes mochicas ritualizavam os mitos
enquanto representantes das divindades. Os sinais de desgaste descobertos
nos objetos das tumbas de Sipán indicam seu uso contínuo, como símbolos de
poder e exercício de autoridade divina baseada na linhagem. As análises de
DNA efetuadas indicam uma descendência matrilinear entre o Velho Senhor e
o Senhor (Alva Meneses, ibid).
Como apontado anteriormente, a religião sustentada por estas elites era
o elemento unificador mochica por excelência (Makowski, 2001: 175; Donnan,
2010: 47): os rituais e os personagens de poder representados pelas elites que
os oficiavam eram as únicas características comuns a todos os vales. Por mais
que se modificassem características de construção arquitetônica, estilo
cerâmico, tradições iconográficas e o grau de ocorrência do material moche em
relação a evidências de grupos locais, os atributos das elites de poder políticoreligioso encenadas na iconografia não variavam nos contextos arqueológicos
dos mais diversos vales (ibid.). Desta forma os dados arqueológicos apontam
para a confirmação do compartilhamento de pressupostos de uma cosmovisão
comum por elites de poder que dominaram os distintos vales Moche.
41
II. III. Os Estudos da Cerâmica Ritual
A cerâmica e os metais sempre foram elementos extremamente
valorizados pelo olhar ocidental. Dentre os artefatos que compõem a
materialidade mochica, estes particularmente se tornaram artigos de desejo de
colecionadores e museus desde o século XIX, se convertendo em objeto de
estudo para um enorme grupo de estudiosos ao longo dos últimos dois séculos.
Seus atributos estilísticos e sofisticada tecnologia de produção proporcionam à
“arte mochica” um apelo estético inquestionável que, juntamente à enorme
quantidade
de
artefatos
disponíveis
para
investigação,
foram
causa
determinante para a criação de um campo de estudos fértil e uma abundante
produção bibliográfica a respeito de suas temáticas iconográficas.
A cerâmica à qual nos referimos aqui não constitui o material utilitário de
uso diário. Os contextos escavados (huacas 8 e enterramentos) e a própria
iconografia mostram que seu emprego estava restrito à esfera ritual. Esta
cerâmica apresenta maior sofisticação no preparo da pasta e na decoração do
que a cerâmica de uso doméstico:
Evidence suggests that, prior to inclusion in burials, fineware ceramics
functioned in various facets of ritual life. Such ceramics usually show some signs
of relatively light wear or occasional use. Scarcity in contexts other than religious
or funerary attests to a dedicated purpose, even though fragments of fineware
ceramics are sometimes discovered in household midden and other locations.
(…) Fineware ceramics were usually included in tombs as part of a larger suite of
burial items. The circunstances of particular burials make it clear that certain
kinds of messages were being transmitted about wealth status and, most likely,
the social affiliation of the deceased person (Jackson, 2008: 38).
O aparato cerâmico ritual mochica, encarregado de transmitir uma série
de conceitos e mensagens provenientes das altas esferas do poder político e
8
A palavra huaca tem sido utilizada, nos estudos históricos, arqueológicos e antropológicos
andinos, para designar tanto as construções arquitetônicas em adobe de caráter
administrativo/religioso, quanto o conceito abstrato de sagrado: o sagrado se expressava com o
vocábulo huaca que continha uma variedade de significados (Rostworovski, 2000: 11). Também,
a palavra huaco pode referir-se aos artefatos arqueológicos.
42
religioso, era constituído por diferentes tipos de vasilhas, sobressaindo-se os
vasos de alça estribo e os cântaros escultóricos. Até o presente não foram feitos
estudos específicos para verificar se as vasilhas de alça estribo e alça lateral
eram utilizadas para conter líquidos, e de quais tipos. Weismantell & Meskell
supõem que elas poderiam conter chicha:
There is a tight connection between these material contexts of deposition and
circulation, and the substances that ceramics were designed to contain. The forms of
these ceramics, primarily bottles and drinking bowls, indicate their use as containers of
water, presumably both in its unadulterated form as well as in the form of fermented
beverages, known in Andean studies as chicha (…). Scientific data does not exist to
specifically demonstrate whether the elite ceramics found in Moche tombs contained
liquids made through fermentation. (Weismantell & Meskell, 2015: 242)
A seguir detalharemos as características morfológicas e cronológicas da
cerâmica ritual.
II.III.I. Características formais e fases 9 cronológicas da cerâmica Mochica
A característica mais marcante da cerâmica mochica é a alça em formato
de estribo, que constitui sua forma mais comum (fig. II.2). Este elemento foi um
dos parâmetros mais importantes para que Larco criasse sua sequência
cronológica de cinco fases para a cerâmica (Anticona, 2000: 29). Esses vasos
podem ser escultóricos e/ou pictóricos. Os primeiros são geralmente modelados
em diversos formatos representando seres míticos, zoomorfos, antropomorfos,
fitomorfos, construções arquitetônicas, dentre uma infinidade de outros motivos.
Nos pictóricos, o bojo do vaso é geralmente arredondado e em seu redor há
cenas pintadas ou em relevo que se tornam mais complexas nas fases tardias
(correspondentes às IV e V de Larco).
9
Apesar de estas fases cronológicas serem fruto de uma abordagem histórico-culturalista ao
material mochica feita por Rafael Larco na primeira metade do século XX elas ainda são
bastante utilizadas pelos arqueólogos que trabalham na área moche, como explicado ao longo
deste tópico (II.III.I).
43
Fig. II.2. Rafael Larco
utilizou a alça estribo e
o tubo que leva ao
gargalo
como
base
para criar uma espécie
de
diagnóstico
fases
da
Mochica.
das
cerâmica
Acima,
esquema das fases de
Larco.
Em
Pillsbury,
2006: 13.
Há outros formatos presentes no conjunto de recipientes rituais mochicas,
como os vasos campanulados (também chamados de floreros, ver prancha 71),
pratos, cancheros (fig. II.3), etc. Segundo Donnan (1992: 59), os ceramistas
mochicas cunharam a técnica do molde no mundo andino. Geralmente cada
molde correspondia à metade do bojo, formando o vaso com duas peças. A
cerâmica era pintada antes da queima, em atmosfera oxidante e a decoração
se caracterizava pela bicromia em vermelho e branco, que podia ser dada pela
pintura ou também pela cor natural da queima da pasta.
44
Fig. II.3. Canchero. Museu Larco, Lima (ML000552)
As
artefatuais
representações
mochicas,
iconográficas
como
em
aparecem
cerâmica,
em
metais,
vários
tecidos
suportes
e
murais
policromados de estruturas arquitetônicas. Entretanto, os estudos iconográficos
aos quais nos referimos aqui foram realizados majoritariamente tendo como
base os vasos cerâmicos rituais.
II. III.II. Nossos dados frente às cronologias relativas da cerâmica Moche
A formulação de uma cronologia cerâmica foi sem dúvida uma das
maiores contribuições de Rafael Larco Hoyle no campo da Arqueologia Moche.
Sua classificação em cinco fases distintas, baseada quase que exclusivamente
em dados dos vales de Moche a Nepeña segue como referência para a grande
maioria dos trabalhos de investigação centrados na cerâmica proveniente da
esfera Mochica-Sul (Pillsbury, 2006: 11). Os trabalhos mais recentes atestam a
legitimidade da classificação de Larco para os vales de Moche, Chicama e Virú.
Donnan & McClelland (1999: 21) notaram que as mudanças na iconografia
obedeciam aos critérios de Larco: mudavam de acordo com o formato do vaso
e a alça estribo, demonstrando a marcação clara de épocas distintas.
A já mencionada morfologia dos vasos de alça estribo foi a base sobre a
qual Larco criou sua cronologia, especialmente a partir da identificação das
características do gargalo do estribo, que se tornou elemento diagnóstico para
a identificação de uma fase, como mostra a imagem a seguir:
45
Fig.II.4. Esquema mostrando as cinco fases de Larco de acordo com os formatos de alça
estribo e suas bordas. Imagem: Donnan, 1999: 21.
Conforme já mencionado, o trabalho de Larco foi claramente
influenciado pelo período de influência histórico-culturalista na disciplina
arqueológica em seu período de atuação, quando as semelhanças estilísticas e
a posição estratigráfica de artefatos cerâmicos constituíam as mais importantes
ferramentas metodológicas para a análise das evidências. O estilo mochica
conformava, para ele, mais que uma entidade cultural centrada nas huacas do
Sol e da Lua, um “Estado monolítico Pré-Hispânico”.
Entretanto, os trabalhos arqueológicos realizados na costa norte a partir
da década de 80 do século XX mostraram nítidas particularidades arquitetônicas,
tecnológicas, estilísticas e iconográficas (especialmente com relação às
produções cerâmica e metalúrgica) em cada um dos oito vales que
conformavam o mundo Moche, levando os especialistas, como já discutido, a
reverem o modelo de Estado Unificado de Larco (Castillo & Donnan, 1994: 144).
As descobertas ao norte do vale de Jequetepeque, como as de Sipán, Pampa
Grande e San Jose de Moro, não se encaixavam na sequência cronológica
elaborada por Larco. Todas as evidências apontavam para duas grandes
esferas de influência moche, separadas pelas Pampas de Paiján: a esfera
Mochica Sul abarcando os vales de Chicama a Nepeña (no sentido norte-sul) e
a esfera Moche Norte, abarcando os vales de Jequetepeque, Lambayeque e La
Leche. Castillo & Donnan (1994) criaram uma cronologia de três fases
específicas para a região Mochica Norte, como ilustrado a seguir:
46
Fig.II.5. Quadro mostrando as diferenças estilísticas e cronológicas da cerâmica Mochica
nas esferas norte e sul. Imagem: Castillo & Donnan, 1994: 10.
Segundo Benson (2012: 8) nos sítios da região Moche Norte continua a
produção da cerâmica considerada Moche Inicial, das fases I e II, mesmo
quando os habitantes da região Moche Sul já haviam começado a produzir os
vasos que comumente chamamos de fases III e IV. Ainda segundo a autora, a
fase IV foi um fenômeno Moche Sul, dos vales próximos a Trujillo e à Huaca de
la Luna, e o estilo Moche V foi próprio dos vales ao norte de Jequetepeque.
Estudos mais recentes (Quilter & Castillo, 2010) e focados em cada vale,
como os de Castillo (2000b, 2010) no vale de Jequetepeque, Chapdelaine
(2010) no vale de Santa, Bourget (2010) no vale de Virú e Uceda (2010) no
vale de Moche, entre tantos outros, têm sido precisos em identificar e discutir a
natureza da presença político-religiosa das elites moche em cada uma destas
47
regiões, além de identificar muito precisamente estilos cerâmicos e
arquitetônicos moche com características locais. O sítio de San Jose de Moro,
localizado no Vale de Jequetepeque configura, por exemplo, uma das
referências mais importantes nos estudos do período Moche Tardio (Castillo,
2003: 14-15; 2010). A arte encontrada neste sítio tinha traços tão particulares
que Castillo e Donnan a definiram como o “sub-estilo Moro” (Castillo, 2009;
Donnan, 2011: 105). É um dos mais expressivos estilos artísticos da área
Moche-Norte, considerada uma ocorrência tardia na iconografia mochica. Este
estilo não é encontrado na área Moche-Sul, razão pela qual os arqueólogos em
geral não encaixam este estilo na cronologia de Larco, referindo-se a ele
simplesmente como estilo “Moche Tardio”. Cronologicamente, coresponde à
fase V do estilo Moche Sul (ver fig. II.5).
Buscamos
apontar,
com
base
nestas
observações,
que
são
identificáveis áreas de influência Moche com particularidades cada vez mais
claras. Nosso corpo de dados está esmagadoramente concentrado na esfera
Moche-Sul, porém alguns dados da esfera Moche-Norte encontrados em nossa
análise serão discutidos ao longo desta tese. A relação entre as categorias de
artefatos encontradas e os vales da costa norte será uma constante em nossa
análise.
Os
músicos
na
iconografia
Mochica
foram
representados
abundantemente em uma determinada região (Moche-Sul) e em um
determinado período (Moche Médio). Esta constatação, iniciada com nossa
pesquisa de mestrado foi solidamente reforçada durante o doutorado. Nesse
sentido, levantamos a hipótese de que uma determinada elite, que dominou a
região naquele período, estaria ligada à grande quantidade de representações
de músicos e também à forma como passaram a ser representados: com
atributos de poder de sacerdotes, governantes e de divindades muito
característicos daquela fase estilística.
II.III.III. O Período Moche Médio e a iconografia do poder
As evidências arqueológicas apontam para diferentes fases de ocupação
mochica dos vales da costa norte, com idiossincrasias e particularidades na
produção cerâmica, arquitetônica e nos enterramentos.
48
De acordo com os estudos mais recentes (Billman, 2010: 181), entre os
anos 200 e 400 d.C ocorreram diversas transformações sociais que alteraram
profundamente a vida dos habitantes do Vale de Moche. Foi justamente neste
período que foram construídas a Huaca del Sol e a Huaca de la Luna, estruturas
arquitetônicas muito diferentes das primeiras huacas do Vale de Moche, em
diversos aspectos, e entendidas pelos especialistas como inovadores e
suntuosos centros de poder. Enquanto as huacas mais antigas não
comportavam, por exemplo, grandes grupos de indivíduos, a Huaca del Sol,
bem como a Huaca de la Luna e a Huaca Cao Viejo, foram construídas com
grandes pátios, permitindo a concentração de milhares de pessoas (Billman,
2010: 186).
A iconografia dos centros de poder também sofreu alterações
significativas: enquanto as huacas do período Moche Inicial apresentavam
murais com motivos mais abstratos ou geométricos, os das novas huacas
apresentavam divindades recorrentes na iconografia dos vasos rituais, assim
como grupos de prisioneiros com cordas amarradas ao pescoço, dançarinos e
narrativas visuais complexas (ibid.). A construção daqueles edifícios exigiu,
sem dúvida alguma, um significativo aumento na mobilização da força de
trabalho.
Ainda segundo Billman (ibid.), as grandes transformações deste período,
visíveis em uma variedade de registros arqueológicos
10,
indicam uma alteração
nas relações entre os habitantes do vale e as elites soberanas, bem como a
ascensão de um grupo específico ao poder, levando à formação de uma
organização política que, posteriormente, se expandiu por todos os vales ao sul
de Jequetepeque, denominada por alguns especialistas o “Estado Mochica-Sul”.
As evidências arqueológicas também sugerem que, a partir daquele período,
tornava-se mais acirrado o controle dos cânones da produção artefactual e,
possivelmente, sobre as práticas rituais (Billman: 2010: 198).
No auge do período mencionado por Billman (200 a 450 d.C), conhecido
como “Moche Médio”, figuras de poder, sejam elas pertencentes ao mundo
10
Billman baseia suas inferências na análise de diferentes tipos de registro arqueológico, como
a utilização dos espaços públicos e a performance ritual, as práticas mortuárias com base em
dados recolhidos em cemitérios, rituais domésticos com base em dados recolhidos em sítios de
ocupação doméstica, transformações visíveis na produção cerâmica do período e as
transformações no sistema de irrigação.
49
natural ou divindades e outros seres “extraordinários” assumem maior destaque
na iconografia dos vasos rituais e dos centros cerimoniais. Nas fases anteriores,
principalmente I e II, a maior parte da cerâmica ritual retratava plantas,
tubérculos e animais, isto é, fenômenos do mundo natural. Figuras humanas
eram raras e apareciam geralmente em formato escultórico com poucos atributos
de poder. A partir das modificações apontadas por Billman, que dão origem ao
período Médio nos vales do sul, os vasos rituais das fases III e IV passam a
representar em imensa quantidade personagens de poder, escultóricos e
pictóricos, interagindo em narrativas complexas nos bojos dos vasos de alça
estribo, cântaros e vasos de boca larga, tendo caracterizado o momento mais
profícuo na produção dos vasos de linha fina.
Os vasos da fase IV, caracterizada como o período clássico da produção
iconográfica Moche (Donnan & McClelland, 1999: 75), muito raramente foram
encontrados ao norte de Jequetepeque, ratificando a ascensão dessas elites
como um fenômeno característico dos vales do sul, especialmente Moche,
Chicama e Virú. Estes artefatos geralmente conformam a maior amostra de
vasos mochicas em qualquer coleção ou instituição que abrigue um acervo précolombiano, devido à produção material intensificada com técnica de molde
que caracterizou este período. A arte produzida durante a fase IV, presente
tanto nos murais das huacas quanto nos suportes artefactuais portáteis
(vasilhas, instrumentos musicais, estatuetas etc.), é conformada por uma
autêntica iconografia do poder, não observada com tal intensidade nas fases
anteriores. Temas como a Apresentação da Taça, o Tema de Enterramento, O
Arco Bicéfalo, As Danças de Guerreiros, As Danças do Inframundo, A
Cerimônia de Sacrifício, entre tantas outras narrativas de poder passam a ser
largamente representadas neste período. É exatamente neste contexto que
estão representados os músicos que analisamos, muitas vezes involucrados
nessas narrativas.
Cada vale tinha seus centros de poder (huacas) e seus ateliês
especializados na produção de cerâmica, metais e têxteis. Russel & Jackson
(2001: 159) sugerem que a produção cerâmica era parte de estratégias
políticas mais amplas das elites governantes (ibid.) e que os ateliês de
cerâmica estavam sob a tutela direta dos líderes de cada vale. A distribuição da
cerâmica ritual estaria fundamentada nas relações de reciprocidade, típicas do
50
mundo andino, nas quais os artesãos produziriam a cerâmica como parte de
suas obrigações com o governante do seu vale, e o governante distribuiria a
cerâmica pelo vale como parte de suas obrigações com membros de seu status
ou a população:
Under what was essentially a form of patronage, rulers, as patrons, had a
responsability to provide goods and services to those under their protection. In
exchange, as clients, the farmers and artisans produced whatever goods were required
for the fulfillment of their taxation obligations. A workshop of ceramic specialists, for
example, would have kinship obligations to exchange goods with those of their own
social level. They would also have a responsibility to give over a portion of their output
to the next higher level lord. In the case of Cerro Mayal, it appears that this would have
been Mocollope`s paramount lord, who was also the paramount lord of the Chicama
polity. He, in turn, would redistribute de ceramics according to his own reciprocal
obligations with others of his status level and lower. In other words, power and political
relationships extended both vertically and horizontally, and patronage of art production
was systemically embedded. (Russel & Jackson, 2001: 163-164)
Desta forma, os temas presentes na cerâmica ritual estavam
diretamente subordinados aos líderes de cada vale, inclusive o tema da música
e dos músicos. Ao observar o material analisado ao longo desta tese, devemos
questionar por quais razões estes músicos mereceram ser representados de
formas tão variadas e de maneira contundente no aparato ritual do período
Moche Médio. Certamente eles estavam entre os temas essenciais a serem
reproduzidos em cada vale, sendo representados em forma pictórica e
escultórica em vasos de alça estribo, apitos, trombetas e outros tipos de
suporte.
II.III.IV. A Iconografia Mochica e o contexto arqueológico: seu potencial
explanatório
Atualmente, a Arqueologia pautada pelas análises iconográficas e
narrativas visuais tem enfocado cada vez mais as relações entre as várias
mídias e suportes produzidos dentro de uma determinada cultura, sempre as
51
relacionando com os contextos escavados, atentando para a relevância em
analisar as relações entre os diversos suportes artefatuais, sejam estes
arquitetônicos, cerâmicos, líticos, têxteis etc. (ver Morris, 1995: 431, Jackson,
2008 e Lau, 2011: 261). A Arqueologia Contextual (Hodder, 1994), divisão
importante da Arqueologia Pós-Processual especialmente defendida por Ian
Hodder, tem como sua principal premissa a análise da relação entre elementos
recorrentes em um determinado contexto arqueológico, sempre dialogando
com outros contextos relacionados que apresentem os mesmos elementos. Tal
prática teórico-metodológica foi bastante influenciada pelo estruturalismo. A
análise da relação entre as partes que conformam um todo é um dos
fundamentos dos estudos da semântica visual.
Isso não tem sido diferente para a Arqueologia Mochica, cujos estudos
mais recentes têm contemplado diversos sítios e huacas da costa norte
peruana, atentando, como vimos anteriormente neste capítulo, para os
enterramentos de personagens de elite, padrões arquitetônicos e urbanísticos,
estudos dos canais de irrigação e da distribuição hidráulica, análises
iconográficas e tecnológicas da cerâmica e dos metais encontrados tanto em
contextos quanto em coleções de museus.
As descobertas de personagens de elite em Sipán (tanto na temporada
de 1987 quanto na de 2007), El Brujo, San Jose de Moro e tantos outros sítios
Moche trouxeram à tona os debates sobre até que ponto as representações
nos vasos cerâmicos eram “apenas” simbólicas (Bourget, 2008: 10). Ficava
cada vez mais evidente que todos aqueles personagens da iconografia tinham
seus correlatos humanos, e que a iconografia tinha uma força explicativa sobre
aqueles indivíduos enterrados, os rituais que preceituavam e os cânones da
cosmovisão
que
orientavam
tais
práticas.
Voltaremos
a este
tópico
detalhadamente no Capítulo III.
II.III.V. Os precursores dos estudos iconográficos Mochica e a análises
da semântica visual
Elizabeth Benson (1972: 25) foi uma das primeiras estudiosas a
mencionar que os temas aparentemente naturalistas da iconografia mochica –
como frutos ou animais – eram, em realidade, representações simbólicas e
52
sobrenaturais. Foi também a primeira a considerar que essa iconografia
poderia constituir uma espécie de escrita (ibid: 26), mas sem se aprofundar
muito na questão. Seu texto é bastante descritivo, remetendo ao método de
análise pré-iconográfica de Panofsky (1986 [1939]). Num segundo momento,
mais reservado à interpretação, a autora tece algumas relações com questões
simbólicas e identifica alguns personagens específicos em vista de seus
atributos.
Este trabalho (ibid.) foi de suma importância para os estudos
iconográficos mochica, pois influenciou a análise de Christopher Donnan e
aqueceu o debate sobre o universo simbólico desta sociedade, plasmado de
forma tão evidente em sua arte. Tudo o que Benson publicou, tanto de forma
aprofundada quanto mais superficial, se perpetuou nos trabalhos posteriores de
forma mais densa e precisa, inclusive no que tange à metodologia empregada.
Donnan, seguindo os passos de Benson, foi um dos primeiros
estudiosos a de fato aplicar a perspectiva da semiótica saussureana à pesquisa
iconográfica mochica, como sintetizado em suas palavras:
Inherent to Moche art is a symbol system that follows consistent rules of
expression. In many respects, this system is similar to the symbolic system of
the language. In language the speaker can modify what he is saying about an
object (noun) by selecting a set of modifiers (adjectives and adverbs) and
inserting them in their proper place in the message according to a set of rules
(gramar). (...) In art, the communication is between the artist and the viewer.
The artist conveys information about objects (...) by using a set of stylistic
modifiers or “artistic adjectives” (Donnan, 1978: 8 apud Proulx, 2006: 54).
Esta perspectiva acabou por conduzi-lo à sua conhecida abordagem
temática
da
iconografia
mochica
(Donnan,1976,1978,1982;
Donnan
&
McClelland, 1979; Quilter 1997), segundo a qual a arte mochica apresentava
uma série de temas muitos específicos, com pequenas alterações em
elementos mínimos – os “pronomes”, “adjetivos” e “advérbios” (Donnan, 1976)
– que não alteravam sua coerência interna. Esses temas existiam igualmente
tanto nos suportes escultóricos quanto nos vasos de bojo simples com
representações de linha fina. Este argumento foi extremamente relevante na
53
época, pois até então se pensava que a iconografia mochica apresentava
infindáveis cenas desconexas entre si que versavam sobre “fatos cotidianos
aleatórios”, algo que Donnan refutou com sua abordagem temática dos grupos
de representações, defendendo com base na associação de elementos
iconográficos que apenas cenas muito particulares eram retratadas.
Mais
tarde, Quilter (1997) propôs uma abordagem narrativa tendo como base o
trabalho de Donnan e argumentando que estes temas específicos teriam
relações entre si, conformando mitos.
Tais análises constituíram uma extraordinária contribuição aos estudos
iconográficos
moche,
influenciando
efetivamente
todos
os
estudos
subsequentes que, de uma forma ou de outra, confirmaram as proposições
destes dois estudiosos. Graças a esse esforço investigativo, hoje é possível
identificar com clareza muitos temas e narrativas no material cerâmico
espalhado por coleções e museus. Estas narrativas, inclusive, podem ser
pensadas atualmente
também
como
transformações,
dentro
de
uma
perspectiva teórica que emprega os mais recentes estudos sobre as
cosmologias ameríndias na Antropologia (Golte, 2009; Soares, 2015).
Os trabalhos mais recentes de Donnan (1999, 2010) continuam
seguindo a mesma abordagem, porém discutindo a relação entre a iconografia
e os contextos arqueológicos nesse novo momento da Arqueologia Mochica,
ao contrário do período dos primeiros trabalhos do autor. Parece que
lentamente a pergunta da semiótica (“o que significa?”) foi abrindo espaço às
considerações da agência, que compele a observar este suporte dentro de, e
em relação a, todo o universo material no qual está inserido.
Em 1987, Ane Marie Hocquenguem publicou seu trabalho denominado
“Iconografía Moche”. Usando o método de análise iconográfica de Panofsky
(Hocquenguem, 1987: 19) a autora foi a primeira a dividir os temas da
iconografia relacionando-os aos princípios fundamentais da cosmovisão
andina, com base em comparações etnohistóricas. Usando uma série de
trabalhos etnográficos e crônicas coloniais, sua análise foi construída com uma
descrição pré-iconográfica dos temas, e depois compreendidos à luz da
organização do pensamento andino. Assim, imagens moche são entendidas
como determinados ritos muito precisos do calendário cerimonial andino.
54
Foi com o trabalho de Hocquenguem que os estudos da iconografia
Mochica tomaram grandes proporções, influenciando decisivamente os
trabalhos dos investigadores europeus que ensinavam em universidades
peruanas (Krzysztof Makowski, da Pontifícia Universidad Catolica del Perú, e
Jürgen Gölte, da Universidad Nacional Mayor de San Marcos) porém tendo
menor eco no trabalho dos pesquisadores estadunidenses e canadenses
(Benson, Donnan, Bourget e Quilter).
Makowski, também fortemente influenciado por Hocquenguem, tem um
trabalho de peso no campo de estudos da iconografia mochica, voltado
especialmente para a discussão dos personagens ou sujeitos envolvidos nas
temáticas e narrativas representadas nos vasos de alça estribo. Sua análise
pretende identificar personagens específicos na iconografia e entender seus
papéis sociais enquanto sujeitos atuantes no plano material, tais como os
oficiantes, termo cunhado pelo autor (Makowski, 1994), seres radiantes
(Makowski, 1996), guerreiro raposa, guerreiro águia, entre outros. De acordo
com o autor, a mudança de atributos desses personagens pode remeter a uma
narrativa, visível quando se ordenam as diferentes cenas (1996: 18). Golte
(1994, 2009) e Castillo (1989) também trabalharam com esta perspectiva.
Um autor importante que foi influenciado tanto pela trajetória norteamericana quanto pelo estruturalismo e pelo trabalho de Hocquenguem foi o
canadense Steve Bourget (1994, 2006, 2008), que também usa uma
abordagem da semântica visual, buscando significados representacionais na
iconografia com base em questões fundamentais da cosmovisão, como o
dualismo, os diversos mundos da existência e o movimento dos sujeitos entre
estes planos. Sua análise da iconografia, assim como em Hocquenguem, é
toda organizada pelos preceitos da cosmovisão. Uma de suas grandes
contribuições foi criar o conceito de “personagens transitórios” para referir-se a
seres antropomorfos com atributos de animais ou de seres desencarnados.
Estes personagens não eram bem compreendidos na arte mochica, pois os
investigadores buscavam criar categorias rígidas de seres “do mundo de cima”
e “do mundo de baixo”, “humanos” e “não humanos” até que Bourget cunhou
um esquema explicativo que contemplasse todos os seres representados com
base na cosmovisão e nas questões da Antropologia sobre transformação e
55
passagem entre planos, atestando que estas categorias não deveriam ser
mutuamente excludentes (2006: 15).
II.III.V.I A síntese de Gölte: semiótica e cosmovisão
A principal premissa de Jürgen Gölte (2009) é de que a análise
iconográfica do material moche deve ser feita em constante relação com o
estudo da cosmovisão. Gölte parte do princípio de que os objetos foram
produzidos a partir dos pressupostos das ontologias mochicas e é a partir deles
que a interpretação deverá ser empreendida. Neste sentido, o próprio vaso
cerâmico cria uma contiguidade com sua iconografia, formando uma unidade
semântica. Assim, não há possibilidade de se estudar a iconografia isolando-a
de seu suporte e dos aspectos morfológicos da peça. O significado da
representação não se encontra apenas na imagem, mas na relação intrínseca
entre imagem e suporte artefactual.
Gölte (2009: 27) argumenta que nos estudos iconográficos andinos
criou-se o hábito de analisar as imagens por meio de suas representações
bidimensionais. Este costume se iniciou há mais de cem anos entre
pesquisadores alemães que desenhavam as vasilhas do Museu de Etnologia
de Berlim, repleto de vasos Mochica trazidos das escavações de Max Uhle, um
dos pais da Arqueologia Andina. O objetivo era o de “desenrolar” ou “esticar” as
representações que se encontravam em torno dos vasos, passando-as para
planos bidimensionais e tornando possível uma leitura iconográfica a partir do
ordenamento
dos
diversos
elementos
presentes
na
imagem.
Abaixo
exemplificamos este procedimento (Fig. II.6):
56
Fig. II.6. Reprodução de Gölte
(2009: 264), de um vaso de alça
estribo com aplique escultórico
com representação de Dança no
Inframundo. A peça original se
encontra no Museu Etnológico
de Berlim.
Na imagem acima, vemos que o desenho desenrolado oculta a
personagem que toca o tambor e afasta o observador dos conceitos potenciais
que o formato do vaso pode oferecer, como a posição estratégica da
percussionista sobre o encontro (tinku) dos dois antaristas.
Apesar de compreender que durante muito tempo transposições para
planos bidimensionais foram importantes para uma primeira aproximação e
estudo da iconografia mochica, Gölte (2009: 33) as considera um erro
etnocêntrico por não levarem em consideração a unidade de significado
constituída pelo suporte, o qual constrói o sentido conjuntamente com a pintura:
La superfície de una botella de asa estribo es utilizada para expresar relaciones de
confrontación y complementaridad entre elementos representados. Hay una forma básica
de exponer la biparticion del mundo que se expresa en escenas que se relacionan con la
transición de uno de los mundos al otro, especialmente entre los mundos vistos en la
vertical. (Gölte, 2009: 82)
A metodologia de análise de Gölte para a cerâmica mochica tem como
fundamento um modelo 11 criado por ele próprio para compreender a
cosmovisão particular desta sociedade. Essa metodologia considera a divisão
11
Esse modelo foi profundamente influenciado pela tradição estruturalista da Antropologia e
embasado, sobretudo, em preceitos cosmológicos e da organização sociopolítica Inca
(Rostworowski, 2000: 21-23; Taylor 2008), mas também em trabalhos etnográficos (Platt, 1978,
1986). Gölte, entretanto, trabalha com o conceito de larga duração da cosmovisão nos Andes.
57
do vaso de alça estribo em quatro partes principais a fim de compreender as
relações entre os diversos planos da existência da cosmovisão andina, tema
que discutiremos detalhadamente no Capítulo III.
Pode-se dizer que a análise iconográfica de Gölte busca especialmente
o significado nas imagens, relacionando este significado a questões da
cosmovisão. Neste sentido, seu trabalho pertence a um eixo analítico semiótico
e é influenciado pelo estruturalismo.
II.III.V.II. A abordagem semiótica com pinceladas de agência: Margaret Jackson
Margareth Jackson (2008) faz parte de uma nova geração ainda muito
influenciada pelos estudos de Benson e Donnan, porém com uma inclinação
para questões da Arqueologia Contextual e Pós-Processual. Embora sua
leitura da iconografia Mochica esteja ainda fortemente arraigada à perspectiva
semiótica e à linguística, a autora tem a preocupação de inserir essa arte em
seu contexto de produção e uso, utilizando conceitos pertencentes às teorias
de agência, porém de forma sutil e um tanto quanto autoexplicativa, isto é, sem
fazer referência explícita às teorias que dão eco às ideias que ela propõe.
Jackson entende que os elementos iconográficos presentes nas cenas e
narrativas dos vasos cerâmicos se associam de forma a produzir um
significado, como Donnan. Todas estas variações, inclusive nos atributos de
poder dos indivíduos de alto status (toucados, braceletes, colares etc.), são
entendidas por Jackson como verdadeiras frases transmitindo conceitos e
ideias bastante padronizados:
(...) the imagery utilized generally accepted groups of signs and symbols –
clusters of elements, which were combined, disassembled, and recombined to provide
variations of meaning (...). (Jackson, 2008:133)
Esta padronização conformaria o que a autora chama de um código
pictórico, inserido dentro de uma complexa estrutura social comandada por
elites de poder político-religioso:
58
The Moche (...) provide an excellent example of an ancient American culture
that developed an elaborate, systematized pictorial code, whose symbols had wellunderstood meanings that were used to communicate particular narratives, sets of
ideas, and ideological constructs. (Jackson, 2008: 3)
Estas conformam as duas grandes premissas de Jackson: a iconografia
mochica seria comparável, de fato, a um sistema de escrita e estaria altamente
regulada por uma elite muito bem estabelecida no poder. A produção
iconográfica, então, deveria ser entendida dentro da organização sócio-política.
Desta forma, a arte das grandes huacas, lugares onde se davam as
práticas rituais, prescritas e mantidas por elites de poder com um alto teor
programático e normativo, causavam efeitos sensoriais nos espectadores
sendo utilizadas por estas elites a fim de causar encantamento por um lado, e
medo e respeito por outro:
At the paramount manifestations of the ideological matrix, the temple
monuments represented places where personal acts of faith, enactments of public
ritual, and larger concepts of sacrality met. Of the major huaca complexes in the
Southern Moche area, the Huaca de la Luna (...) illustrates very well the architectural
juncture of ideology, pictorial representation, and ritualized performance. (...) Whatever
ideologically based narratives were repeated elsewhere surely arose from the
performative experience of seeing and sensing the liturgical affirmations of mutual
belief expressed within the temple surroundings (Jackson, 2008: 21).
Segundo a autora os próprios detalhes arquitetônicos na Huaca de la
Luna foram ditados pelo papel do edifício na prática litúrgica (2008: 24),
enfocando a questão dos cantos, danças e performances como elementos
chave na experiência ritual (ibid: 26).
O desmembramento de indivíduos sacrificados foi uma prática,
arqueologicamente comprovada nos rituais da Huaca de La Luna (Verano,
2006). Segundo Jackson as escavações mostram que esses ossos eram
depois depositados dentro das paredes do templo. Este tipo de ocorrência
estaria associado aos poderes sobrenaturais contidos na própria imagem:
59
The presence of sacrificial offerings, embedded as part of a monumental art
program suggests that the images themselves were vested with spiritual power. It also
lends credencie to the notion that the creators of the murals, the artists, held a level of
status integrally connected to the ritual practice and esoteric knowledge, which
underlay the creation of special imagery (Jackson, 2008: 32)
Segundo Wright (2010: 312), que investigou a pigmentação dos murais
policromados da Huaca de la Luna, havia elementos como ossos, sangue e até
a seiva do cacto San Pedro (Trichocereus pachanoi) na composição das tintas
(Wright, 2010: ibid.; Morales, Solorzano & Asmat, 1998 apud Benson, 2012:
16). Esta evidência pode ser muito profícua para uma análise gelliana dos
murais.
Porém, na obra de Jackson, a agência está principalmente relegada às
interações ocorridas no momento do ritual:
As liturgical objects, fineware ceramics were activated by human performance
while also actively contributing to the creation of ritual performance. In contrast to the
built environment, where the human viewer experienced a sense of place through
interactions with the architectural structures of that place (...) portable objects, and
specifically ritual-use ceramics, elicited more internalized kinds of responses and
interactions (Jackson, 2008:37).
Segundo a autora o estudo contextual da arte nas várias mídias Moche
viria reiterar a existência de um sistema iconográfico que é ao mesmo tempo
sustentáculo de uma lógica de poder. A autora valoriza a importância de uma
estrutura de poder subjacente às relações entre pessoas e artefatos, seja nos
processos produtivos (2008: capítulo 3), na escolha de materiais de valor
simbólico para a construção dos murais policromados, na performance ritual
das huacas, na relação construída com objetos de valor simbólico etc. Os
artistas e construtores de monumentos tinham uma alta especialização de
trabalho e eram informados de uma linguagem normativa em função de um
projeto das elites, muito bem estruturado. Este poder e este conteúdo
altamente programático moldavam a produção artística e arquitetônica (2008:
36) que por sua vez agenciavam as relações entre indivíduos, grupos e
objetos. Sob esta ótica, o papel da estrutura na prática ritual e na produção
60
material era determinante. As análises da autora parecem relegar toda a
capacidade de agência ao poder instituído na forma das elites, trabalhando
apenas com a questão do poder de agência dos artefatos – e não tanto dos
sujeitos - em momentos específicos de interação social, como os rituais e a
produção cerâmica, eventos comandados pelas elites.
Jackson não trabalha com a perspectiva de agência da Antropologia da
Arte (Gell), mas com um conceito de agência mais presente na Arqueologia
Pós-Processual, que contempla a relação entre sujeitos e artefatos e como os
artefatos também podem moldar os indivíduos. O trabalho da autora, ao final,
continua majoritariamente construído sobre a perspectiva da semiótica
estrutural, apesar de buscar contemplar a agência e as relações contextuais,
algo que é alcançado em parte.
II.III.V.III. Jeffrey Quilter e a agência de Gell
Quilter, mais recentemente, foi o primeiro a tentar discutir e aproximar o
material iconográfico andino pré-colombiano das teorias de agência de Gell,
não empregando simplesmente a proposição corrente na Arqueologia PósProcessual de que artefatos agenciam relações humanas.
O autor (2007: 136) questiona até que ponto as perspectivas gellianas
poderiam ser aplicadas à Arqueologia, porém encontra na perspectiva de Gell
um espaço de diálogo e comparação com a iconografia mochica. São
analisados, em seu artigo (2007), dois tipos de suporte: vasos retrato em
cerâmica (agentes móveis) e frisos em murais de estruturas arquitetônicas
(agentes imóveis). A partir disso, o autor aplica três conceitos de Gell a cada
suporte artefactual estudado: o sentido da arte, o encanto da tecnologia e a
tecnologia do encantamento e a pessoa distribuída.
Os vasos retrato, por sua composição realista, conformam uma
experiência sensorial comparável a observar uma pessoa viva, mas seduzem
também o sujeito representado por servirem de “espelho”, já que a
individualidade nos vasos parece bem marcada (2007: 141). A tecnologia do
encantamento estaria no poder de convencimento que o objeto causa no
espectador a partir destas impressões. O encanto da tecnologia estaria na
escolha da utilização de moldes para produção dos vasos, o que teria uma
61
série de implicações e desafios técnicos. O sentido da arte estaria em
considerar esses artefatos como agentes sociais dentro de um contexto
específico, que deve ser obrigatoriamente reconhecido pelo investigador, no
qual se deve levar em conta todo o ciclo de vida desses artefatos. Assim,
diversos tipos de agência são produzidos pelo mesmo artefato em diferentes
momentos.
Um dos momentos em que fica mais clara a tentativa de Quilter (2007:
139) em se aproximar das teorias de Gell é quando ele considera que o papel
dos vasos enquanto agentes sociais poderia ter sido mais importante que seu
simbolismo, já que Gell se opõe ao conceito de arte como pura comunicação
simbólica (ibid: 154). No caso dos vasos, retratar pode significar capturar a
essência do indivíduo (ibid: 142), mais que representá-lo.
Na agência é importante a experiência sensorial e o fascínio que a arte
causa nos espectadores, pois relações humanas e grupais são constituídas a
partir deste ponto, incluídas as de poder. Compreender a agência, então,
pressupõe compreender como a arte funcionava em sua relação com os
agentes sociais (Quilter, 2007: 152). Entretanto, detectar a agência em
arqueologia é uma tarefa extremamente complexa, visto que faltam muitas
informações sobre cadeia operatória, o ciclo de vida do artefato, sua utilização
e toda a série de interações que ele pode ter provocado (ibid: 139), ao contrário
das pesquisas etnográficas que podem facilmente prover o pesquisador de
todas estas informações.
Cada um dos autores aqui discutidos apresenta formas diferentes de
abordar questões estilísticas e interpretativas, o uso das cronologias e fases, o
grau de descrição iconográfica, a identificação de personagens específicos em
função dos atributos e a utilização de dados etnohistóricos. Entretanto, todos
conjugam as questões da cosmovisão e do poder político-religioso –
fundamentais para abordar as sociedades pré-colombianas – a partir da análise
iconográfica.
As tentativas de aplicar as questões da agência de Gell ao material
mochica são bastante interessantes, mas ainda falta um longo caminho para
que se tornem tão produtivas para este tipo específico de material como foram
as abordagens semióticas das narrativas visuais (que depositam nas
representações e não na agência, o cerne da reflexão) em termos da
62
compreensão que conferiram à sociedade mochica. Isso ocorreu porque a
abordagem semiótica permitiu encontrar temas, narrativas e tecer uma série de
relações com a cosmovisão, que foram, em parte, corroboradas pelos
contextos arqueológicos.
Em suma, apesar das dificuldades e lacunas que os dados
arqueológicos impõem à análise por uma perspectiva de agência, futuros
estudos por este viés podem se mostrar frutíferos no longo prazo. Entretanto, a
perspectiva semiótica parece ainda ser um caminho seguro e apropriado para
os estudos específicos sobre o material mochica, por sua capacidade de lidar
com a questão da linguagem e do simbólico dentro das estruturas de poder. A
iconografia mochica está encravada nesta conjuntura, e os contextos
arqueológicos estudados mostram a clara relação entre as representações
iconográficas e uma linguagem programática e bem estabelecida pelas elites
de poder para a manutenção de um determinado código de seu status quo.
II.IV. Música e Organologia no Mundo Moche
Dentre todas as culturas andinas Pré-Colombianas já estudadas, a
mochica é a que oferece a maior quantidade de dados sobre suas práticas
musicais, como já observado por Hoyle (1985) e Bellenguer (2007: 49). Isto se
deve a vários fatores. Além dos numerosos artefatos com representações
iconográficas de instrumentos e/ou práticas musicais, também há grande
ocorrência arqueológica de instrumentos sonoros, geralmente produzidos em
cerâmica, nas escavações das principais huacas.
Cerimônias públicas e outros eventos com a participação de indivíduos
de alto status foram numerosos e importantes para a manutenção do poder no
mundo Moche. A produção sonora esteve completamente atrelada a esses
eventos e, por esta razão, se encontram tantos instrumentos nas plataformas
das grandes huacas ou em áreas domésticas. Desta forma, instrumentos
sonoros de diversas categorias organológicas ocupam um lugar importante nos
enterramentos e na iconografia mochica, porém são muito pouco mencionados
e nada debatidos na bibliografia especializada ou nos relatórios de escavação.
63
Aparentemente, os autores ignoravam instrumentos sonoros associados a
personagens (fossem estes de poder ou não), como se estes fossem artefatos
secundários. Não havia empenho em compreender o lugar que a música e o
som ocupavam na vida dos indivíduos enterrados ou representados na
cerâmica, embora marcassem constante presença nos vestígios arqueológicos
e na iconografia. Claramente havia uma incoerência entre a quantidade de
vestígios musicais mochicas e o tímido ou inexistente debate sobre eles na
produção acadêmica.
Poucos foram os investigadores que realizaram estudos sobre os
instrumentos sonoros mochica. O trabalho mais completo é a tese de
licenciatura em Arqueologia de Ana Hoyle, defendida em 1985 na Universidade
Nacional de Trujillo e intitulada Patrimonio Musical de la Cultura Moche. A
autora apresenta a classificação mais completa dos instrumentos sonoros
mochica feita até o presente, discutindo tanto instrumentos encontrados em
contextos
quanto
representados
iconograficamente.
Os
estudos
arqueomusicológicos em geral trabalham a partir das categorias organológicas
definidas por Sachs & Hornbostel (1992). Esta é também a base do estudo de
Hoyle. Por esta razão, nesta tese utilizaremos como referências os estudos
organológicos de Hoyle (1985) e Olsen (2002) para nos referirmos aos
instrumentos sonoros presentes entre os mochicas, usando sempre como
nomenclatura principal aquela utilizada nos estudos arqueomusicológicos
andinos, em quéchua. Neste caso, antara será o termo utilizado para flauta de
pã, e assim sucessivamente.
É importante salientar que, no mundo andino em geral, e Moche em
particular, cada instrumento sonoro carrega, além de sua função sonora, um
valor simbólico intrínseco. Na análise iconográfica e dos instrumentos
depositados em contextos arqueológicos, que se fará ao longo desta tese, este
valor simbólico fica cada vez mais claro e notório, explicando em parte os
papéis sociais e ontológicos dos músicos que os portam. Portanto, é de suma
importância que introduzamos aqui os instrumentos presentes na organologia
mochica, discutindo brevemente seus simbolismos. Os instrumentos listados a
seguir serão os mais presentes ao longo de nossa análise iconográfica.
64
II.IV.I. Aerofones
Os aerofones são os instrumentos nos quais o ar é posto em vibração
para produzir o som (Sachs & Hornbostel, 1992: 458; Hoyle, 1985: 173). Os
aerofones presentes entre os mochicas eram:
II.IV.I.I. Antara
É composta por múltiplos tubos, sem orifícios de digitação ou canais de
insuflação (prancha 1). É chamada também de Flauta de Pã no Ocidente, ou
ainda de Zampoña nos países andinos. Antara é o nome quéchua para este
instrumento, registrado nas crônicas coloniais e utilizado até o presente nos
estudos de musicologia andina.
Bellenguer (2007: 139) nota que os tocadores de antara representados
na iconografia pré-hispânica têm sempre os tubos maiores ã direita da sua
boca, ao contrário das flautas ocidentais, nas quais os tubos maiores se
posicionam à esquerda da boca.
II.IV.I.II. Quena
Flauta tubular composta de um único tubo, com orifícios de digitação e
abertos em ambas as extremidades (prancha 29). Tem similaridades com outra
flauta andina chamada Pinkullo ou Pinkillo. Segundo Olsen (2002: 20) há
poucas diferenças entre os dois tipos, como, por exemplo, a ausência de duto
na quena e a presença de duto no pinkullo.
II.IV.I.III. Ocarina
O corpo do instrumento é definido por uma única câmara globular
(Olsen, 2002: 21) e geralmente tem dois orifícios para modular o som (Hoyle,
1985: 195).
II.IV.I.IV. Trombeta
Instrumento do grupo dos aerofones constituído por um tubo cilíndrico
com uma coluna de ar (Sachs & Hornbostel, 1992: 460). Hoyle (1985: 230)
distingue dois tipos principais de trombetas no mundo mochica: as trombetas
65
retas, cujo corpo é contínuo, e as trombetas com curvaturas no corpo (prancha
5). Há numerosos exemplares de trombetas mochicas em cerâmica em
museus e coleções, entretanto, em algumas cenas da iconografia trombetas e
cornetas podem ser confundidas.
II.IV.I.V. Pututo
O pututo ou wayllaquepa (nomenclatura quéchua) é uma trombeta
produzida a partir da concha Strombus galeatus, característica das águas
quentes da costa do Equador (prancha 41). Esta concha foi muito utilizada para
fins religiosos desde o período Formativo. Os exemplares mochicas
apresentam bocal de metal.
II.IV.II. Membranofones
São instrumentos com membranas distendidas que soam ao ser
golpeadas com uma baqueta ou as mãos (Sachs & Hornbostel, 1992: 453).
São os instrumentos de percussão. Dois tipos principais de membranofones
podem ser observados na iconografia mochica:
II.IV.II.I. Tinya
É um tipo de tambor que se toca ao golpear horizontamente o
instrumento com uma baqueta (Julio Mendívil, comunicação pessoal, 2016). Os
músicos o carregam junto ao corpo preso por uma alça que passa por um dos
ombros (prancha 34). Na iconografia mochica aparecem em diversos
tamanhos. No período mochica tardio aparecem alguns exemplares em formato
de ampulheta.
II.IV.II.II. Wankar
É
um
tipo
de
tambor
golpeado
verticalmente
(Julio
Mendívil,
comunicação pessoal, 2016), geralmente apoiado no chão. É menos presente
na iconografia mochica que o tipo anterior (prancha 88).
66
II.IV.III. Idiofones
O próprio corpo do instrumento produz o som, sem necessidade de
membranas ou cordas (Sachs & Hornbostel, 1992: 451). São em geral os
chocalhos. Os idiofones que aparecem na iconografia mochica são:
II.IV.III.I. Idiofones de Golpe Direto Horizontal
Segundo Hoyle (1985: 94-95) em idiofones de golpe direto o próprio
executante faz os movimentos, ao contrário dos Idiofones de Golpe Indireto,
que soam como consequência indireta de outros movimentos. Nos idiofones
de Golpe Direto Horizontal os elementos que se chocam para produzir o som
estão organizados horizontalmente, como na prancha 146.
II.IV.III.II. Idiofones Suspensos Conjugados
Este tipo de chocalho apresenta cordas verticais com bolinhas na ponta
que produzem som ao se chocarem (prancha 149).
II.IV.III.III. Idiofones de Campânula Fusiforme
Segundo Hoyle (1985: 148) os elementos que produzem o som estao
fechados numa câmara, chocando-se uns contra os outros e contra as paredes
da câmara (prancha 140).
II.IV.III.IV. Idiofones de Golpe Indireto
Como assinalado anteriormente, neste tipo de chocalho o executante
não faz nenhum movimento direto no instrumento. Ele soa em consequência de
outros movimentos que por ventura o executante venha a realizar. Muitos
destes chocalhos estão representados na iconografia mochica como partes de
vestimentas de dançarinos, por exemplo. O próprio protetor coxal do Senhor de
Sipán produzia efeitos sonoros quando o indivíduo caminhava. Entretanto, não
67
consideraremos os indivíduos que portam este tipo de idiofone como músicos,
não os incluindo em nossa análise.
II.IV.IV. Organologia Simbólica
Instrumentos sonoros, assim como todas as coisas no mundo andino,
são animados com camac. Contêm vida (Stobart, 2006: 27), choram (ibid.: 22,
26), comunicam, se expressam e com seu som são capazes de trazer à vida as
sementes (ibid.: 24). Os estudos etnomusicológicos nas comunidades altoandinas relatam, em comum a todas as regiões andinas, o caráter cíclico e
temporal das atividades e performances musicais (Baumann, 1996; Stobart,
2006; Bellenguer, 2007). Assegurar o equilíbrio cósmico a partir da prática
musical parece ser uma questão essencial dos pequenos ayllus andinos, nos
quais a produção musical obedece a alguns princípios fundamentais, dentre os
quais estão as estações do ano e o calendário ritual (Baumann, 1996: 19).
Tocar determinados instrumentos sonoros nas épocas “erradas” é considerado
uma prática subversiva que pode causar danos irreversíveis na ordenação da
natureza e do mundo, bem como suscitar punições dentro da própria
comunidade (Stobart, 1994, 1996: 67, 2006: 57; Pairumani, 1996: 112;
Bellenguer, 2007: 123):
One of the most remarkable characteristics of rural music in the Bolivian Andes
is the strong association of certain musical instruments, tone colors, genres and
tunings with the agricultural cycle and festive calendar. Music should only be played in
its appropriate context and, until recently, performance of musical instruments outside
their specific season was likely to be punished by community authorities. (Stobart,
1996: 67)
Determinados instrumentos sonoros são tocados em determinadas
épocas do calendário ritual e agrícola, sempre de acordo com as propriedades
simbólicas e o tipo de agência exercida pelo instrumento. Bellenguer notou em
seus trabalhos em Taquile que o período entre a primeira semana de fevereiro
e a segunda de agosto abarca a germinação e aparição das primeiras flores de
batata até o fim das colheitas e a preparação dos campos para novas
68
semeaduras (Bellenguer, 2007: 113). A utilização de instrumentos musicais na
ilha se concentra nesse período, sendo as quenas tocadas no início do ciclo, as
antaras na época da Páscoa e outro tipo de flauta tubular, o pitu, ao final do
ciclo (ibid. :122). Na época úmida, de setembro a janeiro, não há produção
musical:
Las festividades y manifestaciones musicales corresponden esencialmente al
crecimiento de las plantas cultivadas y a su cosecha. Todo el período que se extiende
entre julio y comienzos de febrero, es decir, las primeras siembras hasta la aparición
de las primeras flores de papa, es considerado como un tiempo de silencio. Respecto
de ese tema, los ancianos de Taquile mencionan la prohibición, antaño vigente, de
hacer ruido o de tocar un instrumento musical fuera de las fechas y de los rituales
específicos para atraer a la lluvia, con el objeto de no perturbar ni a la tierra ni a la
germinación de las plantas. (Bellenguer, 2007: 123)
Stobart chegou a relações muito semelhantes em seus trabalhos em
Kalankira, Potosí, Bolívia. A produção musical era mais frequente na época da
colheita. Geralmente, quenas e pinkillos são tocados na época chuvosa,
remetendo à fertilidade e ao brote dos grãos, e as antaras na época seca:
In Kalankira, both the pinkillu flute and the kitarra are for the most part restricted
to the rainy season and explicitly said to ‘call’ or ‘weep’ rain and to cause the crops to
grow. By contrast, julajula and siku panpipes, and the charango, played during the dry,
cold winter months, are claimed to attract the frosts and winds – which blow away the
clouds, resulting in clear skies and cold nights. (Stobart, 2006: 52)
Por sua vez, o pututo é um instrumento muito associado aos momentos
de reversão ou mudança radical de alguma situação, conhecido nas
cosmologias como pachacutecs, ou reviravoltas (Stobart, 2006: 39). Stobart
(ibid.) menciona diversas fontes etnohistóricas que apontam para esta relação:
Such reversals are commonly associated with, or attributed to, the agency of
musical sound. For example, according to the early chronicler Martín de Murúa, during
his reign the ninth Inca king saw a man appear on a mountain pass near Cusco
dressed in red and carrying a conch shell trumpet. The king earned himself the name
Pachakuti Inca, through persuading the man not to sound his trumpet, and thereby
avoiding an unu pachakuti (apocalypse by water) (…). Catherine Allen relates a myth
69
from Sonqo, Peru, in which a man sounded a (conch shell) trumpet causing a period
plague (pisti timpu) and a reversal of the social order; domestic animals ate humans,
and people consumed their children instead of nurturing them (…). Similarly, in
Kalankira, Asencio once sounded a pututo (ox-horn trumpet) during a lunar eclipse to
revive the moon, which I was told had inspired, with much wailing from women and
children alongside strange unearthly noises from the chickens. Large stretches of dried
grasses on the moon were to die, I was told, the ‘earth would turn inside out’ (…) –
water would emerge from within to submerge its surface and we would all perish, highly
reminiscent of Murúa`s unu pachakuti (…). (Stobart, 2006: 39)
Já em sua função mais prática, pututos eram usados para anunciar
eventos ou mensagens a longas distâncias, como relatam as crônicas,
segundo Herrera:
In his “Nueva Crónica y Buen Gobierno” the indigenous chronicler Felipe
Guaman Poma de Ayala depicts three instances of shell horn playing. Two appear
related to the announcement of important persons. Thus, the victorious Inca “general”
Challcochima blows a conch in the company of “general” Quizquiz, apparently
announcing the capture of Huascar Inca. Likewise, the lord of Inca messengers Churu
mullu chaski curaca blows a shell horn, probably to signal that he is the bearer of an
important message. (Herrera, 2004: 62)
Nos relatos etnohistóricos a prática de tocar instrumentos sonoros é
referida como reservada aos homens (Bellenguer, 2007: 125), com exceção
dos pequenos tambores (tinyas) que são em geral tocados por mulheres,
especialmente durante a época chuvosa (ibid.):
The only instrument mentioned in the chronicles as played by women seems to
have been the drum, or rather various types of drums: from small handheld ones to
large instruments suspended on specially constructed stands. It must be emphasized
that women are not the only musicians using drums. Certain situations called for the
presence of men playing these instruments whenever they served a special purpose
(…). (Gruszczynska, 2004: 255-256)
Por fim, idiofones e chocalhos estão muito associados, tanto na
iconografia, quanto nos dados etnográficos, a xamãs, curandeiros e indivíduos
70
que fazem a mediação entre os planos sobrenaturais e humano, como veremos
detalhadamente no Capítulo V. Entretanto, estes instrumentos podem também
aparecer associados a indivíduos do mais alto status, como veremos no
Capítulo III.
71
Capítulo III
Música, Performance e Poder: Os Músicos Oficiais
Veinticuatro tocadores de flautas de pan
animan tradicionalmente cada una de las
formaciones de Hanaq y Uray lado. Estos
sikuri y bailarinas abren el camino a sus
respectivos
representan
portaestandartes.
a
las
divinidades
Estos
o
Apu,
“señores de las montañas”, con los cuales
están asociados sus linajes, incumbiéndoles
el mantenimiento de los santuarios o
calvarios que les están dedicados. ¿Así, no
es tentador establecer una relación entre el
número simbólico de veinticuatro sikuri y el
de antiguos santuarios asignados a las
posiciones del sol y de la luna, que otrora
constituían la base de cálculo del tiempo
gracias a un doble calendario luni - solar
dividido en doce lunas y doce soles?
(Bellenguer, 2007:263)
A organização social da costa norte peruana no período Moche Médio se
fundamentou na atuação política, religiosa e militar de uma série de indivíduos
de poder que pertenciam ou mantinham alianças com grupos ou linhagens
específicas
que
dominavam
os
vales.
Essas
elites
comandavam
e
normatizavam os cultos oficiais ordenados no calendário ritual, tendo sido seus
protagonistas amplamente representados na iconografia, tanto em bens
portáteis quanto em espaços arquitetônicos (Fash, 2010: 318). Este capítulo se
dedicará a reconhecer esses agentes do poder oficial na iconografia, buscando
compreender como a produção sonora e os músicos se relacionavam com
essas elites e como atuavam nas cerimônias oficiais preceituadas por elas.
72
Durante o processo de análise iconográfica notamos uma enorme
quantidade de músicos portando elementos e atributos de personagens de alto
status, bastante conhecidos e debatidos na bibliografia. Eles são representados
tanto em forma escultórica quanto pictórica, participando de danças,
cerimônias, procissões e batalhas. A coerência de seus atributos e das
ocasiões nas quais atuam, bem como suas constantes relações e associações
com personagens elementares do universo mochica demonstram que
provavelmente houve, entre os mochicas, uma produção sonora rigidamente
normatizada e relacionada a determinadas cerimônias e ocasiões públicas que
visavam, ontologicamente, a conexão com os planos sobrenaturais da
existência e, politicamente, a manutenção do poder dessas elites. Esta
produção sonora considerada “oficial” era realizada por músicos relacionados
aos grupos de poder, aos governantes e aos sacerdotes, como veremos na
iconografia. Por esta razão, os denominamos “músicos oficiais”.
Os tipos de instrumentos tocados, os atributos e vestimentas utilizados
pelos músicos e a época do ano em que ocorriam determinados eventos
funcionam como marcadores importantes das especificidades da produção
sonora oficial mochica. Todos estes detalhes foram dignos de representação
no aparato ritual por uma razão: a produção sonora oficial serviu ao projeto de
legitimação de poder das elites no período Moche Médio, como discutiremos ao
longo deste capítulo com base nos dados levantados.
Parte I: Performance, Ritual e Poder no Mundo Moche
De acordo com as últimas evidências arqueológicas levantadas em
todos os vales da costa norte (Quilter & Castillo, 2010) a era Moche se
caracterizou por uma configuração política bastante diferenciada das ocorridas
anteriormente na costa norte do Peru, como lembra Arcuri (2014: 273):
El tema del origen del Estado en los Andes ha sido ampliamente debatido en
los últimos treinta años. En el contexto de la costa norte, la gran mayoría de las
publicaciones enfocaron el desarrollo del “Estado Moche”, aunque los especialistas
han reconocido, desde hace décadas, la diversidad de contextos en que distintos
73
dominios políticos alcanzaron actuación supralocal sobe los valles e intra-valles
costeños, a partir del segundo milenio de la era precristiana.
Bawden (2004: 120-122) assinala uma constante tensão na história da
costa norte andina, entre um padrão político regional, característico de
períodos nos quais predominavam crenças comunais em contraposição a
momentos nos quais prevaleciam projetos de poder fundamentados em uma ou
mais autoridades centrais (correspondentes aos Horizontes Andinos de John
Rowe 12). O Horizonte Inicial ou Formativo teria representado “uma tentativa dos
governantes locais de quebrar a barreira das organizações comunais” (ibid.).
Esta configuração teria permitido o surgimento do domínio mochica (ibid.). Para
o autor (ibid.) os estilos cerâmicos do início do Intermediário inicial: Vicús,
Viru/Gallinazo e Salinar, além do próprio Moche, não representariam culturas
ou etnias diferentes, mas tão somente a configuração sociopolítica da região,
dado que as ocupações residenciais e artefatos de uso doméstico desses
grupos se mostravam idênticos, bem como as práticas de enterramento (ver
Capítulo II).
Moche, neste caso, não configuraria uma etnia, mas um projeto de poder
no contexto do início da era atual na costa norte peruana. O elemento que o
distinguiu das demais expressões do Intermediário Inicial teria sido justamente
um amplo exercício de autoridade e poder, fundamentado em múltiplas
estratégias políticas, econômicas e religiosas (ibid). Remanescentes dessas
práticas de poder são encontradas arqueologicamente na organização espacial
das estruturas arquitetônicas públicas, na iconografia, na padronização da
produção da cerâmica ritual e dos elementos utilizados para as cerimônias
(taças, recipientes para aspirar coca, vestimentas, facas sacrificiais), bem como
na padronização dos papéis de autoridade exercidos por indivíduos de alto
status enterrados nas plataformas funerárias das grandes huacas. Os eventos
públicos oficiados por essas elites, ocasiões nas quais essas práticas de poder
foram especialmente ritualizadas, teria requerido toda uma materialidade
especialmente produzida para este fim.
Como vimos no Capítulo II, a diversidade de evidências materiais entre
os vales ocupados pelos mochicas foi interpretada pelos arqueólogos como
12
Rowe, 1962; Julien, 2008.
74
indicadora de diferenças regionais e uma organização política descentralizada.
Com tantas variações regionais, era imprescindível que houvesse elementos
unificadores desses diferentes grupos mochicas. Para Donnan (2010: 47), este
elemento teria sido a religião e os seus símbolos, fundamentados num culto de
caráter estatal altamente normatizado (Donnan, 2010: 58-59) no qual se
produzia uma série de ritos que culminavam na Cerimônia do Sacrifício,
provavelmente o rito principal:
I propose that this religion was not simply a set of religious beliefs and practices
that were widely shared over a large geographic area, but involved a highly structured
religious organization, with a rigidly prescribed, hierarchical priesthood. It served as an
overarching institution that unified the Moche state, regardless of the regional
differences, political factions, or changing allegiances that developed. (Donnan, 2010:
58-59.)
Uma religião com essas características certamente demandava a
presença de sacerdotes e especialistas com a incumbência de conduzir os
rituais oficiais e legitimá-los perante uma extensa população. O caráter público
dos eventos litúrgicos é facilmente observável no registro material mochica e
na arquitetura das principais huacas, caracterizada por grandes espaços e
plataformas com vestígios de ocorrências cerimoniais. A organização espacial
foi um dos elementos fundamentais desta dinâmica:
As archaeological research has demonstrated, the construction of authority in
Moche polities was closely related to public performances and the control of material
expressions of ideological power, including the elaboration and use of public
architecture. (Gamboa, 2015: 88)
Bawden (2004: 118) sugere que a iconografia com ênfase nas
autoridades e as cerimônias públicas com sua ampla atuação tenham sido as
estratégias
de
poder
fundamentais
usadas
pelos
governantes
para
consolidarem suas posições e manterem suas identidades sociais e políticas
na medida em que, nas palavras do autor, “as estruturas de poder eram
mantidas por rituais de mediação sobrenatural e reciprocidade” (ibid: 119.):
75
(…) Moche leaders created a potent political ideology that synthetized dramatic
public ritual, regalia, and symbolism to assert their central role in maintaining social
order. (Bawden, 2004: 122)
O grau de suntuosidade dessas cerimônias no Período Médio gerou uma
grande mobilização de recursos e um aparato de ostentação para esta prática:
os metais e pedras preciosas usados na parafernália ritual dos sacerdotes, nas
taças e objetos cerimoniais utilizados, a força de trabalho empregada e
organizada para transformar a matéria prima nesses artefatos, as plataformas
construídas nas huacas em posição estratégica para abrigar de centenas a
milhares de espectadores (Billman, 2010: 186) etc, demonstram que esta
cerimônia teve uma importância extraordinária para a religião e para a
manutenção das elites mochicas no poder. Seguramente tanto este quanto
outros rituais oficiais eram sustentados ideologicamente pelos pressupostos da
cosmovisão, com predominância de elementos simbólicos como o sangue do
sacrifício e os estados alterados de consciência induzidos por plantas
alucinógenas.
Scullin, em sua tese intitulada A Materiality of Sound: Musical Practices
of the Moche of Peru (2015) analisa aspectos acústicos da produção sonora
mochica, inclusive a performance, usando um modelo de Estado Teatral
(Theater State) (ibid: 82). Este modelo reitera a importância destes rituais
enquanto eventos públicos e de grandes dimensões, assinalando este
momento como um dos mais importantes na construção da autoridade dos
governantes que deles participam:
Instead of viewing performance and ceremony as a mask behind which the
reality of political power functioned, the Theater State model presents performance and
ceremony as the goal towards which all other political actions work, and from which all
political power derives. (Scullin, 2015: 82 - 83)
E, como bem lembra a pesquisadora, eram eventos nos quais havia
intensa produção sonora:
76
The larger and more elaborate performance spaces at the Moche sites indicate
the importance of public events, which according to the corresponding iconography,
most likely involved some form of sound produced by both humans and sound
producing artifacts. Therefore, whether describing a “theocratic state” or a “Moche
State Religion,” numerous scholars postulate that power arose within Moche society
through the co-option of ritual performance. While the broader themes of these
performances remained similar and stable over time and between regions, each region
had a different local development in the way in which elites utilized these performances
to consolidate and maintain power (Scullin, 2015: 81-82).
Os grandes eventos públicos e a produção sonora que eles produziam
foram de fundamental importância para a manutenção do poder das elites do
período Moche Médio. Por meio da performance ritual, e sonora, estes
indivíduos legitimavam seu poder e suas atribuições simbólicas no ritual,
encarnando o papel das principais divindades. Por esta razão, buscaremos
compreender neste capítulo os papéis dos músicos dentro destes eventos
específicos, relacionando-os com outros personagens de poder do mundo
Moche, quando for o caso.
III.I.I. Personalidades Iconográficas
13
e Papéis de Autoridade no Mundo
Moche
A grande quantidade de bens de prestígio e atributos de poder presentes
nos vestígios arqueológicos, tanto em contextos de enterramento quanto nas
representações iconográficas, apontam para uma série de papéis sociais de
autoridade, um traço característico da organização social mochica. Indivíduos
associados
a
bens
de
prestígio
são
amplamente
encontrados
em
enterramentos e seres dotados de traços sobrenaturais e atributos de poder
são largamente representados na iconografia do Período Médio. Estes
personagens de poder, ataviados com plumas, túnicas, toucados, diademas,
braceletes, narigueiras, colares, peitorais, protetores coxais e orelheiras
circulares, associados muitas vezes a tronos e liteiras, acompanhados e
servidos por um séquito de personagens, estampam uma enorme quantidade
13
Conceito de Makowski discutido no capítulo II.
77
de vasilhas de cerâmica do período Médio, hoje presentes em coleções
arqueológicas ao redor do mundo. Eles participam em cenas e narrativas
complexas pintadas em linha fina nos bojos dos vasos, como o Tema do
Enterro
(Donnan
&
McClelland,
1978),
a
Cerimônia
do
Sacrifício
(Hocquenghem, 1987: 124-125; Donnan & McClelland, 1999: 131; Quilter
2002:162; Benson 2012: 73), a Cerimônia da Coca (Donnan & McClelland,
1999: 84; Bourget 2006: 40), chamada também de Cerimônia do Arco Bicéfalo
(Uceda, 2008:154), a Rebelião dos Objetos (Makowski, 1996; Chero, 2015:
379, 393), entre tantas outras. Como vimos no Capítulo II, a facilidade em
reconhecê-los na cerâmica ritual e nos enterramentos levou a uma discussão
sobre o conceito de personalidades iconográficas, isto é, a identidade política e
religiosa dos indivíduos representados artisticamente.
Makowski discute como esta expressiva e suntuosa materialidade
sustentava, legitimava e alimentava os papéis de autoridade mantidos por
estes indivíduos, garantindo a eles o direito de conduzir e participar das mais
importantes cerimonias oficiais do mundo Moche:
Earle (1987) drew attention to the political role of cultural paraphernalia. In
complex societies, an individual may adopt more than one identity in a lifespan, and the
political identity is one of the most important ones (…). For the Moche, this identity was
expressed in the adoption of ceramic vessels, clothing, ornaments, and headdresses in
the distinctive Moche style: they endowed their owner with the right to participate in
supracommunal ceremonies organized by the state. (Makowski, 2010: 283)
Em 1994 o autor publicou um estudo sobre os personagens humanos
paramentados com túnicas e atributos de poder que até então haviam sido
pouco abordados nos estudos de iconografia em comparação aos seres
sobrenaturais, protagonistas de uma grande quantidade de estudos (ibid.: 54).
Seu artigo foi um dos primeiros a tentar precisar as identidades dos
personagens que apareciam em cultos, procissões e cerimônias públicas
(ibid.). Makowski os designou como “oficiantes”, usando um método semiótico
para identificá-los com base em seus atributos, mas foi a análise das narrativas
pintadas em linha fina que permitiu defini-los mais precisamente:
78
El contexto narrativo permite definir a los personajes de túnica larga como
“oficiantes”. No combaten, no cazan, no pescan, ni recolectan caracoles terrestres; el
baile y el acompañamiento musical son las únicas actividades colectivas en las cuales
toman parte activa, al igual que otras categorías de personajes. Asumen más bien
roles protagónicos en los momentos culminantes de las ceremonias cuando el acto
realizado implica una comunicación directa con el numen (Makowski,1994: 55-56).
Em geral esses oficiantes apresentam como atributos túnicas, capas,
orelheiras e braceletes. Muitas vezes têm toucados elaborados, que lhes
conferem um poder ainda maior. A designação mais conhecida aferida aos
personagens de mais alto status é a de Sacerdote Guerreiro, dada por Alva &
Donnan (1993) logo após a descoberta das tumbas de Sipán, em 1987. Este
conceito se refere ao papel social de mais alto status que indivíduos do sexo
masculino poderiam alcançar na sociedade mochica, unindo as atribuições
mais reverenciadas: guerreiro, sacerdote e governante. As evidências
arqueológicas das três funções são verificáveis nos atributos de poder
associados a esses indivíduos em enterramentos e na posição central que
ocupam nas plataformas funerárias das huacas, muitas vezes acompanhados
por seu séquito, incluindo mulheres, crianças e adolescentes. Eles também são
amplamente representados na iconografia da cerâmica ritual, como veremos ao
longo da nossa análise. Os atributos que mais os definem são os toucados
elaborados, geralmente com apliques frontais, plumas e diademas de metal;
túnicas, mantas e capas como vestimenta, adornos como orelheiras circulares,
narigueiras, braceletes, colares, protetores coxais, escudos, maças de guerra,
peitorais de concha ou metal, facas sacrificiais, taças e estandartes.
III.I.II. A Cerimônia do Sacrifício: Religião, Ritual e Poder
Um dos traços mais característicos da iconografia do Período
Intermediário Inicial é a presença de personagens que compartilham traços
sobrenaturais e humanos ao mesmo tempo (Makowski, 1996: 27; La Chioma,
2013: 51). É comum que seres com corpos e vestimentas humanas
apresentem também caudas e presas de felino, por exemplo. Os seres míticos
da iconografia do Intermediário Inicial se confundem com seres terrenos
79
(Makowski: ibid.). Esses personagens seriam os seres sobrenaturais de
aspecto humano, ou as divindades principais de uma espécie de “panteão”
mochica, cujas contrapartes terrenas seriam os indivíduos das elites que levam
seus atributos nas grandes cerimônias.
A partir da fase IV, ou Período Médio, foram introduzidos na arte
mochica diversos personagens de poder atuando em diferentes cenas e
narrativas. Uma das mais conhecidas é o Tema de Apresentação (Donnan,
1975), hoje mais conhecido na bibliografia como Cerimônia do Sacrifício,
brevemente mencionada no Capítulo II. Donnan (ibid.) foi o primeiro a publicar
uma análise completa sobre esta cena, designando seus principais
personagens com letras, como se pode observar na prancha 6. Por ser um
tema típico da fase IV, produzido em menor quantidade na fase V, se encontra
presente maiormente na cerâmica ritual, aparecendo também em metais e
alguns murais de edificações arquitetônicas, como na huaca de Pañamarca, no
vale de Nepeña (Benson, 2012: 74) e na Huaca Cao Viejo, no vale de Chicama
(Quilter, 2002: 167).
A cena é dividida em duas partes por uma serpente bicéfala, cada uma
contando com oito personagens, entre animais e sacerdotes. Os personagens
centrais, paramentados atributos de poder, são as figuras designadas como A,
B, C, D e E, estando as quatro primeiras localizadas na parte superior e a
última na parte inferior da cena. As evidências arqueológicas e iconográficas
revelam que os status e papéis sociais dos indivíduos mochica estavam
claramente representados nas vestimentas e nos atributos (Makowski, 1996:
64; 2014, comunicação pessoal; Bernier, 2010: 91, Donnan, 2012: 186). A
túnica longa, por exemplo, é característica da vestimenta dos sacerdotes
(Makowski, 1996: 89; De Bock, 2005: 50).
O primeiro personagem central da cena, denominado por Donnan (1975)
de Rayed God (Deus Radiante), apresenta túnica longa (com estampa dividida
em pares de quadrados claros e escuros), protetor coxal, orelheiras circulares
com esferas em redor, narigueira, braceletes longos, peitoral e presas. Seu
traço mais característico é o toucado em forma de capacete alongado com
diadema semilunar no topo (também chamada de tumi em referência ao
formato da faca sacrificial andina), do qual saem raios ou halos, em geral com
cabeças de serpente, razão da nomenclatura Deus Radiante. Ele recebe a taça
80
com o sangue do sacrifício oferecida pelo personagem B, um guerreiro com
cabeça de ave. Este personagem começa a aparecer na iconografia da fase IV
(Benson, 2012: 76), mas também está presente em narrativas da fase V, como
a Rebelião dos Objetos (Chero, 2015: 379). É importante lembrar que no
período Moche Tardio, associado geralmente à fase V, o fenômeno climático
do El Niño gerou consequências devastadoras na costa norte peruana. Na
complexa cena deste período, o Ser Radiante vence o caos e a desordem que
o El Niño impõe drasticamente sobre o mundo mochica, trazendo ordem e luz
(ibid.: 77). Por ser um oficiante que faz uma clara alusão ao mundo diurno, o
chamaremos de Senhor Solar.
O personagem D, por sua vez, apresenta características antagônicas ao
Senhor Solar 14. É chamado de Guerreiro Coruja por Makowski (1996: 30), já
que porta os mesmos atributos e vestimentas das corujas antropomorfizadas
representadas em grande escala na cerâmica do período Médio (prancha 2).
Seus atributos são a túnica e o protetor coxal feitos de placas de metal,
orelheiras circulares com esferas em redor, narigueira, longos braceletes,
presas, uma espécie de cauda, parecida com uma rede pendente da parte
posterior de sua túnica, apêndices que saem de seu toucado e, finalmente, o
suntuoso toucado em forma de V com diadema em formato semicircular,
aplique de cabeça de animal na parte anterior e plumas na parte posterior.
Apresenta ulluchus espalhados ao seu redor e aparece batendo palmas e com
a boca aberta. Em algumas cenas pode aparecer carregando uma clava. Em
algumas cenas troca o toucado em V por um toucado diferente de tentáculos
de polvo (prancha 7).
O elemento mais característico da Divindade Coruja é o toucado (ibid.),
usado pelos oficiantes e sacerdotes que desempenham funções relacionadas a
este ser sobrenatural. Makowski (ibid.: 43) em sua extensa análise da
iconografia assegura que o Guerreiro Coruja é identificado por la muy
recurrente asociación entre el vestido cubierto de placas de metal, incluyendo
el protector coxal y el casco de dos penachos. A cabeça de animal presente no
toucado pode variar dependendo da representação. Felinos, raposas, corujas e
até macacos podem estar representados no centro do diadema.
14
Usamos o termo oposição em referência aos princípios do tinku andino, no sentido de uma
complementaridade de opostos e de um equilíbrio de forças, como já explicado no Capítulo I.
81
Este personagem assume a função de sacrificador na Cerimônia do
Sacrifício (Makowski, 1996: 58) e é também quem sempre recebe as conchas
Strombus (pututos) nas várias narrativas em que existem entregas e trocas da
concha (prancha 11). O papel do sacrificador também é exercido por outros
oficiantes com face e características de ave noturna, participantes do séquito
do Senhor Principal (ibid.):
Salvo el episodio del combate con el Mellizo terrestre, el Guerrero del Búho
nunca actúa, solo presencia los eventos y recibe las ofrendas que le corresponden.
Sus funciones las delega a sus lugartenientes, búhos guerreros y búhos sacerdotes,
los que presiden todo un conjunto de búhos, lechuzas y murciélagos vestidos de
oficiantes (Makowski, 1996: 92).
Corujas e morcegos, animais do hurin, se encontram frequentemente
associados a este personagem na iconografia. Por estar cosmologicamente
associado ao inframundo, ao sangue do sacrifício, à morte e aos animais
noturnos, cremos que a melhor forma de o designar seria Senhor Noturno
(Arcuri, comunicação pessoal, 2007; Bourget 2009). Benson (2012: 65, 74)
afirma que um guerreiro com características de coruja usando túnica ou camisa
de placas de metal e um capacete flanqueado por motivos escalonados, ou o
toucado clássico em V, está presente na arte mochica desde o período Inicial,
mas que o Senhor Noturno (chamado pela autora de Plate Shirt God) foi
introduzido na fase IV e, especificamente, na região Moche Sul (ibid.).
Claramente o Guerreiro Coruja e a Coruja Sobrenatural, presentes nas fases
anteriores, dão lugar a um personagem de alto status, ricamente paramentado
e cujo protagonismo nas cerimônias faz referência a uma das principais
funções oficiadas pelos Sacerdotes Guerreiros neste período de ascensão dos
grupos de poder.
À época, essas cenas eram objeto de discussão se referentes a
narrativas do mundo sobrenatural ou não, embora muitos pesquisadores
acreditavam que se tratava tão somente de representações míticas (Quilter,
2002: 162; Donnan, 2010: 49). Esta percepção passou a mudar a partir da
década de 80 do século XX, com os achados em Sipán (Vale de Lambayeque)
82
e San Jose de Moro 15 (Vale de Jequetepeque). Para alguns autores, como
Benson (2012: 73), a Cerimônia do Sacrifício continua sendo uma narrativa
alusiva ao sobrenatural, enquanto para Donnan (2010: 69, 2012: 186) as
evidências dos enterramentos supracitados teriam sido suficientes para
assegurar que a iconografia faça referência a um ritual de fato praticado pelos
indivíduos representados. Esta impressão se consolidou na obra do
pesquisador com as descobertas que sobreviriam nos anos 90 e início do
século XXI, como as da Huaca Cao Viejo (Franco, 2009):
We no longer have any doubt that the Moche enacted the Sacrifice Ceremony,
and that it involved real participants. We also now realize that the Sacrifice Ceremony
was not an isolated ritual, but was part of a series of activities that served as the
ceremonial focus of a highly structured religion, with a hierarchical priesthood that had
distinct ritual vestments signifying each officiant`s rank and function. Moreover, we can
now demonstrate that this religion was practiced throughout the territory occupied by
the Moche, and that it persisted, without significant change, for centuries (Donnan,
2010: 69).
A distinção entre a natureza real ou sobrenatural dessas cenas e,
consequentemente, dos personagens, tem produzido uma evidente inquietação
nas discussões acadêmicas sobre o mundo Moche, como aponta Quilter
(2002:162):
The bivalent mode of interpreting art as both revelatory of everyday life and yet
not depicting everyday life, but rather expressing religious concepts, has been a
constant issue in Moche studies and, in essence, is contradictory. The art is used both
to gain insights into how living Moche people did things such as hunt, travel by boat, or
make war and as a window into religious beliefs.
Hoje os pesquisadores lidam com a ideia de que muitos dos
personagens presentes nas cerimônias de linha fina e em forma escultórica de
15
Segundo Donnan (2010:49) as escavações em San Jose de Moro deram a ele a dimensão
da veracidade da cerimônia do sacrifício enquanto ritual, já que ali foram encontradas duas
mulheres que correspondiam à figura C.
83
fato cumpriram papéis importantes no mundo mochica como “personas sociais”
(Bourget, 2006: 179).
A Cerimônia do Sacrifício é, possivelmente, uma representação de uma
cerimônia tanto mítica quanto real, já que muito provavelmente os indivíduos
nela representados constituam as contrapartes terrenas das divindades que, de
acordo com as ontologias Moche, oficiavam a mesma cerimônia no numen.
Nas palavras de Quilter (2002: 164-165), os sacerdotes assumiam os papéis
das divindades no momento do ritual. Em vista disso, estamos de acordo com
Donnan segundo o qual os indivíduos encontrados nas tumbas de Sipán, San
Jose de Moro e Huaca Cao Viejo seriam, de fato, os mesmos personagens
representados na Cerimônia do Sacrifício.
As Tumbas Reais de Sipán conformam o conjunto funerário pertencente
ao complexo arqueológico Huaca Rajada – Sipán, localizado no distrito de
Zaña, departamento de Lambayeque. A Huaca Rajada, edificação mais
importante do sítio, é composta por três estruturas sobrepostas, à maneira
tradicional
das
huacas
mochicas,
com
múltiplas
remodelações,
correspondentes a épocas distintas. Este foi, comprovadamente, um dos
maiores centros de poder mochica de toda a costa norte, e uma grande
referência política na região Moche Norte.
No ano de 1987 os arqueólogos Walter Alva, Susana Menezes e Luis
Chero Zurita evidenciaram a arquitetura da pirâmide – que vinha sendo
saqueada diariamente, encontrando nas plataformas dos edifícios I e II
enterramentos de indivíduos de elite paramentados com uma admirável
quantidade de atributos de poder confeccionados com matérias primas de
prestígio e associados a oferendas (Alva & Donnan, 1993; Alva, 2006). Estes
foram denominados: o Senhor de Sipán (prancha 12), o Sacerdote e o Velho
Senhor. Também foram encontrados os enterramentos de três indivíduos
identificados como nobres e dois identificados como guerreiros. Na temporada
de 2007, mais três tumbas foram encontradas, dentre as quais duas continham
instrumentos musicais associados aos indivíduos enterrados, como veremos
ainda neste capítulo, detalhadamente.
O Senhor Solar tem seus atributos plenamente associados aos artefatos
encontrados na tumba do Senhor de Sipán (pranchas 12 e 15). De acordo com
as interpretações baseadas no conceito de personalidade iconográfica
84
(Makowski, 1996) o personagem A não identificaria necessariamente o
indivíduo que encarnou o Senhor de Sipán, mas o papel social que este Senhor
protagonizou e que não lhe é exclusivo, já que muitos outros indivíduos das
elites mochicas podem igualmente tê-lo protagonizado. Esses personagens, de
posição hierárquica importante, comandavam as cerimônias públicas nas
huacas:
(…) figures such as A, B, and C were not specific individuals but were roles –
similar to priests, cardinals, and bishops of the Catholic religion. (Donnan, 2010: 51)
O debate sobre estes papéis sociais abarca pontos de vista opostos aos
de Donnan, como o de Benson (2012: 77) que não vê correlatos dos
personagens da Cerimônia do Sacrifício nas Tumbas de Sipán. A crítica da
autora incide sobre o fato de que estas interpretações tenham tido como base
somente a iconografia da região Moche Sul. Sabemos, entretanto, que a
cerâmica da região Moche Norte não se caracterizou pelas narrativas em linha
fina com narrativas complexas, tão características da região Moche Sul, a não
ser no período mais tardio no Vale do Jequetepeque. A cerâmica Moche Norte
continuou sendo produzida até os períodos mais tardios, em grande medida,
com os mesmos cânones da cerâmica dos períodos iniciais: em geral vasilhas
escultóricas representando animais, plantas e seres sobrenaturais, como o
animal lunar, com bojos e gargalos estilisticamente muito identificados com as
vasilhas das fases I e II dos vales de Moche e Chicama. Há nitidamente uma
maior continuidade na região Moche Norte da cerâmica que foi produzida nos
primeiros séculos de presença mochica na costa norte. Por esta razão,
acreditamos que o tema da Cerimônia do Sacrifício esteja ausente na
iconografia da região Moche Norte não porque a cerimônia não tenha ocorrido
naqueles vales, mas porque os cânones da produção cerâmica naqueles vales
eram distintos dos cânones da cerâmica fase IV do Sul. No vale do
Jequetepeque, entretanto, uma região de transição entre as áreas Moche Norte
e Moche Sul, foram encontrados temas complexos como a Cerimônia do
Sacrifício ou o Tema do Enterro de fase V em San Jose de Moro. Como vimos
no Capítulo II, este estilo foi chamado “Estilo Moro” por Donnan e Castillo.
85
Nosso objetivo não é o de examinar pormenorizadamente todas as
narrativas das épocas Moche Média e Tardia, mas o de demonstrar que os
protagonistas de algumas dessas narrativas, claramente indivíduos de alto
status e de grande protagonismo político e religioso, são os mesmos que tocam
instrumentos musicais na iconografia. Tais relações entre músicos e
protagonistas de alto status não foram feitas anteriormente por nenhum
estudioso já que, em geral, personagens associados a instrumentos sonoros na
arte mochica foram por muito tempo referidos na bibliografia como meros
“animadores de cerimônias” sem maiores reflexões sobre o real papel do som e
desses instrumentistas na sociedade.
Parte II: Identificação dos Músicos Oficiais
Em nossa amostragem encontramos peças escultóricas e pictóricas com
representações de músicos que poderiam ser considerados “oficiais”, isto é,
oficiantes, sacerdotes, guerreiros ou outros personagens ligados a uma
produção
sonora
oficial,
claramente
submetida
a
uma
normatização
supervisionada pelas autoridades político-religiosas e, principalmente, inserida
em eventos oficiados por personagens de poder.
Tínhamos a possibilidade de organizar estes músicos de múltiplas
formas: priorizando as narrativas ou categorias organológicas, por exemplo.
Poderíamos colocar, num mesmo grupo, todos os tocadores de antaras do
plano terreno, independentemente de seus atributos, e em outro, todos os
tocadores de chocalhos. Entretanto, nosso intento é o de compreender
primeiramente o papel social dos músicos no âmbito da sociedade mochica, e
acreditamos que para chegar a tal compreensão a característica mais
importante a ser analisada seja o conjunto de atributos de poder. Personagens
com os mesmos atributos de poder podem tocar instrumentos diferentes em
ocasiões diferentes, mas revelam as mesmas personalidades iconográficas,
isto é: são os mesmos papéis sociais. Vale lembrar que em nossa tese
buscamos analisar primeiramente os músicos e não os instrumentos sonoros, e
que a posição social de um indivíduo na sociedade mochica é demonstrada
principalmente por seus atributos de poder, elementos condutores da
classificação proposta aqui.
86
Como vimos anteriormente, oficiantes e Sacerdotes Guerreiros podem
ser identificados pela associação dos seguintes elementos: túnicas, capas,
toucados elaborados e orelheiras circulares. Podem também compor seus
paramentos: braceletes, narigueiras, colares, peitorais e protetores coxais,
além de pinturas corporais. Esses eram os atributos dos indivíduos
encarregados dos mais altos cargos religiosos e políticos.
Justamente no período Médio esses mesmos personagens de poder
foram introduzidos na arte com proeminência, desempenhando papéis
protagônicos em narrativas sobre religião, rituais, morte e transcendência bem
como compartilhando traços e atributos de divindades tão antigas como a
divindade com presas16, cuja presença na cultura material decorria do período
Formativo. Todo este empenho em abrir espaço para as elites na arte reforça a
proposição de que as representações desses personagens obedeciam ao
propósito de definir e legitimar seus papéis como mediadores oficiais entre
suas comunidades (em cada vale) e os planos extra-físicos da existência
presentes nas ontologias andinas: o hanan e o hurin. Isto teria decorrido de um
processo gradual de ascensão desses grupos de poder na costa norte desde o
Formativo Final, chegando ao seu ápice no Período Moche Médio, como
discutido por Billman 17 (2010). De acordo com Benson:
Moche architecture, murals and fine crafts mirror developments in Moche
political history, for they embody the will and the administrative and cosmological
needs of rulers, for whom the arts were an important part of their politico-religious
power structure. (…). The rules for what was shown and how it was shown must have
been quite strict, yet there was allowance – and perhaps need – for the fresh and
creative spirit that gives life to any fine art; enlivening seems to have been very much a
part of Moche artistic endeavor. (Benson, 2008: 1)
Tomemos como exemplo as representações de guerreiros na cerâmica
ritual, que em sua imensa maioria contempla os combatentes de alto status,
paramentados com os atributos de poder já mencionados. Os guerreiros
comuns raramente eram representados (Quilter, 2002: 171). Havia uma
16
17
A ser discutida no Capítulo IV.
Ver Capítulo I.
87
escolha artística por tipos de personagens que seriam representados, inclusive
músicos, e essa escolha era normatizada pelo poder vigente e pelos cânones
da cosmovisão.
Cientes do papel central que os personagens representados nas
grandes narrativas tinham na vida social, política e religiosa ao longo dos vales
no período Médio, passaremos agora a analisá-los pormenorizadamente,
enquanto no papel de músicos ou produtores de som.
A análise de nossos dados nos levou a duas grandes categorias de
músicos oficiais, com suas respectivas subcategorias:
A. Oficiantes I: Sacerdotes Guerreiros e Sacerdotisas
A.1. Senhores Noturnos (Adoradores)
A.2. Senhor Solar
A.3. Toucados de Dois Círculos
A.4. Toucados de Diadema Semilunar
A.5. Toucados de Cabeça de Animal
A.6. Toucados de Duas Mãos (Tomadores de Coca)
A.7. Outros tipos de toucados
A.8. Sacerdotisas
A.9. Quenistas de Turbante
B. Oficiantes II: Guerreiros, Acompanhantes e Anunciantes
B.1. Guerreiros
B.2. Acompanhantes
B.3. Anunciantes
B.4. Mulheres Percussionistas
III.II.I. Oficiante A: Sacerdotes Guerreiros e Sacerdotisas
III.II.A.1. Senhores Noturnos (Adoradores)
Como discutido no início deste capítulo o Senhor Noturno é um
personagem de alto status derivado do Guerreiro Coruja, representado nas
fases IV e V da cerâmica Moche Sul. O Guerreiro Coruja (Prancha 2),
88
geralmente apresenta a cabeça e as asas do animal (G.C.1, G.C.2, G.C.3 e
G.C.5), carregando também um escudo (G.C.1 e G.C.3), uma clava (G.C.3) ou
um disco (G.C.2). A peça G.C.4, por exemplo, mostra um personagem com
rosto humano, um Senhor Noturno com atributos de Guerreiro Coruja na
posição de prisioneiro, com a corda amarrada ao pescoço e as mãos para trás.
Já o personagem G.C.6 é um típico Senhor Noturno com vestimenta, toucado e
colar correspondentes ao personagem da Cerimônia do Sacrifício, embora à
diadema semicircular de seu toucado faltem as hastes diagonais que formam o “V”.
Fig. III.1. Vaso de alça estribo com
representação
pictórica
de
Guerreiro
Coruja, cujos atributos se igualam aos do
Senhor Noturno. Museu de Sítio de Cao,
Complexo
Arqueológico
El
Brujo.
Fotografia da autora com autorização do
Diretor, Arq. Régulo Franco, 2014.
III.II.A.1.1.O Senhor Noturno e as Tumbas de Sipán
A etapa de campo de 2007 em Sipán evidenciou que a plataforma
funerária da Huaca Rajada continha três edifícios principais. Esses seriam
projetos arquitetônicos independentes correspondentes a diferentes fases da
ocupação mochica no sítio (Chero, 2013: 9). O Senhor de Sipán, o Sacerdote e
o Velho Senhor, encontrados nas etapas de campo de 1987 a 2000, não
89
ocupavam necessariamente as mesmas camadas. De acordo com Chero
(2013: 24) o Edifício I, chamado Edifício Vermelho, seria a última etapa
arquitetônica e, portanto, a camada mais recente. Aí repousavam os restos do
Senhor de Sipán, do Sacerdote, do Senhor da Tumba 14 (Sacerdote
Guerreiro), entre outros. O Edifício II, Amarelo, seria a penúltima etapa
arquitetônica, onde foi encontrado o sarcófago do Velho Senhor. Finalmente, o
Edifício III, o mais antigo, abrigava o Senhor da Tumba 15. As tumbas de
Sipán, portanto, estão concentradas nas fases final e média de ocupação do
sítio. A fase final, na qual se encontra a tumba do Senhor de Sipán, teria
ocorrido no século VI, um período de alta pluviosidade e fenômenos naturais
decorrentes do El Niño (Chero, 2013: 41).
De acordo com Chero, a distribuição cronológica das tumbas que
interessam à nossa pesquisa na plataforma seria a seguinte:
- Período Moche Inicial: Tumba 15;
- Período Moche Médio Inicial (século III): Tumba 3 (Velho Senhor),
Tumba 5 (Guerreiro Músico), Tumba 16 (Sacerdote Guerreiro);
- Período Moche Médio (Século VI): Tumba 1 (Senhor de Sipán), Tumba
14 (Sacerdote Guerreiro). 18
Abaixo estão detalhados todos os elementos encontrados nas tumbas
14, 15 e 16, analisados na nossa etapa de pesquisa no Museu de Sítio Huaca
Rajada 19.
18
Novas datações radiocarbônicas realizadas recentemente demonstram que a última etapa
construtiva do edifício, relacionada ao Senhor de Sipán e ao Senhor da Tumba 14, se deu
entre os séculos VII e IX d.C (Chero, comunicação pessoal, 206), informação que os situaria no
Período Moche Tardio e não Moche Médio. Estes resultados ainda estao sendo avaliados por
Walter Alva e Luis Chero impossibilitando de nossa parte uma discussão mais detalhada das
recentes descobertas. No entanto, é importante em nossa pesquisa compreender que estes
dois personagens pertencem à etapa de ocupação mais tardia de Sipán.
19
Este material foi estudado no próprio museu e as informações sobre estes contextos nos foi
passada pelos diretores de escavação em seu gabinete de pesquisa. Este material se encontra
parcialmente publicado (Chero, 2013) e as fotografias são todas da pesquisadora, tomadas
com autorização da Direção do complexo arqueológico.
90
TUMBA
PERSONAGEM
PERÍODO
OBJETO
FOTO
Ornamento de
14
Sacerdote
Guerreiro
Moche
cobre dourado
Médio-
com cara de
Tardio
divindade
felínica.
Cetro/ faca
sacrificial de
14
Sacerdote
Guerreiro
Moche
cobre dourado
Médio-
com
Tardio
representação
de peixe gato
Ornamento de
cobre dourado
com cara de
14
Sacerdote
Guerreiro
Moche
divindade
Médio-
felínica. É parte
Tardio
de um colar de
7 caras de
cobre dourado
14
Sacerdote
Guerreiro
Moche
MédioTardio
Diadema de
cobre em forma
de polvo
Diadema de
14
Sacerdote
Guerreiro
Moche
MédioTardio
cobre
semicircular
com aplique de
rosto humano
91
Diadema de
14
Sacerdote
Guerreiro
Moche
cobre semicirc.
Médio-
c/ aplique de
Tardio
rosto humano e
colar de corujas
Diadema de
14
14
14
14
Sacerdote
Guerreiro
Sacerdote
Guerreiro
Sacerdote
Guerreiro
Sacerdote
Guerreiro
Moche
polvo com
Médio-
homem
Tardio
morcego
Moche
Narigueiras de
Médio-
ouro e prata
Tardio
Moche
MédioTardio
Máscara de
Coruja com
diadema
Moche
Efígie de
Médio-
Homem-Coruja
Tardio
92
14
Sacerdote
Guerreiro
Moche
Taça de cobre
Médio-
dourado
Tardio
Sacerdote
Moche
Túnica metálica
Guerreiro
Médio-
de placas
Tardio
14
Miniaturas em
cerâmica:
nove pututos,
nove guerreiros,
14
Sacerdote
Guerreiro
Moche
MédioTardio
duas antaras,
cinco cabeças
humanas,
quatro vasos
em miniatura e
seis trombetas
de caracol
Vasilhas de
14
Sacerdote
Guerreiro
Moche
oferendas: 17
Médio-
em total de
Tardio
vários tipos
Miniaturas em
14
Sacerdote
Guerreiro
Moche
cobre
Médio-
mostrando cena
Tardio
ritual
93
14
14
Sacerdote
Guerreiro
Sacerdote
Guerreiro
Moche
Médio-
Lingotes de
metal na boca
do Senhor
Tardio
Moche
Miniaturas de
Médio-
seus atributos
Tardio
14
15
vasilhas
Jovem
Moche
cerâmicas estilo
Guerreiro
Inicial
Moche Inicial
Diadema
15
Jovem
Moche
semilunar com
Guerreiro
Inicial
representação
de coruja
94
15
15
15
Jovem
Moche
Guerreiro
Inicial
Jovem
Moche
Guerreiro
Inicial
Jovem
Moche
Guerreiro
Inicial
Escudo
de
placas de cobre
40
guizos
de
cobre
Manto de pele
Não há
de animal
Orelheiras
15
15
Jovem
Moche
circulares
Guerreiro
Inicial
lantejoulas
Jovem
Moche
Guerreiro
Inicial
4
com
narigueiras
quadrangulares
Um peitoral de
15
Jovem
Moche
concha
Guerreiro
Inicial
Spondylus
95
Dois braceletes
15
15
Jovem
Moche
de
Guerreiro
Inicial
Spondylus
Jovem
Moche
Guerreiro
Inicial
concha
Uma ponta de
lança
64 vasilhas de
cerâmica
16
Senhor
Moche
Guerreiro
Médio
simples e
decoradas de
Não há
formatos
variados
3 Diademas de
meia lua em V
com rosto
16
Senhor
Moche
antropomorfo,
Guerreiro
Médio
uma delas com
representação
de animal lunar
96
Vestimenta de
placas
16
Senhor
Moche
Guerreiro
Médio
quadrangulares
de metal com
desenhos de
guerreiros
Um par de
16
Senhor
Moche
Guerreiro
Médio
orelheiras
circulares com
lantejoulas
Um peitoral
radiante de
16
Senhor
Moche
cobre que
Guerreiro
Médio
termina em
cabeças de life
Duas estólicas,
16
Senhor
Moche
uma de cobre e
Guerreiro
Médio
uma de madeira
Não há
Uma máscara
16
16
Senhor
Moche
funerária de
Guerreiro
Médio
cobre
Senhor
Moche
Guerreiro
Médio
Um “capacete”
de cobre
Não há
97
Sete
narigueiras: seis
16
Senhor
Moche
de meia lua e
Guerreiro
Médio
uma
Não há
quadrangular
16
16
Senhor
Moche
Guerreiro
Médio
Senhor
Moche
Guerreiro
Médio
Um cetro de
cobre prateado
Um tumi de
cobre
Uma pinça de
16
16
16
Senhor
Moche
cobre em forma
Guerreiro
Médio
de ulluchus
Senhor
Moche
Guerreiro
Médio
Senhor
Moche
Guerreiro
Médio
Quatro maças
de guerra
Não há
Lingotes de
metal
Não há
98
16
Senhor
Moche
Guerreiro
Médio
Lâminas de
metal
Não há
Objetos de
16
Senhor
Moche
material
Guerreiro
Médio
malacológico
Não há
Um pututo
(Strombus sp)
16
Senhor
Moche
depositado
Guerreiro
Médio
sobre a pélvis
do senhor
16
Senhor
Moche
Guerreiro
Médio
Um peitoral de
contas
Não há
Tabela III.I. Objetos encontrados nas tumbas 14, 15 e 16 de Sipán, na temporada de escavação de 2007.
Em comum a todas essas tumbas está a relação dos indivíduos
enterrados com o mundo noturno: toucados e atributos de Senhor Noturno são
visíveis na tumba 14 e atributos do Guerreiro Coruja estão associados ao
indivíduo da tumba 15:
Con la recurrencia del búho en estas tumbas podemos referir que todos los
personajes enterrados con algún referente de este animal, compartirían un estrecho
vínculo con actividades mágico-religiosas, pues debido a la magnífica visión nocturna
y la peculiaridad de observar su entorno con mayor amplitud, se convierte en el mejor
aliado para guiar el viaje a los muertos (Chero, 2013: 64).
Está claro que estes indivíduos faziam parte de uma classe de
Sacerdotes Guerreiros cujas vestimentas e atributos apresentam estreita
99
relação com os do Senhor Noturno. Para Chero (ibid.) as elites de Sipán
provavelmente encenavam rituais como os da Cerimônia do Sacrifício. A
Divindade Coruja, contraparte mítica do Senhor Noturno terrenal, é identificada,
segundo Chero (2013: 67) como guardião e senhor da noite (...), que habita as
entranhas da terra, rege os destinos do mundo do abaixo e era responsável
pelo crescimento das plantas em cujo nome se teriam realizado sacrifícios
humanos. Corujas estão ligadas ao inframundo, aos mortos e aos ancestrais:
In Moche mythology, owls are considered as sacrificers, protectors of the
harvest, or guides leading the bodies of the dead toward the world of the ancestors.
Owls’ natural behaviors and predation techniques inspired their roles in Moche
mythology. Owls kill prey, carry them in flight, and protect harvests by eating rodents
(…). (Bernier, 2010: 106).
III.II.A.1.2. A Tumba 14 e a peça do Fowler Museum
O indivíduo encontrado na Tumba 14 foi enterrado em um ataúde de
madeira reservado para os personagens de mais alto status, como o Senhor de
Sipán e o Sacerdote (Chero, 2013: 100.). Foram encontradas 204 peças de
cerâmica associadas a ele, incluindo instrumentos sonoros. Era do sexo
masculino, com estatura de 1,64 m e tinha entre 30 e 40 anos de idade (ibid.).
Foi chamado por Alva & Chero de Sacerdote Guerreiro (Chero, 2012, 2013).
Chero (2013: 100; 2015: 377) o compara ao Senhor Noturno da Cerimônia do
Sacrifício, proposição que endossamos, já que os artefatos a ele associados
reproduzem à exatidão os atributos de poder do Senhor Noturno, como é
possível verificar no quadro abaixo e nas pranchas 6, 7, 8, 9 e 14:
100
Fig. III. 2. O Senhor Noturno no centro e objetos encontrados na Tumba 14 de Sipán.
Reforça esta proposição o fato de ter sido encontrado com seu dote
funerário um segundo toucado com diadema de tentáculos de polvo (fig. III.3).
O Senhor Noturno, em muitas narrativas das fases IV e V, troca de usando o
diadema de tentáculos de polvo, como podemos ver na fig. III.3 e na prancha 7.
Fig. III.3. Detalhe de cena com Senhor Noturno usando toucado de tentáculos de polvo (ver
prancha 8) e o toucado de tentáculos de polvo encontrado na tumba 14.
A peça da prancha 46 pertence à coleção do Fowler Museum of Cultural
History (UCLA, Los Angeles). Trata-se de um vaso de alça estribo com bojo
101
globular e decoração pictórica em linha fina, característico da fase IV dos vales
Moche Sul ou período Moche Médio. A iconografia apresenta seis músicos,
quatro antaristas (nomeados como A, B, C e D) em tamanho grande e dois
trombeteiros em tamanho menor (designados com os números 1 e 2). Os
antaristas A, B e C apresentam em comum a túnica lisa e a capa
aparentemente de plumas enquanto o antarista D apresenta uma túnica de
placas quadradas e uma capa lisa. Os toucados e vestimentas são todos
típicos de Senhor Noturno. Todos usam orelheiras circulares e todas as antaras
apresentam um aplique de cabeça humana com orelheiras circulares. Os
antaristas da direita têm seus instrumentos unidos por uma corda. Um pututo
(Strombus Galeatus) e uma concha Spondylus pairam no espaço entre o último
e o primeiro antarista, no entroncamento da alça estribo com o bojo, como se
observa na terceira imagem do vaso original, na mesma prancha.
Intercalando os antaristas estão os dois trombeteiros em tamanho menor
cujos instrumentos têm formato de espiral e representação de cabeça de felino
na ponta, exatamente como os artefatos reproduzidos nas figs. III.4 e III.5.
Ambos vestem túnica, capa e capacete cônico, e apresentam pintura facial.
Além disso, apresentam clavas, que podem tanto apontar para a função de
guerreiro como demonstrar que estes personagens são acompanhantes dos
guerreiros antaristas, e levam seus instrumentos de guerra. É nítida a
diferenciação de escala entre os personagens que tocam trombetas e os que
tocam as antaras. A indumentária dos trombeteiros é mais simples, além de
estarem representados em tamanho menor. Os antaristas, por sua vez,
apresentam os atributos de poder diretamente relacionados aos Sacerdotes
Guerreiros.
Fig. III. 4. Trombeta de cerâmica em formato de espiral com cabeça de felino. Museu Larco, Lima
102
Fig. III. 5. Trombeta de cerâmica em formato de espiral com cabeça de felino. MAUNT, Trujillo.
O músico D apresenta exatamente os mesmos atributos do Sacerdote
Guerreiro, encontrado na tumba 14 de Sipán: a túnica de placas
quadrangulares com pingentes e o toucado de Senhor Noturno e as orelheiras
circulares, como se nota no quadro abaixo:
Fig. III.6: Quadro comparativo dos atributos do Sacerdote Guerreiro (Tumba 14 de Sipán) com os atributos
do músico da vasilha do Fowler Museum.
103
Não são só os atributos de poder e vestimentas que o Sacerdote
Guerreiro da Tumba 14 e o Senhor Noturno apresentam em comum. Foram
encontrados na tumba 14 exatamente os mesmos instrumentos sonoros
representados na peça do Fowler Museum: duas antaras, sete trombetas em
forma de espiral (como as tocadas pelos músicos menores) e nove pututos,
todos em cerâmica (prancha 13), que estão expostos no Museu de Sitio Huaca
Rajada (Luis Chero, comunicação pessoal, julho de 2013) (La Chioma, 2013a,
2014, 2015, no prelo). As cabeças antropomorfas em cerâmica também
encontradas na tumba 14 (prancha 13) assemelham-se aos rostos observados
nos apêndices das antaras da peça do Fowler, apesar de desprovidos do
toucado em V. É possível que os pututos e trombetas sejam miniaturas e não
soem, mas há grande possibilidade de que as antaras soem (Carlos Mansilla,
comunicação pessoal, janeiro de 2014).
Estudos de antropologia física sobre as alterações mandibulares de um
indivíduo podem ser eficazes para esclarecer a prática de tocar instrumentos de
sopro. Em 2006, um estudo conduzido por Elsa Tomasto (2006) confirmou, com
base nas alterações mandibulares de um homem nasca enterrado com 14
antaras, que ele também as havia tocado. Segundo Chero (2013: 100), as
análises de antropologia física do indivíduo da Tumba 14 conduzidas por
Melissa Lund indicam erosões mandibulares e dentais severas causadas por
atividades cotidianas, possivelmente a mastigação de coca 20. Chero não
menciona se estas alterações poderiam ter sido causadas pela prática de tocar
instrumentos de vento. Entretanto, ainda que não se comprove esta informação
para o Senhor da Tumba 14, o fato de ter sido encontrado associado às três
categorias de instrumentos representadas na vasilha e, sobretudo, aos mesmos
atributos do Senhor Noturno, demonstra que ambos compartem a mesma
persona social, a qual por sua vez está associada a esses instrumentos de
sopro.
É interessante que os sememas associados aos trombeteiros na vasilha
do Fowler Museum, como as trombetas em espiral, os pututos e as clavas de
20
El severo desgaste dental estaba acentuado en los dientes superiores e inferiores del lado
derecho, hecho que puede deberse a una patología por lesión en la articulación temporomandibular o a factores culturales como la masticación de coca como parte de actividades
rituales (Chero 2014: 100).
104
guerra também tenham sido encontrados na Tumba 14. Uma suposição poderia
ser a de que estes objetos pertencessem aos Sacerdotes Guerreiros e que, ao
atuarem em batalhas e/ou rituais públicos de grande magnitude, eram auxiliados
por assistentes que carregavam seus pertences. Na medida em que as fases do
ritual se sucediam, os Sacerdotes Guerreiros usavam um ou outro instrumento.
Esta suposição, porém, se fragiliza diante dos dados iconográficos (prancha 46)
que demonstram claramente que os personagens menores não só carregam as
trombetas, mas as tocam efetivamente. Por qual razão, então, os instrumentos
tocados pelos personagens secundários estariam associados à persona social
dos Senhores Noturnos em seus enterramentos? Não nos parece coerente que,
em uma cena de batalha ritual, justamente os guerreiros com clavas de guerra e
capacetes sejam os indivíduos menores e menos aparatados. Estes pequenos
auxiliares não usam aparato de guerra, como protetor coxal, peitoral ou escudo,
mas simplesmente túnica, capa e o capacete alongado. Segundo Chero (2013:
127) as clavas de guerra se relacionam com as classes militares da elite
mochica e foram encontradas sem exceção em todas as tumbas registradas
até agora. Além disso, as nove miniaturas de guerreiros encontradas na Tumba
14 (fig. III.8) certamente fazem uma alusão ao papel social do indivíduo. Isto
reforça os papéis desses indivíduos como Sacerdotes Guerreiros, com
atribuições bélicas além das sacerdotais.
Fig. III.7. Quadro comparativo dos atributos do Sacerdote Guerreiro (tumba 14 de Sipán) com os atributos
mostrados pelos trombeteiros no vaso do Fowler Museum.
105
Fig. III.8. Detalhe das miniaturas de guerreiros encontrados na Tumba 14. Foto da autora. Museu de Sítio
Huaca Rajada Sipán.
O desenho de tipo rollout (desenrolado) de McClelland na prancha 46
posiciona o pututo e o ulluchu ao lado do músico A - claramente por uma
decisão da artista de começar o desenho a partir do entroncamento da alça
estribo. Não obstante no vaso original se observa que ambos os elementos se
encontram entre os músicos A e D, não estando diretamente relacionados a um
só músico. Pututos e ulluchus são amplamente relacionados ao Senhor
Noturno no repertório iconográfico mochica (Golte 2009: 329), mas não
podemos atribuir o pututo e o ulluchu a apenas um dos músicos da vasilha.
Ainda neste capítulo veremos mais detalhadamente que, em cerimônias atuais
no altiplano andino, pututos podem estar associados aos comandantes de um
grupo de antaras. É muito provável que o Senhor Noturno tivesse a incumbência
de tocar estes instrumentos sonoros ao oficiar um determinado ritual. Batalhas
rituais e a Cerimônia do Sacrifício são ocasiões nas quais possivelmente os
Senhores Noturnos desempenhavam este papel. A peça do Fowler Museum
continuará a ser analisada na Parte II deste capítulo.
III.II.A.1.3. A Tumba 16 e o Senhor dos Pututos
A Tumba 16 também foi escavada em 2007, e o indivíduo que a ocupava
foi encontrado junto a uma mulher, um adolescente e três recém-nascidos (ibid.).
106
Segundo as análises de antropologia física realizadas por Mario Millones,
correspondia a um indivíduo do sexo masculino, entre 35 e 40 anos de idade e
medindo 1,67 m de altura. Ele teria tido um corpo robusto, resultante
provavelmente de seu desempenho na função de guerreiro (ibid.: 72). Chero
(ibid.: 71) o chamou de Senhor Guerreiro.
Com ele foram encontradas oferendas de cerâmica, metal e um pututo de
concha Strombus, como se verifica na tabela III.1. Os diademas de toucados
eram todos em formato V e as vestimentas em placas de metal, tal e qual os
atributos do Senhor Noturno e do Guerreiro Coruja. As quatro clavas
encontradas junto ao indivíduo reforçam seu status de guerreiro. Também foi
encontrado um cetro cerimonial com uma faca sacrificial na extremidade, além
dos atributos de poder corriqueiros: orelheiras, narigueiras, peitorais e oferendas.
Estamos de acordo com Chero (2013: 94) que este personagem, assim
como os outros indivíduos de elite enterrados em Sipán, tinham diversas
diligências, entre atividades guerreiras e sacerdotais, e que cada um destes
objetos deveria ser utilizado dependendo da ocasião.
As peças M620 e M612 (prancha 21) e a prancha 22 mostram um
personagem com atributos de Senhor Noturno em posição de oração com as
mãos espalmadas, exatamente à maneira do personagem da Cerimônia do
Sacrifício, associados a pututos e a caleros 21. Uceda (2008: 154-155) os
denominou “Adoradores”. Eles também levam nas costas capas que parecem
ser feitas com a pele e a cabeça de animais. Benson (2012: 76) acredita que o
Senhor Noturno e o Adorador são a mesma persona social. Os atributos deste
personagem são muito similares aos do Senhor da Tumba 16, porém os
elementos e o pututo encontrados na tumba seriam insuficientes para
atribuirmos ao indivíduo enterrado a persona social dos personagens da prancha
21.
É importante levar em consideração a diferença entre os pututos da
Tumba 14, feitos em cerâmica e em miniatura, e o pututo da Tumba 16, um
instrumento original, feito em concha Strombus com embocadura de metal. É
evidente que o último foi feito para ser efetivamente tocado, enquanto os da
21
Calero é o nome em espanhol para o recipiente em forma de gota que contém a cal a ser
aspirada e se apresenta junto a uma espécie de canudo para aspirar a substância psicoativa
em rituais específicos.
107
Tumba 14 eram provavelmente simbólicos. Segundo Herrera, pututos de
cerâmica não foram produzidos como substitutos dos verdadeiros pututos
marinhos em decorrência de escassez da concha:
(…) One may be tempted to follow Gudemos suggestion that a transition
occurred over time in which shell horns were replaced by pottery copies or
skeumorphs. A range of possible factors may be invoked in the support of a
replacement or hiatus hypothesis, including increased demand, difficulty in acquiring
tropical snails of the desired (large) size due to intense exploitation or population
dynamics. There is evidence to suggest that the relationship between shell and pottery
shell trumpets may not be as straightforward, however. Ethnohistoric sources strongly
suggest that marine conch horns remained in use well into the early colonial period,
despite severe religious clampdown. (Herrera, 2004: 18)
O autor atenta ainda para o fato de que, na amostragem selecionada para
seu estudo, notou a presença de duas vezes mais artefatos feitos em cerâmica
do que as próprias conchas (ibid.: 21). Reproduções em cerâmica de pututos
tinham, provavelmente, um aspecto simbólico importante e Herrera sugere que
mais
estudos
devam
ser
feitos
no
sentido
de
diferenciar,
tanto
organologicamente quanto simbolicamente, os pututos feitos de concha e de
cerâmica, respectivamente.
O pututo associado ao indivíduo da tumba 16 confere ao Sacerdote
Guerreiro também a incumbência de produzir som para os ritos públicos dos
quais participava. É muito difícil compreender porque algumas personas sociais
estavam associadas ao instrumento em concha e outros às réplicas de cerâmica.
III.II.A.1.4. A Tumba 15 e o Guerreiro Coruja
A tumba 15, também escavada em 2007, é a mais antiga das três,
pertencente ao período Moche Inicial. Nela não foi encontrado nenhum
instrumento musical, entretanto queremos destacar a presença de atributos de
coruja, como diademas, associadas a este personagem. Além disso, vasilhas
com representações naturalistas de corujas também foram encontradas, como
se verifica na tabela III.1.
108
Estas evidências sugerem que uma linhagem de elite ligada à coruja e
ao mundo noturno teve grande importância em Sipán antes da atuação do
Senhor de Sipán, ou Senhor Solar, ligado ao hanan.
III.II.A.1.5. Senhores Noturnos Escultóricos
Na Prancha 1 vemos três exemplares de apitos de Senhores Noturnos
tocando antaras. Um deles (M052) é a única peça de nossa amostragem feita
em metal. A informação que consta na ficha catalográfica do Museu Larco
especifica o material como cobre dourado com incrustações de pedra verde.
Apliques de cabeças humanas não aparecem apenas nas antaras da
cena do Fowler Museum. A peça M625 (prancha 1), por exemplo, mostra o
mesmo tipo de apêndice no instrumento.
A prancha 3 mostra apenas apitos com representações de Senhores
Noturnos tocando chocalhos (do tipo idiofones suspensos conjugados). Todos
os exemplares apresentam presas e atributos de guerreiros, como a clava e o
escudo, traços não observados nos Senhores Noturnos que tocam as antaras.
Há uma diferenciação clara entre estas duas categorias de Senhores Noturnos
músicos, ainda que todos apresentem elementos que os caracterizam como
Sacerdotes Guerreiros: os com claros atributos de guerreiro e presas tocam
chocalhos e os que não apresentam estes atributos tocam antaras.
Os dados arqueológicos das Tumbas 14, 15 e 16 demonstram que todos
esses indivíduos eram ao mesmo tempo sacerdotes e guerreiros, já que todos
foram encontrados com suas clavas de guerra e os estudos de antropologia
física apontam para indivíduos em boa forma física, com corpos robustos. Os
apitos das pranchas 1 e 3 são alusivos à mesma personalidade iconográfica: o
Senhor Noturno da Cerimônia do Sacrifício. As representações iconográficas
demonstram que este papel social está associado primordialmente a antaras e
pututos, e em menor grau a trombetas e chocalhos.
Quantitativamente, a representatividade dos Senhores Noturnos tanto
em relação à amostragem total de músicos da nossa pesquisa (1%) quanto em
relação ao grupo de músicos oficiais (6%) é muito pequena. É possível
perceber que essa subcategoria não é representativa em quantidade em
relação a tantas outras categorias de músicos da iconografia mochica, mas que
109
é significativa em face à importância deste papel social, ainda mais quando se
levam em consideração os dados da Tumba 14, que mostram os instrumentos
sonoros claramente identificados com este personagem do mais alto status
social. A tabela III.IV mostra a grande representatividade da antara associada a
este tipo de personagem. Apesar de uma expressiva presença de idiofones, os
instrumentos de vento predominam nesta subcategoria.
Embora não apareçam tocando trombetas na iconografia, os dados da
Tumba 14 e a cena do Fowler Museum (prancha 46) demonstram que
Senhores Noturnos podem estar associados também a este tipo de
instrumento. As trombetas são sempre tocadas por seus auxiliares guerreiros
(Pranchas 46 e 47).
Em relação ao tipo de suporte artefactual, Senhores Noturnos são
igualmente representados em vasos de alça estribo, especialmente em forma
pictórica (pranchas 21 e 46), e em apitos, em forma escultórica (pranchas 1 e
3). Em peças escultóricas Senhores Noturnos tocam idiofones suspensos
conjugados e antaras. A peça da prancha 4 mostra um personagem com todos
os atributos de Senhor Noturno tocando uma tinya. Mais adiante veremos que
este personagem pode, entretanto, representar um músico acompanhante,
apesar de os atributos serem convincentemente de Senhor Noturno (ver
tabelas III.IX e III.X).
Quanto à distribuição cronológica e regional deste subgrupo, todas as
peças são da fase IV e da região Moche Sul.
III.II.A.2. Senhor Solar
Embora apareça frequentemente em danças, como veremos adiante,
raramente o Senhor Solar aparece associado a ou tocando instrumentos
sonoros. Em nosso levantamento de dados encontramos apenas três peças
nas quais este personagem aparece tocando idiofones suspensos conjugados:
M407 (prancha 15), M152 (prancha 50) e M645 (prancha 51). A primeira peça é
um apito feito em molde. O personagem carrega, além do chocalho, sua maça
de guerra sinalizando que está preparado para atividade bélica. Sua face tem
feições de raposa, de acordo com a figura antropozoomorfa que incorpora seus
atributos. Na iconografia mochica, a figura do Guerreiro Raposa geralmente
110
tem atributos de Senhor Solar (prancha 15), bem como o Guerreiro Coruja
apresenta atributos de Senhor Noturno.
A peça M152 (prancha 50) mostra uma procissão em alto relevo com
cinco personagens, quase todos tocando instrumentos sonoros, enquanto um
deles carrega o estandarte de batalha. O Senhor Solar toca um chocalho (de
tipo suspensos conjugados) e é claramente o personagem central da cena,
uma vez que nenhum dos outros personagens apresentam atributos de
Sacerdotes Guerreiros, apenas túnicas e, em alguns casos, orelheiras
circulares. É possível que sejam todos guerreiros em batalha sob o comando
do Senhor Solar, ou que seja um séquito de músicos acompanhando-o em
batalha. A peça é um vaso de alça estribo com bojo comum de fase III/ IV.
Voltaremos a abordá-la na análise da categoria de músicos acompanhantes,
mais adiante.
Na prancha 51 apresenta-se um desenho de linha fina reproduzido por
Mc Clelland a partir de um vaso de alça estribo com bojo comum. Nela vemos
os dois Sacerdotes Guerreiros opostos atuando: o Senhor Noturno e o Senhor
Solar, ambos tocando idiofones suspensos conjugados.
A associação entre a figura do Senhor Solar e instrumentos de
entrechoque se torna ainda mais evidente ao constatarmos que chocalhos
semicirculares na região da cintura eram parte da indumentária do Senhor de
Sipán (prancha 12). Na prancha 31 apresentam-se alguns exemplares de
guerreiros, dentre os quais se verificam guerreiros com cascos cônicos como
os do Senhor Solar.
Na prancha 15, ainda, vemos uma peça (M638) com uma raposa
antropomorfa com atributos de Senhor Solar tocando o que parece ser um
tambor de chão. Segundo Olsen (2002: 165) estes objetos são tambores.
Veremos no próximo capítulo que leões marinhos tocam instrumentos que
parecem ser tambores de chão (prancha 86).
Encontramos no arquivo Moche da Dumbarton Oaks mais alguns
exemplares de apitos com Senhores Solares tocando chocalhos da mesma
categoria (idiofones suspensos conjugados). Senhores Solares constituem uma
categoria muito pequena na amostra total (menos de 1%), e nunca estão
associados a aerofones (tabela III.VII).
111
III.II.A.3.Toucados de Dois Círculos
A presença de Sacerdotes Guerreiros músicos na iconografia mochica
não se limita a personas sociais de Senhor Noturno e Senhor Solar. Um tipo de
toucado com diadema semilunar central flanqueada por dois círculos laterais
também é comum, como se verifica nas pranchas 16, 17 e18. Após uma busca
minuciosa em todas as coleções visitadas e na bibliografia especializada,
encontramos personagens com este tipo de toucado representados de duas
formas: com atributos de guerreiro, seja em liteiras, como se verifica na fig III.9
a, b e c, e em pé (fig. III.10). Estas peças foram produzidas em moldes e são
características da fase IV.
Há dois tipos de toucados de dois círculos: no primeiro tipo os círculos
do toucado são decorados com esferas em redor, como em um formato de flor
(prancha 16, M046, M008, M626, M044). No segundo tipo as esferas em redor
dos círculos centrais são inexistentes (prancha 16, M043, M044 e todas as
peças da prancha 17). Os dois tipos apresentam diadema semilunar.
Músicos desta categoria tocam aerofones: antaras, trombetas e pututos
(pranchas 16 e 18) e idiofones de várias categorias: de tipo suspensos
conjugados, de golpe indireto horizontal e de entrechoque (prancha 17).
Na prancha 16 os Senhores de toucados de dois círculos tocam
aerofones: antaras (M0043, M044, M005, M014, M046, M008, M084),
trombetas, que podem ser em formato de espiral (M626) ou retas (M084 e
M627) e pututos (M128). É importante notar que quase todas as peças desta
prancha são, em si mesmas, objetos sonoros (ver tabela III.IX). Destas, quase
todas são apitos, com exceção da peça M046, uma trombeta em formato de
espiral quebrada. M627 é um molde, provavelmente para manufaturar um
apito.
112
Fig. III.9 a, b e c. Peças escultóricas mostrando guerreiros com Toucados de Dois Círculos sentados em
liteiras. Museu Larco, Lima. Catálogo Online.
Fig. III. 10. Molde de guerreiro com Toucados de Dois Círculos. Museu Larco, Lima. Catálogo
Online.
A peça M005 (prancha 16) foi encontrada em escavações em Cerro
Mayal, vale de Chicama, região Moche Sul (Jackson, 2008: 61). Este sítio se
113
destacou na fase IV pela produção cerâmica em ateliês especializados (ibid.:
50). Fica claro, pelo formato e grande quantidade de apitos (não apenas com
músicos representados, mas com outros motivos) que a produção desses
instrumentos em moldes no período Moche Médio foi bastante expressiva. As
peças M043 e M044, por exemplo, parecem ter saído do mesmo molde. Outra
peça com informação de proveniência é a M626, encontrada nas escavações
das Huacas de Moche (Scullin, 2015: 87).
Em duas peças (M046 e M008) as antaras apresentam apliques de
cabeça humana, à maneira das antaras representadas na peça do Fowler
Museum.
A prancha 17 apresenta Senhores de toucados de dois círculos tocando
idiofones. É importante notar a variedade de idiofones tocados por esta
subcategoria de personagens. M294 mostra um indivíduo de toucado de dois
círculos muito paramentado (inclusive com narigueira) tocando um idiofone de
golpe direto horizontal. M409, um apito produzido em molde, mostra o
personagem com seus atributos de guerreiro (clava e escudo) segurando um
idiofone de tipo suspenso conjugado na mão esquerda. Já a imagem M628,
retirada de uma sofisticada vasilha de alça estribo com bojo comum e aplique
escultórico, mostra os idiofones de entrechoque três vezes, representados em
forma escultórica e pictórica. No aplique escultórico, o senhor de toucado de
dois círculos, todo paramentado, segura um idiofone de entrechoque. Na cena
pictórica reproduzida na imagem aparecem dois personagens: o de toucado de
dois círculos à esquerda e outro com toucado de ave à direita. Entre ambos há
dois idiofones de entrechoque, do mesmo modelo segurado pelo personagem
do aplique escultórico. Os chocalhos apresentam em suas pontas cabeças com
toucados que se assemelham aos dos seus respectivos “donos”. As únicas
peças com senhores de toucados de dois círculos que não constituem
instrumentos sonoros, nem feitas em molde e, portanto, sem um perfil de
produção em larga escala, são M294 e M628, nas quais aparecem tocando
idiofones.
A prancha 19 mostra oito exemplares de apitos feitos em molde com
senhores de toucados de dois círculos tocando pututos.
Na prancha 47 vemos uma peça do Museu Etnográfico de Berlim com
uma cena semelhante à do vaso do Fowler Museum, na qual quatro
114
Sacerdotes Guerreiros tocam antaras flanqueados por trombeteiros. Esta cena,
representada em um vaso de alça estribo com bojo comum característico da
fase IV, mostra antaristas com diversos toucados. À diferença da vasilha do
Fowler Museum, não encontramos aí o Senhor Noturno, mas sim o Senhor de
toucado de dois círculos (primeiro personagem) e outros músicos com toucado
de animal. Assim como a peça do Museu Fowler, esta peça também será
discutida detalhadamente na Parte II deste capítulo. Por ora é importante
constatar que o senhor de toucado de dois círculos também aparece em cenas
pictóricas.
Na iconografia mochica toucados de diadema semilunar central com dois
círculos laterais são comuns em guerreiros, como é possível verificar na
prancha 32. M014 (prancha 16) é a única peça que mostra o músico associado
a um instrumento de guerra além de seu instrumento sonoro. Fica claro que
este grupo também pertence à casta dos Sacerdotes Guerreiros.
Músicos com toucados de dois círculos têm pouca expressividade em
relação à amostra total (2%) e à amostra de músicos oficiais (8%). Aparecem
associados a uma grande gama de instrumentos sonoros, todos aerofones ou
idiofones (tabelas III.IV e III. VII) e, morfologicamente, predominam suas
representações em suportes artefactuais que são também instrumentos
sonoros: 81% de apitos, 5% de trombetas e mais 5% de moldes
(provavelmente de apitos) como suportes, totalizando 91 % da amostra (tabela
III.VI). As peças desta subcategoria são características da fase IV, reiterando a
presença desses personagens como de grande importância no Período Moche
Médio.
III.II.A.4. Toucados de Diadema Semilunar
Os toucados da prancha 19 apresentam diadema semilunar, um tipo de
toucado comum entre os governantes mochica. Algumas vezes diademas
semilunares acompanham apliques de cabeça de animal, como ocorre com o
músico C da prancha 47. Os músicos com este tipo de toucado tocam antaras
(ver tabela III.IV). Alguns percussionistas acompanhantes, a serem discutidos
na terceira parte deste capítulo, apresentam toucados de diadema semilunar
(pranchas 58 e 59).
115
III.II.A.5. Toucados de Cabeça de Animal
As categorias anteriores mostram que, na maior parte das vezes, os
diademas contêm em seu centro uma cabeça de animal, que pode ser tanto de
mamíferos (felinos, macacos e raposas), quanto de aves (corujas, aves
marinhas ou condores). Muitas vezes, porém, personagens da iconografia
aparecem usando apenas os apliques de cabeças de animal, sem os diademas
(antarista B da prancha 47) e às vezes associados a plumas (pranchas 47 e
48).
Na prancha 47 vemos este tipo de toucado nos antaristas da vasilha do
Museu Etnográfico de Berlim, com exceção do antarista com toucado de dois
círculos.
Encontraremos grande quantidade de músicos com este tipo de toucado
entre as cenas do inframundo, a serem analisados no Capítulo IV. A peça M54,
prancha 161 mostra um toucado deste tipo, porém com a face do animal
quebrada.
Segundo Golte, os toucados de animais representam a linhagem paterna
do indivíduo. Vimos no Capítulo II que a origem mítica de uma família ou
linhagem é fundamental nas cosmovisões ameríndias e andinas. Portanto, o
toucado, como um dos mais importantes e proeminentes atributos de poder e
identidade político-religiosa, certamente fazia alusão não só à origem ou
linhagem do indivíduo que o portava, mas ao seu papel no âmbito políticoreligioso. Indivíduos com toucados de corujas ou aves marinhas se encontram
provavelmente ligados ao hurin, enquanto os com toucados de condores e
mamíferos estão ligados ao hanan.
Toucados de animal sem diadema associado podem ocorrer, embora em
menor escala, em músicos
oficiais da
categoria
“Acompanhantes e
Anunciantes” (prancha 55, M072 e prancha 56, M149).
Músicos com toucados de cabeça de animal conformam apenas 4% da
amostra de músicos oficiais, e também sempre tocam antaras (ver tabela
III.IV).
116
III.II.A.6. Toucados de Duas Mãos (Tomadores de Coca)
Na prancha 23 observa-se uma vasilha de alça estribo cuja base
apresenta figuras antropomorfas de mãos dadas, atuando em uma dança, e em
cujo apêndice escultórico está representado um flautista de alta hierarquia,
ornamentado com capa, túnica e orelheiras circulares. Apresenta pintura facial
em forma de cruz e toucado em V, com os apêndices em formato de mãos
humanas. Algumas vasilhas escultóricas do Museu Larco (pranchas 24, 25 e
26 e ML001026, ML001056, ML001058, ML001059, ML001064) apresentam
um personagem com os mesmos atributos, mas carregando um calero e uma
espátula nas mãos no lugar de uma flauta.
A prancha 24 mostra uma conhecida cena na qual interagem quatro
personagens, um dos quais se encontra posicionado no centro do arco formado
pela serpente bicéfala (Bourget, 2008: 41, Uceda, 2008: 154). Uceda (ibid.:
156) chama a atenção para o fato de que o personagem que se encontra sob o
arco está vestido com uma camisa de placas quadrangulares e tem as mãos
unidas e direcionadas para o alto. Além disso, tem o toucado em forma de V,
cujos apêndices representam ulluchus, frutos alucinógenos largamente
associados ao Sacerdote Guerreiro no repertório iconográfico mochica. Esses
personagens
nomeados
por
Uceda
(ibid.:
154-155)
de
Adoradores
(Worshippers) (prancha 26), já foram mencionados anteriormente. Eles
apresentam grande similaridade com o Senhor Noturno. Vimos anteriormente
que, em algumas ocasiões, o Senhor Noturno aparece com as mãos unidas
para o alto e associado a pututos (prancha 21).
Os personagens que estão fora do “arco bicéfalo” usam túnicas nas
quais aparecem os elementos escalonados com voluta e carregam seus
caleros com espátula que levam à boca. Uceda (ibid.) os identifica como
Tomadores de Coca (Coca Takers).
The Moche ritually chewed dried coca leaves with a small amount of lime in
order to facilitate the alkaloid extraction (…). Some Moche representations show men
handling small gourd-shaped bottles similar to those used today as lime containers.
Various authors have identified these men as coca consumers executing rituals related
to the intake of the mind altering substance (…). (Bernier, 2010: 103)
117
Na prancha 26 há peças com tomadores de coca de alto status. O
primeiro está sentado em um trono, e sua pintura facial foi reproduzida com
incrustação de conchas ou madrepérola. Pela maneira como é representada na
iconografia e pelos dados arqueológicos encontrados, seguramente a
Cerimônia da Coca fazia parte dos rituais oficiais mochica.
O cacto San Pedro (Trichocereus pachanoi) aparece em todas as cenas
de Cerimônia da Coca. A nosso ver o flautista da prancha 23 está plenamente
associado, no plano dos atributos, aos “Tomadores de Coca”, o que lhe confere
este papel. É um tomador de coca com funções de músico.
A visibilidade do instrumento sonoro é bastante comprometida, já que o
personagem tem ambas as mãos sobre ele e o formato do instrumento não
está bem definido. É certo que se trata de um instrumento de sopro, entretanto,
não o consideraremos nem como quena, nem como antara. Scullin (2015: 155)
considera em sua tese que o instrumento tocado pelo personagem seja uma
quena. É ainda possível que seja outro tipo de instrumento, como flautas
longitudinais mais largas ou um tipo de ocarina (Julio Mendívil e Dimitri Manga
comunicação
pessoal,
fevereiro
de
2016).
Segundo
Carlos
Mansilla
(comunicação pessoal, fevereiro de 2016) representações de antaras são
geralmente muito claras na iconografia mochica, não deixando muitas duvidas
organológicas.
O Tema da Cerimônia da Coca está relacionado aos pututos, objetos
associados ao Adorador (Senhor Noturno), personagem que apresenta papel
central na cerimônia. Por sua vez, Tomadores de Coca também tinham papel
preponderante no mundo Moche, como atestado pelas escavações na Huaca
de La Luna e na Huaca Cao Viejo, onde vários desses personagens foram
encontrados associados a seus atributos fundamentais, como o calero e o
manto de pele de animal (Bourget, 2008: 40, Uceda, 2008: 164-165). Um dos
acompanhantes da Dama de Cao, por exemplo, era um tomador de Coca
(Franco, 2009: s/n).
118
Fig. III.11. Artefatos encontrados nas escavações na Huaca de La Luna, pertencentes
a Tomadores de Coca. Imagens: Bourget, 2008: 41-42.
A peça da prancha 23 tem um estilo muito peculiar: o formato do bojo
um tanto aplanado é raro, ainda mais associado a representações pictóricas
em alto relevo, e a alça estribo é característica de um vaso fase III e, portanto,
do início do Período Médio. Esta não se parece com uma peça clássica de fase
IV. De acordo com os arquivos do Museu Larco, a peça tem proveniência de
um sítio chamado Pur Pur, localizado no vale do Virú. Coincidentemente, mais
três peças do Museu Larco com referências a Tomadores de Coca procedem
do mesmo sítio (prancha 25). Todas elas apresentam o mesmo tipo de estribo:
não muito longo e sutilmente aberto na borda, o que pode indicar que estas
peças são de fase III, ou que tal característica seja predominante na produção
cerâmica do Vale do Virú.
Woloszyn (2008: 13) fez um estudo detalhado dos vasos-retrato
mochicas fundamentado na análise de atributos como toucados, pintura facial,
traços faciais, penteados, orelheiras e narigueiras. Ele faz menção a um tipo
específico de personagem que denomina Guerreiros Recuay, identificáveis
pelas orelheiras, toucados e penteados (ibid. 14). Estas seriam representações
de guerreiros provenientes da serra. Segundo Woloszyn (manuscrito, s/d) a
vestimenta é um dos atributos que permitem diferenciar os habitantes serranos
na iconografia mochica, e os toucados com mãos humanas teriam sido
encontrados em estatuetas de pedra representando guerreiros na província de
Aija, zona de transição entre a costa e a serra no departamento de Ancash,
119
área Recuay. Ainda segundo o autor (ibid.), os estudos posteriores de
Makowski, Rucabado e Lau fortaleceram a hipótese de que indivíduos da
região andina adjacente estavam representados na cerâmica mochica. O
toucado de mãos humanas, os brincos em formato redondo (diferente das
orelheiras circulares que mais parecem um alargador) e a pintura facial em
formato de Cruz de Malta são, segundo o estudo de Woloszyn, atributos
característicos da zona de Recuay (ibid.), e os personagens que os
apresentam na iconografia mochica seriam uma referência a indivíduos e
papéis sociais presentes na sociedade serrana. Talvez por esta razão a peça
do flautista tomador de coca seja tão única dentro de nossa amostragem,
inclusive em sua morfologia.
III.II.A.7. Outros tipos de toucados
Alguns oficiantes usam toucados que não se encaixam em nenhuma das
categorias observadas. Podem ser simples capacetes com amarre no queixo
como nas peças M038 e M023 (prancha 20) ou turbantes. Geralmente eles não
apresentam diademas. A proporção desses toucados dentro da amostra total é
insignificante.
III.II.A.8. Sacerdotisas
O debate sobre a figura feminina tem tomado um espaço cada vez mais
proeminente nos estudos Moche, uma vez que são muitas as evidências
arqueológicas da atuação política e religiosa das mulheres (Franco, 2009;
Castillo, 2006; Castillo, 2007; Coffin et al., 2004, Cordy Collins, 2001). Mulheres
aparecem associadas a atributos de poder e bens de prestígio, tanto nas
representações iconográficas quanto em contextos de enterramento. Entre os
achados mais importantes estão a Dama de Cao, encontrada pelo arqueólogo
Régulo Franco na Huaca Cao Viejo, Vale de Chicama e as tumbas de
sacerdotisas de San Jose de Moro, localizadas no Vale do Jequetepeque,
encontradas por Christopher Donnan e Luis Jaime Castillo (Castillo, 2006, s/n).
Esses achados demonstraram que a mulher tinha um papel protagônico dentro
das esferas de poder mochicas, mantendo uma posição social importante.
120
Mulheres com atributos de poder são representadas tanto em forma
escultórica quanto pictórica (prancha 27). Os estudos levados a cabo por Lyon
& Hocquenghem (1980) e Holmquist (1992) constataram que o personagem C
da Cerimônia do Sacrifício, com tranças de serpente, toucado de dois
penachos laterais e a taça nas mãos é uma mulher (Hocquenghem & Lyon,
1980 apud Makowski, 1994: 79). Geralmente as mulheres com atributos de
poder, chamadas de sacerdotisas, apresentam longas tranças que terminam
em serpentes, taças, toucados elaborados, orelheiras circulares, colares,
túnicas, capas e presas. Uma das representações femininas mais conhecidas
da iconografia mochica é a da Sacerdotisa de Pañamarca (prancha 28),
representada no mural da huaca de mesmo nome no Vale de Nepeña, região
limítrofe ao sul da área Moche. A pintura policroma a expõe com túnica, capa,
colar, cinto, orelheiras circulares, toucado elaborado e as tranças de serpente.
Ela segura uma taça e é acompanhada por um séquito que inclui o Guerreiro
Raposa.
A Dama de Cao, uma sacerdotisa que viveu no século IV no vale de
Chicama (Franco, 2009: s/n), foi encontrada na Huaca Cao Viejo associada a
coleções de narigueiras, orelheiras, discos e toucados em ouro e prata, como
se verifica na fig. III.12:
Fig. III. 12. Objetos em ouro e prata encontrados com a Dama de Cao. Museu de Sítio Cao Viejo.
Foto da autora autorizada pelo Diretor Régulo Franco.
121
Fig. III.13. Quenas de osso do Período Tardio (Lambayeque) encontradas na Huaca Cao Viejo.
Museu de Sítio Cao Viejo. Foto da autora autorizada pelo Diretor Régulo Franco.
Na discussão sobre os correlatos específicos do Senhor Noturno em
contextos de enterramento, há também a hipótese de Régulo Franco (2009: s/n)
de que este papel específico corresponderia à Dama de Cao. Ele fundamenta
sua hipótese na túnica de placas de metal e no toucado encontrados com a
sacerdotisa, muito semelhantes aos toucados do Senhor Noturno, com duas
hastes formando um V e cabeças antropozoomorfas centralizadas, como se
verifica na imagem a seguir:
Fig. III.14. Toucados encontrados associados à Dama de Cao. Franco, 2009.
De fato, o toucado guarda semelhanças com os toucados do Senhor
Noturno, mas não é exatamente igual já que as hastes parecem formar um
122
ângulo menor entre si do que no toucado do Senhor Noturno e não há o
diadema semicircular, como nos toucados da Pranchas 1, 2, 3 e 6. Acreditamos,
como exposto anteriormente, que a persona social do Senhor Noturno da
Cerimônia do Sacrifício seja correlata ao Sacerdote Guerreiro da Tumba 14,
tanto pelos atributos quanto pelos instrumentos sonoros associados, e não à
Dama de Cao.
Segundo as análises do antropólogo físico John Verano, a Dama de
Cao teria falecido entre 20 e 25 anos de idade em consequência do parto
(Franco, 2009: s/n). Os estudos de Franco (2009) revelaram que a Dama de
Cao exerceu o seu poder no vale de Chicama entre os anos 300 a 400 d.C., ou
seja, no período Moche Médio. Franco atenta para o fato de as representações
da Cerimônia do Sacrifício serem mais tardias, não coincidindo com o momento
de atuação político-religiosa desta personagem. Benson (2012: 77) aponta para
a mesma controvérsia cronológica, porém usando o caso de Sipán, já que a
datação de Alva e Donnan para a Tumba do Senhor de Sipán, seria o século
IV, ou seja, fase Moche III (ibid & Chero, 2013: 24). Entretanto os temas
complexos só viriam a se estabilizar na fase IV, e na região Moche Sul. Não
nos parece uma contradição que a Cerimônia do Sacrifício tenha sido
amplamente representada na fase IV – Sul e que seus correlatos humanos
tenham vivido em outros vales em momentos distintos, mais ou menos tardios.
Pela importância dada a este ritual, ele certamente deve ter constituído uma
tradição de longa duração, adquirindo um protagonismo excepcional no século
V nos vales de Chicama a Nepeña a ponto de serem exaustivamente
estampados na cerâmica, mas provavelmente praticado desde períodos muito
anteriores. De fato, novas datações publicadas por Chero recentemente
(Chero, 2015) apontam para o século IX como a época de vida e atuação do
Senhor de Sipán, portanto um período muito mais tardio que o pensado na
década de oitenta.
Sacerdotisas usam atributos como os mostrados na prancha 28: tranças
que podem terminar em cabeças de serpente, toucado geralmente de plumas
laterais, túnica, colar, orelheiras circulares e, em alguns casos, braceletes.
A peça M062 (prancha 28) mostra uma figura feminina com tranças de
serpente tocando antara. A peça pertence a uma coleção privada em Carhuaz,
parte serrana do departamento de Ancash, cuja parte costeira correspondente
123
aos vales de Santa e Nepeña, abrigou grupos mochica (Chapdelaine, 2010). É
muito provável que esta peça seja proveniente desses vales, que conformaram
o extremo sul do território mochica e foram ocupados a partir do período Médio.
A cerâmica ritual da região obedece, de maneira geral, aos padrões estilísticos
da cerâmica dos vales de Moche e Chicama (Gamboa, 2013: 12), porém
amalgamadas
aos
estilos
locais
previamente
existentes
na
região
(Chapdelaine, 2010: 276, Gamboa, ibid.). Este cântaro não tem um estilo
particularmente mochica, e pode inclusive pertencer a uma fase transicional
entre o fim do Intermediário Inicial e o início do Horizonte Médio (La Chioma,
2012: 99-100). É a única peça encontrada em nosso estudo que representa
uma
mulher
tocando
antara,
instrumento
eminentemente
masculino
(Gruszczynska, 2004). Apesar de não ter os demais atributos de poder dos
grandes sacerdotes, como as orelheiras, colares, braceletes e toucado
elaborado, acreditamos que esta peça mantenha relação com as outras
discutidas aqui e que, provavelmente, não demonstre tantos atributos de poder
por sua procedência pouco comum.
A peça M416 (prancha 28), da coleção Cassinelli (Trujillo), mostra a
sacerdotisa sentada e associada a objetos pintados sobre a parte frontal do
bojo do vaso: vasilhas (uma de alça estribo, uma tigela de oferenda e um
cântaro), um semema de meia lua e estrela e um chocalho de tipo idiofones
suspensos conjugados.
Já na peça M386, na mesma prancha, a personagem com os mesmos
atributos segura um cetro com a mão direita e o chocalho com a esquerda. As
próximas sacerdotisas (M605 e M628) carregam chocalho de campânula
fusiforme, diferente dos anteriores. Segundo os arquivos do Museu Larco estas
três peças são provenientes do Vale de Chicama. É interessante notar que há
uma significativa quantidade de peças com representação de mulheres no
Museu Larco cujas informações de proveniência indicam procedência do vale
de Chicama. Levando em conta a grande importância da Dama de Cao no vale,
é possível que mulheres tenham tido uma posição de destaque em Chicama,
especificamente no período em que ela atuou.
A sacerdotisa M605 apresenta presas. Para Makowski (1994: 72) a
mulher com presas é a senhora mítica, sobrenatural, substituída por suas
contrapartes terrenas nas cerimônias nas quais aparecem portando seus
124
atributos. A personalidade iconográfica da mulher mítica foi definida por
Hocquenghem e Lyon (1980 apud Makowski, 1994: 79). É uma figura fácil de
distinguir por sua túnica longa, colar, brincos, toucado de dois penachos e
tranças (ibid.). É comum encontrar estatuetas dessas sacerdotisas com os
atributos do Tomador de Coca nas mãos, como na peça ML013907 22 do Museu
Larco. Como vimos anteriormente, junto com o séquito da Dama de Cao foi
encontrado um tomador de coca com todos os seus atributos.
Das cinco peças de sacerdotisas encontradas, quatro tocam chocalhos e
uma, de perfil não convencional, toca antara. Os instrumentos associados a
sacerdotisas são majoritariamente idiofones (ver tabelas III.IV e III.VII),
divididos igualmente entre idiofones de campânula fusiforme e idiofones
suspensos conjugados.
Por ser um grupo muito pequeno formado por apenas cinco peças a
proporção de artefatos deste grupo em relação à amostra total é menor que
1%, e em relação à amostra de músicos oficiais é menor que 2%. A amostra
conta com dois vasos de alça estribo, duas estatuetas e um cântaro. As
representações são todas escultóricas (tabela III.VI).
III.II.A.9. Quenistas de Turbante
A prancha 29 mostra duas peças praticamente idênticas: dois vasos de
alça estribo em cerâmica branca com bojo escultórico e com incrustações em
pedra verde. Neles estão representando quenistas sentados de pernas
cruzadas, apresentando os mesmos atributos: turbante, orelheiras circulares,
braceletes e colar. Ambas foram encontradas nas escavações científicas da
Huaca de La Luna, em contextos diferentes (Projeto Arqueológico Huacas de
Moche, 1995: 181). O primeiro quenista (M090) foi encontrado na Tumba 1 do
quinto edifício da Plataforma Principal. Segundo Uceda (ibid.: 178) era a tumba
de um Sacerdote Guerreiro, na qual jazia um indivíduo do sexo masculino, de
20 a 35 anos e 1,68 de altura, com alto grau de robustez corporal. Além do
vaso com o quenista, foi encontrado um vaso com representação de guerreiro.
Uceda menciona que na tumba foi encontrado apenas um vaso com o músico,
22
Verificar catálogo online do Museu Larco.
125
o que significa que as duas peças da prancha 29, embora muito semelhantes,
não foram enterradas juntas.
Fig. III.15. Vasos de alça estribo encontrados na Tumba 1 do quinto edifício da Plataforma Principal da
Huaca de La Luna. Museu de Sítio Huacas de Moche. Fotos da autora com autorização da direção do
Museu, 2012.
O outro quenista (M091) foi encontrado na tumba 25 da Unidade 16
(Projeto Arqueológico Huacas de Moche, 2004: 38). O indivíduo da tumba 25
foi denominado pelos arqueólogos de Xamã Moche, tendo sido encontrado
com uma vasilha de alça estribo também em cerâmica branca, à moda da
anterior, porém com o personagem segurando um tumi no lugar de uma clava.
Os arqueólogos responsáveis pela escavação posicionam esta tumba
cronologicamente na fase IV, ou Período Médio (ibid.). A tumba havia sido
saqueada anteriormente e restaram poucos ossos, pertencentes a um indivíduo
adulto.
Fig. III.16. Vasos de alça estribo
encontrados na Tumba 25 da Unidade
16 da Huaca de La Luna. Museu de
Sítio Huacas de Moche. Fotos da
autora com autorização da direção do
Museu, 2012.
126
Fig. III.17. Vasos de alça estribo encontrados na
Tumba 25 da Unidade 16 da Huaca de La Luna.
Informe de escavação do Projeto Arqueológico
Huacas de Moche, 2004: 38.
Encontramos as fotografias de uma peça idêntica às da prancha 29 no
Arquivo Moche da Dumbarton Oaks. A informação que constava no arquivo era
a de que a peça original se encontra no Metropolitan Museum of Art, em Nova
York. Ela parece ter sido produzida a partir do mesmo molde das anteriores,
compartilhando com elas características comuns, como a cor creme e os
espaços para as incrustações, que estão vazios, indicando que a peça pode
não ter sido terminada ou que as pedras preciosas foram retiradas.
Em lugar dos toucados elaborados, com diademas e apliques, ambos os
quenistas usam apenas turbantes simples com apêndices laterais. Apresentam
ainda colares, orelheiras e braceletes. Pela associação de todos estes atributos
podemos considerá-los Sacerdotes Guerreiros. As informações de contexto e
proveniência das peças apontam para a diversidade de funções sociais dos
indivíduos enterrados e, fazendo parte da casta de Sacerdotes Guerreiros, com
funções bélicas, sacerdotais e administrativas, como temos discutido neste
capítulo.
127
III.II.II. Oficiantes B: Guerreiros, Acompanhantes e Anunciantes
Nossa análise de músicos oficiais demonstrou claramente que existem
dois subgrupos bem definidos: o dos Sacerdotes Guerreiros e Sacerdotisas,
discutidos até aqui, e um grupo de músicos com poucos ou nenhum atributo de
poder ocupando nitidamente papel secundário nas narrativas das quais
participam. Esses oficiantes secundários geralmente apresentam túnicas,
turbantes e orelheiras circulares e ainda mantêm, em alguns casos, toucados
mais simples, capas, braceletes ou colares. Raramente ocorrem toucados mais
elaborados. Ao contrário dos músicos com atributos de Sacerdotes Guerreiros,
que podem ser claramente associados a personagens específicos da
iconografia mochica, os oficiantes do segundo grupo não apresentam claras
conexões com quaisquer personagens particulares do repertório mochica, ou
seja, não compartilham claramente suas personas sociais com outros
personagens.
Dividimos este grupo em três subcategorias a serem discutidas:
Guerreiros, Acompanhantes e Anunciantes.
III.II.B.1. Guerreiros
A prancha 30 mostra um cântaro representando um quenista com um
toucado circular em redor da cabeça com motivos ondejantes e em S, túnica,
capa e orelheiras circulares. Não encontramos nas representações pictóricas
nenhum personagem semelhante. Pudemos analisar a peça ao vivo e verificar
que se trata de um cântaro grande, bem maior e mais pesado que as habituais
vasilhas de alça estribo. É uma peça única, sem informação de proveniência
que, muito provavelmente, representa um oficiante de menor status que os
Sacerdotes Guerreiros. Apesar de estar classificada como mochica, esta peça
apresenta fortes características de estilos locais da área Moche Sul.
Em contrapartida, os quenistas da prancha 34 (M089, M092 e M634)
estão representados em peças mochica clássicas. Apresentam claros atributos
de guerreiros, como protetores coxais, peitorais e capacetes. A diferença entre
estes personagens e os Sacerdotes Guerreiros é que eles não apresentam
capas, túnicas ou toucados que os relacionam a alguma linhagem específica
128
de poder, mas somente aparatos de guerra. Por esta razão eles configuram
guerreiros de combate, muito provavelmente sem a posição e atribuições dos
personagens imbuídos do status de Sacerdote Guerreiro. Na mesma prancha
verificamos que guerreiros também estão associados a pututos (M105) e
idiofones presos à vestimenta (M403), à maneira do Senhor de Sipán. Estas
peças representam guerreiros que provavelmente tinham a incumbência
secundária de produzir som em batalhas, ao passo que sua atividade principal
deveria ser a luta.
III.II.B.1.1. A Tumba 5 De Sipán: o “Guerreiro Músico”
Nas escavações da década de 80, um dos enterramentos encontrados
em Sipán foi o da Tumba 5, localizado na primeira fase construtiva do Edifício
II, correspondente ao período Moche Médio. Os arqueólogos denominaram o
indivíduo encontrado como Guerreiro Músico por ter sido encontrado associado
a armas de guerra e a uma antara peculiar, produzida em cerâmica com um
aplique de placa de metal (fig. III.19). O personagem foi encontrado associado
aos seguintes elementos
•
23:
•
Dezoito cântaros globulares com cabeça em forma de animal (raposa)
•
fase III
•
Aproximadamente vinte crisoles (minúsculos cântaros de argila)
Quatro vasos de alça estribo com o bojo achatado, estilo Moche Norte,
•
Um vaso de alça estribo decorado, estilo Moche Norte, fase III
•
Seis cancheros simples
•
quebrado e um completo.
•
Uma clava de madeira com incrustações de concha e turquesa
Dois cancheros com decoração de rosto antropomorfo no cabo, um
•
Um lançador de dardos com apliques em turquesa
•
Uma máscara funerária de cobre
Uma antara de cerâmica (figs. III.17 e III.18)
23
Estas informações não estão publicadas e nos foram entregues em forma de arquivos
fotográficos e comunicação oral pelos diretores de escavação em nossas etapas de pesquisa
no Peru nos anos de 2012 e 2013.
129
Fig. III.18. Máscara de cobre encontrada com o “Guerreiro Músico” na Tumba 5 de Sipán. Foto da autora.
Autorização para fotografia: Direção do Museo Tumbas Reales de Sipán, Lambayeque.
Fig. III.19. Antara de cerâmica com placa metálica encontrada com o “Guerreiro Músico” na Tumba 5 de
Sipán. Foto da autora. Autorização para fotografia: Direção do Museo Tumbas Reales de Sipán,
Lambayeque.
Fig. III.20. Antara de cerâmica sem a placa metálica encontrada com o “Guerreiro Músico” na Tumba 5 de
Sipán. Foto cedida gentilmente pela Direção do Museo Tumbas Reales de Sipán, Lambayeque.
Seu alto status se verifica em sua vestimenta e nos artefatos que o
acompanhavam. Alva (2001: 234) acredita que este indivíduo fazia parte de
uma elite militar, que muito provavelmente também atuou como músico,
130
seguindo o séquito de sacerdote guerreiros. Curiosamente, sua antara era
muito mais elaborada que aquelas encontradas com o Senhor da Tumba 14.
Ambos os personagens demonstram papéis sociais diferentes por meio de
seus atributos de poder, porém provavelmente tinham o mesmo status social.
Os instrumentos sonoros do senhor da Tumba 14 eram muito mais simples.
Como já apontamos, só um estudo musicológico poderia elucidar se as antaras
da Tumba 14 eram instrumentos sonoros reais, que produziam um som
compatível com as cerimônias públicas, ou se eram miniaturas simbólicas,
assim como os pututos e trombetas.
Temos, portanto, peças escultóricas de guerreiros associados a quenas,
pututos e chocalhos, e um contexto de escavação no qual uma antara estava
associada aos restos mortais de um guerreiro.
Segundo Donnan (2010: 55) guerreiros tinham alto status e, por seus
atributos, pertenciam às elites. Guerreiros se tornam proeminentes na arte nas
fases III e IV (Benson, 2012: 83), justamente o momento em que os membros
das elites político-religiosas passam a ser representados, e no qual aparecem
novos líderes nas representações iconográficas e nos enterramentos como, por
exemplo, o Senhor Noturno.
Na iconografia estão associados na maior parte das vezes a aerofones
(tabelas III.IV e III. VII), sempre quenas ou pututos. Estão representados
sempre em forma escultórica (tabela III.VI), em vasos de alça estribo (tabela
III.VII). Embora não tenhamos visto guerreiros diretamente associados a
antaras na iconografia, a Tumba 5 de Sipán nos sugere que guerreiros também
poderiam tocar antaras. É possível que houvesse uma diferença hierárquica
entre guerreiros de combate ritual e guerreiros de combate corporal. Quilter
(2002: 167) discute 24 se é possível considerar os guerreiros representados na
iconografia como pertencentes a uma classe de combatentes de alto status que
24
Was warfare purely ritual, to supply prisoners for sacrifice or was the sacrifice of prisoners the
result of warfare conducted for other reasons? The answer to the question leads to different
interpretations of Moche politics. A view of warfare as ritual makes politics theocratic. Warfare
for political ends relegates sacrifice to lesser importance, the end product of more serious
business, elsewhere. Currently, views are polarized, with many prominent Mochicólogos
supporting the ritual warfare hypothesis. (Quilter, 2002: 167).
131
atuavam somente em batalhas rituais, uma questão ainda incógnita nos
estudos Moche.
III. II.B.2. Acompanhantes
Além dos guerreiros, dois tipos de músicos facilmente encontrados na
segunda categoria de oficiantes são os Acompanhantes. Estes personagens
geralmente aparecem nas cenas pintadas em linha fina acompanhando os
Sacerdotes Guerreiros e personagens de alto status em atividades de cunho
oficial,
como
danças,
procissões
e
batalhas
(cenas
que
veremos
detalhadamente no tópico seguinte).
As pranchas 33, 34 e 35, por exemplo, mostram uma série de tipos
diferentes de percussionistas, geralmente vestidos de forma simples, com
camisas ou aguayos, usando turbantes ou toucados simples. Estão
majoritariamente representados em vasos de alça estribo e cântaros.
Provavelmente estes músicos de status social secundário, visível na
simplicidade de seus atributos e toucados, tinham um espaço na produção
sonora oficial, porém não na linha de frente dos rituais, como os sacerdotes e
oficiantes analisados anteriormente (Olsen, 2002: 51). As pranchas 34 e 35
mostram percussionistas escultóricos com os mesmos atributos e posições
corporais de percussionistas pictóricos retirados de vasilhas com desenhos em
linha fina. Isto é, músicos acompanhantes têm atributos muito coerentes, e as
evidências iconográficas nos revelam em quais ocasiões oficiais eles cumpriam
suas atividades. Esta questão ficará mais clara na análise das danças
representadas em linha fina, ao final deste capítulo.
Ainda nesta subcategoria, a prancha 44 nos mostra percussionistas
escultóricos representados em cântaros, sentados e segurando um tipo
peculiar de tambor, em forma de ampulheta. Estes cântaros foram encontrados
nos repositórios 1 e 3 das tumbas de Sipán. As peças foram produzidas em
moldes e mostram um tipo de músico muito simples, sem atributos de poder,
tocando um tipo de tambor apenas representado na região Moche Norte.
Provavelmente este tipo de instrumentista fazia parte das cerimônias coletivas,
no papel de acompanhantes dos sacerdotes que oficiavam a cerimônia, e
foram
representados
em
pequenos
cântaros
para
servirem
como
acompanhantes dos sacerdotes enterrados. Apesar de apenas cinco deles
132
estarem representados no catálogo, encontramos quinze destes artefatos em
nossa investigação no Museu Tumbas Reales de Sipán.
Músicos acompanhantes aparecem tanto em forma escultórica quanto
pictórica, nas narrativas que veremos na seguinte parte deste capítulo (tabela
III.VI). Na maioria das vezes tocam quenas e tinyas (tabela III.IV), podendo
estar associados, às vezes, a idiofones. Muito raramente tocam antaras ou
trombetas.
III.II.B.3. Tocadores de Pututos - Anunciantes
Os
músicos
Anunciantes
não
diferem
muitos
dos
músicos
Acompanhantes no que tange a seus atributos, entretanto têm como diferença
fundamental dos anteriores o instrumento sonoro associado: o pututo.
Segundo um estudo aprofundado de Herrera (2004: 17) sobre os pututos,
dados etnográficos e etnohistóricos apontam para o uso desses instrumentos
como sinalizadores, anunciando eventos oficiais, especialmente batalhas
rituais 25.
As pranchas 37 e 49 mostram peças com tocadores de pututos atuando
em cenas características da fase IV. Na peça M136 (prancha 38), um vaso de
alça estribo com bojo comum, o personagem que carrega o pututo não
apresenta atributos de poder: está vestido apenas com calção, camisa e
turbante. Entretanto, na mesma cena há dois outros personagens com túnica e
turbante mais elaborados carregando nas mãos toucados de face de animal
com diademas (um oval e um trapezoidal).
É muito possível que nenhum
destes seja de fato o músico, mas que o verdadeiro tocador do pututo seja o
Senhor ao qual os atributos de poder pertencem, e que são apenas carregados
pelos auxiliares. É possível também que o carregador de pututo seja o seu
tocador, entretanto não encontramos na cerâmica escultórica exemplares de
tocadores de pututos com camisa, calção e turbante no estilo deste
personagem. Esta peça é proveniente das escavações na Huaca de La Luna.
25
Ethnographic and ethnohistoric descriptions of waylla kepa use tend to emphasize their
employment as a signalling instrument heralding battles: either in outright war, such as recorded
in 17th century chronicles and dictionaries, or in ritual tinku battle encounters. (Herrera, 2004:
17)
133
Na mesma prancha há a reprodução de um fragmento proveniente de
uma peça desconhecida (M603) mostrando um personagem de capa e túnica
de fato soprando o instrumento. Não é possível visualizar seu toucado e nem
os outros personagens da cena, mas há uma trombeta em formato de espiral
ao lado do músico. Esta é mais uma menção na iconografia ao fato de que um
personagem pode estar associado a vários instrumentos sonoros, podendo ou
não ser o responsável por tocar todos eles.
As pranchas 38, 39, 40 e 41 mostram tocadores de pututos escultóricos
tanto em cântaros quanto em vasos de alça estribo. Todos eles apresentam
atributos de poder: túnicas, capas, orelheiras circulares e, em alguns casos,
colares e toucados. As peças M107 e M108 (prancha 40) são ambas
provenientes do extremo sul da esfera Moche Sul: Tambo Real, vale de Santa.
Como parecem ter sido produzidas a partir do mesmo molde, é possível que
neste sítio houvesse um atelier especializado em produzir, entre outros temas,
este tipo de músicos, encontrados em boa quantidade em nossa amostragem.
Sempre produzidos a partir de moldes, esses músicos em larga escala
apontam para uma produção expressiva deste tema no período Moche Médio.
O único deles que aparece de fato soprando o instrumento é M134 (prancha
41). Todos os outros apenas o seguram. Os atributos desses tocadores de
pututos quase não variam: usam túnicas, capas e orelheiras circulares. Às
vezes apresentam bolsas (prancha 39, M 108 e M107: observar detalhes ao
lado das fotos), colares (prancha 38, M104, M122; prancha 40, M117) e pintura
facial (prancha 39, M106, M107 e M108).
Uma peça que mostra melhor esse tipo de uso do instrumento é a M133
(prancha 41). Vemos uma versão já tardia, provavelmente fase V, da Cerimônia
do Sacrifício ao redor do bojo deste vaso de alça lateral com aplique
escultórico. Estão presentes o senhor Noturno, que recebe a taça, e a
Sacerdotisa, que a entrega. Como vimos, ambos os personagens podem
aparecer tocando instrumentos sonoros: o Senhor Noturno está sempre
associado a antaras e pututos, e a Sacerdotisa a chocalhos. O aplique
escultórico da peça representa um tocador de pututo soprando a concha acima
da cena pictórica. Ele não apresenta atributos de um sacerdote guerreiro, mas
usa túnica e toucados elaborados, que o colocam em uma posição de oficiante.
Sob nossa perspectiva ele atua como um anunciante oficial nos cultos destas
134
elites, proclamando o momento culminante da Cerimonia do Sacrifício. A nosso
ver esta representação reforça nossa apreciação de que os principais eventos
cerimoniais eram acompanhados por uma intensa produção sonora, tanto por
parte dos próprios sacerdotes quanto de outros indivíduos que atuassem
conjuntamente a eles: os acompanhantes e anunciantes. Tocadores de pututos
muito provavelmente tinham a função de anunciar os eventos oficiais, podendo
ser ouvidos a grandes distâncias.
Ainda serão analisadas outras peças com tocadores de pututos em
batalhas na terceira parte deste capítulo.
III.II.B.4. Mulheres Percussionistas
Outra
categoria
de
oficiantes
secundários
é
a
de
mulheres
percussionistas (pranchas 42 e 43). A primeira prancha mostra um grupo de
peças retratando percussionistas femininas características da fase V, já
referente ao Período Moche Tardio. Estas mulheres usam um tembetá no
queixo, têm os cabelos repartidos ao meio, túnica e colares de placas
trapezoidais. Não tocam tinyas, mas tambores de tipo ampulheta que trazem
atados ao corpo por uma faixa. Estão presentes em vasos de alça estribo
(prancha 43) e em estatuetas (prancha 44).
O estudo mais detalhado feito sobre estas representações foi o de
Collins (2001), que denominou estas personagens de Mulheres de Tembetá
(Labretted Ladies). Segundo a autora (ibid.: 247), a produção de estatuetas
com este personagem teria se iniciado na região Moche Norte na fase V, tendo
se expandido consideravelmente no período Lambayeque. Ela afirma que o
tembetá
distingue
estas
mulheres
das
personagens
femininas
mais
características da arte mochica (ibid.). Em seu estudo, Collins (ibid.) encontrou
várias estatuetas destas mulheres dos períodos Moche e Lambayeque. As do
período Moche sempre estavam associadas a tambores, como as encontradas
em nossa pesquisa. Já as do período Lambayeque, não discutidas nesta tese,
podiam estar acompanhadas de percussão ou não, estando também ligadas a
outras atividades:
135
In the Moche representations these women were musicians, and their most
notable feature is a labret, but they often are shown with a heart-shaped head, a loose
hair-style, and an hourglass-shaped drum beaten with an intended drumstick. By
Lambayeque times, her role, or their roles, may have broadened, and they may also
have served as courtiers. If northern women actually came into the Moche territory and
remained somewhat separated as a group, it is tempting to think that by Lambayeque
times there was a certain amount of adoption of Moche traits, such as the Moche
tambourine drum. (Collins, 2001: 255)
Curiosamente, as mulheres de tembetá do período Lambayeque são
representadas tocando tinyas, enquanto as Moche tocam os tambores em
forma de ampulheta, os mesmos tocados pelos personagens dos pequenos
cântaros enterrados em Sipán, discutidos anteriormente. Este tambor parece
ser típico da região Moche Norte. Segundo a autora tambores em forma de
ampulheta poderiam ter se originado na região de Piura, próxima ao Equador,
se estendendo para a região Moche Norte no período Moche Tardio:
Hourglass – shaped drums are unknown in Moche culture prior to the eight
century, and then they appear only in the art north of the Pampa de Paiján. This new
drum – gripped under the upper arm and secured by a lanyard over the opposite
shoulder, and played with an intended drumstick – may have come from the north.
Hourglass-shaped drums are seen in Vicús art, a tradition associated with the Piura
valley. (Collins, 2001:252)
De fato, não vimos em nossos dados tambores em formato de
ampulheta em nenhuma representação do período Moche Médio. Apenas dois
tipos de tambores são representados na fase IV: tinyas (de tamanhos variados)
e os tambores que são golpeados verticalmente (como na prancha 88).
Segundo Collins, não só o tipo de tambor, mas também os atributos
dessas mulheres, como o tembetá, seriam provenientes de regiões ao norte da
área Moche, como Piura e o Equador. Ela reforça esta hipótese com base em
uma série de estudos etnohistóricos e arqueológicos (Collins, 2001: 254).
Alguns estudos associam instrumentos de percussão, em especial a
tinya, ao âmbito feminino (Gruszczynska, 2004). Na narrativa de Huarochirí
(Taylor, 2008), recolhida por Francisco de Ávila no período colonial (Stevenson,
136
1960), uma das passagens remete à associação entre o tambor e o aspecto
feminino. Nela, o personagem Huatiacuri se encontra com um casal de
raposas, sendo que o macho carrega uma antara, e a fêmea um tambor (La
Chioma, 2013: 65) 26.
Na
época
Moche
Tardia
há
uma
significativa
expansão
das
representações iconográficas de mulheres, como a narrativa em que
sacerdotisas navegam em balsas de totora, além dos vestígios deste período
de enterramentos de mulheres com atributos de poder nas tumbas do vale do
Jequetepeque. Collins (2001: 255) aponta para o fato de que mulheres antes
da fase V só eram representadas na arte mochica em papéis secundários, e
que mesmo a Sacerdotisa da Cerimônia do Sacrifício só passa a ser
representada no século VIII. Não apenas as representações iconográficas, mas
também dados arqueológicos e etnohistóricos apontam para uma mudança no
status feminino na costa norte do Peru a partir do final da era Moche (ibid.:
256), que perdura até o período da conquista 27.
Vemos grande relevância no fato de mulheres com tal status estarem
associadas a instrumentos sonoros. O som que produziam provavelmente
26
Una leyenda escrita en el siglo XVI por Francisco de Ávila en su obra Ritos y
Tradiciones de Huarochirí,26 que persistió hasta el siglo XVII en la costa central del Perú
(Stevenson 1960: 19), cuenta que Huatiacuri, uno de los hijos de la divinidad Pariacaca, curó al
gran Tamtañamca de una enfermedad grave cuya razón ni los sacerdotes más experimentados
habían encontrado. Huatiacuri, por su hazaña, se casa con la hija del curaca y, por ser pobre,
sufre el desdén de su cuñado: ‘Cómo te atreviste tú, un miserable, a casarte con la cuñada de un
hombre tan poderoso como yo?’; el cuñado entonces lo reta con ‘distintas pruebas’ que
Huatiacuri acepta. Desolado, pide a Pariacaca ayuda para enfrentar a su enemigo. La divinidad,
desde lo alto del cerro Condorcoto, le aconseja transformarse en un guanaco y estirase en el
suelo fingiendo estar muerto. De esta forma lo encuentra una pareja de zorros e intenta comerlo.
La hembra había traido consigo su pote de chicha y su tambor, y el macho, su antara. Ambos
dejan sus pertenencias sobre el suelo para empezar el banquete y al grito culminante y
premeditado de Huatiacuri, quien vuelve a su forma humana, corren asustados dejando atrás sus
instrumentos musicales. Con ayuda de estos instrumentos mágicos Huatiacuri supera todas las
pruebas: mientras que su enemigo requiere de doscientas mujeres tocando los tambores en la
prueba de baile, a Huatiacuri le basta un solo tambor para estremecer la tierra.
Lamentablemente la leyenda no detalla el papel de la antara en las competiciones
musicales entre Huatiacuri y su cuñado, pero el punto que queremos demostrar es que existían
instrumentos comunes e instrumentos mágicos, pertenecientes a seres sobrenaturales, como
animales míticos. El poder adscrito a los instrumentos mágicos debe haber sido el mismo que los
instrumentos hechos por los seres humanos reciben en los momentos de consagración como el
actual Siku Arichi (Bellenger 2007: 174), por ejemplo. No parece coincidencia que, según el mito,
es la hembra la dueña del tambor y quien lleva consigo chicha, la bebida ritual, mientras que al
macho pertenece la antara, considerada aún hoy en día un instrumento masculino. (La Chioma,
2013: 65).
27
Cronistas espanhóis como Pedro Cieza de León faziam menção a um poderoso grupo de
mulheres da etnia Tallan, que habitavam as regiões de Tumbes e Piura à época da chegada
dos espanhóis. Elas tinham grande poder político e status social (Collins, 2001: 255)
137
estava reservado ao âmbito ritual. A percussão, neste caso, seria
simbolicamente representativa da faculdade feminina da fertilidade e da
geração. Voltaremos a este ponto no próximo capítulo.
III.II.B.5. Antaristas simples da região Moche Sul
A prancha 45 apresenta antaristas simples. Estas peças, por seus traços
estilísticos, parecem ter sido produzidas nas regiões limítrofes da esfera Moche
Sul, no departamento de Ancash. A influência mochica na produção cerâmica
desta região não extinguiu os estilos locais, que continuaram coexistindo e se
mesclando com o estilo moche.
É muito raro que peças mochica clássicas, proveniente dos vales de
Chicama e Moche, representem antaristas sem atributos de poder, como no
caso dos artefatos desta prancha.
Parte III: Danças, Batalhas e Procissões: Performances Musicais em
Cerimônias Oficiais
A organização das categorias de músicos apresentada até aqui se deu
primordialmente pelos atributos de poder apresentados por estes personagens,
tanto em forma escultórica quanto pictórica. A associação de toucados, túnicas,
braceletes, orelheiras, capas e outros elementos nos permitiu identificar
personagens específicos, como Senhores Noturnos (ou Adoradores), Senhores
de Toucados de Dois Círculos, Tomadores de Coca, Sacerdotisas, entre
outros. Muitos destes músicos, entretanto, aparecem em narrativas pintadas
em linha fina ou em relevo, interagindo com outros personagens em batalhas,
danças,
procissões
e
cerimônias.
Inicialmente,
as
cenas
complexas
congregando diversos tipos de músicos não foram analisadas na categoria
anterior porque a classificação do material foi feita com o objetivo de
contemplar cada músico
individualmente,
considerando
seus atributos
particulares. Além disso, nestas cenas, diversos tipos de músicos, tanto da
categoria dos Sacerdotes Guerreiros quanto dos Acompanhantes, se misturam.
Esta condição impossibilitaria que partíssemos das narrativas para a
138
classificação dos músicos mochica. Com os principais tipos de músicos oficiais
já identificados, partiremos para a análise das narrativas.
Em toda a amostragem de músicos oficiais, foram encontradas vinte e
cinco peças com representações pictóricas de instrumentistas, o que
corresponde a aproximadamente 35% da categoria de peças com “Músicos
Oficiais”.
Dentre as narrativas analisadas as categorias encontradas foram:
III.1. A Comitiva dos “Sikuris Moche”
III.2. Danças
III.2.I. Dança da corda protagonizada pelo Senhor Solar
III.2.II. Dança da Corda protagonizada pelo Senhor Noturno
III.2.III. Danças de Guerreiros com atributos de Senhor Solar
III.2.IV. Danças de Guerreiros em Espiral.
III.2.V. Dança Circular de Guerreiros com Corda
III.2.VI. Batalhas com Tocadores de Pututos
III.2.VII. Outros
III.3. Procissões
III.III.1. A Comitiva dos “Sikuris Moche”: Interpolação e Tinku
Como discutido em nossa dissertação de mestrado (La Chioma, 2012)
todas as peças mochicas com representações pictóricas de tocadores de
antaras, sejam em linha fina ou em relevo, os apresentam organizados em
duplas. Esta forma de organização da produção sonora com antaras é
recorrente tanto nos registros arqueológicos pré-hispânicos de diversas
culturas andinas (em tumbas contendo o instrumento e na iconografia), quanto
na produção sonora atual, seja das pequenas comunidades andinas ou na
música urbana e fusionada. Como veremos a seguir, as antaras estão
profundamente
relacionadas
aos
conceitos
andinos
de
dualismo
e
complementaridade, apresentados no Capítulo I. Alguns autores como Valencia
(1982), Baumann (1996) e Bellenguer (2007) já atentaram para a relação das
duplas de músicos na iconografia mochica com os grupos atuais. Aqui faremos
uma análise mais pormenorizada desta iconografia.
139
Os vasos de alça estribo do Museu Fowler da UCLA (prancha 46) e do
Museu Etnográfico de Berlim (prancha 47) foram as únicas peças encontradas
em nossa pesquisa contendo uma cena extremamente relevante para nosso
estudo, mas raramente encontrada nas coleções. Nelas, quatro tocadores de
antaras ricamente paramentados são intercalados por trompetistas28. Entre os
antaristas há variações nos toucados, túnicas e capas, apesar de utilizarem o
mesmo tipo de vestimenta e orelheiras circulares. Podemos notar, em ambas
as cenas, que os atributos de poder destes músicos se intercalam.
Na peça do Museu Fowler (prancha 46), já mencionada neste capítulo,
os músicos A, B e C apresentam exatamente as mesmas túnicas, enquanto o
músico D (Senhor Noturno) usa a túnica de placas de metal, já identificada e
discutida neste capítulo. Quanto às capas, os músicos B e C usam exatamente
o mesmo tipo, aparentemente de plumas, enquanto A e D usam capas com
estampas que não se repetem no grupo. Todos os toucados são formados por
duas partes principais: um diadema semicircular com duas hastes diagonais
(em V) e um aplique posterior de plumas em forma de leque. A parte frontal dos
toucados dos músicos C e D se repetem, enquanto as partes posteriores dos
toucados de A e C são idênticas, bem como as partes posteriores dos toucados
de B e D. Com relação ao aplique frontal de cabeça de animal, C e D
compartilham toucados de felinos, B usa toucado de coruja e A não apresenta
nenhuma cabeça de animal.
Fizemos uma análise de quais atributos são compartilhados pelos
músicos nesta cena, chegando à tabela apresentada a seguir. Ela mostra o par
(ou trio) de músicos analisado, qual elemento compartilham entre si e quantos
elementos compartilham.
28
Dois na peça do Museu Fowler e quatro na peça do Museu de Berlim.
140
PAR OU TRIO
COMPARTILHAM
ELEMENTOS EM COMUM
A-B
TÚNICA
1
A-C
PARTE POSTERIOR DO
2
TOUCADO E TÚNICA
A-D
-
0
A-B-C
TÚNICA E CAPA
2
B-D
PARTE POSTERIOR DO
1
TOUCADO
C-D
PARTE FRONTAL DO
1
TOUCADO
Tabela III.II. Atributos compartilhados por antaristas na peça do Fowler Museum of Cultural
History (prancha 46).
Se observam semelhanças importantes entre A e C e entre C e D (que
estão frente a frente e têm as antaras unidas por uma corda), enquanto que A e
D não compartilham nenhum elemento comum. Todas as antaras apresentam
apliques de cabeça humana, já mencionados na análise prévia da Tumba 14 e
do Senhor Noturno. Os trompetistas apresentam poucas diferenças, apenas
nas estampas de suas capas. Além disso, a ponta da maça de guerra do
trompetista 1 é escura e o trompetista 2 apresenta plumas no capacete. É
importante notar que, à exceção do antarista D, todos os outros músicos,
incluindo os trompetistas, estão direcionados para a direita.
Sigamos com a descrição da peça do Museu de Berlim (prancha 47)
antes de passarmos para a análise interpretativa, que se dará para ambas as
peças concomitantemente. Nela vemos novamente quatro antaristas, sendo
que o número de trompetistas dobra em relação à peça do Museu Fowler.
Todos os antaristas apresentam atributos de Sacerdotes Guerreiros: toucados
elaborados formados por diadema frontal e aplique de plumas posterior, túnicas
e capas, orelheiras circulares, como os antaristas da peça do Fowler. À
maneira da peça analisada anteriormente, os atributos se interpolam entre os
personagens, sendo que alguns compartilham o mesmo tipo de toucado,
aplique posterior de plumas, túnica ou capa. Apenas A e C apresentam
diademas, sendo o primeiro semicircular, e o segundo semilunar. Nossa
análise destes atributos levou à seguinte tabela:
141
PAR
COMPARTILHAM
ELEMENTOS EM COMUM
A-B
PARTE POSTERIOR DO
1
TOUCADO
A-C
-
0
A-D
-
0
B-C
PARTE FRONTAL DO
3
TOUCADO, CAPA E TÚNICA
B-D
CAPA
1
C-D
PARTE POSTERIOR DO
2
TOUCADO E TÚNICA
Tabela III.III. Atributos compartilhados por antaristas na peça do Museu Etnográfico de Berlim
(prancha 47).
Os antaristas B e C apresentam praticamente todos os atributos
idênticos, com exceção do aplique de plumas do toucado, embora o antarista B
esteja representado em escala menor. O fato de compartilharem a parte frontal
do toucado, cujo animal representado é um mamífero (raposa ou felino), é um
dado importante. Assim como na peça do Fowler, A e D não compartilham
nenhum atributo em comum. Todos os trompetistas estão voltados para a
esquerda, enquanto os antaristas formam duplas face a face, com A e C
mirando para a direita e B e D para a esquerda. Os atributos dos trompetistas
variam mais do que na peça do Museu Fowler, alternando-se entre túnicas
claras e listradas, e capas pretas e listradas. As trombetas também apresentam
variações.
Ambas as peças têm os seguintes traços em comum:
- Apresentam grupos de tocadores de antaras intercalados com
trompetistas em menor escala;
- Os antaristas aparecem organizados em duplas, tocando frente a frente
(com exceção dos personagens A e B da peça do Fowler, que não se
encaram);
- Alguns antaristas estão representados em escala maior que outros;
- Os atributos dos antaristas estão interpolados, de maneira que alguns
compartilham partes de toucados ou vestimentas idênticas, enquanto outros
apresentam diferenças nestes elementos. A análise dos atributos demonstrou
que os antaristas A e D (sempre o primeiro e o último da fila quando as
142
imagens são passadas para plano bidimensional) não apresentam atributos em
comum em nenhuma das peças, enquanto os antaristas B e C (centrais) e C e
D apresentam atributos em comum em ambas. Os antaristas designados com a
letra A são geralmente os menos semelhantes aos outros, contendo traços
únicos (a capa e o diadema na peça do Fowler, e a estampa da vestimenta e o
diadema na peça de Berlim).
- Em ambas as imagens, ao menos uma dupla repete o animal da parte
frontal do toucado (C e D na peça do Fowler e B e C na peça do Museu de
Berlim). Os dois antaristas restantes nunca repetem esse símbolo, apresentam
apliques de partes frontais de toucados únicas.
Recorreremos aos estudos etnomusicológicos com o objetivo de
discutirmos questões de hierarquia, posição social e dualismo nestas cenas,
visto que não devemos ignorar a grande importância da prática musical
organizada em pares nos Andes. Tal paralelo, inclusive, é recorrentemente
feito por especialistas ao tratarem destas cenas, embora análises mais
detalhadas ainda sejam ausentes da bibliografia.
Estudos etnomusicológicos têm demonstrado, ao longo de décadas de
trabalho de campo, que a antara é tradicionalmente um instrumento de aspecto
dual, e portanto sempre tocado em pares de acordo com os princípios da
cosmovisão andina. Antaras são utilizadas em ocasiões comunais importantes,
como celebrações agrícolas ou dias santos, nas quais são formados grandes
grupos ou tropas constituídas por duplas de músicos (Baumann, 1996:16-17;
Stobart, 1996: 68; Canedo, 1996: 83). As zonas de maior recorrência destas
práticas atualmente são o altiplano centro-andino, região em redor do Lago
Titicaca ocupada majoritariamente por falantes de aimará, e regiões de língua
quéchua na Bolívia, como Potosí e Cochabamba. Nestas áreas se
concentraram os estudos de campo mais notáveis sobre as práticas musicais
andinas contemporâneas (Baumann, 1996; Canedo, 1996; Stobart, 1994, 1996,
2006; Bellenger, 2007).
O ato de tocar as antaras em pares ratifica uma lógica simbólica de
complementaridade, reprodução e encontro (no sentido de tinku), fundamental
nas estruturas andinas de pensamento. Em geral uma das antaras de cada par
apresenta características distintas de sua parelha. A diferença pode estar nas
notas, na escala, na quantidade de tubos ou, ainda, na presença ou ausência
143
de abertura na extremidade dos tubos. Uma das antaras de cada dupla é
denominada Ira
29,
ou aquela que lidera, associada ao princípio masculino e ao
hanan (Baumann, 1996: 31), ao passo que a antara com menos tubos é
geralmente denominada Arka, ou aquela que segue, associada ao princípio
feminino e ao hurin (ibid., Canedo, 1996: 85, Bellenger, 2007: 136; Olsen,
2002: 96; La Chioma, 2012:37):
Each counterpart of a panpipe pair has a female or male connotation. This
interpretation is provided by the native terminology as well as by the emic explanation
of the musicians. Ira is the dominant male-oriented instrument that usually starts the
melody and leads the panpipe playing, while arka, its complement, follows. Ira and arka
are blown by two players in a hocket-like technique, that is, when ira plays one to four
notes, arka rests and then continues the melody while ira rests, and so on. In this way
arka and ira combine their notes to create a particular melody that results from an
interlocking and complementary interplay. (…) The Aymara word ira or irpa denotes
“leader” or “the one who leads” and represents a male principle, according to the
campesinos. (…) The Aymara word arka/ arca denotes the female and weaker
counterpart, “the one who follows”. (Baumann, 1996: 31)
O uso individual da antara não é bem visto socialmente, e só é
justificável em algumas ocasiões específicas, como relata Canedo:
De hecho, los músicos campesinos andinos, no conciben el tocar solos e
incluso tal hecho está mal visto por la comunidad (…) En Quiabaya, el uso de un siku
ira y arka por un mismo músico tiene funciones específicas vinculadas a la
composición o para repetir una pieza que se tiene que ensayar. (…) Resulta
interesante notar que a esta manera de tocar se le llame ch`usillada (del adjetivo
quechua ch`usu), uno de cuyos significados es “vacío” o “con poco soplo” (…) y solo
es practicada fuera del ámbito de lo social. (Canedo, 1996: 101)
Desde a seleção das matérias primas (em geral cana e madeira), o
processo de produção destas flautas segue rigorosamente os padrões
adequados a uma tropa. Vimos em nossa pesquisa de Mestrado (La Chioma,
2012: 61) que todo o ciclo de vida destes objetos está condicionado a ser
29
Vocábulo de origem aimará. (Baumann, 1996: 31)
144
coletivo, desde a produção até o descarte. As flautas são produzidas,
consagradas,
tocadas
e,
provavelmente,
descartadas
em
conjunto 30.
Bellenguer (2007: 174) menciona uma cerimônia na Ilha de Taquile, no Lago
Titicaca, denominada Siku Arichi, na qual todo o novo conjunto de antaras
fabricado pelo mestre deve ser consagrado.
Esta cerimônia é praticada com todos os músicos na casa de uma das
autoridades da ilha (alferado). As antaras não são produzidas por cada músico
pertencente ao grupo de sikuris, mas por um mestre experiente que fabrica o conjunto
todo. A necessidade de consagrar o conjunto de antaras na presença do mestre e de
um sacerdote expressa o caráter sagrado dos instrumentos e, portanto, sua relação
com a cosmovisão e a religiosidade. O mestre produtor das flautas também é um
músico e tem uma função importante no ritual. (La Chioma, 2012: 61)
Stobart (2006: 145) conta que, em Kalankira (Potosí, Bolívia) a Cruz do
Tata Mayor, símbolo da Festa da Cruz de Mayo, tem um grupo de guardiões
conformado por até dez homens, liderados por uma dupla, um homem do
hanan e outro do hurin. O papel do líder do abaixo (ou da esquerda), o mayura,
é, segundo Stobart, interessante de uma perspectiva musical, já que ele é
responsável por adquirir um novo conjunto de flautas, ensinar a melodia aos
músicos e assegurar que a melodia seja bem executada durante o ritual, para
que não haja erros (ibid.) Além disso, para disciplinar os músicos, o líder
carrega um chicote para ser usado nas pernas dos dançarinos que errem seus
passos.
Portanto, os dados recolhidos por Bellenguer e Stobart aponta para um
líder da tropa de antaras, um músico que é mais importante que os outros no
ritual. Na iconografia são nítidas as diferenças de hierarquia entre os tocadores
de antaras das peças do Fowler Museum e do Museu de Berlim.
As várias peças que compõem o conjunto sofrem variações, que devem
ser levadas em conta pelo mestre produtor (Bellenguer, 2007: 174). Em cada
região ou festividade se utiliza um tipo particular de conjunto. Os Jula-Julas, por
exemplo, são conjuntos cujas antaras apresentam uma única fila contendo
30
No período Intermediário Inicial na costa sul as antaras eram quebradas intencionalmente e
enterradas após seu uso, como atestado pelas escavações de Orefici em Cahuachi, centro
cerimonial Nasca. Ver Gruszczynska, 2006: 81.
145
quatro e três tubos (Ira e Arka, respectivamente). As maiores (Machu) são
tocadas pelos músicos mais velhos e respeitados (Baumann, 1996: 32-33). Já
a categoria de Sikus apresenta antaras de fila dupla, com o Ira apresentando
duas filas de sete tubos e o Arka duas filas de seis tubos. A primeira fila, Ira e
masculina tem os tubos fechados. A segunda fila, correspondente à metade
feminina, tem os tubos abertos (Baumann, 1996: 33-34). O conjunto
denominado Lakitas apresenta antaras de dezesseis tubos (Ira, com duas filas
de oito tubos cada) e quatorze tubos (Arka, com duas filas de sete tubos cada).
Os Sikuris, o tipo de conjunto mais popular, atuam com antaras de dezessete
tubos. Neste caso, Ira e Arka não alternam notas, mas o segundo repete
exatamente as notas do primeiro (ibid.: 41).
Nas ontologias andinas as relações duais têm como ponto de origem a
distinção entre os polos masculino e feminino, pois é no encontro destas duas
polaridades que o equilíbrio do tinku é gerado (Gölte, 2007: 2; 2009:59).
Canedo enfatiza a relação de gênero implícita no sistema de interpolação de
antaras, notando que, na cosmovisão aimará, o encontro dos instrumentos se
equipararia simbolicamente a uma relação sexual:
Una característica organológica en los instrumentos musicales andinos y
enfatizada por varios investigadores, se refiere a la marcada diferenciación sexual que
se observa tanto en instrumentos aerófonos como en los instrumentos de cuerda (…).
Tal división por sexo, se hace explícita en los sikus a partir de la dualidad binaria
complementaria: ira-masculino/ arka-femenino que a su vez es generadora de otros
pares de oposición: arriba/ abajo, delante/detrás, etc. (…) Tal división binaria se
complejiza aún más en la ejecución, en tanto, una melodía sólo puede ser construida
en base a los sonidos alternados de ira y arka, ambos manejados por dos músicos y
que en algunas zonas denotan una explícita relación sexual (Stobart, 1991). (Canedo,
1996: 85)
Como vimos no Capítulo II, as antaras são tocadas somente na estação
seca e fria, que começa em abril e finda em setembro (Baumann, 1996:43;
Canedo, 1996: 83, Stobart, 2006: 133; Bellenguer, 2007: 136). Esta
corresponderia à estação masculina (Stobart, ibid.), em contraposição à
estação quente e chuvosa, relacionada ao feminino e à fertilidade, na qual se
tocam as flautas tubulares, como quenas, tarkas e pinquillos (Stobart, 1996:67).
146
Na maioria das vezes, estes grupos são acompanhados por danças, nas quais
participam homens e mulheres da comunidade, com diferentes atribuições. A
forma mais elementar de organização destes grupos é a circular (Baumann,
1996: 18; Salazar Sáenz, 1996: 182), mas também podem ser lineares ou
serpentiformes (Stobart, 2006: 157-158).
De maneira geral, os estudos etnomusicológicos discutidos demonstram
que os atuais grupos de antaras andinos são formados por duplas, nas quais a
cada membro corresponde uma polaridade (Ira: hanan, masculino e Arka:
hurin, feminino). As danças se dão em círculos 31 (Bellenguer, 2007: 141, 277),
os quais mudam o sentido diversas vezes sob o mando e autoridade do músico
principal, o machu ou cabeza de baile (Baumann, 1996: 18):
La idea de asociar el soplo comunitario a una forma de ofrenda y de diálogo
con las divinidades queda ilustrada en particular mediante la disposición circular de los
participantes y que es característica de todas las intervenciones de los sikuri. Dentro
de esta configuración, el conjunto de los tocadores dirigen simultáneamente su soplo
hacia el centro del círculo. Esta concentración centrípeta de los fluidos destinada a
acentuar la eficacia de la energía vital entregada por los sikuri, aparece estrechamente
ligada a prácticas sacrificiales que he podido observar en el transcurso e otros ritos.
(Bellenguer, 2007: 141)
As vasilhas do Fowler e do Museu de Berlim podem ser discutidas à luz
dos estudos sobre as tropas de antaras andinas atuais, já que muitos pontos
em comum demonstram a permanência de alguns elementos desta prática na
longa duração 32, ainda que o significado ou outros detalhes da prática possam
ter sido alterados por processos históricos e culturais ao longo do tempo. Estes
elementos, visíveis
tanto na iconografia mochica quanto nos dados
etnomusicológicos são:
31
Segundo o autor a disposição circular dos sikuris corresponde a uma projeção espacial do
mundo e do universo, cujos limites estão marcados pelas montanhas ou apus. (Bellenguer,
2007: 277).
32 Apesar da considerável distância territorial que separa a costa norte peruana do altiplano do
lago Titicaca, as semelhanças levantadas entre o material arqueológico da costa norte e os
dados etnográficos do altiplano são significativas. Além disso, as regiões onde são recolhidos
os testemunhos etnomusicológicos estão a uma curta distância da região de Nasca, onde
evidências arqueológicas também atestam a prática de tocar antaras em pares formando
conjuntos, como discutimos detalhadamente em nossa dissertação de mestrado e em um
artigo específico sobre este tema (La Chioma, 2012 e La Chioma, 2013).
147
a) O ato de tocar as antaras em pares em cerimônias ou eventos
importantes e, a partir destas duplas, a formação de conjuntos
maiores;
b) Uma organização das tropas de maneira que alguns membros
estejam relacionados a uma polaridade (masculina, Ira) e outros
membros estejam relacionados à outra (feminina, Arka);
c) A hierarquização dos músicos de acordo com a metade da antara
que lhes cabe tocar e de acordo com outros indicadores, como idade,
destreza e poder na comunidade;
d) A interpolação entre os músicos;
e) Uma associação do músico principal ao pututo, além das antaras;
f) Diferenças visíveis entre as antaras ira e as antaras arka nas
representações iconográficas;
g) O simbolismo, em ambas as práticas, do encontro entre polaridades
como uma demanda fundamental para a geração do equilíbrio
cósmico e social, o tinku.
h) A possível permanência da organização dos antaristas em círculos
neste tipo de prática.
i) Ambas as práticas aqui discutidas, tanto a contemporânea quanto a
pré-hispânica, fazem parte das cerimônias oficiais de suas
respectivas comunidades. Ambas estão inscritas dentro de um
calendário ritual oficial, são conduzidas por autoridades comunais e
mobilizam toda a comunidade.
Os estudos citados apontam para a existência de relações hierárquicas
dentre os membros de uma tropa de antaras. A idade e a experiência são itens
fundamentais para o líder de uma tropa, cuja autoridade dentro do conjunto de
músicos é incontestável (Baumann, 1996: 18-19). Os responsáveis pela antara
Ira, que em geral têm maior autoridade que os que respondem (Arka), têm a
incumbência de liderar as duplas:
Machu, mala (also malta), tara and ch`ili symbolize at the same time the
societal hierarchy: macho means “honorable” and is, as a rule, associated with the
oldest and most experienced musicians, mala or malta means “intermediate one”, while
148
ch`ili refers to the “smallest” instrument, which is usually played by the youngest and
least experienced musician. (Baumann, 1996:17)
Como aponta Baumann, existem termos para designar as antaras dentro
da tropa, desde as maiores (Machu), associadas aos músicos mais velhos e
importantes até as menores, associadas aos músicos subalternos, mais jovens
(Ch`ili), passando pelas intermediárias (Tara). Os termos Ch`ili, Tara e Machu,
portanto, não designam apenas as antaras, mas também os músicos que são
responsáveis por elas. Relações de hierarquia são formadas a partir das
categorias de instrumentos musicais, integrando-se o instrumento e seu
tocador. Ch`ili, Tara e Machu não são apenas instrumentos ou pessoas, mas
graduações que marcam posições hierárquicas dentro da tropa de sikuris.
Bellenguer (2007: 143) também menciona esta hierarquização em Taquile, já
que os músicos mais experientes e com maior resistência física para soprar
podem vir a fazer parte do grupo de antaras mama phukuq, as de maior grau
de hierarquia. Aqueles que não podem ocupar uma posição de destaque
tocando estas flautas tocam os siku liku, que são as flautas menores. As flautas
menores de todo o conjunto, siku chuli, também estão reservadas a homens
mais velhos de maior experiência (ibid.).
O líder (Tata Mayor) tem a incumbência de conduzir os músicos no
momento do ritual, e também de organizar toda a festividade: a formação das
danças, a decoração da festa e a data em que se realizará a procissão:
The leader of the music group is the tata mayor (cabeza de baile), who is
responsible for the musicians, their food, and the schedule of the festivities, as well as
for decorations and dance formations. As a sign of his dignity as the dance leader, the
tata mayor sometimes plays a pututo (signal horn) and holds a whip in his hand. With
the whip he sees to it that nobody dances out of step. (Baumann, 1996:18-19)
Nosso grifo destaca a menção de Baumann à associação do músico de
maior autoridade a um pututo ou trombeta. O pututo é um elemento presente
na peça do Fowler entre os personagens A e D (Senhor Noturno), estando
também presente em miniatura na Tumba do Senhor Noturno (Tumba 14) e no
enterramento do Senhor Guerreiro (Tumba 16). É possível que este
149
instrumento fosse um marcador de autoridade dentro do grupo de antaristas,
identificando o músico de hierarquia mais alta. É um elemento importante que
aparece associado aos tocadores de antaras tanto nos dados arqueológicos
quanto nos dados etnomusicológicos, porém temos poucos dados para
compreender melhor a natureza desta relação. Como vimos anteriormente o
Senhor Noturno, de fato, aparece associado sempre a antaras (prancha 1) e a
pututos (Tumba 14 e prancha 25).
Na cosmovisão andina, a integração entre os pares de antaras é, antes
de qualquer coisa, uma relação de gênero e hierarquia, na qual as polaridades
masculina e feminina se inter-relacionam e na qual o Arka traria uma espécie
de obrigação recíproca para com o Ira (Canedo, 1996: 90-91). Esta relação
hierárquica entre os instrumentos se expressa, igualmente, nos vocábulos
utilizados para os nomear. De acordo com Canedo (ibid.: 88-89), muitos termos
no aimará usam as vozes Ira ou Arka como prefixo. O primeiro sempre está
relacionado à ideia de organizar, liderar, começar, e o segundo à ideia de
seguir, acompanhar e responder (ibid. 90):
El concepto de ira se relaciona con organizar, nombrar, señalar, guiar,
distribuir, repartir, dar. Connota también un sentido de repetición, de responder “lo
mismo” (irakhaatha). En ambos casos, la relación es binomial, por lo que supone un
elemento complementario imprescindible. Cabe aclarar que estas funciones están
asociadas a otras categorías que organizan las sociedades andinas y a diversos
niveles de jerarquización, en tanto fueron encargadas a especialistas vinculados a las
esferas de poder. (Canedo, 1996: 90, grifo meu)
Em todos os conjuntos de antaras as palavras que designam as filas de
tubos referem-se a relações hierárquicas ou de gênero. Este fenômeno se
repete em várias comunidades, como nos sikuris do norte do departamento de
Potosí, relatados por Canedo (1996: 96-97), nos quais as antaras apresentam
duas fileiras, sendo a primeira delas denominada orqo, que assinala o sexo
masculino, e a segunda china, designando o sexo feminino. Sempre há uma
relação de reciprocidade a às vezes de subordinação não só entre as antaras
de um mesmo par, mas até mesmo entre as fileiras de uma mesma antara
(ibid.).
150
Na peça do Museu Fowler as antaras dos músicos A e C parecem ser
maiores e conter mais tubos (cinco). A imagem não permite fazer a contagem
de tubos destes dois personagens de forma precisa, pois ambos têm suas
mãos sobre eles, mas as antaras de B e D visivelmente apresentam apenas
quatro tubos, sendo que ambos os músicos estão representados em menor
escala. Todas as antaras apresentam apêndices de cabeça humana, parecidos
com as máscaras em miniatura encontradas na Tumba 14 de Sipán. Já as
antaras da peça do Museu de Berlim apresentam apêndices de mãos humanas
e o número de tubos parece ser cinco em todas elas. Ao contarmos os
elementos circulares na parte de cima das antaras, que poderiam representar
canais de sopro, observamos que C e D tocam antaras com sete e seis
elementos circulares, respectivamente, o que corresponderia à lógica de Ira e
Arka. Entretanto, não temos segurança em afirmar que os elementos circulares
representam canais de sopro.
Na iconografia vemos que os apliques de cabeças e mãos se unem em
pares quando há o encontro das antaras, no momento do ritual. Benson (1975
apud Olsen, 2002: 84) acredita que estes apêndices sejam metáforas de
decapitação ou amputação cerimonial. O simbolismo expresso no encontro dos
apêndices das antaras que representam partes de corpos, no momento do IraArka, é sem dúvida mais um dado que reforça o conceito de reprodução e tinku
associado a este instrumento. Corpos de antaras são uma analogia comum no
mundo
andino,
aparecendo
tanto
em
dados
arqueológicos 33
quanto
etnográficos (Stobart, 2006: 154), como vimos em nossa dissertação de
Mestrado (La Chioma, 2012: 117-119):
In my presence, the musicians once laid out the instruments on the ground in
the form of a human being after they finished playing. The meaning of the pair as the
embodiment of the individual, referring to the entire body of the ensemble, is illustrated
here in a convincing way, just as the sum of the parts always is related to the whole of
reality. (Baumann, 1996: 54)
33
Sobre os corpos de antaras representados na iconografia Nasca ver La Chioma, 2012 (117)
e La Chioma, 2013.
151
Além de as antaras terem um sentido de encontro entre partes opostas,
que consequentemente geram a vida, Stobart (2006: 30) relata que a produção
das antaras na região de Postosí, Bolívia, onde fez seus trabalhos
etnomusicológicos, é fundamentada sobre uma ideia de reprodução e formação
de corpos, na qual cada etapa da construção dos instrumentos expressa a
ideia da formação gradual de partes de um corpo.
Aparentemente, a concepção das antaras como partes de corpos, como
componentes de um todo que se completa quando há a junção e o diálogo das
partes, permanece desde o período Pré-Hispânico, tendo inclusive existido
entre os mochicas. As antaras representadas em ambas as peças são
sumamente elaboradas, como as utilizadas pelos personagens das peças
M008 e M046 (prancha 16). Eram, provavelmente, antaras diferentes das
comuns, específicas para cerimônias oficiais. Isto significa que as antaras com
apêndices de partes de corpos deveriam ser tocadas, provavelmente, por
músicos de alto status.
Na
cosmovisão
andina
antaras
são,
muito
provavelmente,
suficientemente hábeis para gerar o equilíbrio vital. No entanto, devem ser
tocadas por indivíduos experientes, que tenham conhecimento deste processo.
A posição hierárquica de um músico dentro de sua tropa de antaras está
diretamente relacionada à hierarquia do instrumento que ele pode tocar. Sua
destreza, seu preparo e capacidade de tocar os instrumentos mais difíceis da
tropa os posicionam no topo da hierarquia:
Un punto importante en la nomenclatura de que define a los instrumentos
musicales andinos está dado por la explícita jerarquización entre los tamaños de
instrumentos de una tropa por un lado y de las mitades componentes de un siku, por el
otro. Aunque no se han discutido las relaciones que se dan entre los diversos
tamaños, es evidente que esta jerarquización es paralela al tamaño formal del
instrumento y al manejo categorizado de su uso. (…) Algunos campesinos músicos de
Quiabaya creen, en efecto, que tocar el siku ira es más difícil, en tanto se soplan más
tubos, y, por lo tanto, se necesita mayor experiencia (…). Al parecer, ira necesita de
una mayor destreza que el arka. El constante ascenso de los miembros músicos –
permitido socialmente a partir de la experiencia – en el manejo de los instrumentos
muestra, así mismo, la jerarquización y la organización interna de la tropa. En muchas
zonas, desde la niñez, los campesinos irán adiestrándose en el manejo de diversos
152
instrumentos más pequeños de una tropa hasta alcanzar los niveles más altos; es
decir, ser el “puntero, “guía” o maestro de una tropa. (Canedo, 1996: 101-102, o grifo é
meu)
Os músicos podem ascender dentro de uma tropa ou comunidade a
partir de suas experiências adquiridas. A idade neste caso é um marcador
essencial. Os músicos de maior hierarquia na tropa se destacam pela
desenvoltura ao manejar o instrumento e pela idade, mas também por
vestimentas e atributos que os distinguem:
La presencia de “guías” en los cantos colectivos (Soco y Susa), sugiere,
asimismo, la existencia de especialistas músicos en los diversos conjuntos
instrumentales con que se acompañaban las principales fiestas. Tal presencia
directora, en las tropas actuales, queda explicitada con el “puntero” de una tropa
llamado también “guía” [norte de Potosí: jula jula], el cual maneja también el siku ira
del instrumento de mayor tamaño. En Venta y Media (Oruro), la vestimenta utilizada
por los “principales” ira y arka tocadores de suri siku es también un emblema de
diferenciación jerárquica dentro de la tropa. (Canedo, 1996: 89-90)
Tradicionalmente, a territorialidade andina é simbólica e politicamente
constituída por duas partes que se complementam: o alto (hanan) e o baixo
(hurin). Esta divisão, vigente em Cusco no período Inca, bem como em cidades
da Costa Norte à época da chegada dos espanhóis, permanece nos pequenos
ayllus da serra centro-andina. No atual encontro ritual (tinku) que ocorre todos
os anos nas regiões de altiplano, os grupos das duas parcialidades distintas se
enfrentam.
Os toucados são atributos fundamentais a serem analisados, pois estão
entre os mais importantes marcadores de personalidades iconográficas. A peça
do Fowler apresenta três tipos de toucados: a dupla de antaristas C e D
apresenta toucados de mamíferos (provavelmente felinos), enquanto B usa um
toucado de coruja e A não tem aplique frontal de animal em seu diadema
semicircular. A peça do Museu de Berlim, igualmente, apresenta três tipos de
toucados: dois de mamíferos (provavelmente felinos), usados por B e C, um de
ave marinha, sobre a cabeça do personagem D, e um com representações
pictóricas de raposas exibido pelo personagem A, embora não apresente a
153
cabeça do animal. Quanto aos diademas, Chero (2013: 124-125) afirma que a
coroa semilunar tem suas origens na fase Moche Inicial, mantendo-se até o
período Médio. Este tipo de diadema foi registrado na tumba 15, a mais antiga
de Sipán. Trata-se de uma coruja com as asas abertas (ver tabela III.I). Já o
diadema em V é típico da fase Moche Médio e foi registrado nas tumbas 14 e
16 (ver tabela III.I), justamente as tumbas dos Sacerdotes Guerreiros músicos.
É um dos tipos de diadema mais comuns em músicos, aparecendo também
nas peças do Fowler e do Museu de Berlim.
Segundo Gölte (2009: 75), o parentesco de personagens e divindades
se expressavam, na iconografia mochica, pelo toucado (ascendência paterna)
e pelo cinto (ascendência materna). De acordo com sua preposição, é muito
provável que os toucados dos antaristas representados nas peças discutidas
aqui sejam identificadores de suas parcialidades, origens cosmológicas
(paqarinas) e/ ou linhagens de poder. Estamos de acordo com Gölte e
Makowski (1996: 23) que os toucados representam os chefes das duas
metades que conformam uma comunidade.
Como proposto em nossa dissertação de Mestrado (La Chioma, 2012:
96) acreditamos que os antaristas das peças aqui analisadas estejam atuando
em um esquema análogo ao de Ira-Arka, no qual os antaristas Ira (A e C em
ambas as peças) estão hierarquicamente acima dos antaristas Arka (B e D):
É possível também que cada antarista seja representante da linhagem
descendente de determinada divindade. A ascendência e o parentesco são substratos
importantes nas relações sociais andinas e, seguramente, os atributos dos antaristas
humanos os identificam com as divindades que instituíram suas linhagens sociais.
Como o camac ou força primordial desta divindade é passada a seus descendentes
(Gölte, 2009: 21), cada antarista representaria, a nosso ver, uma linhagem e uma força
cosmológica diferente. A união destas forças seria indispensável para a geração do
equilíbrio e continuidade do ciclo vital. (La Chioma, 2012: 96)
Por apresentarem exatamente os mesmos atributos, os antaristas B e C
da peça da prancha 47 podem pertencer à mesma linhagem ou parcialidade,
estando em um momento de interpolação sonora com os indivíduos
representantes de outras linhagens ou parcialidades. Acreditamos que a
154
diferença de escala dos músicos possa também reforçar esta relação
hierárquica, já que representar os indivíduos em tamanhos diferentes não
parece ser uma escolha individual dos artistas, mas uma norma de
representação comum utilizada por vários artistas, já que ambas as peças
foram produzidas por artistas diferentes e ambas enfatizam a diferença de
tamanho dos músicos, sempre com um músico da dupla menor que o outro.
De acordo com Gölte (2009: 27) o significado de uma cena mochica
deve ser compreendido fundamentalmente em relação ao seu suporte
artefactual, devendo o pesquisador levar em consideração a morfologia da
peça e a matéria prima utilizada. A análise da imagem em plano bidimensional
ignora uma parte importante do significado: o posicionamento de cada semema
em relação ao suporte e a outros elementos iconográficos (ibid.; La Chioma,
2012:53). O formato do bojo em conjunção com sua iconografia expressa o
conteúdo semântico da peça.
Na cosmovisão mochica cada tipo de vaso tinha um significado
simbólico e um sentido dentro da parafernália ritual. Na análise de Gölte (2009:
82, 88) vasos de alça estribo sempre buscam a conexão entre o hurin
(inframundo) e o kay pacha (plano terreno), sendo a alça estribo o elemento
unificador dos dois lados opostos e complementares (ibid. 88). Considerando
esta premissa, muito provavelmente os artistas mochica produziam a
iconografia das peças em consonância com o formato de cada suporte. Desta
forma, é muito possível que, no caso das peças das pranchas 46 e 47 os
personagens reproduzidos em redor do bojo circular estejam simbolicamente
realizando suas atividades em círculo. Vale lembrar que as tropas nunca ficam
paradas, mas se deslocam. Caminham de um lugar a outro em peregrinação e,
ao chegar a algum lugar importante de veneração, como uma igreja, por
exemplo, passam a dançar em círculos. Além disso, Gölte afirma que vasilhas
de alça estribo com representações de personagens demonstram grupos
opostos e complementares em atividades relacionadas ao tinku, nas quais
estes grupos atuam com o objetivo de gerar o equilíbrio vital:
La mayoría de las botellas de asa estribo exponen las imágenes en las caras
paralelas al asa estribo. En estos casos los actores por lo general representan grupos
155
opuestos complementarios, pero cuya acción acontece en un mismo espacio. (Gölte,
2009: 88)
Concordamos com Gölte que vasilhas de alça estribo parecem exibir
temáticas relacionadas a momentos de tinku: rituais, batalhas, cerimônias e
outros temas que demonstrem a importância da relação entre o alto e o baixo.
La superficie de una botella de asa estribo es utilizada para expresar relaciones
de confrontación y complementariedad entre los elementos representados. Hay una
forma básica de exponer la bipartición del mundo que se expresa en escenas que se
relacionan con la transición de uno de los mundos al otro. (Gölte, 2009: 82)
Fig. III.21. O esquema de Gölte para o uso dos espaços nos vasos de alça estribo. (Gölte, 2006)
De acordo com o esquema de Gölte (fig. III.21), a alça estribo atua como
uma ponte, unindo as duas parcialidades, A e B, espaços que ficam
exatamente sob o entroncamento da alça estribo com o bojo. Já os espaços
mais largos da vasilha, que ficam sob o arco da alça estribo, unem os mundos
A e B em tinku.
É interessante notar que os dois antaristas que consideramos Ira na
peça da prancha 46 (A e C) estejam ambos posicionados exatamente sob o
arco da alça estribo, dividindo os dois lados principais da vasilha. Entretanto, o
encontro destes antaristas com seus respectivos Arka (B e D) ainda se dão sob
o arco da alça estribo, embora os antaristas Arka tenham a maior parte de seus
corpos posicionados sob o entroncamento da alça estribo com o bojo (verificar
156
imagens na prancha 46). Exatamente a mesma situação ocorre na prancha 47,
com os antaristas do Museu de Berlim. Assim, considerando que no esquema
de Gölte cada parte do vaso correspondente ao entroncamento da alça estribo
com o bojo (A e B) correspondem a grupos opostos, então cada antarista Arka
(os designados com letras B e D nas pranchas 46 e 47) designa
necessariamente um grupo distinto. Por fim, cada antarista Ira (A e C em
ambas as peças) seria a parte que lidera cada um destes Arka. Novamente,
lembramos que os artistas que produziram estas peças são diferentes, e que,
portanto, tal semelhança não pode ser uma escolha aleatória do artista, mas
uma convenção na representação deste tipo de músico e de ritual: a posição
dos antaristas em relação à morfologia do vaso demonstra as relações
hierárquicas dentro do grupo, mas mais que isso, demonstra o encontro entre
dois
grupos
opostos
e
complementares
de
músicos,
provavelmente
representativos de linhagens ou parcialidades distintas que se encontram nesta
cerimônia para a geração do equilíbrio vital. Acreditamos que na peça do
Fowler Museum as duplas da mesma parcialidade sejam A-B, e C-D, enquanto
na peça do Museu de Berlim B e C, bem como A e D, pertençam à mesma
parcialidade.
Passemos agora à prancha 48, na qual mais duas representações
mostram pares de antaristas com toucados elaborados. Estas imagens
guardam suas diferenças com as analisadas anteriormente. A primeira delas
(M481), publicada por Donnan & McClelland (1999: 244) é um vaso de alça
estribo de fase Moche I ou II, bastante Inicial. Entretanto, a pintura dos
músicos, produzida na fase IV, foi estampada sobre o vaso muitos séculos
depois (ibid.). Por esta razão, a aderência da pintura à cerâmica é irregular e
de má qualidade. Segundo Donnan, as características do desenho demonstram
que esta peça teria sido pintada pelo mesmo artista que produziu a peça do
Museu de Berlim que analisamos anteriormente. Para o autor (1999), muitos
ateliês na fase IV se especializaram em pintar temas específicos da arte
mochica, mas traços muitos específicos identificam o estilo único de cada
artista e permitem que peças encontradas em diferentes partes do mundo
sejam comparadas e atribuídas ao mesmo artista ou ateliê. Não por acaso os
artistas compilados por Donnan parecem pintar sempre o mesmo tema, o que
pode indicar uma especialização de temas e narrativas entre os artistas
157
mochica (ibid.). Apenas dois antaristas são mostrados neste vaso, ambos com
toucados de ave marinha, com os exatos atributos do último antarista da peça
do Museu de Berlim e as antaras com apliques de mãos fechadas. Os
trombeteiros, no entanto, foram substituídos por feijões.
Fig. III.22. Quadro comparativo mostrando antaristas com toucado de ave marinha
representados em duas peças diferentes. Desenhos por Donna McClelland.
Em nossa dissertação de Mestrado discutimos sobre como na visão de
Hocquenghem (1987 apud La Chioma, 2012: 96) figuras intercaladas na arte
mochica são metonímicas, dando qualidades aos personagens aos quais se
associam, como força, altivez etc. Feijões podem estar associados a
guerreiros, já que em muitas cenas eles aparecem antropomorfizados, em
batalha, carregando escudos e clavas (fig. III.24) (ibid.: 96-97). Entretanto,
temos ainda poucos dados para considerarmos tais suposições com mais
segurança.
Fig. III.23. Cena Moche fase IV representando feijões guerreiros. Donnan & McClelland, 1999: 232.
158
É importante nos perguntarmos por que estas duplas de antaristas foram
representadas em linha fina apenas em um momento muito específico, o
período Moche Médio, e exclusivamente nos vales ao sul do Jequetepeque.
Ainda que não tenhamos encontrado uma quantidade grande destas vasilhas
em
nossa
amostragem,
elas
são
extremamente
significativas
para
compreendermos melhor o uso das antaras na produção sonora Moche.
Veremos que duplas de antaristas mortos aparecerão com frequência nas
Danças do Inframundo, um tema a ser discutido no Capítulo IV, porém seus
atributos não se comparam aos dos antaristas analisados aqui. É importante
notarmos que os atributos de poder desses tocadores de antaras estão
intimamente associados aos grandes Sacerdotes Guerreiros descritos e
identificados neste capítulo, o que confere a eles um alto status social e uma
relação bastante estreita com as elites que governavam os vales mochicas no
período Médio. Além disso, é muito claro que as cenas narradas nessas
vasilhas se referem a momentos de produção sonora oficial, dignos de
reprodução no aparato ritual ditado pelas elites político-religiosas.
III.III.II. Danças e Batalhas Rituais
As danças estão entre os temas mais notáveis da iconografia (Donnan,
1982). Nestas cenas, à enorme quantidade de dançarinos de todos os tipos se
somam os músicos, mostrando que, de fato, danças eram acompanhadas por
produção sonora. Nos períodos Moche iniciais fases I a III), estas cenas não
são comuns, tornando-se mais numerosas no período Médio. As danças
podem ocorrer no mundo dos vivos, onde atuam sacerdotes, oficiantes e outras
categorias de dançarinos, ou no mundo dos mortos, onde os personagens
aparecem como esqueletos. As Danças do Inframundo, referentes ao âmbito
sobrenatural, serão analisadas no próximo capítulo.
Em nosso levantamento de dados encontramos dezesseis cenas de
danças no mundo dos vivos ou kay pacha, organizadas em sete subgrupos.
Estas cenas já foram descritas e discutidas por Donnan (1982) e Hoyle (1985).
Entretanto as organizamos de forma diferente dos autores citados, com base
principalmente nos atributos de poder dos personagens envolvidos.
159
III.III.II.I. Dança da corda protagonizada pelo Senhor Solar
Este grupo está conformado por quatro peças: M153 (prancha 53), M069
(prancha 54), M601 e M072 (prancha 55). Em todas elas, grupos de dançarinos
atuam sob a liderança do Senhor Solar, que sempre segura uma corda.
A peça M153 (Prancha 53 - ML013655) é um vaso de alça estribo de
bojo comum, próprio da fase IV da região Moche Sul. Nele atuam 21
personagens, dos quais três são músicos. A cena se divide em duas partes:
superior e inferior, separadas por duas linhas paralelas. Na parte superior o
personagem principal que lidera o evento é um Sacerdote Guerreiro com
atributos de Senhor Solar. Tem capacete alongado com diadema semilunar na
ponta e decoração de serpente felina, orelheiras elaboradas com pequenas
esferas ao redor, túnica elaborada, narigueira, braceletes, protetor de coxa e
um grande colar de esferas. Apresenta pintura facial e presas na boca. Ele
segura uma corda junto a outros guerreiros com túnicas e toucados de placas
de metal. Quatro deles apresentam diademas semilunares nos toucados, o
primeiro (esquerda para a direita) tem diadema de tentáculos de polvo e o
último não apresenta o adereço. Todos têm pintura facial, bracelete e
orelheiras circulares, e alguns, narigueiras. Quatro personagens menores
aparecem na parte superior da cena: dois pairando e dois no nível do solo. O
único que segura algum objeto é o personagem localizado imediatamente à
frente do Senhor Solar, com algo que pode ser uma corda ou uma parte de
adereço de metal.
Abaixo, os músicos dão o tom para a dança composta por dois grupos
de dançarinos, enquanto o personagem central, com atributos de sacerdote
guerreiro, segura uma bolsa. O primeiro grupo de dançarinos é formado por
uma dupla à esquerda do percussionista que usa a mesma vestimenta dos
dançarinos da parte superior: túnica com adereço lateral de placas de metal e
saiote estampado. Também apresentam braceletes, orelheiras circulares e
narigueiras, além de toucados com diadema semicircular. Carregam em suas
costas cabeças compostas por caras enrugadas e cabelos. Não é possível
saber se são mascaras ou cabeças troféu. O segundo grupo de dançarinos
começa à direita do segundo quenista e é composto por quatro personagens:
160
três à direita da cena e um à extrema esquerda. Usam túnica longa com
esferas que podem ser de metal ou estampadas, toucados alongados de
plumas e orelheiras circulares.
Quanto aos músicos, trata-se de um trio formado por dois quenistas e
um percussionista, localizados no nível inferior. Todos usam túnica longa de
círculos e pintura facial. Os quenistas têm toucado de diadema semilunar e
orelheiras circulares. Nesta peça é possível verificar os detalhes das quenas,
com seus orifícios de digitação. O toucado do percussionista parece uma
touca, com motivo de círculos e esferas ao redor. Muitos percussionistas
acompanhantes apresentam estes atributos, inclusive representados em forma
escultórica, como detalhado na prancha 35.
A peça M069 (Prancha 54) retrata uma cena também dividida em duas
partes, inferior e superior, divididas por uma linha grossa, à maneira da peça
anterior. Trata-se de um canchero pertencente à coleção do Museu de
Arqueologia da Universidade Nacional Mayor de San Marcos, restaurado e sem
informação de proveniência, com decoração pictórica na parte inferior.
Na parte posterior da imagem três personagens de alto status, com
atributos de sacerdotes guerreiros, executam a Dança da Corda. O
personagem central apresenta os mesmos atributos do Senhor de Sipán ou
Senhor Solar. Ele está de frente para outro personagem com indumentária de
placas de metal, capacete alongado com diadema semilunar e decoração
lateral de pirâmide escalonada invertida. Seus atributos se associam aos do
Senhor Noturno. À esquerda um terceiro dançante apresenta exatamente os
mesmos atributos. Um pequeno personagem paira acima dele com atributos
ainda mais idênticos ao do Senhor da Tumba 14, já que usa o toucado
semicircular com cabeça de coruja. Placas de metal e um ulluchu pairam na
parte superior da cena.
Na parte inferior da cena posicionam-se os músicos: um quenista à
extrema esquerda e um percussionista à extrema direita com atributos de
poder, como os toucados elaborados, mas não na mesma medida dos
sacerdotes da parte de cima. O personagem ao lado do quenista, o de mais
alto status deste setor, segura uma bolsa e uma suposta placa de metal que
entrega ao personagem à sua frente, este segurando uma narigueira. Pairam
dois ulluchus entre os personagens centrais.
161
Tanto o quenista quanto o percussionista mostram exatamente os
mesmos atributos dos músicos analisados na peça anterior: a túnica de
bolinhas e o toucado semilunar do quenista, e o toucado tipo touca com
bolinhas do percussionista, com túnica também de bolinhas ou lantejoulas.
Enquanto na parte de cima se desenrola uma dança, na parte de baixo
acontece provavelmente uma cerimônia oficiada pelos personagens centrais.
Os músicos, neste caso, não oficiam a cerimônia. São exclusivamente
acompanhantes.
Na mesma categoria das anteriores, a peça M601 (prancha 55),
proveniente do Arquivo Donnan (Dumbarton Oaks, Washington D.C), mostra a
cena dividida em duas partes, com o mesmo personagem central em cima: o
Senhor Solar segurando a corda, juntamente com o guerreiro à sua direita. À
frente dele, um personagem empunha o objeto em formato semilunar, que
tanto pode ser uma corda quanto um artefato de metal.
O grupo de quatro músicos posicionado à esquerda conta com três
quenistas e um percussionista, todos vestidos à maneira das peças M069 e
M153. Na parte inferior, há dez personagens representados. Quatro mulheres
usam roupas escuras e tocam chocalhos (idiofones de campânula fusiforme).
Os outros seis personagens parecem ser do sexo masculino, e usam túnicas
claras e toucados e máscaras variadas, representando animais, caveiras ou
rostos humanos. Esta parte da cena mostra uma forte relação com o
inframundo, já que uma das mulheres a tocar o chocalho é cega. Os outros
personagens com as máscaras podem também ser deficientes visuais, visto
que não estão representadas suas pupilas. A cena toda conta com um total de
oito músicos, incluindo as mulheres chocalheiras. Entretanto, os instrumentos
tocados na presença do Senhor Solar são as quenas e o tambor.
Entre as três peças descritas, há pontos em comum que devem ser
observados:
Personagem Central: Todas as peças apresentam um personagem
central, associado ao Senhor Solar. Com algumas variações de toucado entre
as imagens, em geral apresenta capacete alongado com decoração de raios ou
serpente em zig-zag, e uma diadema semilunar.
162
Fig. III.24. Senhor Solar liderando a Dança da Corda, representado nas peças M069, M601 e M153.
Ajudantes: Aparecem geralmente ao lado do personagem central e os
ajudam a carregar a corda. Usam toucado de dois símbolos escalonados com
diadema semilunar central, além de camisa, saiote e protetores coxais de
placas de metal e grandes orelheiras circulares com um ponto central.
Fig. III.25. Ajudantes atuando na Dança da Corda, representados nas peças M069, M601 e M153.
Quenistas: Os tocadores de quena usam túnicas de placas de metal
(quadrangulares ou circulares) que vão até a altura dos joelhos e toucados com
diadema semilunar. Usam também orelheiras circulares com um círculo central.
Podem aparecer em dupla, trio ou sozinhos. Alguns aparentam ter pintura
facial.
Fig. III.26. Quenistas atuando na Dança da Corda, representados nas peças M069, M601 e M153.
163
Percussionistas: Os percussionistas aparecem apenas uma vez em cada
peça. Tocam uma espécie de tinya de tamanho grande, que amarram ao corpo
com um laço nas costas, em posição curvada. Seus atributos são a túnica
decorada com círculos de metal e um toucado à moda de touca também com
círculos de metal pendentes. A pintura facial é evidente em todos eles.
Encontramos um exemplar escultórico deste tipo de percussionista (prancha
34).
Fig. III.27. Percussionistas atuando na Dança da Corda, representados nas peças M069, M601 e M153.
Percussionista escultórico (peça M194, prancha 35).
Grupo Central: Duas das peças (M069 e M153) mostram um grupo
central formado pelo Senhor Solar e seus ajudantes carregando a corda. É
possível ver que se trata dos mesmos atributos.
Fig. III.28. Grupo central da Dança da Corda, representados nas peças M069 e M153.
Máscaras: Em duas das imagens (M153 e M601) os grupos da parte
inferior da cena aparecem portando máscaras, seja em suas faces ou em suas
costas.
164
Fig. III.29. Grupos com máscaras atuando na Dança da Corda, representados nas peças M153
e M601.
O conjunto das imagens analisadas demonstra que se trata de uma
mesma dança, oficiada por um personagem de alto status, o Senhor Solar,
ligado ao hanan ou ao mundo de cima. As imagens estão representadas em
dois tipos de suportes: vasos de alça estribo com bojo comum, sem apliques ou
relevos, e um canchero. As peças são da fase IV, região Moche Sul.
Finalmente, a peça M072 (prancha 55) é mais simples e conta com
apenas 11 personagens. É a única do grupo que não está dividida em duas
partes. O Senhor Solar permanece como personagem central, levando a corda
junto aos três dançarinos à sua esquerda. Seus atributos são o toucado
elaborado com diadema semilunar, o peitoral e a narigueira, além de orelheiras
circulares, túnica e, aparentemente, pintura corporal nas pernas. Dois
quenistas acompanham a dança à esquerda do Senhor, paramentados com
túnicas de placas de metal e toucados de face de animal com aplique de
plumas. Um personagem de dimensões reduzidas parece oferecer um prato ao
personagem central. Uma construção arquitetônica aparece ao fundo, com
cabeça humana e repleta de vasilhas de cerâmica de várias categorias
morfológicas. Não encontramos o exemplar original desta vasilha, apenas a
representação feita por Mc Clelland, portanto não podemos incluí-la na
amostragem morfológica.
Fica claro que os músicos têm um papel importante na cena,
apresentando atributos de poder, porém não são os personagens principais
neste conjunto de cenas. Quenistas e percussionistas podem aparecer tanto na
parte de cima quanto na parte de baixo da narrativa, não parece haver uma
norma específica para isso. Nesta dança, o personagem principal não toca
nenhum instrumento, apenas dança com a corda. Os atributos mais
importantes estão reservados ao Senhor Solar, que é acompanhado pelos
músicos e dançarinos. Os músicos, neste caso, fazem parte de uma cerimônia
165
oficial e trazem consigo atributos uniformizados que os colocam na posição de
músicos oficiais.
III.III.II.II Dança da Corda protagonizada pelo Senhor Noturno
A narrativa reproduzida em M149 (prancha 56) é bastante complexa,
contando com trinta e sete personagens. Trata-se de um vaso de alça estribo
com bojo comum pertencente ao Museu Colchagua, no Chile (Donnan &
McClleland, 1999). A narrativa está compartimentada em três partes: superior,
inferior e lateral.
Na parte superior, o personagem central é um Sacerdote Guerreiro de
alto status, com atributos de Senhor Noturno: o toucado é complexo, formado
por um capacete cônico de placas de metal com diadema semilunar na ponta,
levando também um adereço traseiro de plumas e decoração escalonada. O
peitoral com cabeças de coruja (ou poderia ser um colar) o associa diretamente
à esfera noturna e às linhagens relacionadas à coruja. Além disso leva túnica,
protetor de coxa, braceletes, narigueira e orelheira circular com microesferas
ao redor. A corda em seu pulso o une ao personagem seguinte, bem como ao
último personagem da parte superior, mostrando que ele provavelmente
conduz a dança dos guerreiros que se inicia na parte superior e continua na
parte inferior da peça. Na parte inferior, o terceiro personagem da direita para a
esquerda fecha o círculo de dança posicionado de frente aos guerreiros
dançarinos. Ele tem atributos de Senhor Solar.
Aparentemente toda a cena se passa no interior de uma construção
arquitetônica, provavelmente uma huaca ou centro cerimonial, como evidencia
o trono com um teto formado por clavas de guerra à direita do Senhor Noturno.
A cena completa conta com quatro músicos: dois quenistas lado a lado na
parte superior, um percussionista com tambor na parte superior, e um
percussionista com tinya na parte inferior. É nítida a diferença entre os dois
percussionistas, tanto no que tange aos atributos quanto aos instrumentos: o
primeiro usa túnica simples, turbante, e toca um tambor grande enquanto o
percussionista da parte inferior toca uma tinya pequena e usa toucado
elaborado. Os quenistas apresentam atributos de oficiantes: túnica, capa,
toucado com cabeça de ave e orelheiras circulares.
166
Para De Bock (2005: 36-38) esta cena retrata duas classes sociais
distintas, que seriam os guerreiros e os sacerdotes, indicando uma subdivisão
interna entre grupos hierárquicos no evento. Ele considera as figuras menores,
incluindo os percussionistas, como “sacerdotes de baixo ranking”. Já os
quenistas são considerados indivíduos de alto status devido aos seus atributos,
especialmente os toucados e orelheiras. Na nossa leitura, tanto os
percussionistas quanto os quenistas seriam músicos acompanhantes nesta
cena. Apesar de os quenistas apresentarem alguns atributos de sacerdotes
guerreiros, eles não conduzem o ritual. Este papel é atribuído aos senhores de
alto status: Senhor Noturno e Senhor Solar. Os músicos aparecem
representados na mesma escala dos outros personagens secundários da cena
(guerreiros e acompanhantes). O Senhor Noturno, representado em escala
maior, é provavelmente o personagem principal desta dança e o responsável
por oficiar o ritual.
III.III.II.III Danças de Guerreiros com atributos de Senhor Solar
A prancha 57 mostra duas imagens desenroladas de vasos de alça
estribo (M88 E M602) nas quais guerreiros dançam de mãos dadas
paramentados com atributos de Senhor Solar: levam seus toucados cônicos
com diademas semilunares, túnicas com motivos variados, cinto, protetores de
coxa, narigueiras, grandes orelheiras circulares e braceletes. Compõem a cena
personagens e os músicos, representados em escala menor.
Enquanto M088 conta com dois percussionistas e dois quenistas,
divididos entre as duas partes da representação, M602 tem três quenistas e
apenas um percussionista. Os percussionistas tocam tinyas e apresentam
toucados elaborados com motivos espiralados e plumas, bem como camisas e
calções. Os quenistas apresentam túnicas, capas e turbantes.
167
Fig. III.30. Comparação entre percussionistas e quenistas representados em duas peças com
cenas de “Danças de Guerreiros com atributos de Senhor Solar” (M088 e M602)
.
Esta cena pode fazer referência a um tipo de batalha ritual (tinku)
performada pelos guerreiros principais. Neste caso os músicos, também
representados em escala menor, parecem ser personagens de status inferior
aos guerreiros.
III.III.II.IV. Danças de Guerreiros em Espiral.
A cena M154 (prancha 58), pertencente ao MNAAHP, mostra trinta e
dois personagens subindo em espiral até o topo do vaso, dos quais vinte e sete
são guerreiros comuns, três são sacerdotes guerreiros e dois são músicos. As
únicas figuras viradas para a esquerda são os músicos e os líderes. De Bock
(2005: 33) divide a cena da seguinte forma: são dois os grupos principais, um
deles tem um líder responsável por dezesseis guerreiros e o outro um líder
responsável por doze guerreiros. A diferença entre os dois grupos é a
vestimenta (ibid.): enquanto um grupo se distingue pelos capacetes pontudos,
o outro se distingue pelos toucados circulares. Nem todos os guerreiros
apresentam diademas semilunares nos toucados. De Bock (ibid.) argumenta
ainda que as diferenças de vestimenta entre guerreiros de um mesmo grupo
refletem diferença de status. Mesmo dentro de um grupo os status não são
idênticos, sempre há uma hierarquia.
De Bock (2005:34) busca mostrar em sua tese que, na iconografia
mochica, uma única cena pode apresentar indivíduos de até quatro ou cinco
status sociais diferentes atuando. Nesta cena, por exemplo, há sacerdotes
guerreiros, guerreiros com diadema semilunar, guerreiros sem o diadema e os
168
músicos, totalizando quatro status distintos (ibid.). Os músicos neste caso
pertenceriam ao status mais baixo, apresentando atributos simples. O
percussionista, no entanto, tem diadema semilunar em sua cabeça. Estamos
de acordo com De Bock que a presença de certos atributos de poder enfatiza
uma posição mais alta na hierarquia de personagens moche. Os guerreiros
com diadema semilunar no toucado, por exemplo, estariam uma posição acima
daqueles que não as têm. A imagem M067 (prancha 59) mostra a mesma
cena, na qual os músicos apresentam os mesmos atributos.
A peça M476 (prancha 59) mostra uma peça com uma narrativa dividida
em duas partes. A parte de cima conta com vários guerreiros de mãos dadas
dançando, sendo conduzidos por um guerreiro de mais alto status,
provavelmente da classe dos Sacerdotes Guerreiros. Atrás dele há um trio
formado por dois quenistas e um percussionista.
Entre os guerreiros
conduzidos há outro percussionista. No mesmo setor, uma fila de guerreiros é
puxada por um Senhor Solar. A parte inferior da cena conta com vários
guerreiros dançando com uma corda, sendo também conduzidos por um líder
com atributos de Senhor Solar. No mesmo setor um trio de personagens
segura chicotes. Enquanto isso, um grupo de músicos formado por três
quenistas e um percussionista caminha no sentido oposto, liderado por um
Sacerdote Guerreiro de toucado de dois círculos.
Os músicos totalizam onze, sendo oito quenistas e três percussionistas.
Os percussionistas sempre tocam tambores grandes e apresentam atributos de
poder, como toucados elaborados com diadema semilunar, plumas ou aplique
de cabeça de animal. Os quenistas levam apenas túnicas e turbantes. As
diferenças de status social e hierarquia também são nítidas nesta cena, bem
como nas analisadas anteriormente.
Danças em espiral lideradas por músicos são relatadas na bibliografia
etnográfica, especialmente no atual altiplano boliviano (Bastien, 1987 &
Zuidema, 1992 apud Benson, 2012: 90). Benson também argumenta que esta
forma de representar os dançarinos demonstra que eles estejam subindo ou
descendo plataformas das huacas:
Murals across facades at Huaca Cao Viejo and Huaca de la Luna show a
probable line of dancers holding hands. Joseph Bastien (1987:70; see also Zuidema
169
1992:72) has described modern dances at the major agricultural festival in a Bolivian
village where flute players spiral inward counterclockwise and move out clockwise. Inca
youths, after ritual combat, would take a long rope and spiral around the king. Moche
dancers may sometimes have moved up a ramp allowing a ritual ascent from the large,
main courtyard to the upper, sacred spaces of the huaca. They could not have literally
danced in a spiral, but they would have changed angles as they moved up the ramp.
(Benson, 2012: 90)
A autora compara esta cena, e outras semelhantes, aos tinkus ou
batalhas rituais que ocorrem até o presente nas áreas rurais andinas,
especialmente no altiplano boliviano.
III.III.II.V. Dança Circular de Guerreiros com Corda
Outro subgrupo de dança da corda expressa no material arqueológico
mochica são as representações circulares nas quais vários personagens
dançam entrelaçados nas cordas, enquanto os quenistas pairam acima deles,
como em M491, prancha 60. Vasilhas de tipo paica (grandes tonéis para
armazenamento de bebidas rituais) também aparecem nesta cena. Um cão
aparece posicionado em oposição exata às paicas, talvez dividindo o espaço
da vasilha entre os dois grupos de guerreiros, que poderiam representar duas
parcialidades distintas. É difícil compreender esta disposição, pois os atributos
dos guerreiros variam muito.
Os músicos estão representados em menor escala, pairam sobre os
guerreiros (o que poderia representar distância) e totalizam seis. Quatro tocam
quenas, dois tocam chocalho (idiofones suspensos conjugados), sendo que um
destes ainda sopra uma trombeta ao mesmo tempo. Os quenistas apresentam
como atributos capas e túnicas, mas os chocalheiros têm toucados mais
elaborados. É possível que o chocalheiro com toucado de diadema semilunar
esteja relacionado ao Senhor Solar. A imagem não permite ver os atributos em
detalhes, porém vimos anteriormente que o Senhor Solar pode atuar em
ocasiões coletivas, como danças e procissões, tocando idiofones suspensos
conjugados (como nas pranchas 50 e 51).
170
III.III.II.VI. Batalhas com Tocadores de Pututos
A prancha 49 apresenta vasos elaborados com cenas de batalha. Na
peça M489, um vaso campanular, a parte interna está pintada com a cena de
batalha e a parte externa com os prisioneiros cativos. A parte da batalha
congrega guerreiros, alguns prisioneiros e dois músicos soprando pututos. Os
músicos têm atributos muito semelhantes aos dos guerreiros: túnica decorada
com amarres na cintura, orelheiras circulares que mais se parecem com
alargadores
e
capacetes.
Não
apresentam,
entretanto,
os
diademas
semilunares nos capacetes e nem os protetores coxais.
A peça M482 (prancha 49) mostra outra cena no deserto na qual
guerreiros e prisioneiros de guerra atuam em plena batalha. Apenas um
tocador de pututo se encontra posicionado exatamente na parte central da
cena usando camisa simples, orelheiras circulares e toucado de animal. Neste
caso ele não tem exatamente os mesmos atributos dos guerreiros, que usam
túnicas e capacetes.
Cenas de batalha podem exibir outros instrumentos da categoria dos
aerofones: pututos, antaras e quenas aparecem em cenas de combate, com
destaque para o primeiro. De acordo com as crônicas coloniais a produção
sonora em batalhas muitas vezes agregava todos estes instrumentos e a
percussão, visando criar um som ensurdecedor que intimidasse o adversário,
como observa Gruszczynska:
Some chroniclers personally experienced the strong impact of the music, which
accompanied armed clashes. Pedro Pizarro, who together with a small group of
Spaniards defended Cuzco besieged by the Indians, recalled: “The uproar and cries
made by them, and the sound of the trumpets which they played were so overwhelming
that it seemed as if the Earth itself trembled”. Quite possibly, the soldier-author was
inclined to make this comparison to an earthquake as a result of the deafening noise.
(Gruszczynska, 2004: 257)
É possível que haja uma tradição ameríndia em associar trompas e
trombetas a momentos de batalha ritual. A investigação etnomusicológica de
Salles (2015: 6) enfocando a Adjuroná, um tipo de trompa Karajá documentado
171
em textos de viajantes do século XIX, demonstrou que este instrumento teria
grande valor nos momentos de batalha ritual, não só por suas propriedades
acústicas, mas por sua relevância simbólica:
Ao que parece, as trompas tinham nessas lutas rituais o papel de inflamar a
bravura dos combatentes. A bravura de uns se esvaía com as trompas adversárias,
enquanto que, ao mesmo tempo, se inflamava com as dos seus. Dessa maneira, uma
segunda batalha se sobrepunha à primeira, mas no plano das vibrações sonoras e
simbolismos implicados nessas vibrações. (Salles, 2015: 5).
Trompas e trombetas soam de forma muito intensa, incrementando a
bravura dos guerreiros e encorajando-os no momento do combate. Anunciam
eventos de forma a serem ouvidos a longas distâncias e, simbolicamente,
simulam uma batalha entre os sons. Há um combate musical implícito, à
maneira das antaras interpoladas analisadas anteriormente. Ao descrever a
importância simbólica do pututo na iconografia mochica Bourget observa que
estas conchas estão presentes especialmente em cenas de batalhas e
sacrifícios, temáticas que fazem referência à importância do fluido vital
(sangue) para a continuidade da vida:
These exotic shells, as supernatural entities or musical instruments, are directly
associated with the scenes of ritual battle and capture, the offering of eventual
sacrificial
victims,
and
the
collection
and
exchange
of
blood
during
the
PresentationTheme. (Bourget, 2006: 207)
Os dados levantados apontam para a utilização do pututo em batalhas.
Não sabemos, entretanto, se seus tocadores eram parte do séquito de
guerreiros envolvidos na luta corporal. De acordo com a iconografia o pututo foi
usado como um instrumento de comunicação e anunciação em eventos de
cunho oficial, especialmente os bélicos. Como verificado em nossa dissertação
de Mestrado (La Chioma, 2012: 102-103) a produção sonora em batalhas
visava atemorizar o inimigo e anunciar a batalha. Alguns instrumentos sonoros,
como o pututo, poderiam ter o mesmo status de armas de guerra.
À diferença das outras cenas, estas são batalhas nas quais se vê
efetivamente luta corporal, inclusive com referências ao sangue, aos
172
prisioneiros presos por cordas e a feridos de batalha. Em ambos os casos os
únicos instrumentos tocados são o pututo. O instrumento deveria ser usado
para anunciar a batalha e produzir um som ensurdecedor que enfraquecesse
ou intimidasse os adversários. Por esta razão, como discutimos anteriormente,
denominamos os tocadores de pututos de Anunciantes. Eles estavam,
obviamente, inseridos no rol de músicos de caráter oficial, alistados pelos
governantes para produzir som em atividades oficiais.
III.III.II.VII. Outros
Algumas peças da amostragem demonstram tais especificidades que
impossibilitaram a criação de grupos. Elas apresentam cenas únicas, com
elementos também únicos, como veremos neste tópico.
A peça M006 (prancha 61), um vaso de alça estribo comum, tem
representação em espiral de guerreiros dançando de mãos dadas, entre
arbustos ou bosques de algarrobos, acompanhados por um conjunto de
músicos, como em outras peças vistas anteriormente. No entanto, esta peça
não pertence ao período Moche Médio, mas ao Tardio, e apresenta duas
especificidades importantes quanto ao conjunto de músicos representado. Os
percussionistas são veados antropomorfizados, representação única em nossa
amostragem. Os flautistas tocam antaras, instrumento que, até o momento, não
apareceu nas danças analisadas nesta categoria. O personagem principal que
conduz o grupo de guerreiros é um Ai Apaec, divindade a ser estudada no
próximo capítulo, e recebe a taça de seu companheiro Iguana.
Já a peça M155 (prancha 62), um vaso de alça estribo do MNAAHP,
mostra uma dança semelhante às anteriores, com personagens de mãos
dadas. A diferença é que neste caso, eles não têm paramentos de guerreiros,
mas de oficiantes comuns, com turbantes, túnicas e mantas. Há um Sacerdote
Guerreiro com toucado elaborado de dois círculos e aplique de cabeça de
animal com diadema semilunar oficiando a cerimônia, da qual participam
também
outros
personagens representados em menor
escala,
como
carregadores de bolsas de feijão e carregadores de clavas. Dois pequenos
personagens localizados à extrema direita golpeiam o chão com o que parece
173
ser um grande idiofone de entrechoque. Paira acima dos dançarinos um cão,
que está localizado exatamente no entroncamento da alça estribo com o bojo.
O primeiro personagem da fila de dançarinos é um percussionista que
toca uma tinya grande. Tem os mesmos atributos e posição corporal do
percussionista da parte superior da cena M149 (prancha 56). De Bock (2005:
38) observa que a figura do percussionista marca a separação entre o
personagem principal e os outros, e que seu turbante demonstraria uma
posição subalterna dentro da hierarquia de personagens.
III.III.III. Procissões
Nesta categoria analítica foram alocadas as cenas que não retratam
exatamente
danças
ou
batalhas,
mas
que
se
parecem,
por
suas
características, mais com procissões e cortejos.
A peça M063 (prancha 48) mostra uma cena complexa, nitidamente de
cortejo. Nela, um séquito de guerreiros paramentados com escudos e clavas se
desloca
em
procissão
acompanhado
de
personagens
que
carregam
estandartes com cabeças humanas e quatro músicos. Vestidos com túnica,
capa e orelheiras circulares, os músicos tocam antaras e se organizam em
duplas, à maneira dos sikuris previamente discutidos. A dupla da direita exibe
toucados de raposa. O primeiro antarista da dupla da esquerda usa toucado de
ave marinha, provavelmente o mesmo do músico adjacente, cujo toucado não
pode ser identificado devido a uma quebra no artefato original. Somente os
músicos desta dupla usam colares de contas grandes. As antaras não
apresentam apliques e uma delas parece ser de cana. O contexto de atuação
destes músicos é nitidamente de uma procissão de guerreiros. Não há luta
corporal na narrativa, mas apenas guerreiros marchando com seus atributos de
guerra e auxiliares carregando estandartes com cabeças humanas (o que
poderia indicar o retorno do grupo de uma batalha). De fato, não encontramos
em nossa amostragem nenhuma cena de batalha com luta corpo a corpo que
mostrasse tocadores de antaras, ao contrário dos pututos, que estão
associados a cenas de batalha onde evidentemente há luta corporal.
Antaras voltam a aparecer na prancha 63, em uma reprodução retirada
de um vaso de alça estribo de estilo Moro do vale do Jequetepeque. A cena
174
conta com mais de quarenta personagens em diferentes atividades.
Observamos treze músicos associados a diferentes instrumentos participando
deste séquito. Na primeira fila aparecem dois chocalheiros tocando idiofones
de campânula fusiforme, acompanhados por dois quenistas. Na segunda fila há
apenas um trompetista. A terceira fila conta com dois antaristas, três
percussionistas e um membro com um objeto em mãos que, possivelmente,
represente um idiofone de entrechoque. A quarta fila, por fim, conta com dois
trompetistas. Chama a atenção a variedade de instrumentos sonoros
representados
nesta
mesma
cena,
certamente
a
maior
diversidade
organológica vista até aqui em uma mesma narrativa.
Os músicos mostram poucas variações em seus atributos. Os
chocalheiros usam toucado de diadema semilunar, enquanto o restante dos
músicos usa uma espécie de capacete cônico. Todos vestem túnicas e
apresentam protetores de coxa, elemento que pode identificá-los como
guerreiros.
Esta cena lembra o Tema do Enterro (Donnan & McClelland, 1979),
narrativa complexa abundantemente representada no período Moche Tardio,
que mostra uma série de atividades (prancha 84), dentre as quais se destacam
o enterramento de um personagem de elite e uma troca de conchas Strombus
entre dois indivíduos. Podemos ver que estão presentes na procissão de
músicos dois membros realizando a troca das conchas (na terceira fila). É
muito possível que ambos os temas estejam conectados, mas nos faltam mais
imagens como essa para compreender esta correlação.
Voltemos à peça M152 (prancha 50), já mencionada neste capítulo. Esta
peça com representação pictórica em relevo mostra cinco personagens em
uma procissão. Quatro deles são músicos, e o último carrega uma clava e um
escudo. O personagem principal da cena é o Senhor Solar, que toca um
idiofone de tipo suspenso conjugado, como já observado. Há ainda dois
quenistas e um percussionista, sem muitos atributos de poder, classificados em
nossa análise como Músicos Acompanhantes. Todos estão voltados para a
esquerda
mostrando
que
seguem
na
mesma
direção.
Os
músicos
acompanhantes seguem em comitiva o Senhor Solar, oficiante principal
responsável pelo ritual. O vaso é típico da fase IV dos vales do Sul.
175
A prancha 64 mostra uma cena bem conhecida do período Moche
Médio: O Jogo de Flores de Lótus (Hocquenghem, 1987: 48-49; Bourget,
2006:90-91; Gölte, 2009: 171). Nela, guerreiros caminham com clavas que
contêm um propulsor na ponta, com o qual atiram as flores ao ar. Geralmente
um Sacerdote Guerreiro oficia a cerimônia. No caso da peça analisada há um
percussionista paramentado com túnica, orelheiras circulares, toucado
elaborado e a pele de animal às costas, que caracteriza os Tomadores de
Coca. Hocquenguem (1987: 51) e Gölte (2009: 171), fundamentados em dados
etnohistóricos sobre rituais semelhantes na época Inca, sugerem que a prática
deste ritual se daria no equinócio de setembro. Era um evento solene em honra
da Coya, esposa do Inca, e um evento no qual se reuniam mulheres. A flor de
lótus, por estar associada ao hurin e à fertilidade, identifica este evento como
um rito propiciatório da época de chuvas (Gölte, ibid.). 34 Esta interpretação está
em pleno acordo com a produção sonora desta ocasião, a cargo de uma tinya,
instrumento propiciador da fertilidade, ligado ao hurin, ao feminino e à chuva.
Finalmente, na prancha 51, encontrada em nossa pesquisa no Arquivo
Moche da Dumbarton Oaks, vemos a reprodução em linha fina de uma
procissão
conduzida
por
um
Senhor
Noturno
e
um
Senhor
Solar,
acompanhados por personagens de túnica e capuz que parecem segurar
taças. Ambos os Sacerdotes Guerreiros tocam chocalhos. Como vimos na
prancha 50, Senhores Solares se encontram exclusivamente associados a
idiofones suspensos conjugados, como os mostrados nas pranchas 50 e 51.
Esta cena demonstra que as personas sociais opostas do Senhor Noturno e
Senhor Solar podiam tocar juntos este instrumento sonoro em cerimônias.
III.III.IV. Discussão
As subcategorias de Danças de Guerreiros apresentam vários
elementos em comum, apesar de suas especificidades. Os músicos sempre
são representados em escala menor que os outros personagens, e os
instrumentos tocados são sempre a quena, a tinya e, em alguns casos,
34
(…) la rana de por sí y la flor de loto pertenecerían al mundo húmedo de abajo cuya
contribución es precisamente la fertilidad. (Gölte, 2009: 174)
176
chocalhos. A antara não aparece neste tipo de cena, a não ser em caráter de
exceção na peça da fase V da prancha 61. Antaras aparecem em cenas de
procissões, como no caso da prancha 63. Nestes temas sempre há guerreiros
envolvidos, o que pode remeter tanto à dança de guerreiros quanto a uma
batalha ritual. Sempre há Sacerdotes Guerreiros, particularmente o Senhor
Noturno e o Senhor Solar, conduzindo estes rituais. Estas danças são
marcadas por uma constante tensão entre estes dois personagens e os grupos
conduzidos por eles, remetendo ao encontro de partes opostas (tinku),
podendo ser moieties de uma mesma comunidade ou comunidades distintas. A
tônica do encontro entre as partes opostas predomina neste tipo de narrativa.
Não acreditamos que os músicos sejam representados em tamanho
menor nestas cenas por uma escolha individual de cada artista, mas por uma
convenção artística. Eles ocupam nitidamente posições secundárias neste tipo
de narrativa, tanto por seus atributos de poder quanto por seu tamanho. Como
temos visto até aqui, a hierarquia entre os indivíduos era um aspecto central
dos rituais e cerimônias mochica (De Bock, 2005), e os músicos podem
pertencer a hierarquias mais altas (como os Sacerdotes Guerreiros), ou a
hierarquias mais baixas, na qualidade de Acompanhantes e Anunciantes. Eles
ocupam as posições mais altas nas narrativas de procissões de antaristas,
quando apresentam atributos e toucados de Sacerdotes Guerreiros, ou no caso
da peça M152 (prancha 50), no qual o Senhor Solar toca um chocalho.
Ao observarmos o conjunto dessas narrativas, vemos que o papel e a
simbologia de cada instrumento estão associados ao tipo de evento celebrado.
Quenas, tinyas e chocalhos estão associados a danças com guerreiros e
autoridades, enquanto antaras aparecem em procissões e comitivas (ver tabela
III.XI). Pututos aparecem sempre associados a batalhas com luta corporal e
sangue.
Na iconografia, em danças e eventos cerimoniais oficiais do mundo
mochica quenas eram mais tocadas que antaras (gráfico III.I). Tinyas também
aparecem em grande quantidade, mas os aerofones se destacam como a
categoria organológica mais presente nestes eventos (gráfico III.II). Idiofones
de entrechoque, presos às vestimentas e pernas dos bailarinos são comuns.
Chocalhos tradicionais são menos comuns, apesar de serem tocados por
membros das elites, como o Senhor Solar.
177
Separamos e organizamos os músicos representados nas Danças de
Guerreiros, a partir de seus atributos, nas pranchas 65, 66 e 67. É possível
verificar que os atributos destes músicos têm relação direta com a narrativa
específica na qual atuam. Isto é, seus toucados e vestimentas não são
aleatórios, mas adequados à especificidade destas cerimônias. A padronização
dos atributos dos músicos nestas cerimônias e a representação delas na
cerâmica ritual são pontos que reforçam ainda mais o caráter oficial deste tipo
de produção sonora.
Segundo Rostworowski (2000: 80) a crônica de Huarochirí (Ávila, 1598)
menciona indivíduos específicos em cada ayllu que, no período Colonial, eram
responsáveis por organizar e executar as danças rituais três vezes ao ano. Ou
seja, estas destas atividades estavam encarregados líderes, aparentemente
não músicos, de diferentes hierarquias sacerdotais.
III.IV. Considerações Sobre os Músicos Oficiais
A análise quantitativa da amostra de músicos oficiais, sintetizada nas
tabelas III.IV a III.X demonstrou uma relação fluida, não rígida, mas coerente
entre instrumentos sonoros e determinados papéis sociais. Os aerofones mais
tocados por Sacerdotes Guerreiros, por exemplo, são as antaras e pututos,
enquanto que acompanhantes tocam maiormente quenas e trombetas.
Anunciantes, nomenclatura específica que demos a um tipo de acompanhante,
tocam apenas pututos (tabela III.IV). Na tabela III.V, vemos que a proporção de
quenas e antaras para Sacerdotes Guerreiros e Acompanhantes praticamente
se inverte: 34 antaras para 2 quenas no caso dos Sacerotes Guerreiros e 4
antaras para 43 quenas no caso dos acompanhantes. Mais que isso, todos os
Sacerdotes Guerreiros ligados ao hurin e à Divindade Coruja (Senhor Noturno,
Senhor de Toucado de Dois Círculos) estão associados mais a antaras que a
qualquer outro instrumento. Senhores Noturnos, por exemplo, podem tocar
antaras, chocalhos e pututos, mas nunca aparecem associados a quenas
(tabelas III.IV e III.V). Guerreiros, entretanto, estão associados apenas a
quenas ou pututos, e nunca a antaras (tabela III.IV). Consideramos este um
forte indício de que estes dois aerofones tinham simbologias distintas, sendo
tocados em ocasiões específicas e por indivíduos específicos de acordo com
178
seus papéis na cosmovisão. Os instrumentos sonoros estão conectados
diretamente ao papel social e cosmológico dos músicos.
Como visto em nossa dissertação de Mestrado (La Chioma, 2012),
antaras são instrumentos ligados ao inframundo, ao mundo noturno, à morte e
ao ciclo de regeneração da vida, enquanto quenas estão relacionadas à
virilidade, à força e à fecundidade (ibid., 151). Aerofones, de forma geral, estão
associados maiormente a músicos do sexo masculino na iconografia (nosso
estudo e Gruszczynska, 2004: 254-256). Gruszczynska (ibid., 257) acredita que
o significado extramusical destes instrumentos enfatize o aspecto masculino
em contraposição ao feminino, expresso por sua vez nos instrumentos de
percussão:
The chronicles recount an interesting legend about the drum: at the time of a
terrible deluge in the distant past all forms of earthly life were destroyed with the
exception of a woman and a man, who sought shelter inside a drum, and were carried
by water and wind to the land of Huanaco (in another version – Tiahuanaco). In this
manner, thanks to its closed construction, the drum saved mankind from total extinction
and rendered possible its revival. This could be the reason why women, the founts of
life, can play this instrument. The protective role of the drum, especially when held by
women, is expressed in the music-making documented by chroniclers and realized in
This World (Kay Pacha), and refers both to events which take place in the Upper World
(Hanan Pacha), where, e. g. atmospheric processes are determined, and in the Lower
World (Ukhu Pacha), the destination of the dead. (Gruszczynska, 2004: 256)
Instrumentos de sopro, de maneira geral, associam-se ao masculino nas
cosmovisões ameríndias. Salles (2015: 6-7) lembra que a trompa Karajá estava
vedada às mulheres, e que não era lícita a presença feminina nos momentos
em que o instrumento era tocado (Krause, 1942 apud Salles, 2015: 6):
Tal proibição é tabu recorrente em diversas etnias, e se aplica normalmente a
instrumentos de sopro – como as trompas de Jurupari dos Tukano, as buburé dos
Tikuna e as flautas de Jakuí do Xingu – e está sempre associada a uma origem
mitológica desses instrumentos, em que uma divindade ancestral ou herói cultural
regula seu uso ritual. No caso da adjuroná, há uma referência a ela no Mito do Mutum
179
(Crax fasciolata), que Krause conta parcialmente num anexo, que aliás não foi
contemplado na tradução de Egon Schaden. (Salles, 2015: 7) 35
De fato, em nossa pesquisa de Mestrado (La Chioma, 2012), vimos que
na iconografia nasca as antaras estavam constantemente associadas a um
personagem masculino que fertilizava um tambor. Em um estudo mais
detalhado
publicado
posteriormente
(La
Chioma,
2013),
ao
analisar
pormenorizadamente as imagens e alguns dados etnohistóricos, chegamos à
conclusão de que este personagem sobrenatural, denominado por nós de
Senhor das Antaras, correspondia perfeitamente a esta “divindade ancestral”
ou “herói cultural” mencionado por Salles, dotado de um papel regulador na
utilização do instrumento sonoro. Isto é, nas ocasiões em que o instrumento é
tocado por indivíduos comuns, os signos ou sememas associados ao herói
cultural são rememorados. No caso do personagem nasca, um de seus
elementos característicos era o cacto San Pedro (Trichocereus pachanoi)
dentro de seu estômago. Este elemento não estava presente apenas nas
cenas em que aparecia o ser sobrenatural, mas também nas cenas em que
músicos humanos, sem nenhum atributo sobrenatural, tocavam as antaras. O
cacto não só fazia referência à bebida ritual consumida nestas cerimônias, mas
ao ser sobrenatural “guardião” destas flautas, responsável por sua origem e
pelo poder fertilizador (ibid.).
Não por acaso o Senhor das Antaras nasca fertiliza um tambor.
Tambores mantêm uma relação mais estreita com o âmbito feminino, como
atestam diversas fontes históricas (Cobo apud Hoquenghem, 1996: 153). Em
nossos dados encontramos tanto homens quanto mulheres tocando tambores
O deus Kĕnanšīwé, quando ainda era um rapaz, vivia em casa com sua avó. Caiu uma
chuvarada; e o mutum (kuritĭ) entrou na cabana todo molhado. O rapaz agarrou o mutum,
jogou-o pela porta afora e disse: Você não tem nada que fazer aqui.
No outro dia, a avó foi à floresta catar lenha. Kĕnanšīwé pintou de preto a cara e o
corpo com carvão, foi atrás dela, arrancou-lhe a tanga de entrecasca, violentou-a e correu
depressa para casa.
A avó chegou em casa e contou o que lhe acontecera. Kĕnanšīwé disse que ia castigar
o malfeitor. Foi para a floresta, feriu a si mesmo com uma flecha em todos os dedos, voltou e
mostrou as feridas à avó. Esta se sentou e lamentou em altos brados.
O mutum, que tinha visto tudo na floresta, chegou, fez mm mm e começou a contar à
avó o que se passara. Kĕnanšīwé pegou o trompete e tocou para que a avó não pudesse
escutar o mutum. Ao soar do trompete, porém, um grupo de jovens da aldeia foi até lá, tirou o
trompete das mãos dele e deu-lhe uma surra por causa de sua malvadeza relatada pelo
mutum. (Krause, 1911,p.481 apud Salles, 2015: 7)
35
180
(tabela III.IV), porém é de fato um dos instrumentos mais associados a
mulheres na iconografia e nos relatos de cronistas dos séculos XVI e XVII.
É importante observar, contudo, que Sacerdotisas, paramentadas com
atributos de poder, tocam idiofones de vários tipos, mas nunca se encontram
associadas a qualquer tipo de percussão (tabela III.IV), enquanto as mulheres
associadas
à
percussão,
grupo
que
denominamos
de
“Mulheres
Percussionistas”, apresentam menor quantidade de atributos de poder e não
apresentam as mesmas características das Sacerdotisas, como presas ou
tranças de serpente. Elas podem atuar em cerimônias oficiais, mas nunca
como as protagonistas, como no caso das Sacerdotisas. Vimos apenas uma
mulher associada a uma antara, mas representada em uma peça distinta, com
estilo local e influenciado pela presença mochica, conformando uma exceção
dentro da amostragem.
Há, entretanto, aspectos importantes a serem notados na relação entre
mulheres e aerofones. Quenas e flautas tubulares em geral têm uma relação
direta com a fertilidade, porém a ausência de mais dados que possam nos
elucidar sobre esta associação torna muito difícil a compreensão da simbologia
das flautas associadas ao feminino. Ainda que mulheres não tocassem estes
instrumentos, eles foram encontrados associados a algumas delas em
enterramentos. Segundo Castillo (2004, 32), uma quena de argila foi
encontrada posicionada na região púbica de uma das mulheres enterradas na
tumba M-U1221 de San Jose de Moro. Segundo Castillo (2004b:32), a mulher
enterrada com a quena em San Jose de Moro havia sido depositada na tumba
junto a outra mulher e uma criança. Seria possível uma associação entre
mulheres falecidas no parto e estas flautas em seus enterramentos? É muito
prematuro afirmarmos esta relação, mas é sem dúvida um ponto importante a
ser observado em futuros trabalhos de campo.
Os aerofones se destacam como os instrumentos mais tocados por
músicos oficiais, tanto por Sacerdotes Guerreiros quanto por Acompanhantes
(tabela III.VIII).
Mesmo que tenhamos diferenciado os Músicos da categoria “A”
(Sacerdotes Guerreiros) dos da categoria “B” (Acompanhantes e Anunciantes)
com fins classificatórios, este esquema não contempla integralmente a
complexa contextura da produção sonora oficial mochica e dos indivíduos por
181
ela responsáveis, seja em relação aos seus atributos de poder, seja em relação
às ocasiões nas quais atuam. Existem variáveis que demonstram que essa
classificação não pode se dar de forma rígida, mas deve levar em conta a
organização das principais ocasiões nas quais estes personagens atuavam. Os
quenistas da peça M149 (prancha 56), por exemplo, bem como os antaristas
da peça M063 (prancha 49), apresentam toucados elaborados de cabeça de
animal e túnicas com capas, o que os qualificaria como Sacerdotes Guerreiros
e, portanto, músicos pertencentes à categoria “A”. No entanto, eles nitidamente
atuam como personagens secundários nas cenas das quais participam,
acompanhando danças e cortejos oficiados por outros senhores principais.
Makowski (1994: 55-56, 1996: 14) acredita que o contexto narrativo no qual
atua um indivíduo, em geral concebido nas pinturas em linha fina, seja
essencial para informar o pesquisador sobre o papel social dos indivíduos
representados na iconografia mochica:
El repertorio de atributos y rasgos es muy amplio y varios de ellos no parecen
relacionarse con un solo ser de manera tan exclusiva (…). Sólo las escenas que
reúnen a más de un personaje ponen en evidencia las diferencias de identidad y
hacen posible distinguir a un protagonista en confrontación con otro que lo acompaña.
(Makowski, 1996: 14)
Vemos que as imagens em linha fina nos informam que tanto músicos
com atributos do mais alto status quanto aqueles apenas com turbante e
camisa podem atuar como músicos acompanhantes em cortejos e cerimônias.
O contrário, no entanto, não procede: músicos aparatados com muitos atributos
de poder podem oficiar cerimônias (caso das pranchas 47 e 48), enquanto os
mais simples não o fazem. A prancha 50 mostra um bom exemplo de como
estas
duas
categorias
se
mesclam:
o
Sacerdote
Guerreiro
e
os
Acompanhantes tocam instrumentos distintos e se diferenciam também em
seus atributos de poder, mas atuam na mesma narrativa.
Podemos
observar
que
músicos
acompanhantes
atuam
como
personagens secundários das cenas. Na prancha 52 vemos duas imagens de
Sacerdotes Guerreiros dançando a Dança do Laço. Somando-se ambas, estão
representados o Senhor Noturno, o Senhor Solar, o Senhor de Toucado de
182
Dois Círculos e Senhores de Diadema Semilunar. Ora, vimos que eles também
atuam nesta dança em cenas com músicos (pranchas 53, 54, 55 e 56), mas
aparentemente os artistas não representaram os músicos na prancha 52 com o
objetivo de enfatizarem apenas os oficiantes principais da dança, aqueles que
dão sentido a ela. Nas Danças do Laço observadas aqui (pranchas 53, 54, 55 e
56) os músicos não necessariamente precisariam estar representados para
darem sentido à narrativa, cujos personagens principais são os Sacerdotes
Guerreiros e as filas de guerreiros. Os músicos presentes na cena, neste caso,
demonstram que o som era parte importante destas cerimônias. Na prancha
41, o tocador de pututo escultórico tem uma relação com a cena principal, que
é a Cerimônia do Sacrifício representada no bojo do vaso. Ele não seria
imprescindível para a identificação da cena, representada em outras centenas
de vasilhas sem a presença de músicos. Sua presença, entretanto, demonstra
que estas cerimônias oficiais eram todas abastecidas fortemente por produção
sonora, ainda que muitas vezes os artistas queiram enfatizar e destacar
apenas os sacerdotes. Por outro lado, nas pranchas 46, 47, 48 (M481), 50 e 51
os músicos são os personagens principais das narrativas, dando sentido a elas.
Já na prancha 53 os músicos estão posicionados na parte inferior do vaso,
sendo que o personagem principal que oficia a dança, o Senhor Solar, não está
associado a nenhum instrumento.
De maneira geral, músicos acompanhantes, tanto em forma escultórica
quanto pictórica não apresentam muitos atributos de poder. De Bock defende
em sua tese (2005) que existem muitos graus de hierarquia dentro das
cerimônias e rituais mochica, e que cada grau é determinado por uma
combinação de atributos específica. Neste caso, guerreiros com toucado,
bracelete e diadema semilunar, por exemplo, estariam um grau acima de
guerreiros com toucado e bracelete, porém sem o diadema semilunar. As
orelheiras circulares, colares, braceletes, peitorais, vão se agregando naqueles
que têm os cargos mais altos. Estamos de acordo com a tese do autor e
acreditamos, por isso mesmo, que os músicos, assim como guerreiros,
oficiantes e sacerdotes, pertencem a graus hierárquicos diferentes dependendo
do tipo de atividade em que atuam.
Sob
nossa
perspectiva,
estes
personagens
não
devem
ser
categorizados simplesmente como “músicos”, tão somente por aparecerem
183
associados a instrumentos sonoros. Tal simplificação não é suficiente para
explicar a função que a música e seus tocadores cumpriam no mundo
cerimonial mochica. O mais seguro é que estes personagens representem
sacerdotes ou “oficiantes”, na nomenclatura proposta por Makowski (1994: 5556) para designar personagens que cumprem papéis intermediadores centrais
relacionados aos cultos de caráter oficial:
El contenido narrativo permite definir a los personajes de túnica larga como
oficiantes. No combaten, no cazan, no pescan, ni recolectan caracoles terrestres; el
baile y el acompañamiento musical son las únicas actividades colectivas en las cuales
toman parte activa (...). Asumen más bien roles protagónicos en los momentos
culminantes de las ceremonias cuando el acto realizado implica una comunicación
directa con el numen. (Makowski, 1994: 56)
Parece claro que a música, dentro de contextos cerimoniais, ocupou um
papel preponderante no período Moche Médio, o qual Uceda (2010: 134)
denomina “O primeiro período Moche”. Neste momento (aproximadamente
entre 100 e 600 d.C.) o templo antigo da Huaca de la Luna foi cenário de
atuação cerimonial de indivíduos de poder e as escavações certificam o
altíssimo status das elites religiosas do período, muito similares às
representações iconográficas desta fase (ibid.). Este perfil cerimonial de
espetáculo, próprio desta época, deve ter exigido uma maior atenção à
produção de sonoridades, um elemento talvez indispensável ao grau de
“teatralização” do ritual oficiado pelos sacerdotes.
Quanto à inserção dos músicos oficiais dentro da perspectiva da
territorialidade moche, é interessante notar que ainda que as tumbas de Sipán se
encontrem no contexto Moche Norte, os indivíduos e instrumentos sonoros
encontrados nas tumbas têm relação com a iconografia das vasilhas
provenientes de contextos arqueológicos da região Moche Sul, o que aponta
para o protagonismo social destes personagens em ambas as regiões. Porém,
enquanto na região Moche Sul os músicos com atributos de Sacerdotes
Guerreiros
ocuparam
um
papel
preponderante
nas
representações
iconográficas, na região Moche Norte eles se encontram presentes nos
enterramentos, embora ali a cerâmica prescinda de suas representações. Alguns
184
instrumentos sonoros, como o tambor em formato de ampulheta aparecem na
maior parte das vezes na iconografia Moche Norte, apontando para a existência
de algumas diferenças regionais quanto à organologia, embora os instrumentos
principais, como antaras, quenas, pututos e tinyas estivessem presentes em
ambas as esferas mochica.
Cronologicamente, as representações iconográficas deste tipo de músico
na cerâmica coincidem com o período em que foram enterrados os “músicos de
Sipán”. A tumba 15, do chamado Jovem Guerreiro, é a mais antiga,
pertencente ao período Moche Inicial. É muito anterior a todos os outros
indivíduos encontrados em Sipán e não continha instrumentos sonoros. A
tumba 16, do Senhor Guerreiro, encontrado com o pututo, é correspondente ao
período Moche Médio, bem como a do Guerreiro Músico da Tumba 5. Já o
Sacerdote Guerreiro, da tumba 14, estava na mesma camada do Senhor de
Sipán, pertencendo à fase mais recente desta construção (Chero, 2013: 40).
O Senhor de Sipán, persona social do Senhor Solar e o Senhor da
Tumba 14, persona social do Senhor Noturno foram encontrados na mesma
fase arquitetônica do edifício, correspondente ao período Moche Médio. Isso
demonstra o alto grau de normatização e a importância destes papéis sociais
neste período, dada a ênfase que eles têm na iconografia da região Moche Sul.
O fato de estarem associados a diferentes instrumentos sonoros, tanto na
iconografia quanto em contextos de enterramento, é de grande relevância para
compreendermos o lugar que ocupava a produção sonora neste momento. O
Senhor de Sipán não trazia instrumentos sonoros como aerofones em sua
tumba, mas apresentava idiofones de entrechoque em sua vestimenta, como
vimos anteriormente. Não por acaso, as imagens de Senhores Solares tocando
instrumentos enfatizam idiofones e chocalhos. Fica claro que instrumentos
sonoros passam a ser associados aos indivíduos de poder político-religioso no
Período Médio. As peças com Sacerdotes Guerreiros tocando instrumentos
pertencem ao período Médio na maior parte das vezes e, em alguns casos, ao
período Moche Tardio.
Os únicos músicos de tipo oficial que aparecem mais em forma pictórica
que em escultórica são os acompanhantes (tabela III.VI), devido à grande
quantidade de cenas de danças, batalhas e procissões típicas das fases IV e V.
Todos os outros tipos aparecem maiormente
em forma escultórica,
185
especialmente em vasos de alça estribo e artefatos de pequeno porte, como
apitos e estatuetas (tabela III.IX).
Encontramos em nossa amostragem algumas peças “únicas”, isto é,
sem nenhuma semelhança com as peças em moldes típicas do período Médio
ou
com
seus
temas
específicos.
Elas
demonstram,
principalmente,
particularidades na produção musical de alguns vales. Acreditamos que
houvesse músicos oficiais, ligados às cerimonias dos governantes mochica,
mas que, regionalmente, houvesse também uma diversidade de costumes
musicais não ligados a nenhuma forma de poder oficial, que fica muito clara
nas peças com traços locais, pertencentes ao período de ocupação mochica de
alguns vales, como Jequetepeque (M604, prancha 19) ou os vales ancashinos,
como Santa e Nepeña (M062, prancha 28 e todas as peças das pranchas 30 e
45).
Outra peça única que encontramos, proveniente do Vale do Virú, foi o
Tomador de Coca flautista (prancha 23). Como mencionamos anteriormente é
possível que esta peça tenha sido produzida na fase III, por suas
características morfológicas. Nas fases III e IV são comuns vasilhas com
Tomadores de Coca como proeminentes personagens de poder, sentados em
tronos e cravejados com pedras semipreciosas ou madrepérola (prancha 26),
em representações mais simples (pranchas 24 e 25) ou atuando em narrativas
de linha fina (prancha 24). Não encontramos nenhuma peça típica do período
Médio com Tomadores de Coca músicos, apenas a peça aqui citada, cujos
traços não remetem a uma peça Moche IV clássica. Encontramos mais uma
peça com Tomador de Coca músico no Arquivo Moche da Dumbarton Oaks36.
Ele estava associado a um pututo.
As peças que sempre se repetem, especialmente com representações
em linha fina, apitos, estatuetas e vasos de alça estribo com músicos
escultóricos apontam para uma produção sonora mochica oficial e normatizada
em todos os vales, conectada fortemente aos personagens de poder mais
proeminentes do Período Médio, como o Senhor Noturno, o Senhor Solar e as
Sacerdotisas, com todos os seus acompanhantes, muitas vezes também
músicos.
36
A imagem desta peça não pode ser publicada.
186
Os exemplos observados em nossa análise parecem demonstrar que
determinados instrumentos sonoros estão associados a papéis sociais
específicos, reservados a indivíduos que concentram funções importantes nas
esferas do poder político-religioso mochica. Antaras aparecem associadas a
Senhores Noturnos e personagens relacionados à coruja e ao mundo noturno,
ressaltando a conexão deste instrumento com o hurin. Quenas, tocadas por
guerreiros e músicos acompanhantes aparentam ter relação com a virilidade e
a força masculina, dando o tom para celebrações ligadas ao hanan, como as
Danças de Guerreiros. Sacerdotisas estão ligadas a idiofones, enquanto
mulheres de menor status tocam tinyas. Podemos dizer, portanto, que
encontramos uma coerência entre instrumentos sonoros e personalidades
iconográficas, mas não uma hierarquia entre instrumentos sonoros refletida nos
papéis sociais, já que Senhores Solares podem tocar chocalhos sendo
acompanhados por quenistas de menor status (como na prancha 50).
Poderíamos nos perguntar quais são os limites entre o natural e o
sobrenatural em algumas das peças que consideramos como representativas
de músicos oficiais, já que alguns atributos sobrenaturais aparecem em meio a
oficiantes e Sacerdotes Guerreiros. Na prancha 3, por exemplo, todos os
Senhores Noturnos tocando chocalhos apresentam presas na boca, e a peça
M638 (prancha 15) apresenta uma raposa antropomorfizada com atributos de
Senhor Solar. Apresentam presas também, os personagens M043 e M044, da
prancha 16, bem como a Sacerdotisa M368 na prancha 28. Mas, afinal, o que
simbolizam as presas, dentre outros atributos não humanos? Não há dúvida de
que estes seres de poder, como discutido ao longo de todo este capítulo,
apresentam conexões profundas com suas contrapartes sobrenaturais,
apropriando-se de seus atributos em muitos momentos das narrativas mochica.
No capítulo seguinte verificaremos o mundo dos músicos sobrenaturais e seus
atributos particulares, notando que os limites entre oficiantes, sacerdotes,
guerreiros e divindades, bem como os seres viventes e os seres
desencarnados, são muito mais tênues do que havíamos inicialmente
concebido.
187
Capítulo IV
Os Músicos Sobrenaturais e os Sons do Mais Além
... that`s why we play. So as to make
food grow for us here in this place,
that`s why.
(Remejío Beltrán apud Stobart, 2006:
49)
A iconografia mochica está inserida em um tipo de manifestação artística
que marca muitas das iconografias do Formativo e do Intermediário Inicial
Andino, caracterizada pela presença de uma grande quantidade de atributos
ligados à esfera do sobrenatural. Nessas expressões artísticas são recorrentes
as representações de animais e plantas que transcendem as formas
naturalistas, mesclando-se desordenadamente e gerando uma miríade de
seres antropozoomorfos e sobrenaturais. Makowski (1994: 55) denomina tal
particularidade princípio de hibridização, considerando que essas iconografias são
abundantes em elementos que se agrupam e desagrupam em uma significativa
quantidade de suportes artefactuais, apresentando uma lógica de composição
baseada em preceitos particulares da cosmovisão andina (La Chioma, 2013: 51):
Uno de los principales recursos formales con que contaban los tejedores y los
pintores para expresar contenidos narrativos complejos y conceptos esenciales de sus
creencias religiosas puede definirse como el principio de hibridación. Elementos
corporales de varias especies de animales y plantas, de seres humanos, partes de
vestidos y objetos de culto, suelen combinarse de manera a menudo sorprendente. La
composición adopta la lógica del sueño, o del trance extático bajo el efecto de
prolongadas danzas y/o de alucinógenos. Los objetos y los seres son y no son. Su
apariencia revela, a través de los detalles, nexos ocultos con otros aspectos de la
realidad. (Makowski 2000: 279)
188
Divindades, plantas e animais antropomorfizados compartilham traços do
entorno natural, fundamento essencial deste tipo de produção artística.
Segundo Bawden (2004: 116), as forças naturais, sejam de caráter destrutivo
(desastres, El Niños, inundações e secas), ou criador (a água que permite a
irrigação, a geração e o crescimento dos alimentos, a reprodução dos homens
e dos animais), moldaram as expressões culturais dos grupos andinos, bem
como o sistema de crenças por eles estabelecido para ordenar suas vidas
sociais e políticas. Os princípios cosmológicos desses povos se fundamentavam
nas forças naturais, como discutimos em nossa dissertação de Mestrado (La
Chioma, 2012: 62):
Given the powerlessness of coastal inhabitants to materially control the
destructive forces of their world, it is no mystery that they confronted them in the
supernatural sphere. Powerful natural phenomena were innately accepted as
manifestations of spiritual forces and were mediated through religious conception and
practice. Myths explained the origins and meaning of the ever-present environmental
forces and ordered their relationship with human society. Rituals repeatedly manifested
these myths in daily life, reaffirming and enacting the cosmological system in which
humans and natural world alike had appointed places and mobilizing supernatural
forces in human behalf (Bawden, 2004: 117).
Na iconografia mochica todos os temas aparentemente ligados ao Kay
Pacha e ao mundo natural têm suas contrapartes sobrenaturais. Assim, plantas
e animais não são apenas representados em forma naturalista, mas também
em suas formas sobrenaturais e, em muitas vezes, atuando em narrativas
complexas pintadas em linha fina. Cerimônias, batalhas, danças e outras
atividades presentes no repertório iconográfico envolvendo “humanos”, também
são representadas de forma extraordinária, envolvendo mortos, divindades e
seres híbridos. Também as representações de músicos seguem esta
tendência, apresentando grande variedade de representações em forma
sobrenatural.
Em nossa análise encontramos diversos grupos de músicos ligados ao
âmbito sobrenatural, e os organizamos em três grupos principais, os quais
conformam as três partes que compõem este capítulo:
189
Parte I. Divindades;
Parte II. Antropozoomorfos e Fitomorfos;
Parte III. Os Mortos e o Inframundo
Ao longo deste capítulo detalharemos a análise desses músicos,
relacionando-os com as ontologias andinas.
Parte I: Divindades
Como assinalado anteriormente, a iconografia mochica apresenta os
mais diversos seres que atuam em narrativas de propiciação, fertilidade,
disputa, reprodução, cerimônias etc. Uma grande quantidade desses seres é
formada por personagens em forma primordialmente antropomorfa, mas que
apresentam importantes atributos sobrenaturais (Hocquenghem, 1987: 201).
Eles aparecem tanto em forma pictórica quanto escultórica e têm sido
interpretados por estudiosos como divindades:
Gods and other supernaturals can be identified by physical traits, clothing, and
accessories, and by context and activity. These elements may change through time,
place, politico-religious context, and varying encounters in narrative. (Benson, 2012:
29)
Os atributos considerados sobrenaturais distribuídos nas vasilhas
escultóricas, bem como nas cenas e narrativas mochicas, inibem a
identificação de personagens de forma rigidamente padronizada (La Chioma,
2012). Apesar de haver uma coerência de atributos que permitam a
identificação de personagens ou indivíduos específicos, detalhes podem variar
de acordo com a região e o atelier onde a peça foi produzida:
No cabe duda de que para los moche existía una serie de “seres de poder” que
poblaban sus mitos y los esquemas de un mundo construido en oposiciones
complementarias entre los espacios y tiempos. La forma más simple de reconocer en
las pinturas y esculturas a los “seres de poder” (kamaq en quechua) o a las
190
divinidades, es por medio de los atributos con los cuales aparecen en los íconos (...) si
uno quiere entender la lógica de las representaciones, es imprescindible su
identificación y la de sus atributos (Gölte, 2009: 69).
As divindades fundamentais identificáveis na iconografia, geralmente por
uma hibridização de atributos e elementos que lhes conferem caráter
sobrenatural37 (Makowski, 2000: 279; Golte, 2009: 69; Benson, 2012: 29; La
Chioma, 2012: 78), certamente estão relacionadas à origem cosmológica dos
povos mochicas. Como vimos no Capítulo I, a cosmovisão andina tem como
um de seus princípios fundamentais a atribuição de linhagens e grupos
consanguíneos a seres sobrenaturais e lugares de origem específicos,
denominados paqarinas. Segundo Gölte (2009: 71) é uma característica básica
da cosmovisão mochica que os seres sejam todos descendentes de seres
primordiais, pois há um mundo fundacional (que rege o pensamento andino):
A ideia bíblica e monoteísta de divindades criadoras, presente nas crônicas
espanholas, resultou da compreensão que os conquistadores tiveram com respeito à
religiosidade andina (Rostworovski, 2000: 13). As grandes responsáveis pela criação
da espécie humana na cosmologia andina teriam sido, de acordo com Rostworovski,
as pacariscas ou lugares de origem que, nas palavras da estudiosa: fizeram brotar os
homens (ibid). Cada vez mais os estudos de Makowski, Gölte (feitos com base na
iconografia Mochica e, em menor grau, Nasca) e Rostworovski (feitos com base em
fontes históricas do período da conquista) apontam para uma diversificação de
divindades e personagens míticos nos Andes, os quais sofrem constantes mutações
ao longo de narrativas complexas, ao contrário de uma divindade criadora única e
todo-poderosa com personalidade iconográfica imutável. Essa era a hipótese central
de estudiosos mais antigos como Tello e Larco, que consideraram personagens da
iconografia Pré-Inca como os mesmos que haviam sido registrados nas crônicas
espanholas com nomenclaturas como Ai Apaec, Wiracocha, Tunupa, Kon,
37
As divindades são identificáveis na iconografia Mochica e Nasca geralmente por essa
hibridização. Os vários elementos dotam os seres com qualidades e poderes que,
conjuntamente, constituem seu próprio camac, ou energia vital. Este camac também existe nos
seres humanos, porém em menor grau e foi oferecido aos homens pelas divindades por meio
da ancestralidade (Gölte, 2009: 21). Divindades compartilham seus atributos e poderes
mágicos com seres humanos importantes que servem de mediadores entre o plano terreno e o
hanan. (La Chioma, 2012: 78).
191
Pachacamac etc. (Makowski, 2005: 47). A cerâmica ritual, por constituir parte
integrante das práticas litúrgicas e mortuárias, se vincula profundamente a temas
míticos e, nos casos Mochica e Nasca, a personagens de poder; mormente seres
fantásticos e divindades exaustivamente debatidas nos estudos iconográficos. Esses
seres podem ser representados de formas variadas na iconografia sofrendo
modificações em seus atributos, os quais dependem, por sua vez, do momento ou
experiência da qual participam na narrativa (La Chioma, 2012: 78).
Em
nossa
amostragem
encontramos dois
tipos
de
divindades
associadas a instrumentos sonoros: A Divindade Intermediadora de Gölte
(1994, 2009), conhecida em geral como Ai Apaec (Larco, 1938), Cara
Enrugada (Donnan, 1978), Gêmeo terrestre/marinho (Hoquenghem, 1989) ou
Divindade F (Berezkin, 1980), e a Divindade da Terra (Gölte, 2009:142).
IV.I.A. Ai Apaec
Para Rafael Larco a divindade com presas de felino, característica do
repertório iconográfico mochica, e em menor medida presente na iconografia
Cupisnique (Cordy Collins, 2001b: 21; Benson, 2012: 61), teria sido o principal
foco de adoração religiosa tanto no período Formativo quanto no período
subsequente, o Intermediário Inicial, quando passou a ser antropomorfizada e a
carregar diversos atributos de poder. De acordo com Larco, ela seria a
representação do “criador supremo” (Larco, 2001, I (1938): 272-273). 38
Larco nomeou a divindade mochica com presas de Ai Apaec segundo a
denominação que os trabalhadores de sua fazenda davam às representações
destes personagens (Gölte, 2009: 69). Esta é uma palavra do idioma muchik,
próprio da costa norte e ainda em uso, que teria sido empregada no período
colonial para a catequização a fim de designar o Deus Criador, tendo se
convertido em uma palavra genérica usada para designar Deus. (ibid)
38 De la misma manera se acentúa esta unidad en las diversas representaciones del felino cuya
antropomorfización llega al límite, cuando su origen es delatado únicamente por los grandes
colmillos que sobresalen de los labios. Este motivo no es sino la representación de la divinidad
visible que simboliza la encarnación del ser supremo en el hombre y que está al alcance de
todos los seres terrenales; que se encuentra en todas las actividades de la vida, y que la
lengua mochica la denomina: Ai Apaec o “Hacedor”. (Larco, 2001, I (1938): 273)
192
O cronista Fernando de la Carrera em 1644 (Arte de la lengua Yunga) já
fazia referência a duas divindades da costa norte: Ai Apaec (“O Fazedor”) e
Chicopaec (“O Criador”) (Rostworovski, 2000: 56; Makowski, 2005: 17). O
último estaria relacionado ao conceito de força vital ou camac, enquanto Ai
Apaec seria a divindade celeste, cuja influência e poder se daria sobre o
mundo Moche (plantas, astros, homens e animais). (Rostworovski, 2000: 56)
Em nível de atributos iconográficos, Ai Apaec apresenta como principal
semema as presas, possivelmente associadas aos felinos, mas que também
podem identificar outros animais (Bars, 2010). Presas conformam um atributo
importante na iconografia mochica, identificando tanto animais quanto seres
sobrenaturais e/ ou divindades (Benson, 2012: 61). Os brincos e cintos com
cabeça de serpente estão entre seus atributos principais. Ai Apaec muitas
vezes apresenta rosto enrugado, mãos em posição de oração ou súplica,
toucados elaborados, especialmente de coruja ou mamífero, colares, túnicas e
braceletes. Nas narrativas pictóricas aparece frequentemente acompanhado de
um iguana e/ ou cão. É possível observar na cerâmica ritual que a divindade se
antropomorfiza a tal nível nas fases III e IV que passa a ser representada à
maneira dos personagens de poder político-religioso do mundo Moche, tão
celebrados e reproduzidos neste período e analisados no capítulo anterior. A
partir deste momento quase não se percebem os limites entre a divindade e o
indivíduo paramentado com seus atributos e qualidades.
Para Benson (2012:61) a divindade com presas Cupisnique evoluiu para
os seres sobrenaturais com variações regionais e temporais na era Moche,
gerando o personagem com cintos de serpente na região Moche Sul e a
Divindade Decapitadora na região Moche Norte. Essa teria se tornado a
divindade da guerra e do sacrifício relacionada à coruja (fig. IV.1).
193
Fig. IV.1. Representação de Ai Apaec escultórico, com presas e atributos de coruja
(toucado e túnica). Museu Larco, Lima.
Fig. IV.2. Representação de Ai Apaec pictórico, com presas, camisa de pirâmide
invertida, brincos e cintos de serpente. Museu Larco, Lima.
Os atributos descritos não aparecem em todas as representações de Ai
Apaec, podendo variar. Gölte (2009: 74) acredita que essa ocorrência se deve
ao fato de que as divindades maiores cumprem suas atribuições dentro de um
ciclo temporal e calendárico 39. Desta forma, a cada momento da narrativa o
mesmo personagem trocaria de ambiente, de atributos e de função. Aqueles
que em algum momento estiveram no hanan passam ao hurin como uma
temporalidade invertida (ibid.). Por esta razão Gölte rebate a denominação Ai
Apaec, substituindo-a por Divindade Intermediadora:
39
Se desplazan entre los espacios del modelo cosmológico según las épocas del año. (Gölte,
2009: 74)
194
La divinidad intermediadora probablemente se ubicaría originalmente en el
punto liminal entre el mundo de arriba diurno y la superficie de la tierra, pero (...)
también se desplaza al mundo de abajo, por el mundo marino e por el mundo
nocturno. De esa forma se hace presente en todos los ámbitos. (Gölte, 2009: 74)
Para Gölte, as mudanças que a Divindade Intermediadora sofre nas
representações iconográficas simulam fortemente os conceitos de alto e baixo,
de encontro e das relações espaço-temporais presentes na cosmovisão
andina:
Todos esos cambios espaciales en el tiempo deben de haber sido altamente
significativos para los diversos grupos de los moche, no solo porque significaban
potencialmente encuentros entre fuerzas opuestas y complementarias, sino porque
eran momentos en los cuales se tenía que reforzar a los seres supremos, es decir
eran épocas para ofrendarles. Esto a su vez tiene que haber tenido un aspecto de
responsabilidades y enfrentamientos intrasociales, ya que los grupos sociales se
sentían vinculados parentalmente con las mismas Divinidades en grados de
parentesco diversos. (Gölte, 2009: 74)
A própria camisa da divindade, ora com as pirâmides escalonadas na
posição normal, ora em posição invertida, expressaria situações de inversão e
contato constante com os dois mundos (ibid: 181). Segundo Gölte (ibid.: 74)
seria possível verificar o parentesco entre divindades na iconografia, visto que
a ascendência paterna se expressaria nos toucados, e a materna nos cintos.
Devido às alterações constantes de seus atributos e papéis nas
narrativas mochica, cada autor denomina a divindade com presas, cinto e
brincos de serpente de forma diferente. Larco o denominava Ai Apaec, Gölte
(2009:74) o denomina Divindade Intermediadora de acordo com suas
interpretações iconográficas, Makowski (1996: 60-63) adota os termos
cunhados por Hocquenghem (1987: 184): O Gêmeo Marinho (quando aparece
no inframundo e no mar) e O Gêmeo Terrestre, quando atua no hanan.
Berezkin usou o termo Divindade F, Benson (2012: 61), a Divindade do Cinto
de Serpente (Snake Belt God) e Donnan, Cara Enrugada (Wrinkle Face). Em
nossa dissertação de Mestrado (La Chioma, 2012: 79) havíamos adotado o
195
termo de Gölte. Entretanto, essas nomenclaturas se dão em razão de
interpretações muito específicas e não desejamos adotar uma em particular,
razão pela qual utilizaremos o vocábulo da língua muchik: Ai Apaec.
O Ai Apaec tradicional tem os atributos já mencionados: presas, brincos
de serpente, cintos de serpente e camisa de pirâmide escalonada (invertida ou
normal, dependendo da situação em que aparece retratado). Entretanto,
nossos dados mostram um hibridismo de sememas muito maior em relação a
esta divindade. Por uma irregularidade significativa de associação de atributos,
devida às várias transformações sofridas por esta divindade no repertório
narrativo mochica, as associações entre seus atributos não são tão coesas
como as de outras categorias de personagens analisadas em nossa pesquisa.
Em nossa amostra, consideramos como Ai Apaecs os personagens com
presas associadas a qualquer um dos outros atributos conferidos a ele (como o
cinto ou brincos de serpente, rosto enrugado e associação a iguana ou cão).
A autoridade desses seres ancestrais, antepassados míticos, é absoluta
e está fundamentada em suas presas e serpentes associadas (Hocquenghem,
1987: 208). Para Hocquenghem, presas e serpentes são signos das forças que
animam esses seres míticos, indicando seu camac ou o poder imortal dos
ancestrais (ibid.).
Em nosso corpo de dados encontramos Ai Apaecs músicos, associados
a várias categorias organológicas. Ai Apaecs estão associados a quatro tipos
de instrumentos sonoros: antaras, pututos, tinyas e chocalhos de tipo suspenso
conjugado (gráfico IV.I).
Todas as categorias organológicas (aerofones, membranofones e
idiofones) estão representadas na amostra (gráfico IV.II). Os aerofones,
representados majoritariamente por antaras, correspondem à maior parte dos
instrumentos tocados por Ai Apaecs, correspondendo a 60% da amostra. Os
outros 40% estão divididos igualmente entre membranofones e idiofones.
A distribuição de Ai Apaecs por tipo de suporte artefactual (gráfico IV.IV)
demonstra que a maior parte desta categoria de músicos foi representada em
vasos de alça estribo, seguidos por apitos e cântaros. Nos vasos de alça
estribo, foram representados 70% das vezes nos bojos escultóricos dos vasos,
e 20% das vezes nos apliques escultóricos. Ai Apaecs músicos são
196
representados majoritariamente de forma escultórica (gráfico IV.III), e em vasos
de alça estribo.
Os Ai Apaecs da prancha 68 se encontram representados em posição
deitada sobre um motivo espiralado que pode representar uma onda marinha
ou manta. Os peixes life representados na manta da peça M059 assinalam um
contexto marinho. Ambos apresentam os atributos clássicos da divindade:
presas, cara enrugada, braceletes e brincos de serpente. Em nossa
dissertação de mestrado (La Chioma, 2012: 81) interpretamos esses
personagens como os Ai Apaecs ligados ao inframundo, chamados por
Hocquenghem de “Gêmeo Marinho”, em contraposição aos do mundo diurno,
chamados de “Gêmeo Terrestre”. O vaso de alça estribo M059 não parece
pertencer ao período Moche Médio, apresentando características morfológicas
de fase III. Os vasos da prancha seguinte, 69, parecem pertencer à fase IV, e
mostram Ai Apaecs associados a pututos. Um deles (M141) apresenta no lugar
das pernas apêndices que parecem pertencer a algum animal marinho,
possivelmente a lula. Referências marinhas aparecem também na prancha 70,
com representações de Ai Apaecs tocando antaras e pututos em apitos. O
personagem da peça M042 apresenta tentáculos de anêmona em seu corpo. A
prancha 73 tem Ai Apaecs não músicos associados a pututos. Um deles, na
representação em linha fina, tem características híbridas zoomorfas, com
cauda, garras, orelha de felino, língua bífida, etc. Este personagem é chamado
na bibliografia de Monstro Strombus (Bourget, 2006: 208) sendo um dos
personagens marinhos mais importantes nas representações iconográficas da
fase IV. Geralmente aparecem como adversários de Ai Apaec.
O único Ai Apaec que aparece tocando um idiofone em nossa
amostragem é o da prancha 74. Ele tem o formato de montanha, muito
presente em representações escultóricas do período Médio 40, e toca um
idiofone de tipo suspenso conjugado. Segura outro objeto na mão esquerda,
classificado como clava pelo Museu Larco. Acreditamos que pode ser outro tipo
de idiofone, pois ao vermos a peça em alta resolução podemos observar que o
objeto é formado por uma esfera e uma haste.
40
Ver no Catálogo Online do Museu Larco as peças ML001981, ML002269, ML002270,
ML002134, ML001752, ML001715, ML003091, ML003095 etc.
197
Apenas uma peça dessa amostragem apresenta proveniência de
escavação (prancha 75). É um cântaro Moche Tardio com um personagem
com atributos de Ai Apaec tocando tinya, encontrado na tumba M-U30 (de uma
sacerdotisa) em San Jose de Moro, vale de Jequetepeque e, portanto, região
Moche Norte. A peça ao lado, na mesma prancha (M637) também é
proveniente do Vale do Jequetepeque, segundo as informações de
proveniência cadastradas no Museu Larco. Com base nestes dados e por não
termos encontrado nenhuma imagem escultórica representando Ai Apaecs
tocando tinyas de estilo Moche Sul e fase IV sugerimos este tipo de
representação passa a ser importante no Vale do Jequetepeque no período
Moche Tardio.
As peças restantes não apresentam referência de proveniência, e 93%
da amostra é de estilo Moche Sul. Por volta de 80% da amostra corresponde à
fase IV. A presença de poucas peças Fase III 41 sugerem que as
representações de Ai Apaecs músicos começam a surgir na iconografia na fase
imediatamente anterior ao período Médio, para então se tornarem recorrentes
na fase IV.
IV.I.A.I. Análise de atributos
Os atributos analisados na amostragem de Ai Apaecs foram: toucados,
presas, brincos e “orelheiras”, cintos e rugas no rosto. Ai Apaecs músicos
apresentam em geral dois tipos fundamentais de toucados, os de Diadema
Semicircular e os de Diadema Semilunar, podendo ou não vir acompanhados
de aplique de cabeça de animal:
Toucados com Diadema Semicircular: Como é possível verificar nas
pranchas 68, 69 e 75, podem ou não conter aplique de cabeça de animal.
Toucados com Diadema em V: Como vimos no capítulo III é o toucado
clássico do Senhor Noturno e dos personagens associados à coruja. Como os
toucados de diadema semicircular, podem ou não vir acompanhados de
aplique de cabeça de animal. Observamos este tipo de toucado na prancha 70
41
Um total de quatro peças, sendo duas efetivamente de estilo Fase III e duas que podem ser
consideradas uma transição de estilo III/IV.
198
(M042 e M123). No caso, M042 também apresenta penachos traseiros que
compõem o toucado.
Toucados de animal sem diadema: Encontramos apenas dois exemplos
deste tipo de toucado. Um em forma escultórica, com o aplique de cabeça de
animal quebrado (pranchas 68, M026) e um em forma pictórica (prancha 72).
Sem Toucado: Há ocorrência de Ai Apaecs sem toucados, como se
verifica nas pranchas 70 (M045), 71 e 74.
O gráfico IV.V mostra a distribuição de partes de toucados entre Ai
Apaecs músicos. Estas partes podem estar associadas de maneiras variadas,
compondo um toucado completo. A grande maioria destes músicos apresenta
toucado com diadema semicircular e aplique de cabeça de animal. Há uma
significativa presença de Ai Apaecs sem toucado.
As presas, semema mais importante atribuído a Ai Apaec, estão
presentes em 100% de nossa amostra (Pranchas 68 a 75). Brincos de serpente
aparecem ao menos em metade da amostra. Na peça M387 (prancha 74) a
serpente não está presente na forma de cinto, mas está associada ao
personagem, volteando-o. Apenas as peças M059 (Prancha 69) e M145
(Prancha 73) apresentam os cães que acompanham esta divindade.
Um dos sememas muitas vezes associados a Ai Apaec no repertório
iconográfico moche são as rugas no rosto, tanto que Donnan (1978) o
denomina Cara Enrugada.
Segundo Benson (2012: 61) as rugas podem
demonstrar envelhecimento ou presença em ambiente aquático. Ai Apaecs
com este semema aparecem de forma mais ampla na fase V (ibid.). Em nossa
amostragem este semema está presente nas pranchas 69 e 70.
No grupo de imagens denominado por alguns especialistas de Mundo
Horroroso (Pranchas 75 e 76) o âmbito marinho e noturno evidenciado pelo
bojo das peças apresenta aves marinhas, lobos marinhos, corujas e peixes,
porém não aparecem o cão e a iguana, geralmente relacionados a Ai Apaec.
Alguns personagens contendo presas não foram inseridos na amostra
de Ai Apaecs por não apresentarem nenhum outro atributo que caracterizasse
a divindade. Para considerarmos um personagem como um Ai Apaec, ele deve
ter dois ou mais atributos da divindade (presas, cara enrugada, brincos de
serpente, cintos de serpente, etc). Na prancha 3, todos os apitos com
representações de Sacerdotes Guerreiros apresentam presas. Entretanto,
199
apenas por este atributo não podemos considerá-los como divindades ou Ai
Apaecs propriamente ditos. A associação a guerreiros também é observada na
prancha 16 (M043, M044) e 17 (M409). Esses personagens estão classificados
em nossa pesquisa como músicos oficiais, Sacerdotes Guerreiros, analisados
no Capítulo III. O fato de apresentarem presas mostra a fluidez existente entre
o natural e o sobrenatural na iconografia Mochica, com personagens
compartilhando traços de outros planos da existência. Eles provavelmente
atuam no plano humano, mas enquanto indivíduos de poder apresentam os
atributos que demonstram sua conexão com o camaq e com qualidades
pertencentes às divindades. Voltaremos a esta discussão no capítulo V,
quando trataremos dos músicos que intermedeiam as relações entre os vários
planos.
IV.I.A.II. Análise Temática
Em toda a amostra, há apenas duas peças com cenas pictóricas em
linha fina representando Ai Apaecs associados a instrumentos sonoros. Em
apenas uma delas as divindades de fato tocam o instrumento.
O vaso campanulado do Museu Larco (prancha 71) cuja borda
apresenta uma cena complexa na qual interagem vários personagens é uma
das peças mais representativas do repertório iconográfico do período Moche
Médio. Vários autores já se debruçaram sobre esta peça, levantando distintas –
e variadas – interpretações (Castillo, 1994; Gölte, 2009; Benson, 2012).
Em sua análise cosmológica da morfologia cerâmica moche Gölte (2009:
100) considera que, ao apresentarem bordas que se abrem para cima, os
vasos campanulados significariam a busca de comunicação com o hanan.
Essa é mais uma das muitas sequências narrativas estampadas em
vasos da fase IV nas quais Ai Apaec aparece em confronto com monstros e
aves marinhas. Para Gölte (2009:330), a cara enrugada da divindade em
alguns momentos da narrativa se daria pelo processo de envelhecimento
resultante de suas peripécias.
O desenho de Gölte, com os números de 1 a 5 (Prancha 71), mostra a
sequência narrativa da representação segundo o autor. Para fins de descrição
e análise da imagem, vamos utilizá-la, lembrando que nossa interpretação não
200
é a mesma do antropólogo, como se verá adiante. O número 1 mostra a
batalha entre Ai Apaec e o Senhor Noturno. O primeiro tem como atributos o
toucado de mamífero com plumas traseiras e sem diadema frontal, bem como
uma camisa negra com pirâmide escalonada invertida em branco e o cinto de
serpentes. Carrega um tumi (faca sacrificial) e uma bolsa em tons claros,
enquanto seu oponente, com camisa de placas de metal e toucado com
diadema em V, segura um tumi e uma bolsa em tom escuro. Aqui parece nítida
a contraposição entre um personagem do hanan (Ai Apaec) e outro do hurin
(Senhor Noturno). No momento seguinte um segundo Ai Apaec com os
mesmos atributos do primeiro, porém com cara enrugada, luta com o ser
esférico Octopus, que parece ter tomado sua bolsinha branca. Aparece o cão
ao lado desta dupla e, no momento 3, Ai Apaec é carregado por duas aves
marinhas. A divindade agora apresenta atributos diferentes: a camisa é clara
com a pirâmide escalonada escura e o toucado é de coruja, animal noturno, e
com diadema em V. Na cena 4, Ai Apaec, com estes mesmos atributos, luta
com o Peixe de Cabelo Partido. É interessante notar que agora seu tumi, assim
como o de seu oponente, é escuro. Finalmente, na cena final (5) dois Ai
Apaecs sem toucados tocam antaras, uma com seis e uma com sete tubos.
Ambos têm camisa clara com pirâmide escalonada invertida escura, brincos e
cintos de serpente. Um personagem toca tinya entre eles.
Gölte vê a imagem como uma narrativa, na qual as cenas adviriam em
sequência. As antaras representariam, segundo ele, o final da narrativa e a
entrada da divindade no inframundo, provavelmente após morrer nas lutas
(Gölte, 2009: 342). Outra hipótese levantada por Gölte é que uma das metades
do vaso mostre a divindade como vencedora e a outra metade a mostre como
perdedora das batalhas (ibid.:352). Já Benson (2012: 68) vê uma narrativa
cíclica na qual a divindade sempre morre e renasce na manhã seguinte.
Nossa leitura desta imagem parte, como não poderia deixar de ser, dos
músicos como foco principal. Como já observado no Capítulo III, as antaras no
mundo andino funcionam como mediadoras das relações entre duas esferas
opostas, seja entre dois planos da existência ou dois moieties 42, com cada
músico representando um dos dois lados da comunidade.
42
Moieties, plural do vocábulo moiety, significa as duas partes ou metades que conformam um
todo na cosmovisão andina. Ver Platt, 1986: 245 e Moseley, 1992: 76.
201
Levando em conta este significado cosmológico, a nosso ver nesta cena
todas as atividades se dão ao mesmo tempo e os antaristas separam a cena
entre dois moieties ou parcialidades distintas. É nítido que existem dois grupos
de Ai Apaecs divididos exatamente pelos músicos e pelo cão: em um grupo
predominam os atributos do hanan: os tumis são de cores claras, os toucados
não possuem diademas e a pirâmide escalonada invertida na camisa é clara.
Já o outro grupo apresenta atributos do hurin: os Ai Apaecs apresentam o
toucado com diadema em V, próprio dos senhores noturnos, os tumis são
escuros, e a pirâmide escalonada invertida da camisa é escura.
No repertório iconográfico de lutas entre Ai Apaec e os seres do
inframundo é possível verificar que o cão sempre está posicionado entre os
dois combatentes, como que de fato dividindo os dois moieties (ver Gölte,
2009: figs. 13.17, 13.23, 13.24, 13.27 e p. 354 -356).
Outra hipótese é que a narrativa mostre apenas dois Ai Apaecs que vão
passando cada um por seus combates, até chegarem ao final e enfrentarem-se
com antaras. O fato de não apresentarem toucado pode dar a entender que
perderam suas lutas contra os seres do inframundo. Para Gölte (2009: 344),
todos esses combates estão relacionados a disputas e tinkus entre diferentes
linhagens. Sua linha interpretativa da iconografia moche reitera a todo
momento que as imagens são imbuídas do conceito de tinku, e que nelas
sempre ocorre um encontro entre o acima e o abaixo, enfoque com o qual
estamos de acordo.
A segunda cena pintada em linha fina (prancha 72) faz parte do Arquivo
Moche da Dumbarton Oaks. O vaso original se encontra em uma coleção
privada na Suíça, mas as fotografias do Arquivo Moche mostram que se trata
de um vaso de alça estribo com bojo comum e estilo fase IV. A representação
faz referência a uma luta entre Ai Apaec e seu acompanhante Iguana na qual
ambos estão munidos de tumis. Duas quenas unidas por uma corda pairam
entre eles, aludindo à possibilidade de estes instrumentos pertencerem a estes
personagens e possivelmente serem tocados por eles conjuntamente em
algum momento da narrativa. Foi a única peça encontrada associando Ai
Apaecs a quenas. Voltaremos a esta peça ainda neste capítulo.
202
IV.I.B. A Divindade da Terra
As pranchas 76 e 77 exibem algumas vasilhas com bojos escultóricos,
tanto de alça estribo quanto de alça lateral, cujo personagem principal traz
presas e toca tinya em posição decúbito ventral. A modelagem do bojo segue
um padrão irregular, característica que levou Gölte (2009: 97) a denominá-las
de “cenas surreais” e Benson (2012: 36) de “vasos modelados” (collage
bottles). Ambos os autores usam estes termos para referir-se a estes vasos
com formatos irregulares, geralmente com temáticas ligadas ao mundo
subterrâneo, noturno e marinho, bem como tubérculos – plantas que crescem
para dentro da terra. São vasilhas cujas temáticas fazem referência ao hurin:
La misma arcilla es considerada parte del mundo de abajo y se representa a
los elementos como si la tierra misma tomase la forma del mundo femenino y oscuro.
(Gölte, 2009: 98)
Os bojos apresentam animais noturnos ou marinhos, como aves
marinhas, corujas, lobos marinhos e peixes, bem como seres humanos
degenerados ou semi-cadavéricos. Na parte frontal do bojo nota-se um
personagem do inframundo com olhos fechados, que se repete à direita da
divindade. À esquerda da divindade geralmente se encontram os animais.
O personagem principal usa apenas turbante, não apresentando
quantidade considerável de atributos de poder. É certamente um ser
sobrenatural ligado ao inframundo, entretanto, não pode ser chamado de Ai
Apaec por não conter nenhum dos outros atributos relacionados a ele. Gölte
(2009: 142) chama este personagem de Divindade da Terra, uma espécie de
contraparte feminina de Ai Apaec. Segundo sua interpretação ela toca o
membranofone sobre um tubérculo (ibid: 147). Ao associarmos o instrumento
sonoro à personagem, a observação de Gölte sobre o caráter feminino deste
ser
sobrenatural
teria
sentido,
visto
que
tinyas
são
instrumentos
predominantemente femininos nos Andes (Gruszczynska, 2004), como visto no
capítulo III. Este seria o espaço feminino subterrâneo esperando para ser
203
fertilizado por um ser do hanan, em uma espécie de tinku, e a tinya seria o
instrumento que realizaria esta convocação e a conexão (ibid.). 43
O estilo das vasilhas nos permite afirmar que este tema foi recorrente na
fase IV no entorno Moche Sul. Não encontramos essa representação em
vasilhas de outros períodos ou, então, atribuídas a Moche Norte, o que a
distingue como pertencente à esfera Moche Sul IV.
IV.I.II Discussão da Parte I
Ai Apaecs e a Divindade da Terra foram os únicos personagens tocando
instrumentos sonoros que pudemos considerar como divindades em nossa
amostragem. Os Ai Apaecs apresentados aqui parecem ter conexão com o
hurin: podem apresentar tentáculos de anêmonas e outros atributos noturnos e
marinhos, demonstrando relação direta com o mar e o inframundo 44.
Geralmente posicionam-se sobre pedras, plataformas ou ondas marinhas,
tocando antaras, pututos e tinyas. Têm como contrapartes terrenas os
guerreiros e oficiantes analisados no Capítulo III (pranchas 3 e 16), que tocam
antaras e chocalhos.
Os gráficos IV.IV e IV.V demonstram que, enquanto Ai Apaec toca
diversos tipos de instrumentos, com grande destaque para aerofones, a
Divindade da Terra está associada apenas a membranofones. Divindades da
Terra são representadas exclusivamente em forma escultórica, enquanto Ai
Apaecs podem aparecer tocando instrumentos em forma pictórica, ainda que
muito ocasionalmente. De toda forma, predominam as representações
escultóricas para músicos divindades (gráfico IV.VIII).
Enquanto Ai Apaecs predominam em vasos de alça estribo, Divindades
da Terra predominam em vasos de alça lateral (gráfico IV.IX). A razão desta
diferença possivelmente se dá devido às dificuldades de representação da
Divindade da Terra em outros suportes, já que a profusão de elementos
iconográficos no bojo das vasilhas seria dificilmente transmitida para um apito,
43
Parece que la diosa de la tierra crea esa posibilidad de interrelación con el mundo de arriba
(Gölte, 2009: 147).
44
Não podemos ignorar as cenas nas quais Ai Apaec aparece relacionado ao hanan, como no
Sacrifício da Montanha ou outras cenas. Entretanto, em nossa amostragem predominam Ai
Apaecs do hurin tocando instrumentos sonoros.
204
por exemplo. Além disso, a composição possivelmente sofreria uma perda de
sentido se fosse passada para outro tipo de suporte, já que as vasilhas em
formato irregular simbolizam o próprio hurin e as “imperfeições” que dele
procedem (Soares, 2015: 30, 109). O sentido desta narrativa é exatamente a
agência da percussão em relação aos personagens que estão posicionados no
bojo da peça de cerâmica irregular: peixes, lobos marinhos e corujas, todos sob
a condução da divindade musical e sua produção sonora.
É importante notar que apenas um Ai Apaec associado a quenas foi
encontrado em nossa pesquisa. O personagem não se encontra tocando o
instrumento, mas apenas próximo a ele. Por esta razão não inserimos esta
peça nas estatísticas.
Parte II: Músicos Antropozoomorfos e Fitomorfos
Representações
de
seres
antropozoomorfos
e
fitomorfos
com
características sobrenaturais são frequentes na arte mochica, especialmente
nas fases associadas aos períodos Médio (fases III, IV) e Tardio (fase V), já
que as reproduções de animais e plantas nas fases iniciais (I e II) tendem a ser
naturalistas. As imagens reproduzidas na cerâmica ritual, que adotam o
princípio de hibridização, enfatizam seres fantásticos e divindades e seu poder
excelso sobre os seres humanos. Nesta conjuntura, uma grande variedade de
aves, mamíferos, répteis e outras classes de animais com forma humana
participam em cenas e narrativas complexas. O mesmo ocorre com plantas e
legumes, ainda que em menor grau.
IV.II.1. Músicos Antropozoomorfos
Alguns
animais
com
características
sobrenaturais
são
bastante
emblemáticos na arte mochica, como a Serpente Felina, um híbrido com corpo
de serpente e cabeça com presas, focinho e orelhas de mamífero
(Hocquenghem, 1987: 209; Quilter, 2010: 104), ou o Guerreiro Coruja, uma
clara mescla de coruja e humano (ibid.: 102). Segundo Quilter (ibid.: 104) estas
hibridizações podem fazer menção à origem cosmológica de linhagens,
famílias ou grupos políticos, algo muito comum nas cosmologias andinas.
205
Como vimos no Cap. I o camac, ou energia vital de um indivíduo provém
necessariamente de uma paqarisca (fonte ou local de origem) (Rostworovski,
2000: 12; La Chioma, 2012: 73). Neste sentido, animais sobrenaturais eram
entes importantes dos quais muitas linhagens se supunham descendentes.
Foram encontrados em nossa amostragem sete tipos de animais
associados a instrumentos sonoros:
IV.II.A. Macacos
IV.II.B. Iguanas
IV.II.C. Lobos Marinhos
IV.II.D. Raposas
IV.II.E. Corujas
IV.II.F. Aves Marinhas
IV.II.G. Veados
IV.II.1. A. Macacos
Com pututos:
Este pequeno subgrupo (Prancha 78) apresenta apenas duas peças,
sendo uma de alça estribo (M146) e outra de alça lateral (M121). Apesar de
uma pequena diferença morfológica, ambas as peças apresentam macacos
que seguram pututos, sentados e com os pés apoiados no chão. Ambos usam
camisas e calções. Em M121 o personagem apresenta uma decoração de
peixe life na parte lateral da camisa. Não há informação de proveniência para
estas peças.
Com Chocalhos:
As pranchas 79 e 80 apresentam vasos de alça estribo e alça lateral
(M454) representando macacos que tocam chocalhos de tipo golpe direto
horizontal, feitos de sementes ocas (nectandras). Voltaremos ao tema no
Capítulo V.
Encontram-se sempre em posição sentada com os pés apoiados no
chão, usam túnicas e turbantes e seus toucados podem variar. Há cogumelos
(prancha 80, M318) e apêndices de formato desconhecido, como na prancha
79, M324. É possível verificar as características de macaco por meio da face e
206
da cauda enrolada que apresentam. Sempre levam uma bolsinha nas costas,
talvez associada a frutos.
É interessante notar que esses macacos estão associados a um tipo
muito específico de instrumento: o chocalho de golpe direto horizontal, que se
apresenta como uma corda na qual as sementes estão organizadas, e que se
segura com ambas as mãos. Nossos dados têm nos levado a entender que
categorias diferentes de chocalhos são tocadas por personagens específicos
na iconografia, e esta análise pormenorizada será realizada no próximo
capítulo.
Macacos aparecem na iconografia Mochica em variadas formas: na
forma de toucados45, em forma naturalista associados a árvores e frutos 46,
associados a elementos marinhos do inframundo, como conchas Strombus 47.
Aparecem na forma de vasos surreais, amalgamados a outros personagens48.
Também aparecem abraçados em duplas 49. Já este mesmo personagem
antropomorfo com face e cauda de macaco, aparece algumas vezes
associados a cântaros 50 ou à sua bolsa (ver fig. IV.I)51, e pode aparecer como
um personagem de elite associado a toucados elaborados 52. Também podem
aparecer de forma esquelética, associados à morte e ao inframundo. 53 As
representações
de
macacos
parecem
ser
bastante
diversificadas
e
significativas na iconografia mochica.
O fato de macacos estarem associados a idiofones feitos de sementes
pode remeter à conexão que estes animais trazem com frutos em geral, pois
em outras cenas aparecem próximos a árvores e sementes, como na cena da
Cópula Mítica (Hocquenghem 1987: 62; Bourget, 2006: 157-158), na qual Ai
Apaec copula uma mulher sob uma árvore de ulluchus (fig. IV.3.). Além de
chocalhos, macacos também estão associados a pututos (tabela IV.I). Ossos
de macaco foram encontrados associados a um pututo na Huaca Ventarrón
45
Museu Larco, catálogo online, ML001817.
Museu Larco, catálogo online, ML002442, ML002443, ML008206, ML008207, ML008208.
47 Museu Larco, catálogo online, ML003872, ML003874, ML003875.
48 Museu Larco, catálogo online, ML007223, ML007252, ML007265, ML007278.
49 Museu Larco, catálogo online, ML008185, ML008186, ML008187, ML008191, ML008192.
50 Museu Larco, catálogo online, ML004085, ML004086, ML004087, ML004088, ML004090,
ML004091.
51 Museu Larco, catálogo online, ML004144, ML004145, ML008202.
52 Museu Larco, catálogo online, ML008210, ML013690.
53 Museu Larco, catálogo online, ML008323, ML008324, ML008330, ML008331, ML008332,
ML008333.
46
207
(vale de Lambayeque) em uma camada estratigráfica que corresponde à
datação de 4000-4500 anos antes do presente (Arcuri, 2015). Em nossa
amostra, macacos foram encontrados associados apenas a chocalhos e
pututos.
Fig. IV.3. A cena da Cópula Mítica, na qual macacos aparecem associados a árvores e
frutos. Desenho por Donna McClelland. Imagem cedida gentilmente por Ignacio Alva Meneses.
Na tabela IV.II observamos que macacos músicos são representados
maiormente em vasos de alça estribo ou alça lateral.
Fig. IV.4. Ser antropozoomorfo com fisionomia e cauda de macaco associado a bolsa.
208
IV.II.1. B. Iguanas
Iguanas aparecem associadas a tinyas (M241, prancha 81 e pranchas
82 e 83), antaras (prancha 81, M203 e M639) e chocalhos (prancha 81, M250).
A peça M262 (pranchas 82 e 83), um vaso de alça estribo com bojo
decorado e aplique escultórico, mostra uma cena complexa de Apresentação
da Taça no bojo enquanto o aplique escultórico mostra um Ai Apaec sendo
resgatado por duas aves marinhas. A Iguana, acompanhante habitual de Ai
Apaec no repertório iconográfico moche, toca a tinya em frente a outra Iguana
que segura uma taça. Encontramos uma peça semelhante no Arquivo Moche
da Dumbarton Oaks. Não temos autorização para publicar esta peça, apenas o
desenho em linha fina reproduzido por McClelland (na prancha 83), mas de
acordo com as fotografias trata-se de um vaso de alça estribo com bojo
retangular, com o mesmo aplique escultórico representando Ai Apaec
resgatado pelas duas aves marinhas. A cena em redor do bojo, no entanto, tem
algumas diferenças: as duas iguanas continuam de frente uma para a outra,
porém nesta peça ambas tocam instrumentos sonoros. Uma continua
associada à tinya, enquanto a outra toca um chocalho de tipo idiofone de
marcação. Há também diversos pututos espalhados pela cena, sendo um deles
bem próximo à boca da Iguana à esquerda, o que pode significar que ela o está
tocando juntamente com a tinya. Enquanto na cena M262 os personagens
centrais são ladeados por outros personagens, presentes nas cenas de luta
com Ai Apaec, na cena M644 os personagens centrais aparecem ladeados por
estruturas arquitetônicas. Taças e paicas se encontram presentes em ambas
as cenas.
Esta narrativa deve fazer alusão ao momento exato em que Ai Apaec é
resgatado pelas aves marinhas em suas peripécias, já que o aplique
escultórico com esta referência está presente em ambas as peças. É
importante lembrarmos que no corpus iconográfico mochica, iguanas muitas
vezes
aparecem
associadas
a
Ai
Apaecs
como
seus
assistentes.
Provavelmente a representação do bojo faz referência à importância do som
produzido pelos iguanas neste momento da narrativa. Três dessas iguanas
apresentam toucado de ave marinha, enquanto apenas a iguana da direita da
peça M262 apresenta toucado de mamífero (felino). Estas peças certamente
têm relação com as lutas e aventuras de Ai Apaec, como o vaso de boca larga
209
apresentado anteriormente. No entanto, enquanto os próprios Ai Apaecs eram
os músicos naquela narrativa, nesta as iguanas tocam os instrumentos. Ambas
as peças discutidas anteriormente não têm informação de proveniência e são
de estilo fase IV e Moche Sul.
É interessante notar que as únicas peças que mostram iguanas tocando
antaras (prancha 81, M203 e M639) são de estilo Moche Norte, provenientes
do Vale do Jequetepeque. M203 é uma peça proveniente das escavações
científicas em San José de Moro, vale do Jequetepeque, e pertencente ao
período Moche Tardio. Encontramos outra peça escultórica (cântaro) de iguana
tocando antara do período Moche Tardio no Arquivo Donnan, Dumbarton Oaks,
mas não temos permissão para publicá-la. São dados que reforçam uma
associação recorrente entre iguanas e antaras na região Moche Norte do final
da era Moche.
A presença da iguana na iconografia do período Moche Tardio do Vale
do Jequetepeque é muito significativa. O Tema do Enterro (prancha 84) é
característico desta fase e região, tendo sido largamente representado em
cerâmica neste vale (Donnan & McClelland, 1979; Bourget, 2006: 186). Bourget
(2006: 188) acredita que o Tema do Enterro tradicional de fase V seja apenas a
síntese tardia de uma série de cenas e temas que já estavam presentes na
cerâmica de fase IV e que, portanto, não teria sido um tema criado no Vale de
Jequetepeque (ibid.:91), embora suas representações em linha fina tenham se
popularizado em sítios locais, como San Jose de Moro.
No Tema do Enterro iguanas assumem posições de destaque,
participando na troca de conchas Strombus e baixando o ataúde do
personagem a ser enterrado. No mesmo tema, iguanas sempre aparecem
associadas a idiofones de marcação, isto é, chocalhos que produzem som ao
chocar-se contra o solo. Encontramos mais de quarenta imagens de Tema do
Enterro no Arquivo Moche da Dumbarton Oaks, todos pertencentes ao período
Moche Tardio e à região Moche Norte, com iguanas associadas a estes
idiofones. É provavelmente um animal de grande importância na região Moche
Norte do período Moche Tardio, e se encontra largamente associado à
produção sonora.
No contexto Moche Sul do Período Médio não foram encontradas
iguanas associadas a antaras, mas a quenas e tinyas, como visto
210
anteriormente. Apenas uma iguana associada a idiofone de marcação (M250,
prancha 81) semelhante aos chocalhos tocados pelas iguanas do Tema do
Enterro foi encontrada, representada em vaso escultórico de estilo Moche IV e
proveniente da área Moche Sul. No Arquivo Moche, Dumbarton Oaks,
encontramos uma iguana escultórica tocando tinya em vaso de alça estribo da
fase IV e área Moche Sul.
Iguanas, portanto, mudam de instrumento tocado a depender da região e
da fase em que são representadas. Prevalecem iguanas tocando antaras e
chocalhos na região Moche Norte e em períodos mais tardios, enquanto na
região Moche Sul do período Médio prevalecem iguanas percussionistas.
IV.II.1.C. Lobos Marinhos
As pranchas 85 e 86 reúnem alguns exemplares de lobos marinhos
tocando tinyas em alça estribo e em cântaros. Estes personagens usam
geralmente túnicas e turbantes, e não apresentam toucados elaborados.
A peça M216 (prancha 85) tem proveniência do Vale de Chicama, e a
peça M221 (prancha 85) do Vale do Virú. Estilisticamente, todos os exemplares
da amostra demonstram relação com a região Moche Sul e o Período Médio.
Lobos
marinhos
são
recorrentes
na
iconografia
mochica
em
representações naturalistas sobre as ilhas guaneras, além de serem
geralmente associados a cenas do inframundo, cenas marinhas, ou modelados
em formato irregular de cenas surreais, como os da Divindade da Terra,
analisada anteriormente 54.
Há uma relação intrínseca dos lobos marinhos com o inframundo, e, por
isso mesmo, é bastante interessante notar que animais marinhos, como aves
marinhas ou lobos marinhos, toquem tinyas, instrumentos de percussão
eminentemente femininos, enquanto as raposas, animais ligados ao masculino
e ao kay pacha toquem tambores de outra categoria (huancares) e pututos,
instrumentos mais ligados à virilidade masculina.
Segundo Makowski (1996:94) há seres sobrenaturais zoomorfos que
servem às divindades do hurin: animais marinhos e animais noturnos. Os que
rodeiam o Ai Apaec marinho geralmente são caranguejos, camarões, peixes e
54
Ver, por exemplo, no catálogo online do Museu Larco: ML003225, ML005492, ML008393,
ML008397 etc.
211
o Monstro Strombus. Os lobos marinhos desempenham um papel muito
específico como músicos neste âmbito, pois aparecem apenas tocando
tambores e nenhum outro instrumento sonoro. Já os morcegos, aranhas e
corujas compõem o séquito do Guerreiro Coruja. A estes seres ele chama de
divindades subalternas do abaixo (ibid.).
A tabela IV.I demonstra que lobos marinhos tocam apenas tinyas, e que
estão representados sempre em vasos de alça estribo ou cântaros, com
predominância do primeiro tipo (tabela IV.II).
IV.II.1.D. Raposas
Com tambores
Esta categoria inclui vasos escultóricos de alça estribo (pranchas 87 e
88) e cântaros (prancha 89) com representações de raposas sentadas de
pernas cruzadas, tocando um tipo de tambor que se golpeia verticalmente e é
chamado de wankar no mundo andino.
As peças da prancha 87 e 88 são imprecisas quanto ao tema da música.
Embora tenhamos incluído estas peças em nossa amostragem, autores como
Bourget (2006: 34) acreditam que estes personagens estejam segurando um
cinzel e não um instrumento de percussão. Não temos segurança em afirmar
se o artefato segurado pelos personagens das pranchas 87 e 88 seja um
instrumento de percussão, mas acreditamos nessa possibilidade. McClelland
em seu estudo não publicado sobre instrumentos sonoros mochica considera
estes objetos como tambores 55. Já os objetos da prancha 89 são seguramente
tambores.
Uma das peças da prancha 88, M266, tem proveniência de escavação.
Pertence ao acervo do Museu Arqueológico Huacas de Moche, tendo sido
escavada no projeto arqueológico de mesmo nome. Segundo informação do
projeto arqueológico estes personagens representam os sacerdotes que
55
Study of musical instruments in fineline drawings and modeled ceramic vessels by Donna
McClelland, ca. 1980s, donated by Donald McClelland. Christopher B. Donnan and Donna
McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
212
executavam os guerreiros cativos nos sacrifícios. Mais uma razão que sugere
que esta raposa esteja segurando um cinzel ou faca sacrificial.
Os personagens da prancha 87 apresentam as mesmas características
e posição corporal do grupo da prancha 88, porém usam apenas turbantes em
contraposição aos toucados de cogumelo característicos do outro subgrupo. Já
os do grupo da prancha 89 não apresentam toucado, e suas camisas possuem
desenhos escalonados. As peças da prancha 89 são cântaros grandes e
pesados, em comparação aos vasos de alça estribo das duas pranchas
anteriores.
Com outros instrumentos:
A prancha 90 exibe raposas tocando outros instrumentos sonoros. A
peça M120 mostra uma raposa com atributos de poder tocando um pututo
sobre uma montanha, com guerreiros representados em alto relevo no bojo. É
uma peça única em nossa amostragem. Aqui há uma clara associação entre o
pututo e a guerra, verificada também em peças analisadas no Capítulo III.
A peça M321 mostra uma raposa com atributos de poder, dentre eles as
orelheiras circulares, tocando um chocalho tipo golpe direto horizontal.
Raposas são bastante associadas à agricultura e à fertilidade nos
Andes, estando ligadas à estação chuvosa e úmida. (Bourget, 2006: 208; La
Chioma, 2012: 112). Tambores, especialmente tinyas, possuem essa
conotação no mundo andino. Esta pode ser a razão simbólica pela qual
raposas são, em sua maioria, associadas a este instrumento na iconografia.
IV.II.1.E. Corujas
Encontramos apenas três corujas em nossa amostragem de animais
músicos. Na prancha 91 se observam corujas associadas a tambores. A peça
M205 tem informação de proveniência do Vale de Chicama, região Moche Sul.
Ambas as peças são pertencentes à fase IV e são vasos de alça estribo. A
terceira peça foi encontrada no Arquivo Moche da Dumbarton Oaks e mostrava
uma coruja tocando tinya em vaso escultórico de alça estribo.
213
IV.II.1.F. Aves Marinhas
Este subgrupo é formado majoritariamente por vasos escultóricos de
alça estribo (tabela IV.II), e exibe personagens antropomorfos com cabeça de
ave marinha tocando tinyas (pranchas 92 e 93). Algumas, inclusive,
apresentam asas (prancha 92, M206 e prancha 93, M258). Este é o grupo mais
expressivo de toda a amostragem da categoria “Antropozoomorfos”, tanto pelo
número de peças encontradas (ver tabela IV.I), como também pela coerência
na associação de elementos, já que não existem diferenças muito significativas
entre os vasos desta categoria. Todos têm alça estribo, e em apenas duas
peças as aves apresentam presas (prancha 93, M185 e M271, não
disponibilizada no catálogo). Podem variar alguns atributos dos personagens,
como o desenho das túnicas e calções. Estão posicionadas com as pernas
cruzadas, e em raros casos sentados com os pés apoiado no chão (prancha
92, M206), mas nunca em pé.
Na prancha 81 observamos a imagem em linha fina encontrada no
Arquivo Moche da Dumbarton Oaks previamente mencionada por mostrar
iguanas tocando antaras (M641). Esta peça apresenta também três aves
marinhas posicionadas à esquerda das iguanas, dentre as quais duas tocam
tinyas. Esta foi a única peça com representação pictórica de aves marinhas
percussionistas encontrada em toda a amostra.
Estes animais se relacionam com o oceano e se alimentam de peixes.
Para Gölte (2009: 134) estas aves representam o mundo úmido da parte de
cima, ou seja, o lado hurin do hanan. Têm relação tanto com o mundo noturno,
feminino e marinho quanto com o mundo diurno, masculino e solar. Aves
marinhas são comumente representadas nas narrativas de batalha de Ai
Apaec, geralmente carregando ou resgatando a divindade, como vimos em
algumas peças já apresentadas.
É possível que sejam personagens de gênero feminino, embora esta
informação não possa ser verificada e confirmada. Das trinta peças deste
subgrupo, seis, pertencentes ao Museu Larco, apresentam proveniência de
vale. Cinco provêm do Virú (M207, M212, M213, M217 e M218, nenhuma delas
214
exposta no catálogo 56), e uma provém do vale de Chicama
57(M209,
também
não exposta no catálogo).
IV.II.1.G. Veados
Como vimos no Capítulo III, veados aparecem tocando tinyas na cena
complexa de um vaso da fase V (prancha 61) ao lado de dois antaristas
humanos. Essa foi a única peça encontrada, em todo nosso corpo de dados,
associando veados a instrumentos musicais.
IV.II. 2. Músicos Fitomorfos
Representações de plantas e vegetais em forma naturalista são muito
comuns na iconografia mochica, principalmente em forma escultórica nas fases
iniciais (I a III). Na fase IV, a tendência da arte mochica em representar temas
complexos e sobrenaturais leva a um aumento das representações de plantas
em forma antropomorfa e/ ou interagindo em uma série de atividades. A música
é uma delas. Encontramos poucos músicos fitomorfos em nossa amostragem,
porém significativos. Eles foram divididos em três grupos principais:
IV.II.2.A. Ulluchus
IV.II.2.B. Tubérculos
IV.II.2.C. Amendoins
IV.II.2.A. Ulluchus
A prancha 94 mostra uma peça única em nossa amostragem. Trata-se
de um vaso de alça estribo representando um ulluchu, fruto da costa norte
peruana, extinto atualmente, tocando uma tinya.
56
As respectivas peças pertencem ao Museu Larco e podem ser vistas no catálogo online da
instituição. Seus códigos são, na ordem: ML004028, ML004033, ML004034, ML004046 e
ML004953.
57
Referência ML004030.
215
Ulluchus são geralmente representados na Cerimônia do Sacrifício
(prancha 6) e nos toucados dos Adoradores (prancha 24). Aparecem também
na árvore representada na cena da Cópula Mítica, observada na fig. IV.3.
Por não termos mais ulluchus músicos em nossa amostragem torna-se
difícil a interpretação desta peça. Como discutimos em nossa dissertação de
Mestrado, a simbologia e as utilizações cerimoniais do ulluchu ainda são muito
pouco conhecidas:
Antes das escavações em Sipán acreditava-se que poderia ser um fruto mítico,
já que não havia até então evidência de sua existência. Escavações revelaram
ulluchus reais em Sipán (dissecados), Dos Cabezas e na Huaca de la Luna
(McClelland, 2008: 59). Este fruto também aparece representado na iconografia da
indumentária do Velho Senhor de Sipán (Alva Meneses, 2006). Até então, um dos
poucos estudos existentes sobre o tema era o de Wassén, Hultin & Boldeson (ibid:
58), que endossava a pertença do fruto à família do papaya. Segundo os autores isso
conferia aos ulluchus propriedades anticoagulantes, justificativa para seu consumo em
cerimônias de sacrifício humano a fim de que o sangue do sacrificado não se
solidificasse antes de ser oferecido às divindades ou seus representantes. Esta
hipótese foi descartada após as escavações arqueológicas, que comprovaram a
pertença do ulluchu à família das meliáceas e, portanto, a ausência de qualquer efeito
anticoagulante (Alva Meneses, 2006: 153). Continuamos, por consequência, sem
compreender o simbolismo do ulluchu nas representações iconográficas Mochica,
apesar de existirem hipóteses nos estudos mais recentes. (La Chioma, 2012: 88)
É importante destacar que, dentre os fitomorfos, é a única peça
associada a uma tinya, e mesmo a um membranofone.
IV.II.2.B. Tubérculos
A prancha 95 nos mostra mais um exemplar de vasilha com bojo
irregular, como vimos no caso da Divindade da Terra. Nesse caso, entretanto,
trata-se nitidamente de um tubérculo, provavelmente uma batata, com seus
brotos em evidência. Um macaco com presas caminha sobre a figura.
216
Tubérculos escultóricos são comuns na iconografia mochica, como se
observa na fig. IV.5 e em algumas peças do catálogo online do Museu Larco 58.
Estes vasos estão relacionados ao inframundo, já que tubérculos crescem sob
a terra, mundo dos mortos e dos ancestrais, o hurin, como discute Soares
(2015) em sua dissertação de Mestrado:
Tais vasilhas cerâmicas trazem à vista uma dinâmica de transformações que
parece operar em um âmbito específico do cosmos, colocando uma série de seres em
conjunção, de maneira bastante peculiar e, aparentemente, caótica. Sabe-se que
fazem referência ao Hurin (ou “mundo de baixo”) - habitado por seres noturnos, pelos
mortos e pelos ancestrais – pois trazem a forma básica de um tubérculo, de onde se
formam partes de corpos de seres humanos e animais, que muitas vezes aparecem
em cenas de sacrifício e caça. (Soares, 2015: 30)
Este tubérculo toca uma quena, instrumento ligado à fertilidade e à
virilidade masculina. Curiosamente, ele tem algumas características de
Tomador de Coca, como a pintura facial em formato de Cruz de Malta e a
túnica com cruzinhas.
Catherine Allen (2015: 310) conduziu trabalhos etnográficos na região de
Paucartambo, Cusco. Segundo a autora é uma prática comum nas regiões
serranas, especialmente a grandes altitudes, ressecar as batatas para que elas
durem por mais tempo. Quando secas, elas são denominadas de chuño, e ao
serem embebidas em água podem voltar ao seu estado natural. Allen relata
que quando o chuño é transferido para os armazéns de estocagem há uma
cerimônia pública na qual as batatas ressecadas são reanimadas com libações
de chicha e música. Segundo Allen, na simbologia local, as batatas são
comparadas a pequenas múmias, ao passo que restos humanos são
considerados simbolicamente como sementes (ibid.). Portanto, observa-se uma
relação entre mortos e sementes (ibid.), que marca tradicionalmente a visão
cíclica da morte nas ontologias andinas em particular e ameríndias de maneira
geral.
Na peça da prancha 95 a batata toca uma quena, instrumento
tipicamente associado aos momentos de libação e à lógica da fertilidade. A
58
ML007281, ML007282, ML007293, ML007280, ML007288 etc
217
representação do tubérculo em ato de tocar uma quena pode apontar para um
momento de transformação do tubérculo, no qual as substâncias fluídicas
(água, chicha, sêmen ou até mesmo sangue) são ativadas neste processo de
morte e renascimento.
Fig. IV.5. Cântaro representando tubérculo. Museu Larco, Lima, catálogo online.
IV.II.2.C. Amendoins
Amendoins formam um grupo maior e mais coerente dentro da categoria
de fitomorfos. Como se observa nas pranchas 96 e 97, podem ser
representados tanto em alça estribo quanto em cântaros, associados apenas a
aerofones: quenas e, ocasionalmente, antaras.
As peças da prancha 96, por suas características morfológicas,
representam nitidamente amendoins. As peças da prancha 97, no entanto,
poderiam representar tanto amendoins quanto feijões. São um pouco diferentes
das peças anteriores, já que não têm terminação em ponta na região da
cabeça. Consideramos, no entanto, que todas estas peças representem
amendoins. Amendoins também são plantas associadas ao hurin, pois também
se caracterizam pelo crescimento no interior da terra (Bourget, 2006: 85).
Amendoins tocando quenas podem ser vistos em apenas um tema da
iconografia pictórica: A Entrada no Inframundo (prancha 124) a ser discutida
ainda neste capítulo.
218
IV.II.III. Discussão da Parte II
Animais e plantas tocando instrumentos sonoros podem ter uma
variabilidade significativa, já que encontramos sete diferentes tipos de animais
músicos e três diferentes tipos de plantas tocando instrumentos.
Os animais mais representados são os macacos, sempre associados a
pututos e chocalhos, bem como os animais marinhos (lobos marinhos e aves
marinhas), associados a tinyas. Em seguida aparecem as raposas, associadas
a tambores de tipo wankar. Em menor grau, corujas e iguanas são
representadas respectivamente associadas a membranofones e a todas as
categorias organológicas (tabela IV.I).
É importante notar que animais marinhos estão associados sempre a
tinyas. Como temos visto, tinyas são largamente associadas a mulheres na
iconografia. Muito provavelmente os animais que as tocam estão associados
ao aspecto feminino e à relação com o inframundo.
A grande maioria dos animais da amostra está associada à categoria dos
membranofones (gráfico IV.XI). Pouquíssimos se associam a aerofones, e
quando o fazem, são pututos. Não foram encontradas trombetas associadas a
animais e antaras e quenas estão associadas apenas a iguanas.
A grande maioria dos objetos da amostra é composta por vasos
escultóricos de alça estribo (gráfico IV.XIII) e está associada às fases III/ IV da
região Moche Sul, à exceção das peças com representações de iguanas
tocando antaras, encontradas na área Moche Norte. O fato de não termos
encontrado iguanas associadas a antaras em nenhuma das peças do período
Médio em Moche Sul pode revelar concepções distintas sobre animais que
produzem som na cosmovisão de ambas as esferas. Representações de
iguanas
associadas
a
instrumentos
sonoros
demonstram
diferenças
significativas entre as áreas Moche Norte e Moche Sul. É interessante notar
também que, de todas as categorias analisadas, músicos iguanas compõem a
única delas na qual os artefatos da região Moche Norte excedem os da região
Moche Sul. Além disso, a forma como estes animais estão representados e os
instrumentos associados a eles também diferem em ambas as regiões.
O gráfico IV.XII mostra que a quase totalidade dos músicos
antropozoomorfos está representada em forma escultórica, bem como a
219
totalidade dos fitomorfos. Os últimos aparecem associados exclusivamente a
aerofones (quenas e antaras) e membranofones, mas nunca a idiofones
(gráfico IV.XIV).
Parte III. Os Músicos Mortos e o Inframundo
As representações iconográficas de seres do inframundo, geralmente
com características esqueléticas e cadavéricas, são extremamente numerosas
na arte mochica. Estes entes sobrenaturais podem ser representados tanto em
forma escultórica quanto pictórica, participando em uma enorme quantidade de
narrativas. Entre as atividades mais comuns exercidas pelos personagens
mortos e cadavéricos estão cerimônias, danças, atividades sexuais (Bourget,
2006) e a produção musical.
Neste
capítulo
consideraremos
mortos
os
personagens
com
características cadavéricas e esqueléticas. Estes seres aparentam estar
concluindo ou já ter concluído seus processos de passagem para o inframundo.
Podem apresentar algumas partes vivas, mas predominam suas características
esqueléticas e cadavéricas. Seres degenerados são aqueles que se revelam
vivos, porém em processo de decomposição ou morte, estando inseridos mais
precisamente no conceito de indivíduos transitórios (Bourget, 2006: 58). Estes
últimos serão analisados no próximo capítulo, dedicado aos Músicos
Intermediadores.
Os dados levantados foram organizados em duas grandes categorias,
Músicos Esqueléticos e / ou Cadavéricos Escultóricos e Músicos Esqueléticos
e / ou Cadavéricos Pictóricos, com suas respectivas subcategorias, como
listado a seguir:
220
IV. III.I. Músicos Esqueléticos e / ou Cadavéricos Escultóricos
IV.III.I.A. Antaristas Esqueléticos e/ ou Cadavéricos
IV.III.I.B. Quenistas Esqueléticos e/ ou Cadavéricos
IV.III.I.C. Percussionistas Esqueléticos e/ ou Cadavéricos
IV.III.II. Músicos Esqueléticos e / ou Cadavéricos Pictóricos
IV.III.II.A. As Danças do Inframundo
IV.III.II.A.I. Tema 1. Duplas de antaristas
IV.III.II.A.II. Tema 2. Antaristas pairando sobre Guerreiros
IV.III.II.A.III. Tema 3. Trios de Antaras e Percussão
IV.III.II.A.IV. Tema 4. Trompetistas Esqueléticos
IV.III.II.A.V. Tema 5. A Entrada no Inframundo
IV.III.II.A.VI. Outros Temas
IV. III.I. Músicos Esqueléticos e/ ou Cadavéricos Escultóricos
Encontram-se representados em forma escultórica em vasos de alça
estribo, vasos de alça lateral e cântaros.
IV. III.I.A. Antaristas Esqueléticos e/ ou Cadavéricos
As pranchas 98 a 105 mostram personagens cadavéricos escultóricos
tocando antaras. A antara é o instrumento sonoro mais frequentemente
associado a personagens ligados ao mundo dos mortos (gráfico IV.XVII). Por
esta razão, ordenamos nossos dados em subgrupos, levando em conta seus
atributos e o tipo de suporte artefactual.
A prancha 98 mostra duas peças com antaristas completamente
despojados de atributos de poder. A peça M051 é um mini cântaro com um ser
esquelético completamente nu e sem nenhuma vestimenta ou atributo, em
posição fetal, tocando antara. A peça M244 apresenta o mesmo tipo de
personagem em um molde para produção de apitos de cerâmica.
A prancha 99 mostra uma única peça, um cântaro grande e pesado.
Observamos a peça presencialmente e constatamos que é maior que as
vasilhas de alça estribo ou outros cântaros típicos da fase IV. O personagem
representado tem traços faciais de macaco, com a mandíbula escalonada, a
221
boca grande e os dentes proeminentes. Além disso, apresenta cauda de
animal, provavelmente um mamífero. Em nossa dissertação de Mestrado (La
Chioma, 2012: 56), havíamos discutido o conceito de Bourget (2006) de seres
transitórios na iconografia mochica 59. Esta é uma das peças da amostra que
suscita a ideia de um ser transitório, já que seus atributos demonstram que
este personagem se encontra tanto entre o inframundo e o kay pacha, quanto
entre o mundo dos animais e dos humanos. As cruzinhas presentes em sua
capa já foram observadas no quenista tubérculo (prancha 95), o que
provavelmente relaciona este semema com o inframundo. Encontramos peça
semelhante no Arquivo Moche da Dumbarton Oaks, também um cântaro com
os mesmos elementos iconográfico associados, inclusive a cauda de macaco,
demonstrando que este não é um artefato ou tema único.
Na prancha 100 observam-se duas peças feitas a partir do mesmo
molde. São pequenos cântaros com representações de antaristas cadavéricos
que têm entre seus atributos capas e aguayos.
Já na prancha 101 observamos um tipo comum de representação de
seres degenerados e do inframundo: em apliques escultóricos posicionados no
entroncamento da alça estribo com o bojo do vaso. Todos tocam antaras e
usam capas e capuz. No caso de M064, a representação do antarista se divide
entre escultórica e pictórica, com seu corpo pintado no bojo do vaso e sua
cabeça modelada como aplique escultórico. O músico da peça M050 está
associado a mais duas antaras e duas trombetas pintadas no bojo do vaso bem
à sua frente. Aparentemente tinha um aplique representando seu órgão sexual
à mostra, agora quebrado.
Este é certamente um conjunto significativo de vasilhas pertencentes ao
período Médio, nitidamente de estilo Moche Sul. Pelas características da alça
estribo M018 parece pertencer à fase III, enquanto as outras vasilhas
apresentam gargalos característicos da fase IV. Os antaristas da prancha 102,
também representados em vasos de alça estribo, se caracterizam pelo órgão
sexual à mostra. Um deles usa capa (M028), enquanto o outro (M055) não
apresenta quaisquer atributos.
59
Detalharemos este assunto no Capítulo V.
222
A prancha 103 mostra uma categoria de antaristas cadavéricos já
debatida em nosso mestrado (La Chioma, 2012: 161). Aparecem em vasos de
alça estribo escultóricos com bojo duplo e representam antaristas ajoelhados e
enrolados em uma espécie de manta com o órgão sexual à mostra. Eles têm
atributos de poder que os antaristas vistos anteriormente não apresentam,
como as orelheiras circulares e o turbante (algumas vezes decorado, como em
M029).
Segundo Bourget (2006: 94-95) a manta é um elemento frequentemente
associado a temáticas sexuais e rituais funerários na iconografia mochica.
Exemplares destes cobertores foram encontrados em diversos contextos
arqueológicos moche, por exemplo, na Huaca do Sol, associados à
parafernália funerária de indivíduos enterrados (ibid.). Exemplares deste
mesmo personagem podem aparecer sem as antaras associadas, como na fig.
IV. 6.
Fig. IV.6. Vaso de alça estribo representando personagem sentado sobre manta
enrolada. Museu Larco, Lima, Catálogo Online.
Antaristas cadavéricos escultóricos também aparecem em duplas, como
nas pranchas 104, 105 e 106. Eles podem estar parados diante de templos ou
huacas (M025 e M033, prancha 104), ou simplesmente em apliques de vasos
de alça estribo (M065, prancha 104).
A
prancha
105
mostra
vários
exemplares
destes
antaristas
acompanhados de mulheres em vasos de alça estribo. Eles seguram a antara
com uma das mãos enquanto abraçam suas parceiras com a outra 60. Esses
personagens podem ou não apresentar atributos de poder, como orelheiras
60
Bourget fez rápida menção a este tema em sua publicação de 2006 à p. 105, mas não fez
uma discussão detalhada que pudesse agregar novas interpretações à nossa pesquisa.
223
circulares ou tocados elaborados, caso de M030 e M049 ambos com toucados
de ave. Nas cenas em que beijam a mulher, apresentam apenas túnica e
turbante.
A peça M143 foi encontrada em contexto funerário na Huaca de La Luna
e se encontra em exibição no Museu de sítio Huacas de Moche. Estava
associada a cinco indivíduos enterrados em uma tumba da Plataforma Uhle,
que também continha muitas vasilhas de fase IV com rica iconografia (Projeto
Arqueológico Huacas de Moche, 2001: 80).
A prancha 106 mostra uma peça única de fase III, um vaso de alça
estribo com bojo duplo onde se encontram deitados dois esqueletos sem
quaisquer atributos de poder e com a mandíbula escalonada e os dentes
idênticos aos do personagem da prancha 100. Um deles segura uma antara.
Analisamos a peça presencialmente no Museu Larco, mas não conseguimos
identificar a presença de genitália masculina ou feminina nos personagens.
De maneira geral, então, pudemos identificar cinco grupos de antaristas
cadavéricos:
1. Antaristas cadavéricos nus e sem atributos de poder, geralmente
representados em cântaros e moldes (prancha 98), e em alguns
casos encontrados em vasos de alça estribo (caso de M055, prancha
102);
2. Antaristas cadavéricos com capa e capuz tocando individualmente,
representados em vasos de alça estribo (pranchas 101 e 102) e em
cântaros (pranchas 99 e 100);
3. Antaristas cadavéricos enrolados em mantas (prancha 103);
4. Antaristas cadavéricos em duplas, tocando (pranchas 105 e 106);
5. Antaristas cadavéricos acompanhados de
companheiros não-
músicos em atitude sexual, apenas segurando seus instrumentos
(prancha 105).
O grupo 2 é o mais proeminente, seguido pelo grupo 5 (gráfico IV.XVI).
Os vasos de alça estribo são o tipo de suporte artefactual mais utilizado para
este tipo de representação (gráfico IV.XV), seguidos pelos cântaros.
224
IV. III.I.B. Quenistas Esqueléticos e/ ou Cadavéricos
São muito escassas representações de seres cadavéricos associados a
quenas. Os três exemplares na prancha 107 demonstram, no entanto, que esta
é uma associação possível. A primeira peça (M082), um cântaro com aplique
escultórico, mostra um quenista esquelético com a capa com motivo de
cruzinhas, já vista em nossos dados, e capuz. O vaso de alça estribo (M083)
representa um personagem de alto status, com toucado elaborado de diadema
semicircular, orelheiras circulares e peitoral, acompanhado por duas mulheres,
uma delas com rosto cadavérico, e a outra não. O personagem se encontra
com as pernas cruzadas e o órgão sexual à mostra. A peça M557 do Museu de
América de Madri mostra o indivíduo tocando sentado numa espécie de trono,
também com o órgão sexual à mostra.
Além das peças mostradas na prancha 107, uma peça com quenista
cadavérico em aplique de alça estribo foi encontrada no Arquivo Moche da
Dumbarton Oaks.
IV. III.I.C.Percussionistas Esqueléticos e/ ou Cadavéricos
Percussionistas cadavéricos estão presentes em nossa amostragem em
maior quantidade que quenistas, porém menor que antaristas (pranchas 108,
109 e 110). Todos tocam tinyas.
Na prancha 108 estão vestidos com capa e capuz, ao passo em que na
prancha seguinte estão nus com as costelas à mostra. A peça M165 mostra o
percussionista cadavérico com as lantejoulas penduradas em sua capa, à
maneira dos percussionistas acompanhantes na segunda fileira da prancha 65.
Na prancha 111 apresentam atributos de poder, como orelheiras circulares e
turbantes, à maneira dos antaristas enrolados em mantas ou acompanhados
por mulheres.
Além dos artefatos citados, mais sete peças com percussionistas
cadavéricos foram encontradas no Arquivo Moche da Dumbarton Oaks, todos
em vasos de alça estribo.
225
IV.III.II. Músicos Esqueléticos e/ou Cadavéricos Pictóricos
Músicos esqueléticos e cadavéricos também podem aparecer em forma
pictórica, especialmente em relevo, em redor dos bojos de vasilhas e cântaros.
Todos interagem em danças as quais denominamos Danças do Inframundo, a
serem analisadas detalhadamente nos próximos tópicos.
IV.III.II.A. As Danças do Inframundo
Músicos mortos e cadavéricos em forma pictórica participam em um tipo
de narrativa complexa que pode ocorrer em vasos de alça estribo, alça lateral e
cântaros, na qual atuam conjuntamente a outros personagens do inframundo.
Estas representações, no entanto, não eram pintadas em linha fina como
ocorre com as danças do kay pacha, analisadas no capítulo III. Elas foram
produzidas em relevo nos bojos dos vasos que, às vezes, levam apliques
escultóricos.
Segundo
Gölte
(2009:
155),
imagens
em
relevo
são
frequentemente associadas ao mundo dos mortos, pois “o barro das vasilhas é
parte da terra viva e, portanto, toma sua forma” (ibid.).
Estas narrativas foram amplamente produzidas a partir de moldes no
período Moche Médio. Sua produção em larga escala assegura atualmente
uma massiva presença destas vasilhas em coleções de arte e arqueologia PréColombiana, o que contribuiu para uma amostragem importante em nossa
pesquisa, com aproximadamente uma centena de peças analisadas. Em nossa
dissertação de Mestrado (La Chioma, 2012), havíamos analisado algumas
imagens de Danças do Inframundo e chegado a nove diferentes grupos. A
análise mais detalhada e com uma amostragem maior, durante a pesquisa de
doutorado, nos levou a reavaliar esta classificação, reordenando as peças em
cinco grandes grupos, com subgrupos que expressam algumas variações nos
detalhes. Há também aquelas vasilhas que não se encaixam em nenhum grupo
particular, como se verificará adiante.
Esta temática é sempre representada em redor dos bojos dos vasos,
mostrando diversos personagens em sequências variáveis. O tipo de músicos
representados e seu arranjo em grupos também mudam. Os grupos foram
ordenados de acordo com dois critérios principais:
226
- O arranjo dos músicos engendrados na narrativa. Por exemplo: vasos
com apenas dois antaristas conformam um grupo, enquanto outros com um trio
de antaristas e percussionista conformam outro, etc.
- A presença e a sequência de personagens não músicos que os
acompanham.
Analisaremos cada um destes temas a seguir.
IV.III.II.A.I. Tema 1. Duplas de antaristas
O primeiro grupo está caracterizado por vasilhas que contenham apenas
duplas de antaristas, sem percussionistas ou quaisquer outros instrumentistas
(pranchas 111, 112 e 113).
Este tema é maiormente representado em vasos de alça estribo (tabela
IV.IV) e contém três subgrupos com diferentes sequências.
Sequência 1:
Antarista 1 - Antarista 2 – Mulher – Carregador de Mandioca – Suplicante –
Guerreiros – Dançarinos – Guerreiro condutor.
É a mais comum (prancha 111), estando presente em nove dos dezoito
vasos analisados. A sequência conta com dois antaristas acompanhados de
uma mulher que parece puxar ou empurrar um dos músicos. Em seguida
aparece o personagem que carrega a planta de mandioca (Manihot esculanta),
o qual denominamos “carregador de mandioca”. A ele se segue um
personagem que olha para o alto com a mão estendida, ao parecer jogando
uma esfera ao ar, o qual chamaremos de “suplicante”. Entre os dois últimos
personagens há vasinhos do tipo “paica” na representação. Segue-se um
séquito de guerreiros dançarinos com as mãos dadas, e um último guerreiro
que caminha na direção contrária puxa este grupo pelas mãos. O chamaremos
de “guerreiro condutor”.
Sequência 2
227
Antarista 1 – Antarista 2 – Dançarinos.
Ocorre em seis peças da amostragem, sendo três cântaros, dois vasos
de alça estribo e um vaso de alça lateral. Duas delas podem ser vistas na
prancha 112 (M512 e M514). Nela, há apenas os antaristas, cujos instrumentos
estão unidos por uma corda, e dançarinos. Nenhum deles tem toucados ou
atributos de poder. Apenas em uma das peças (M504, ausente do catálogo)
encontramos uma mulher dentre os dançarinos.
Sequência 3
Antarista 1 – Antarista 2 – Personagem Pairante – Carregador de Mandioca –
Mulher – Antarista 3 – Antarista 4 – Mulher com Bebê – Guerreiros – Dançarinos –
Guerreiro Condutor.
Ocorre em apenas duas peças da amostra (prancha 112, M547). Tem
praticamente a mesma ordenação da Sequência 1, porém com duas duplas de
antaristas, duas mulheres e um personagem que paira detrás de um dos músicos.
Sequências incomuns
Encontramos na amostra quatro peças com duplas de antaristas em
meio a sequências pouco comuns, todas na prancha 113.
A primeira delas, M003, é uma peça incomum por apresentar uma
característica extremamente rara nas narrativas de Danças do Inframundo: é
um vaso com a pintura em linha fina e acabamento típico das deste tipo. Além
disso, é o único vaso do Tema 1 com um aplique escultórico (ver tabela IV.IV),
representando um percussionista com capa e capuz.
Na narrativa em linha fina aparecem quatro músicos. Além dos dois
antaristas centrais unidos por uma corda, há um músico grande na extrema
direita e um pequeno na extrema esquerda. Ambos tocam instrumentos não
identificados. Não podemos afirmar com segurança que sejam antaras, pois em
geral elas são reproduzidas na arte moche de forma bastante nítida. Não
vemos muita lógica no fato de o artista que produziu a peça ter representado
228
duas antaras à maneira tradicional nos músicos centrais, para depois
reproduzir os mesmos instrumentos em perfil para os músicos das
extremidades. Também não se parecem com quenas, já que os músicos as
tocam com apenas uma das mãos. Consideraremos estes dois instrumentos
como “não identificados”.
Aparecem os dançarinos guerreiros de mãos dadas e as mulheres,
como na Sequência 1. As paicas aparecem em maior tamanho, acompanhadas
de pequenas cuias para servir o liquido. Elementos incomuns, como estrelas,
aparecem sobre os músicos e as paicas.
Um traço importante a ser considerado nesta peça é que os
personagens não são esqueléticos, e usam capas com capuzes, atributos
presentes em geral nos personagens que fazem a conexão entre o kay pacha e
o hurin pacha. Estes indivíduos parecem estar em um plano intermediário, não
completamente mortos. Voltaremos a esta discussão no capítulo V, quando
detalharemos este âmbito e os personagens transitórios de Bourget.
A sequência desta peça é como segue:
Músico 1 – Mulher com cuia – Paicas – Antarista 1 – Antarista 2 –Dançarinos
Guerreiros – Mulher – Músico 2.
A segunda peça com uma sequência incomum é M460, na qual os dois
antaristas, separados por um pequeno personagem, apresentam apenas
toucados, mas estão rodeados por guerreiros paramentados com atributos de
poder de sacerdotes guerreiros, como peitorais, protetores coxais, orelheiras
circulares e toucados com diademas. Um destes guerreiros apresenta os
atributos de Senhor Solar, outro, toucado de Senhor Noturno. Todos, porém,
são seres esqueléticos atuando no inframundo. A sequência final é:
Antarista 1 – Mini Personagem – Antarista 2 – Dançarino Guerreiro 1 –
Dançarino Guerreiro 2 (Senhor Solar) – Dançarino Guerreiro 3 – Dançarino Guerreiro
4 (Senhor Noturno).
As peças M544 e M545, por sua vez, apresentam uma ordenação muito
parecida com a Sequência 1, porém sem o carregador de mandioca e o
229
personagem suplicante. Ambas as peças foram encontradas nas escavações
da Huaca de la Luna. As peças foram encontradas juntas na Tumba 4 da
Plataforma Uhle, junto a um indivíduo do sexo masculino, entre 35 e 45 anos
de idade, que os arqueólogos chamaram de Senhor dos Prisioneiros. (Projeto
Arqueológico Huaca de La Luna, 2000). Sua sequência final é:
Antarista 1 – Antarista 2 – Mulher com Bebê –
Dançarinos Guerreiros –
Guerreiro Condutor.
IV.III.II.A.II. Tema 2. Antaristas pairando sobre Guerreiros
O segundo grande tema das Danças do Inframundo é também o mais
expressivo, contando com trinta e sete peças (pranchas 114 a 119). Os
tocadores de antaras, neste tipo de representação, se encontram sempre
pairando sobre um guerreiro paramentado com atributos de poder. Cada
personagem da dupla o cerca de um lado, enquanto a narrativa que se
desenrola com outros personagens em redor das vasilhas pode mostrar
pequenas variações.
Sequência Única
Antarista 1 – Guerreiro – Antarista 2 – Dançarino Guerreiro – Mini
Percussionista (varia) – Dançarino Guerreiro – Carregador de Mandioca – Mulher –
Criança – Mulher com Bebê – Chicoteador – Dançarinos.
Ou
Antarista 1 – Guerreiro – Antarista 2 – Dançarino Guerreiro – Mini
Percussionista (varia) – Dançarino Guerreiro – Carregador de Mandioca – Mulher –
Criança – Mulher com Bebê – Carregador de Mandioca – Dançarinos.
A sequência desta categoria está presente em cântaros, vasos de alça
estribo e alça lateral, e abrange praticamente a totalidade da amostra. A
sequência mostra o Sacerdote Guerreiro paramentado flanqueado pelos dois
antaristas, ao qual se seguem dois dançarinos guerreiros que estão em
230
combate ritual (atipanakuy). Entre eles, há um mini percussionista sem
atributos. Em seguida aparece o Carregador de Mandioca acompanhado de
mulheres e crianças. Aparece também um personagem com uma espécie de
chicote, que em algumas peças pode ser substituído por outro carregador de
mandioca. Dançarinos fecham a sequência.
Podem haver variações quanto à presença e à posição dos mini
percussionistas. Em cinco peças o mini percussionista está posicionado sob
dançarinos em vez de estar sob os guerreiros em combate. Em uma peça a
sequência aparece dobrada, com quatro antaristas.
Os dois vasos de alça lateral da prancha 118 pertencem a este grupo e
apresentam a mesma sequência das outras, mas têm um detalhe pouco
comum que deve ser observado: um aplique escultórico entre o bojo e o
gargalo representando um personagem deitado jogando um círculo que
aparece em relevo na parte de cima do bojo, caindo na cena reproduzida
abaixo. Este signo será discutido ao final deste capítulo.
Os músicos nesta categoria não apresentam quaisquer atributos de
poder, nem vestimenta, nem toucados (ver tabelas IV.V. e IV.VI).
IV.III.II.A.III. Tema 3. Trios de Antaras e Percussão
Este tema é conformado por dezenove vasos, principalmente de alça
lateral, seguidos por alça estribo (ver tabela IV.IV). O núcleo da narrativa é um
trio de músicos, formado sempre por duas antaras e uma tinya.
Sequência 1
Antarista 1 – Mini Percussionista – Antarista 2 – Dançarinos – Mulher com
Bebê – Dançarino Guerreiro em combate 1 - Dançarino Guerreiro em combate 2 –
Personagem olhando para trás – Carregador de Mandioca
A primeira sequência aparece em três vasos de alça estribo e quatro de
alça lateral (ver prancha 120, M461 e M516 e prancha 121, M517, M518 e
M525). Dois antaristas são intercalados por um mini percussionista. Logo em
seguida aparecem os dançarinos, a mulher com o bebê e os combatentes em
231
atipanakuy. Um novo personagem aparece nesta categoria: um indivíduo que
está sempre com a cabeça virada para trás e segurando na mão uma espécie
de faca sacrificial. O carregador de mandioca finaliza a sequência, entretanto
com uma diferença em relação aos carregadores de mandioca das sequências
anteriores: ele toca uma trombeta reta terminada em boca de felino.
Sequência 2
Antarista 1 – Mini Percussionista – Antarista 2 – Dançarinos – Mulher com cuia –
Carregador de Mandioca (Repete).
Está presente em dois vasos de alça estribo, dentre ele M519 (prancha
120). Em vez de um bebê a mulher aparece carregando uma cuia, e não há o
personagem olhando para trás.
Sequência 3
Antarista 1 – Suplicante – Antarista 2 – Dançarinos – Mulher com Bebê – Antarista 3 –
Antarista 4 - Percussionista – Combatentes
Aparece em apenas um vaso de alça estribo (M540, prancha 120). Nele
há cinco músicos, já que ao trio clássico unem-se mais dois antaristas, não
acompanhados de percussão. Este vaso tem um aplique escultórico de
percussionista.
Sequência 4
Antarista 1 – Antarista 2 – Percussionista – Dançarinos
Aparece em cinco vasos de alça lateral (prancha 122). É uma ordenação
muito simples, com o trio de músicos e dançarinos sem atributos de poder, nus,
e com o órgão sexual à mostra. Nesta sequência o percussionista não se
232
encontra entre a dupla de antaristas, mas ao lado. Os antaristas apresentam
toucados de ave.
Em geral no tema 3 os antaristas e trompetistas apresentam atributos de
poder, enquanto os percussionistas não apresentam atributo algum. Os
antaristas usam toucados de cabeça de ave e de mamífero (ver tabela IV.VI).
IV.III.II.A.IV. Tema 4. Trompetistas Esqueléticos
Trompetista 1 – Trompetista 2 - Dançarinos
É um tema simples composto por três peças feitas, provavelmente, a
partir de um mesmo molde (prancha 123). Duas delas (M534 e M535) tem
informação de proveniência: Pur Pur, Vale do Virú.
São vasos de alça estribo de bojo comum e aplique escultórico, de fase
III, mostrando dois trombeteiros esqueléticos e nus, sem atributos de poder,
que se encontram no centro do bojo. Ambos apresentam o órgão sexual à
vista. O restante do bojo apresenta dançarinos sem atributos. O aplique
escultórico mostra um ser cadavérico com as mãos para trás e que não
apresenta órgão sexual masculino. É provável que se trate de uma mulher.
IV.III.II.A.V. Tema 5. A Entrada no Inframundo
A prancha 124 mostra duas reproduções retiradas de vasos de
cerâmica, cujos exemplares não pudemos encontrar. São narrativas complexas
as quais Hocquenghem (1987: 138) denominou Entrada no Inframundo.
Ambas as imagens são divididas em duas partes, uma superior e uma
inferior. O personagem central passa de um plano a outro ajudado por
personagens cadavéricos em seu redor. Na parte de cima se destacam casais
em ato sexual invertidos (cópula não vaginal) acompanhados de perto por um
esqueleto que carrega esferas, provavelmente o sêmen. Outros personagens
esqueléticos dançam enquanto um amendoim toca sua quena, sempre ao lado
de um morcego. Dois esqueletos em cima ajudam o personagem central a
descer. Na parte inferior vários esqueletos dançam ao som de dois antaristas.
233
Um deles cavalga uma lhama, enquanto outros indivíduos esqueléticos
aparecem fechados em câmaras. Dois esqueletos puxam o personagem
central, acompanhados por um cachorro, aí aparecem vasilhas idênticas às
utilizadas em enterramentos, como cântaros e vasos de alça estribo. Os
antaristas usam toucados de ave e mamífero (tabela IV.VI).
O desenho de Gölte (M009) mostra a vasilha original de onde foi retirada
a representação: um vaso de alça estribo fase III. Por não termos encontrado
uma grande quantidade deste tema, é possível que tenha sido um tema
anterior ao período Médio, que tenha sido deixado de ser produzido na fase IV,
dando origem aos temas 1, 2 e 3, amplamente representados. O tema será
discutido na conclusão deste capítulo.
IV.III.II.A.VI. Outros Temas
Encontramos algumas
peças únicas,
que fogem à
regra das
representações encontradas em grande número, não podendo ser encaixadas
em nenhum dos grupos estudados.
Três delas apresentam um item novo: tocadores de quena nas Danças
do Inframundo, algo que não encontramos em nenhuma das peças analisadas
anteriormente (ver tabela IV.III). Todas estas peças são cântaros (prancha
125), nos quais os quenistas não apresentam nenhum atributo de poder, atuam
em dupla e são acompanhados por dançarinos esqueléticos representados em
redor do bojo. Uma variação deste tema (M506) apresenta uma dupla de
antaras acompanhada por um quenista e os dançarinos.
Destacam-se ainda as peças M462 e M466 (prancha 126) por contarem
com mini antaristas e mini percussionistas.
M174 (prancha 126) apresenta um vaso fase IV de alça estribo com bojo
quadrado e um aplique escultórico complexo. Nele, pequenos seres
cadavéricos preparam um fardo funerário, observados por um personagem
esquelético grande. Na parte de baixo do bojo a representação em linha fina
mostra uma Dança do Inframundo apenas com percussionistas e guerreiros
portando clavas. Quatro esqueletos têm seus órgãos sexuais à mostra
(Bourget, 2006: 91). Observa-se a representação de vasilhas na parte de trás
do bojo.
234
IV.IV. Discussão do Capítulo IV
Este capítulo analisou toda a iconografia dos músicos sobrenaturais, isto
é, aqueles relacionados apenas às ontologias mochicas. Divindades, seres
cadavéricos, mortos com genitálias vivas, plantas e animais aparecem
associados a todos os instrumentos sonoros existentes na organologia mochica
e fazem parte de um mundo musical fantástico, no qual a produção sonora
revela seus aspectos mais simbólicos e metafóricos.
Embora aparentemente desconexos, todos esses elementos se interrelacionam:
mortos,
divindades,
plantas,
sementes
e
animais
estão
interconectados, distinguindo precisamente as relações entre vida e morte, dois
aspectos fundamentais que sustentam as cosmovisões mochicas e, por
consequência, legitimam e pautam as cerimônias oficiais celebradas no mundo
dos vivos, discutidas no Cap. III.
As divindades representam importantes linhagens das quais descendem
os homens de poder. Governantes, sacerdotes e sacerdotisas, oficiantes e
sacerdotes-guerreiros: todos os indivíduos de alto status da sociedade mochica
têm suas posições legitimadas por suas ascendências.
Muitas cenas com músicos cadavéricos escultóricos apresentam
conotação sexual, seja por meio da representação de genitálias nitidamente
como partes vivas desses esqueletos ou por meio da associação de parceiras,
na maioria das vezes vivas, que atuam conjuntamente a esses indivíduos
mortos em uma série de atividades de cunho erótico. Representações com
temáticas eróticas são comuns na arte mochica e foram discutidas por alguns
estudiosos (Larco, 1966; Bourget, 2006).
Os conceitos de vida e morte estão intimamente relacionados ao
erotismo expresso na arte mochica. Bourget (2006: 107-108) interpreta as
cores da cerâmica mochica sob uma perspectiva simbólica. Para o autor as
partes em vermelho da cerâmica representariam a vitalidade e a virilidade,
enquanto o branco, em contraposição, simbolizaria a morte. Ao discutir as
peças com seres mortos baseando-se nesta premissa (ibid.), o autor alega que
as genitálias em vermelho nos seres mortos simbolizam a regeneração da vida
235
e que, igualmente, as mulheres vivas que acompanham os seres cadavéricos
(prancha 105) estão sempre representadas em vermelho (ibid.) devido à
metáfora produzida pelas cores.
As a research hypothesis, I suggest that these contrasting colors—red and
white—represent respectively the fundamental concepts of life and death. As such,
they must have been systematically used in other media such as murals, to convey
what may appear to be the most basic principle of Moche iconography and religion.
This is probably why in scenes in which the woman is also depicted as a skeleton, her
body is white (…). Thus, the red capes worn by skeletal males would not only reinforce
the association with the feminine gender but also with the dualist concept of life (red
cape) and death (white corpse (…)). (Bourget, 2006: 108)
Esta lógica se encontra presente em uma cena singular do repertório
iconográfico da fase IV (M015, prancha 127). Apesar da sua raridade é um
tema muito significativo, mencionado previamente em nossa dissertação de
Mestrado (La Chioma, 2012: 160). Trata-se de um vaso de alça estribo com
bojo comum e aplique escultórico que não apresenta nenhum músico em
particular, mas sim uma antara pairando entre diversos personagens mortos. O
aplique escultórico mostra um ser cadavérico do inframundo em ato de
masturbação. Na parte de baixo, a representação pictórica em linha fina mostra
quatro personagens, dois deles masculinos nas extremidades da imagem,
próximos ao entroncamento da alça estribo com o bojo, associados a tronos.
Na parte central da imagem duas mulheres, cada uma associada a um destes
seres cadavéricos, parecem disputar a antara e o semema circular,
provavelmente sêmen, que pode ter sido originado tanto do órgão sexual do
personagem escultórico quanto do ser cadavérico pictórico que abraça a
mulher. Bourget (2006: 105) interpreta esta cena como um ritual funerário, pois
associa quatro elementos fundamentais deste tipo de atividade: as oferendas
funerárias (representadas pelo vaso de alça estribo na cena pictórica), a
música (representada pela antara), as mulheres e a atividade sexual (ibid.).
É importante atentar para as relações de fertilização expressas nesses
vasos e que muitas vezes estão associadas a instrumentos sonoros. As
esferas como signos do sêmen aparecem também em outras vasilhas vistas
neste capítulo. Na prancha 118 duas peças da subcategoria 2 da categoria de
236
Danças do Inframundo mostram o semema circular arremessado pelos
indivíduos deitados no topo do bojo, como já mencionado. Em M003 (prancha
113), por exemplo, as estrelas que aparecem sobre o par central de antaristas
e sobre a mulher que vigia as paicas poderiam também ter esta conotação,
mas não são elementos muito comuns na iconografia mochica, tornando
necessárias mais referências para tal interpretação. De qualquer forma, em
todas estas vasilhas parece haver uma disputa pelo sêmen circular que cai no
mundo dos mortos, especialmente porque as mulheres têm suas mãos
estendidas para cima, como num ato de tentar apanhar este elemento, em
praticamente todas as cenas. Relações metafóricas de fertilização também
podem envolver as tinyas, instrumentos simbolicamente femininos sempre
presentes nas Danças do Inframundo, tanto nas representações pictóricas
quanto nos apliques escultóricos dos vasos, tocados por seres cadavéricos ou
transitórios.
Os estudos iconográficos de Bourget (2006: 65-66) levaram-no a
observar que na arte mochica os temas eróticos estão associados tanto a
divindades quanto a seres do inframundo. Segundo o autor (ibid.), os
personagens envolvidos em diversos tipos de representações sexuais que não
envolvem cópula vaginal são mortos e degenerados, enquanto os personagens
envolvidos diretamente em cópulas vaginais são seres sobrenaturais e
divindades, como Ai Apaec (ibid.). Bourget lembra que, da mesma forma,
Hocquenghem (1987: 46 apud Bourget, 2006:70) divide as cenas eróticas
mochicas em dois grandes grupos: os atos sexuais que levam à procriação, e
os que não levam à procriação. Os primeiros são interpretados como rituais
celebrados na estação seca, e os segundos, como rituais característicos da
estação úmida (ibid.). A presença de relações sexuais invertidas nas
representações iconográficas é discutida por estes estudiosos sob a
perspectiva da inversão ritual, conceito muito debatido nos estudos das
ontologias andinas (Bourget, 2006: 70, Allen, 2015: 315-316):
Ritual inversion would represent the ritual actions or symbolic concepts that are
used simultaneously to unite and distinguish between two extreme but related
conditions such as life and death. In certain Andean cultures, the consumption of raw
meat during funerary rituals would constitute a ritual inversion of the consumption of
237
cooked meat during everyday conditions. Likewise, a number of Andean communities,
such as the Bolivian Laymi, consider that the underworld is inverted in comparison with
the world of the living. (Bourget, 2006: 210)
A Entrada no Inframundo (prancha 124) é um tema relevante para a
discussão sobre inversão ritual e a fertilidade no mundo Moche. Esta cena
complexa, decrita anteriormente, mostra dois rituais distintos ocorrendo em
dois planos da existência, ao passo que um indivíduo, provavelmente de alto
status social (em uma das cenas ele tem toucado e orelheiras circulares) faz
sua passagem para o inframundo. Bourget e Hocquenghem têm interpretações
diferentes sobre esta cena (Bourget, 2006: 179-182). O primeiro crê que a
passagem esteja se dando do inframundo para o mundo de cima, que ele
chama de “afterworld” dando à parte superior da cena um sentido de mundo
intermediário que não exatamente o mundo dos vivos, e a segunda interpreta
esta cena como uma passagem do mundo dos vivos para o mundo dos mortos.
Enquanto o aspecto esquelético dos seres em ambos os setores do desenho –
à exceção do casal em cópula invertida – nos leva a deduzir que nenhum
destes mundos representados refira-se ao “mundo dos vivos” ou ao Kay Pacha
necessariamente, a interpretação de Hocquenghem tem maior coerência
quando se levam em conta os aspectos simbólicos dos instrumentos musicais
envolvidos.
O personagem que carrega as esferas está associado diretamente ao
casal, provavelmente uma metáfora de fecundação, ainda que a cópula não
seja vaginal. O sêmen não parece pertencer ao personagem masculino do
casal, mas ao próprio esqueleto que os carrega, que também tem seu órgão
sexual ereto. Neste sentido, é presumível que na cosmovisão mochica os
indivíduos, após sua morte física, tenham que “nascer para o inframundo”, à
maneira do nascimento tradicional no Kay Pacha e que, para tanto, as relações
sexuais necessárias para este nascimento inverso também tenham que ser
inversas. Nas cosmovisões ameríndias a passagem entre estes planos é muito
mais fluida que nas concepções ocidentais. Portanto acreditamos que o
indivíduo esteja sendo puxado para o inframundo, uma passagem possibilitada
por diversos
componentes da
cena,
como a
cópula
invertida
que,
ontologicamente, necessita também da força contida no sêmen e tem a
238
capacidade de mobilizar os seres para uma nova vida no inframundo. Bourget
acredita que estes rituais de inversão tenham de fato ocorrido entre os
mochicas com o objetivo de conduzir seus mortos, principalmente os de alto
status, para o Uku Pacha:
(…) the scenes of anal copulation, which apparently took place at the same
time as the “passage” of the deceased, could have happened during the funerary or
mourning period by people closely related to the deceased, to mark the transition and
the necessary inversion from death to a particular form of life. Thus, the funerary ritual
would have taken care of the physical remains of this high-ranking person; rituals of
inversion would have attended to the metaphysical part or essence of this same
individual. (Bourget, 2006: 221)
Elementos que fazem referência a tumbas estão presentes, como
vasilhas e cântaros, além de um pequeno espaço fechado no inframundo onde
repousam dois esqueletos que pode ser uma referência direta à câmara
funerária do indivíduo. O músico de cima tem aspecto de amendoim e toca
uma quena. Em contraposição estão os músicos do abaixo, esqueletos tocando
antaras em pares. Allen (2015: 316) menciona algumas mitologias andinas
citadas em fontes etnográficas e coloniais, nas quais os mortos são
considerados fontes de vida, análogas a sementes:
While there is much variation, many accounts from early colonial sources to the
present describe the afterlife as a kind of parallel world to that of the living, “where
spirits, like seeds, could flourish back toward life” (…). In Sonqo some of my
respondents described this as God’s hacienda. In other contexts the dead are said to
enter underground lakes in the interior of a mighty mountain. According to Bastien
(1985), the Qollahuaya dead are carried in a subterranean river to a lake within Mt.
Kaata, from whence they are reborn. Similarly, in Sonqo the dead were said to “travel”
(puriy) in subterranean water that breaks through Sonqo’s hillsides in springs (pukyu)
and marshes (wayllar). Huaquiranos describe Mt. Qoropuna as giving rise to an
underground system of lakes and rivers, through which moisture expelled by the dead
returns to the living in the form of irrigation water (…). In either version, as water or
seeds, the dead become sources of life-giving water and new generations of people.
239
They belong to a generalized category within which the particularity of persons is lost
(…). (Allen, 2015: 316)
O mesmo conceito é discutido por Kaulicke 61 (2001: 25 apud La Chioma,
2012: 154) e Platt (2002, apud Soares, 2015: 165), em um e seus trabalhos
etnográficos na região de Potosí, Bolívia, enfocado no tema da gravidez e da
concepção. O nascimento dos bebês estaria, segundo as conclusões do autor,
conectado ao inframundo, ao hurin, já que deste plano viria a energia
necessária para o nascimento. Esta força, ao entrar no ventre da mulher,
movimentaria as substâncias femininas (sangue) e masculinas (sêmen) para
formar um novo ser humano vivo (ibid.). O nascimento é um momento de
transição no qual os bebês, concebidos no mundo noturno e do abaixo, deixam
esse âmbito para passar para o mundo do Kay Pacha (Soares, 2015: 165-166).
Todo este conteúdo simbólico pode explicar porque tantos mortos aparecem na
iconografia mochica com genitálias plenamente vivas e férteis, já que é do
mundo dos mortos e dos ancestrais que surge a força telúrica responsável pela
geração.
No que tange ao nosso tema, a música, podemos afirmar que seus
papéis estão plenamente associados à simbologia dos instrumentos sonoros
tocados por eles. Como vimos no Capítulo III, antaras estão associadas à
estação seca e aos mortos. Músicos cadavéricos escultóricos estão associados
predominantemente a antaras (Gráfico IV.XVII). Muito provavelmente estes são
instrumentos responsáveis por uma “procriação reversa”. A agentividade deste
instrumento reside em seu próprio poder de conduzir os mortos ao inframundo,
garantindo a existência da vida nos planos abaixo do Kay Pacha. A iconografia
mostra claramente que é com este instrumento, acompanhado de tinyas, que
os mortos são recebidos no inframundo. Já as quenas, ligadas à estação úmida
e à procriação, têm a agentividade oposta às antaras: dão força e virilidade aos
seres do Kay Pacha. O fato de seus tocadores serem em grande medida
61
Análogo al ciclo biológico de la planta que se inicia como brote tierno y jugoso y termina en
semilla seca y dura para luego rebrotar (...) el lugar del enterramiento y un término para el
cuerpo disecado usado en la Sierra Central durante el siglo XVII, mallqui, semanticamente
relaciona muerte y enterramiento con siembra y rebrote (...) o muerte y regeneración. El poder
germinativo o generativo se debe a lo que se conoce por camaquen (...) o illa (...). Como la
noche significa la muerte del Sol y su regeneración en el dia siguiente, los ancestros deben
pasar por um destino análogo (Kaulicke, 2001: 25).
240
plantas que crescem para baixo, como amendoins e batatas, além de
guerreiros, demonstra que este instrumento, assim como as plantas, promove o
nascimento das coisas, pessoas e forças do mundo de baixo (hurin) para o
mundo dos vivos. A antara, pelo contrário, promoveria o nascimento das
coisas, pessoas e forças do mundo dos vivos para o inframundo. Ambos os
instrumentos de sopro têm em comum o fato de estarem relacionados aos
fenômenos que ocorrem na fronteira entre o inframundo e o mundo dos vivos.
Segundo as interpretações de Hocquenghem (1987: 98-99) as danças dos
mortos e os eventos terrenos em honra aos mortos se davam na época úmida,
em novembro.
Quanto aos músicos, observamos que as qualidades simbólicas dos
instrumentos estão plenamente associadas a seus tocadores. As qualidades
simbólicas da antara, como morte, regeneração e passagem entre mundos
estão plenamente associadas a seus tocadores: seres mortos, degenerados e,
no caso dos indivíduos de poder, os Sacerdotes Guerreiros ligados à coruja e
ao mundo noturno, portanto ao sacrifício e à morte. As qualidades simbólicas
da quena, como virilidade, força e fertilidade, estão igualmente associadas às
qualidades de seus músicos, plantas, guerreiros e acompanhantes presentes
nas grandes cerimônias coletivas.
Na cena da Entrada no Inframundo observamos que os músicos que
tocam a quena, na parte superior da cena, são amendoins, e os que tocam as
antaras no Inframundo, são esqueletos. Amendoins, segundo Bernier,
apresentam conexões claras com o tema da morte e do inframundo:
In Moche ceramic art, peanuts appear as anthropomorphic musicians playing
the flute or panpipes, as skeletal figures, or as sleeping persons (Bourget 1994: 105).
In their natural form, peanuts are presented in stacked gourd plates filled with food
(Donnan 1978: 178). In Moche art, such gourd plates are associated with ceremonial
feasts and funerary rituals (Arsenault 1992: 51). This thematic connection between
peanuts and death-related subjects is shared with other plants and animals such as
tubers and spiders, for example. Bourget (1994: 95) proposes that in the Moche
system of beliefs, the symbolic role of some plants and animals stemmed from their
behavior and properties in the natural environment. Like tubers and spiders, peanuts
live under the ground, where the deceased are buried and where the world of the dead
lies. (Bernier, 2010: 105)
241
É possível verificar, pela discussão de todos estes dados, que temáticas
eróticas e funerárias estão intimamente conectadas na iconografia mochica
(Bourget, 2006: 178). Os amendoins, portanto, simbolizam a fertilidade e a
concepção não apenas no mundo dos vivos ou Kay Pacha, mas também no
inframundo. Antaras são indiscutivelmente os instrumentos sonoros mais
presentes nesses tipos de representação (Gráfico IV.XVII e Tabela IV.III), mas
quenas também aparecem em alguns momentos e provavelmente fazem
menção à geração ou concepção de uma nova vida entre os dois planos.
As Danças do Inframundo referem-se a este momento de passagem de
almas e de ancestrais entre dois importantes planos da existência,
congregando diversos personagens que têm diferentes papéis e agências
nesta narrativa. Por exemplo, os indivíduos responsáveis por carregar plantas,
como a mandioca e o milho, além da chicha, geralmente carregada por
mulheres, são citados com estas mesmas atribuições em fontes etnohistóricas.
Segundo Benson (2012: 92), até hoje mulheres carregam chicha e espigas de
milho em danças comunais dos ayllus tradicionais, geralmente dançadas em
círculos (ibid e Urton, 1993: 126-129 apud Benson, 2012: 92). A planta de
mandioca, como bem observou Bourget (2006: 85), é mais um dos tipos de
plantas que crescem para baixo e está associada a cenas eróticas na
iconografia mochica, muito provavelmente conservando um sentido de
fertilidade e reprodução (fig. IV.8).
242
Fig. IV.8. Planta de mandioca associada a cena erótica. Bourget, 2006: 85
Para Bourget (2006: 147-148), amendoins, assim como tubérculos e
toda ordem de plantas que crescem para dentro da terra, têm conexões com o
conceito de fertilidade invertida. 62 Além dos tubérculos, esta força reprodutiva e
fértil também é observada nos mortos. Soares relata que Cavalcanti-Schiel, em
62
The Moche did not randomly choose chili peppers and peanuts because these two plants are
symbolically important. As noted above, the chili is frequently depicted on the bodies of toads,
while the peanut is often transformed into a human or skeletal being playing a musical
instrument (panpipes, flute) or with the head simply resting on a potato (figure 2.114). In a
previous contribution, I suggested that peanuts formed part of a cluster of plants and food
products directly associated with symbolic aspects of death and fertility (Bourget 1990). This
group, mostly comprised of potatoes, camote, yucca, and peanuts, provides complex
metaphors, since these crops grow underground and may have been perceived as possessing
some uncanny associations with death and ideas regarding the inside of the earth and the
underworld. This connection with the inside of the earth is not unique to these plants, as some
of the most important animals of this system of representation, such as bats, foxes, burrowing
owls, snakes, toads, and, of course, rodents, also dwell inside the ground or in anfractuosities
during most of the day. The connection between tubers and some form of inverted fertility is
further emphasized by a representation of a woman masturbating a skeletal man, in which the
cape covering the couple takes the form of a tuber (figure 2.115). A yucca plant is represented
just alongside a couple in an anal copulation scene (figure 2.20). Tubers and sexual subjects
have a pervasive association, so I will need to return to this subject later. (Bourget, 2006: 147148)
243
um de seus trabalhos etnográficos de campo na região de Potosí, observou em
um enterro que os seus informantes comparavam os ossos do morto a batatas,
dado que o lugar de ambos seria embaixo da terra (Cavalcanti Schiel 2013:
apud Soares, 2015: 255). A relação de fertilidade invertida tem uma profunda
conexão com a morte e, por essa razão, os músicos mortos mochica
apresentam genitálias vivas. A relação entre tubérculos e ossos também é
verificada em Rostworowski (2000: 41) quando a autora conta o mito narrado
por Calancha sobre a luta entre Pachacamac e Vichama. Segundo a lenda
Pachacamac havia criado um casal de seres humanos, mas não lhes
proporcionou alimentos (ibid.), razão pela qual o homem morreu. A mulher
então foi fecundada pelo Sol e deu à luz um menino, o qual Pachacamac
despedaçou motivado pela raiva da intervenção de seu pai. Pachacamac
semeou as partes do menino. De seus dentes nasceu o milho, de seus ossos a
mandioca e de seu corpo as frutas da terra. Devido a este sacrifício é que teria
se iniciado a abundância e a fertilidade (ibid.). As plantas nascem dos ossos e
do sacrifício, e por esta razão a fertilidade e a morte fazem parte do mesmo
ciclo e se encontram conceitualmente, embora no ocidente estas concepções
sejam totalmente separadas.
As genitálias vivas e à mostra dos músicos e dançarinos nas Danças do
Inframundo reforçam a relação entre morte e fertilidade. Rostworowski (2000:
80), retomando novamente as tradições de Huarochirí (Ávila, 1598), menciona
uma festa na qual todos dançavam nus, e que isso contribuiria para a
fertilidade:
Cinco días duraban las celebraciones em honor de la diosa y bailaban el
Huancaycocha, trayendo para ello a llamas y pumas; también danzaban el Ayño y el
Casayaco, este último era el preferido de Chaupiñamca porque lo ejecutaban
desnudos, con sólo puestos sus adornos. La gente decía que Chaupiñamca se
alegraba de ver el sexo de los bailarines y cuando se efectuaba esta danza
aumentaba la fertilidad del mundo. (Ávila apud Rostworowski, 2000: 80)
Vimos anteriormente que a peça M143 (prancha 105) foi encontrada em
um contexto funerário, uma tumba contendo cinco indivíduos. A presença na
tumba de peças deste tipo, de cunho erótico, com um tocador de antara
244
acompanhado de uma mulher, pode fazer referência à importância do
instrumento sonoro no momento de passagem para o inframundo, não apenas
no sentido de cruzar uma fronteira, mas de nascer novamente, de ser
concebido para o inframundo. Por isso, a força reprodutiva e erótica referente à
cópula é aludida na iconografia que acompanha estes mortos, bem como a
antara como instrumento emblemático do inframundo. Segundo Olsen (2002:
99), a intensa associação de antaras a personagens mortos na iconografia
mochica demonstra que este instrumento esta ligado à jornada para “a outra
vida”, sendo verdadeiro símbolo da ponte entre vida e morte (ibid.).
As diferenças entre os diferentes temas de Danças do Inframundo são
bastante amplas e significativas. Dão-se em relação aos tipos de personagens
encontrados, aos tipos de instrumentos sonoros tocados, à presença ou
ausência de atributos de poder nos músicos e até mesmo em relação aos vales
em que foram produzidas as peças.
Quanto aos instrumentos sonoros, apenas os Temas 2 e 3 apresentam
percussionistas
(gráfico
IV.XX),
sendo
que
os
outros
apresentam
exclusivamente antaristas, e o tema 4, trombeteiros. A tabela IV.III e o gráfico
IV.XXVI mostram que as antaras são os instrumentos mais representados nas
Danças do Inframundo, seguidos das tinyas. Quenas e trombetas aparecem
muito raramente.
Os músicos podem ou não apresentar atributos de poder. A tabela IV.V
mostra a distribuição de atributos dos músicos tendo como referência o grupo
ou tema no qual atuam. Enquanto nos Temas 1 e 3 os músicos apresentam
quantidades significativas de atributos de poder, nos Temas 2, 4 e 5 eles
aparecem geralmente nus e sem toucados. A tabela IV.IV mostra que nos
Temas 1 e 3, nos quais predominam músicos com atributos de poder, a grande
maioria dos toucados são de aves marinhas, seguidos por outros tipos de
toucados menos frequentes (ver gráfico IV.XXV). Finalmente, o gráfico IV.XXVI
mostra que nas Danças do Inframundo músicos sem atributos de poder ou
vestimentas superam em grande quantidade os que apresentam estes
elementos.
Os atributos de poder em algumas cenas podem aludir a uma
importância social dos músicos ou sua pertença a grupos de poder. Entretanto,
as Danças do Inframundo em geral não mostram um protagonista específico
245
que se destaque de todos os outros personagens, com exceção do Tema 2,
cujo personagem principal é nitidamente o Sacerdote Guerreiro ladeado pelos
antaristas. Desta forma, os músicos dividem o espaço das cenas com
mulheres, crianças, dançarinos e outros personagens que compõem estas
narrativas, não demonstrando qualquer destaque em relação a estes. É certo
que, dentro da cosmovisão mochica, a produção sonora era parte fundamental
do momento de entrada no inframundo e, aparentemente, os músicos poderiam
ou não ser membros das elites do mundo dos vivos.
Enquanto o Tema 1 é mais representado em vasos de alça estribo, o
Tema 2 é proeminente em vasos de alça lateral, e o Tema 3 se divide entre
estes dois tipos de suporte de maneira mais ou menos uniforme (tabela IV.IV).
O “personagem olhando para trás” segurando um tumi só aparece no
Tema 3, quando há trios de antara e percussão. Já o chicoteador aparece
apenas no Tema 2, algumas vezes substituindo o Carregador de Mandioca.
Estas observações são feitas aqui com o propósito de esclarecer que estas
variações nas cenas dependem do subtema. Estudos mais aprofundados
teriam que ser empreendidos com o objetivo de entender melhor estas cenas e
as variações em temas, personagens e na morfologia dos vasos.
Finalmente, desde a nossa pesquisa de Mestrado (La Chioma, 2012:
159-160) notamos que havia uma relação entre os temas das Danças do
Inframundo e vales específicos. É certo que não temos a informação de
proveniência da maioria de nossas peças, mas as informações de proveniência
do Museu Larco são suficientemente confiáveis, já que os vasos são
procedentes de escavações ou prospecções de Rafael Larco e foram
registrados. Muitas das peças com Danças do Inframundo do Museu Larco têm
informação de proveniência e, com base nestas peças, realizamos uma análise
da relação entre os temas encontrados e os vales identificados nas fichas
oficiais do museu. Desta vez analisamos uma maior quantidade de peças que
no mestrado, e também tivemos acesso a mais dados de proveniência. O
Gráfico IV.XXVII mostra esta relação. O Tema 1, com pares de antaristas,
aparece em praticamente todos os vales da área Moche Sul exceto o de
Chicama. O Tema 2, com os antaristas pairando sobre o Sacerdote Guerreiro
aparece exclusivamente no Vale de Chicama. O Tema 3, com os trios de
antara e percussão aparecem em praticamente todos os vales da esfera Moche
246
Sul exceto o de Moche. O Tema 4, com os trompetistas, aparece somente em
Virú, mas como encontramos apenas duas peças deste tema, não é possível
afirmar nada em relação à exclusividade de produção desta temática neste
vale. De maneira geral, os Temas 1 e 3 estão contemplados de forma
equilibrada em toda a área Moche Sul, mas é curioso que o Tema 2,
justamente o mais numeroso de nossa amostragem, tenha proveniência
exclusivamente do Vale de Chicama. É importante pensar na distribuição dos
temas não apenas desta narrativa, mas de toda a iconografia mochica, em
relação aos vales, já que, aparentemente, a iconografia parece seguir padrões
normatizados, muito provavelmente definidos pelas elites dominantes em suas
áreas de dominação, o que corresponde, no mundo Moche, aos vales.
O que cremos importante compreender da análise dos dados deste
capítulo é que os papéis dos músicos sobrenaturais estão diretamente
associados à simbologia dos instrumentos sonoros. Não que entre os músicos
oficiais a simbologia dos instrumentos não seja importante, já que certamente a
agência específica de cada um deles nos eventos coletivos não deve ser
ignorada. Entretanto, os músicos sobrenaturais não existem fisicamente. Atuam
apenas no imaginário e nas mitologias mochicas. Por esta razão, compreender
em que ocasiões míticas atuam e quais são as características destes músicos
sobrenaturais (mortos, com aspecto de batata, raposa ou ave) nos leva a
elucidar muito do papel do som e dos instrumentos sonoros na cosmovisão
mochica. A relação das antaras com a morte e das quenas com a fertilidade,
por exemplo, fica muito mais clara quando analisamos estes dados.
247
Capítulo V
O Som que Conecta os Espaços: Os Músicos Mediadores
D.O
Can
you
tell
me
something about the power of the owl
that you have drawn on your rattle?
E.C Yes, the owl (I also have
an eagle), the owl is a symbol of
wisdom and the dominion of the night.
These include the lechuzón (large
owl), the lechuza (medium owl), and
the lechucita (little owl), or paupaca.
They all have their myths. When the
lechucita sings, it is for a particular
reason.
(Eduardo
Calderón
apud
Olsen, 2002: 160)
Os dois capítulos anteriores apresentaram músicos atuando em mundos
opostos: o mundo dos vivos, ou Kay Pacha, marcado pelas relações de poder e
pela vida social, pelos eventos públicos e a atuação político-religiosa de
indivíduos de alto status, e o mundo sobrenatural, tanto do acima (Hanan
Pacha) quando do abaixo (Hurin Pacha) onde estão o camac ou as energias
vitais de plantas, animais, divindades e ancestrais, onde vivem os seres
extraordinários que são responsáveis pelas relações de equilíbrio de forças e
pela própria sustentação do mundo dos vivos. Entretanto, como vimos na
narrativa da Entrada no Inframundo, existem espaços de transitoriedade e
comunicação entre o Kay Pacha e os outros planos que só podem ser
acessados por indivíduos especiais. Eles aparecem no corpus artístico mochica
não como sacerdotes ou guerreiros de alto status, tampouco como parte dos
grupos de músicos sobrenaturais. São em geral indivíduos humanos, atuantes
no Kay Pacha, com traços bem particulares. Podem apresentar degenerações
248
corporais, como escarificações ou amputações, cegueira ou estar em estado
de transe. Suas vestes em geral são conformadas por túnicas, capas e
turbantes. Algumas vezes podem exibir toucados elaborados, e quase sempre
apresentam orelheiras circulares e colares.
Levando em conta toda a discussão levantada nesta tese, de que a
produção dos vasos cerâmicos mochica era extremamente normatizada, com
temas escolhidos no âmbito do exercício de poder político-religioso das elites
com a finalidade de legitimar, manter e propagar este poder, fundamentado por
sua vez na cosmovisão, se observa uma tensão entre a iconografia dos
personagens oficiais e do mundo sobrenatural por um lado, e dos personagens
que serão discutidos neste capítulo por outro. A iconografia dos capítulos
anteriores parece servir ao propósito de legitimar o poder dessas elites.
Enquanto a iconografia do poder expõe e legitima os principais chefes e suas
posições na sociedade, a iconografia do sobrenatural sustenta todas as
ontologias que, por sua vez, dão base a este poder, calcando-se na força dos
antepassados, das divindades e no potencial transformativo do mundo natural
que organiza os ciclos calendáricos e os próprios eventos oficiados pelos
indivíduos de poder. Aparentemente, os indivíduos apresentados neste capítulo
não estariam conectados aos grupos dominantes, nem pelos atributos que
apresentam e menos ainda pela forma como atuam. Também não estão
ligados ao sobrenatural. Não são ancestrais, divindades ou mortos. São
indivíduos viventes no Kay Pacha com atributos simples, mas massivamente
representados na cerâmica ritual. Quantitativamente, conformam a maior
categoria de nossa pesquisa, com 39% das peças analisadas.
V.I. Músicos Degenerados e Transitórios
Bourget (2006: 233) aponta em seu trabalho para a importância dos
espaços liminais, ou de transição, no mundo mochica, questionando como
estes espaços de transição são representados na iconografia. A ênfase a
esses espaços na iconografia dos espaços rituais ameríndios é também
lembrada por outros autores (p. ex. Gillespie 1991: 332; Arcuri 2003, 2011).
Para Bourget, a iconografia é muito clara em mostrar os estágios de
transformação e os momentos de passagem (como, por exemplo, a “Entrada
249
no Inframundo”). Para trabalhar com este conceito de transitoriedade na
iconografia mochica, o autor criou o conceito de “personagens transitórios”
(ibid:58):
As a research hypothesis, it can be suggested that in Moche iconography, a
transitory stage exists between life and death, which seems to have been expressed by
a number of symbolic devices and dualist subjects – or transitional beings – such as
the living-dead, the monkey-man, and the one eyed person. (Bourget, 2006: 58)
O conceito de “personagens transitórios” busca reduzir a rigidez com
que a iconografia mochica tem sido tratada em muitos momentos do debate
acadêmico, focando a fluidez própria das relações espaço-temporais da
cosmovisão registradas na cerâmica ritual. Os personagens mutilados, por
exemplo,
não
expressam
apenas
indivíduos
doentes
ou
fisicamente
degenerados, mas um estágio de transição no qual estes indivíduos se
encontram entre dois planos, o Kay Pacha e o Hurin, e uma capacidade de
agenciar as relações entre eles:
Conceptually, these types of individual would occupy a transitory position
between life and death. The facial attributes of the mutilatedperson would transform
him into a sort of living-dead (…), whereas captured warriors and eventual sacrificial
victims enter this liminal position by being designated for sacrifice. (Bourget, 2006: 8688)
Benson supõe que personagens degenerados desempenhavam papéis
sacerdotais, sendo escolhidos para esta função exatamente em razão de
deformidades físicas e da maior possibilidade de aproximação ao inframundo
estando assim capacitados a cumprirem esta intermediação:
All of these figures depicted on the modeled pots have somephysical disability:
blindness, lameness, old age, or traces of disease, such as leishmaniasis or verruga
(…)… It seems evident that the priests were chosen for their office – which I presume
had to do with death – because they had a physical deformity. They were associated
with the dead by a sympathetic magic. Faces which have been affected by
leishmaniasis or verruga look like mummified faces: blind faces have the blank look of
the dead. (Benson, 1975 apud Olsen, 2002: 78).
250
Os personagens degenerados são reconhecidos por deformidades
físicas resultantes ou deficiências de doenças, e fazem a transição entre o
mundo dos vivos e o inframundo. Entretanto, alguns personagens podem
compartilhar traços de animais também, estendendo essa capacidade de
transição para mais planos e mundos. Conceitualmente, vítimas de sacrifícios
humanos também estariam na posição de transitórios entre a vida e a morte,
após capturados (Bourget, 2006: 85).
Outro conceito interessante trazido por Allen (2015: 315) ao debate dos
seres degenerados nas cosmologias andinas é o de que indivíduos
transgressores dos preceitos de reciprocidade fiquem aprisionados aos seus
corpos em decomposição, nunca conseguindo cumprir completamente sua
passagem para o inframundo:
After death, qayqa becomes perceptible in the putrid atmosphere surrounding the
corpse. Decomposition, which already has long been underway, manifests itself as the
body rots and the flesh separates from the bones. It is of the utmost importance to
survivors, as well as the deceased, that this process be properly completed. Persons
who in life violated their reciprocity relationships (the worst such offense being incest)
never complete this separation of flesh and bone. Imprisoned in rotting bodies,
surrounded by qayqa and howling in pain, these kukuchis (or condenados) roam
boulder fields and glaciers, filled with cannibalistic longings to eat human flesh. (Allen,
2015: 315)
Veremos nesta parte alguns exemplos desses personagens transitórios
e degenerados associados a instrumentos sonoros.
V.I.I. Antaristas Degenerados e Transitórios
A prancha 129 mostra um cântaro e três vasos escultóricos de alça
estribo com tocadores de antaras. A peça M004 mostra um personagem
semicadavérico, com a mandíbula escalonada bem marcada. Já os
personagens das peças M021, M022 e M057 apresentam características
físicas de degenerados. Os rostos apresentam deformidades, muitas vezes
251
interpretadas como sinais de leishmaniose (Benson apud Olsen, 2002: 78).
Apresentam turbantes, camisas e calções como vestimenta. Também carregam
uma manta ou aguayo amarrada ao corpo.
Estas foram as únicas quatro peças encontradas na amostra com este
tipo de representação escultórica. Todos os vasos são do Período Médio.
É interessante notar que todos tocam antaras, instrumento relacionado à
passagem entre os planos de baixo e o terreno, entre o inframundo e o Kay
Pacha.
V.I.II. Percussionistas Cegos
Uma categoria bastante ampla na amostragem, com trinta e três peças,
é a de percussionistas cegos. Em geral estes personagens aparecem tocando
tinyas vestidos com túnicas, turbantes, capas e capuzes. São sempre
representados em forma escultórica, seja em alça estribo, em cântaros e até
mesmo em alça lateral (um exemplar).
V.I.II.A. Em Alça Estribo
As pranchas 130, 131 e 132 mostram diversos destes personagens
representados no próprio bojo dos vasos de alça estribo. São peças feitas em
moldes e, muitas vezes, os personagens não são apenas cegos, mas
apresentam deformações no rosto, como os antaristas vistos acima.
V.I.II.B. Em Aplique de Alça Estribo
Este subgrupo apresenta os mesmos percussionistas representados em
aplique de alça estribo. Os vasos, neste caso, apresentam bojo comum, que
podem não apresentar qualquer tipo de representação (prancha 133), como
também podem trazer representações de Danças do Inframundo (prancha
134).
V.I.II.C. Em Cântaros
Poucos cântaros foram encontrados com percussionistas cegos, todos
na prancha 135. Um deles (M179) se diferencia por seus atributos de poder:
toucado com cabeça de felino, peitoral e orelheiras circulares.
252
Os gráficos V.I e V.II mostram a distribuição de percussionistas cegos
por suporte artefactual. Destacam-se os vasos de alça estribo, com ênfase no
tipo de representação escultórica em aplique. Cântaros e vasos de alça lateral
são praticamente insignificantes na amostra apontando para uma produção em
massa deste tema em vasos de alça estribo.
Já o gráfico V.III, produzido somente a partir das peças com referência
de proveniência de escavação, demonstra uma maior recorrência deste tipo de
representação no vale de Santa, ao sul da região Moche Sul.
V.II. Xamãs e Curandeiros
Uma das categorias mais expressivas de toda a nossa amostra é a de
Xamãs e Curandeiros. São 161 peças no total, perfazendo 25% de todo o
material encontrado. São todas peças escultóricas feitas em molde,
principalmente cântaros, além de uma quantidade expressiva de vasos de alça
estribo (ver gráfico V.XIV). Estes personagens estão associados a diversos
tipos de idiofones, demonstrando também uma grande diversidade de atributos
físicos e vestimentas.
Uma de suas principais características é a relação com idiofones. Como
aponta Soares (2015: 124-5) podem estar associados a plantas sagradas ou
alucinógenas, como a coca (aparecem na iconografia com uma saliência na
lateral da face que faz referência ao fato de estarem mascando) ou segurando
cactos San Pedro (Trichocereus pachanoi). Seus colares são feitos de
sementes, em geral nectandras, chamadas também de ishpingo (Soares, 2015:
140).
Nos estudos iconográficos recentes (Franco, 2012; Soares, 2015) estes
personagens têm sido interpretados como xamãs e curandeiros. As amplas
discussões teóricas da Antropologia sobre o xamanismo e o curandeirismo na
América do Sul têm sido adotadas por estes pesquisadores em suas análises
do material mochica, como no caso de Soares (2015), e oferecido uma sólida
base para a discussão sobre papéis sociais similares na era Moche. Em nosso
trabalho não pretendemos elaborar uma discussão aprofundada sobre o
253
xamanismo, mas analisar estas peças à luz das discussões que fundamentam
esta tese, sobre a atuação sonora destes indivíduos e sua posição dentro da
sociedade mochica.
Soares (2015: 67-69) argumenta, com base nos estudos de Polia, que
na cosmovisão andina somente curandeiros têm a habilidade de entrar em
contato direto com um conjunto específico de forças do cosmos que viriam a
ser potencialmente perigosas para indivíduos comuns. Isso por estarem
imbuídos abundantemente com camac, a força vital andina (ibid.). Xamãs
formariam, por esta razão, uma espécie de ponte entre diferentes âmbitos e
planos da existência:
Neste sentido, todo tipo de mediação xamânica entre um mundo humano e
outro não humano, seja ela através da palavra, do gesto, ou da música, faz com que
os xamãs se apresentem com uma natureza híbrida, pois estão localizados na
fronteira entre humanos e não humanos. (Soares, 2015: 80)
Nas ontologias ameríndias xamãs têm o poder de mediar relações com
outros planos, se comunicar com os mortos e os animais e efetuar curas.
(Soares, 2015: 124).
A atuação dos xamãs no mundo andino em geral, e mochica em
particular, é um quesito conflitante com a atuação dos membros do “Estado”,
as elites centralizadoras que mantêm o poder por meio de seus representantes,
sacerdotes e governantes de poder político-religioso. Como vimos no Capítulo
III, os rituais públicos oficiais de grande envergadura, esteio do poder das elites
mochicas, eram oficiados por indivíduos de altíssimo status, com diversas
atribuições (política, administrativa, religiosa, militar). Ainda assim, xamãs com
seus poucos atributos de poder e praticamente nenhuma representação em
linha fina, aparecem abundantemente em forma escultórica na cerâmica ritual
mochica. É importante questionar em que medida o poder destes xamãs,
representantes de outras esferas da sociedade, como pequenos povoados,
ayllus e linhagens, coexiste com o poder chamado de “oficial”, como aponta
Polia:
254
La promoción de ciertas deidades relacionadas con la aristocracia dominante
responde a la necesidad de respaldar con el mito el poder político, como ocurre
especialmente en el caso de los Incas, creando al mismo tiempo un culto común,
controlado por ministros estatales, por encima de las varias expresiones religiosas
particulares de los clanes, tribus, etnias “naciones” que integraban la multiforme
realidad cultural del Tahuantinsuyu incaico. (Polia, 1994: 284)
Os xamãs representariam estas expressões religiosas locais “ministros
de culto que, mesmo atuando nos períodos de centralização do poder, estavam
sob o domínio dos governantes ditos “oficiais”: estos, a veces tolerados, a
veces rechazados y perseguidos, eran en todo caso controlados por el poder
central incaico (Hualpa apud Polia, 1994: 288).
A representação iconográfica dos xamãs mochica em geral se dava em
vasilhas de cerâmica escultórica. Não achamos representações de xamãs em
cerâmica pictórica, seja em representações de linha fina ou relevo. Há uma
controvérsia na identificação de certos personagens da iconografia mochica
como xamãs. Makowski faz um balanço crítico das funções de xamã e
sacerdote na sociedade mochica, discutindo que papéis sociais de fato as
imagens vistas na cerâmica representam:
La figura del Sacerdote mochica conservaría ciertos rasgos típicos de la
personalidad del “shamán”, lo que justificaría el uso del término “shamán-sacerdote”?
El sacerdote y el shamán tendrían que ser, por el contrario, considerados como dos
instituciones diferentes y coexistentes? Las similitudes con el shamanismo se reducen
a una de las modalidades permitidas de acceso al sacerdocio, las técnicas extáticas,
incluyendo el uso de los alucinógenos y la magia, siendo plenamente incorporados em
el complejo culto oficial? En este último caso, la comparación con el complejo
shamánico resultaría en algún grado superficial, concerniente a las formas
“anacrónicas” y no a los contenidos de las instituciones religiosas. (Makowski, 1994:
53)
De fato, como vimos no Capítulo III, indivíduos com alto status e grau de
sacerdotes também estão associados a elementos alucinógenos (coca e
ulluchu) e, pelo fato de se valerem do transe para cumprirem uma conexão
255
com o plano superior, poderiam ser considerados também como xamãs. Esta é
uma discussão que não pretendemos aprofundar aqui. Consideraremos xamãs
os personagens de túnica longa e associados a idiofones, que por ventura
possam ter também cegueira ou olhos fechados em razão do estado de transe.
A mesa, composta por uma série de objetos com diferentes simbologias,
é um item fundamental para o trabalho do xamã (Elera, 1994; 23). Dentre os
objetos que compõem uma mesa xamânica na atual costa norte peruana estão
os instrumentos sonoros, geralmente idiofones de vários tipos, mas também
podem estar presentes instrumentos de sopro, como ocarinas (Olsen, 2002:
150-151; Soares, 2015: 132). Xamãs também fazem uso de psicoativos para
chegarem ao estado de transe e estabelecerem as conexões necessárias para
empreender a cura:
El shamán, a través de la técnica del éxtasis, establece una comunicación
entre el mundo profano y sagrado. En el caso del shamanismo nor-costeño,
incluyendo ciertas regiones de la sierra norte, el trance o éxtasis se consigue a través
de la ingestión del jugo de una cactácea de principios psicoativos, el San Pedro
(trichocereus pachanoi), llamada también huachuma o achuma, adicionándose
además el jugo de otras plantas de sustancias psicoativas. Es interesante destacar
que dichas cactáceas columnares tienen mayor poder para las visiones del shamán
cuando éstas son recolectadas en ciertos ambientes ecológicos de los Andes que son
de difícil acceso. Esos lugares son muy respetados y venerados por los shamanes
norteños. Tal percepción sagrada aparentemente se originaría desde el período
formativo de la civilización andina. (Elera, 1994: 23)
Por ser um grupo muito amplo, dividimos os músicos xamãs em quatro
categorias, cada uma com suas subcategorias. O primeiro critério de
classificação foi o tipo de idiofone associado (de campânula fusiforme,
idiofones de golpe direto horizontal e idiofones suspensos conjugados), o
segundo critério foi o tipo de vasilha (em cântaro ou em alça estribo), e o
terceiro critério foram os atributos específicos destes músicos.
O chocalho é, até o presente, um dos elementos fundamentais na mesa
de um xamã andino, segundo Polia: inseparável da função de curandeiro (Polia
1996 apud Soares, 2015:131). Esses idiofones podem ser de vários tipos. Em
256
nossa pesquisa encontramos três tipos específicos, que serão detalhados ao
longo da discussão dos dados:
- Idiofones de Campânula Fusiforme
- Idiofones de Golpe Direto Horizontal
- Idiofones Suspensos Conjugados
V.II.I. Idiofones de Campânula Fusiforme
Xamãs
associados
a
idiofones
de
campânula
fusiforme
estão
distribuídos em seis subgrupos, detalhados a seguir.
V.II.I.A. Em Alça Estribo I – Degenerados
Esta categoria conta com sete peças das quais quatro estão expostas no
catálogo (pranchas 136 e 137). São todos vasos de alça estribo que podem
tanto ter o bojo escultórico (prancha 136 e M430, M494, prancha 137) quanto
bojo comum, em geral quadrado ou retangular, contendo aplique escultórico
representando o personagem (M428, prancha 137). Encontram-se ajoelhados
ou sentados, e têm sempre a cabeça apontada para cima. São geralmente
cegos e/ou apresentam deformações na face, como os degenerados que vimos
anteriormente. Usam túnicas, aguayos e colar de sementes. Ao passo que com
uma das mãos seguram o chocalho, na outra mão espalmada sempre mostram
algumas sementes (M494 e M428).
V.II.I.B. Em Alça Estribo II – Curandeiros
Este subgrupo conta com dez peças, das quais quatro estão expostas
na prancha 138. São vasos de alça estribo com bojo comum, quadrado ou
circular, cujos apliques escultóricos representam curandeiros cuidando de seus
pacientes, que se encontram deitados diante deles. O chocalho em forma
fusiforme pode ser notado pendurado nos ombros do personagem (M493 e
M613) ou ao lado deles, repousando no chão (M501 e M608). Nota-se a
variedade de toucados e atributos utilizados por estes indivíduos. Há toucados
257
de felino (M493 e M608), de diadema semicircular (M501) ou simples turbantes
(M613).
V.II.I.C. Em Alça Estribo III - Toucados de Felino
Apenas duas peças (prancha 139) mostram tocadores de chocalhos de
campânula fusiforme em alça estribo de olhos fechados, com toucados de
felino e orelheiras circulares. Eles seguram o chocalho com uma das mãos e
na outra carregam uma bolsa.
V.II.I.D. Em Estatuetas
Foi encontrada apenas uma estatueta com representação de xamã com
idiofone de campânula fusiforme (prancha 139).
V.II.I.E. Em Cântaros I – Toucado de Felino
Esta é a subcategoria mais expressiva da amostra, com doze peças, das
quais cinco foram exibidas na prancha 140. São cântaros cujos personagens
apresentam atributos de poder, como toucado de felino, túnica, capa, orelheiras
circulares, e tocam o idiofone de campânula fusiforme em uma das mãos,
carregando uma bolsa na outra.
V.II.I.F. Em Cântaros II – Outros toucados
Um conjunto de apenas cinco peças (prancha 141) apresenta cântaros
com personagens tocando chocalhos de campânula fusiforme, porém com
outros tipos de toucados, como de ave (M434) ou até mesmo turbantes (M436).
V.II.I.G. Em Cântaros III – Cegos
A última subcategoria de Idiofones de Campânula Fusiforme se refere
aos cântaros representando chocalheiros cegos ou de olhos fechados (prancha
258
142). Eles apresentam atributos de poder, como toucados variados e orelheiras
circulares. Sempre carregam uma bolsa, além do instrumento sonoro.
De maneira geral, a categoria como um todo apresenta personagens
bem paramentados e com atributos de poder. Os tocadores de idiofones de
campânula fusiforme atuam em cenas de curandeirismo e, muitas vezes,
apresentam elementos de
indivíduos
degenerados,
como cegueira e
deformações faciais e corporais. As representações se dividem entre cântaros
e vasos alça estribo (gráficos V.VI e V.VII). O grupo dos cântaros cujos
personagens apresentam toucado de felino (V.II.I.E) é o mais expressivo,
seguido pelos curandeiros em alça estribo (V.II.I.B) (gráfico V.V).
V.II.II. Idiofones de Golpe Direto Horizontal
Idiofones de Golpe Direto Horizontal foram encontrados em trinta e oito
peças, das quais a maior parte é de cântaros (32) contra apenas seis peças de
alça estribo (gráfico V.IX). Este é o grupo com menos artefatos e menor
variabilidade entre os personagens, como veremos a seguir.
V.II.II.A. Em Cântaros I – Sementes de Nectandra
Esta é a subcategoria mais expressiva, com vinte e sete peças. Trata-se
de cântaros escultóricos representando os músicos segurando seus chocalhos
pelas duas mãos (pranchas 143 e 144). Eles usam camisas, bolsas que levam
às costas (como se verifica em M310) e orelheiras circulares, não
apresentando toucados ou demais atributos de poder.
O chocalho é geralmente feito de sementes de nectandra (Nectandra
sp.). Esta semente faz parte do grupo de cotiledôneas, dentre as quais estão
também o mishpingo, a amala, e o ispincu (Montoya Vera, 2015: 238). De
todas estas, a nectandra é a única procedente da selva amazônica (ibid.).
Geralmente estas sementes estão associadas a enterramentos de prestígio
(ibid.), tendo sido também muito utilizada em rituais e cerimonias (ibid.) Muitas
delas foram recuperadas de contextos arqueológicos na Huaca de la Luna, da
fase IV Moche e tb de períodos posteriores (tardio) (ibid.: 243). Segundo
259
Bernier (2010: 105) nectandras são geralmente associadas, na iconografia
mochica, a xamãs, sacerdotes e curandeiros.
V.II.II.B. Em Cântaros II – Sementes Alongadas
Este grupo é formado por peças muito semelhantes às do grupo
anterior, com variações em alguns detalhes (prancha 145). Em vez de camisas
os personagens usam túnicas. Alguns apresentam toucados de duas plumas
(M316, M301) enquanto outros não levam toucados (M308, M311, M299).
Entretanto, seus chocalhos são feitos de uma semente diferente da
nectandra,não identificada, mais alongada e com curvatura nas pontas.
V.II.II.C. Em Alça Estribo
Tocadores de idiofones de golpe direto horizontal também
aparecem em vasos de alça estribo, embora em menor quantidade. Não são
representados em apliques, mas no próprio bojo (pranchas 146 e 147).
Apresentam túnica e orelheiras circulares sem toucado. Levam sempre uma
bolsa nos ombros.
V.II.III. Idiofones Suspensos Conjugados
V.II.III.A. Em Cântaros – Toucado de Ave e Capa
O primeiro subgrupo dos músicos que tocam Idiofones Suspensos
Conjugados está composto por cântaros escultóricos. Os personagens usam
túnica, capa, turbante, braceletes e um toucado com duas aves marinhas nas
laterais. Carregam em uma mão o instrumento, e na outra uma bolsa (pranchas
149 e 150). Apenas uma peça (M355, prancha 149) tem informação de
proveniência: Tanguche, vale de Santa).
260
V.II.III.B. Em Cântaros – Toucado de Ave e Colar de Nectandras
O segundo grupo (prancha 151) é muito similar ao primeiro, mas em vez
da capa amarrada ao pescoço os indivíduos usam colares de nectandras. A
única peça com informação de proveniência é M352, também procedente do
vale de Santa.
V.II.III.C. Em Cântaros – Toucado de Felino
O terceiro grupo se assemelha aos anteriores. O detalhe que varia são
os toucados, agora de felino. É um grupo muito pequeno. Todas as peças
encontradas na amostra (três) foram exibidas no catálogo (prancha 152).
Nenhuma delas tem informação de proveniência.
V.II.III.D. Em Cântaros – Toucado de Felino e Colar de Hamalas
Seguindo a mesma lógica dos grupos anteriores, esta variação
apresenta toucados de felinos com colares de hamalas (prancha 153).
Nenhuma das peças tem informação de proveniência.
V.II.III.E. Em Cântaros – Mulheres com Manta Longa
Este conjunto é o maior da categoria, contando com sessenta peças
(pranchas 154, 155, 156, 157 e 158). Trata-se de cântaros representando
personagens femininos que apresentam um longo véu cobrindo a cabeça e
todo o corpo. Soares (2015: 148) menciona em sua tese que o longo manto
que cobre a cabeça seria o traço mais diagnóstico de mulheres ligadas ao
curandeirismo.
Os atributos mais comuns usados por essas mulheres são colares, tanto
de placas trapezoidais (pranchas 154 e 155) quanto de hamalas (prancha 157),
orelheiras circulares, os chocalhos e as bolsas. Algumas (apenas sete de
sessenta peças) apresentam toucados de felino (prancha 156).
Como as associações de atributos neste grupo podem ser múltiplas, não
o dividimos em subgrupos, como no caso anterior. Apenas três peças
261
apresentam informação de proveniência, sendo duas do vale de Chao e uma
do vale do Virú (M348, prancha 156).
V.II.III.F. Em Alça Estribo – Mulheres
Foram encontradas duas peças na amostra de mulheres com véus
tocando estes idiofones, porém representadas em alça estribo em vez de
cântaros (prancha 158). Nenhum deles tem informação de proveniência.
V.II.III.G. Em Alça Estribo – Cegos
Por fim, encontramos cinco vasos de alça estribo com indivíduos cegos
tocando idiofones suspensos conjugados (prancha 159). Todos esses
personagens têm em comum o fato de estarem na categoria dos degenerados,
com cegueira e deformações físicas. Duas destas peças procedem do vale do
Virú (M383 e M402) e uma do vale de Chicama (M384). Uma das peças (M385)
é peculiar por seu formato de vaso sibilante, com bojo duplo. Estes músicos
apresentam capas, túnicas e turbantes. Alguns deles têm toucados (M384 e
M385).
É importante notar que devido às variações muito sutis nos atributos, os
primeiros grupos de cântaros: V.II.III.A, V.II.III.B, V.II.III. V.II.III.C e V.II.III.D
podem ser agrupados em um grande conjunto: de Xamãs com Idiofones
Suspensos Conjugados e Bolsa. O segundo grupo de cântaros pode ser
denominado de Mulheres Xamãs com Idiofone de Golpe Direto Horizontal. O
segundo grupo é muito maior que o primeiro, como aponta o gráfico V.XIII.
V.II.IV. Idiofones de Golpe Direto Horizontal em Colar
Idiofones de golpe direto horizontal podem ser encontrados na forma de
colares, como é o caso das peças da prancha 160. Esta categoria é pouco
expressiva, já que foram encontradas apenas duas peças.
262
V.III. Outros tipos de Músicos Mediadores
Os músicos das categorias a seguir não se encaixam em nenhum
grande grupo. São formados, em geral, por poucas peças ou peças únicas e
apresentam personagens com atributos muito peculiares.
Na prancha 162 vemos um vaso de alça estribo do MNAAHP, Lima, com
um antarista usando túnica, capa e um turbante com aplique de animal
quebrado. Tem também pintura facial. Ele não apresenta pupilas nos olhos.
Analisamos a peça no Museu considerando que as pupilas poderiam ter sido
inicialmente reproduzidas e estivessem desgastadas, o que impossibilitaria sua
visualização nas fotos, mas não notamos qualquer presença da pintura das
pupilas, o que significa que este é provavelmente um personagem cego.
Não havíamos visto, até o momento, um antarista humano escultórico
usando apenas capa e túnica em vaso de alça estribo. Vimos os esqueléticos,
cadavéricos e os oficiantes, estes últimos com muitos atributos de poder. Mas
antaristas usando apenas capa e túnica foram representados de forma pictórica
em vasos de alça estribo, como vimos na prancha 114, M003. Reproduzimos
um dos detalhes da peça M003 na prancha 162, abaixo da peça discutida,
apenas para efeito de comparação.
Este antarista apresenta os mesmos atributos dos personagens
identificados com o hurin: a capa e o capuz, porém não está degenerado ou
desencarnado. Tem uma deficiência visual que também o conecta com o
inframundo, mas está nitidamente entre os dois planos, por sua condição de
encarnado, assinalada pelos traços faciais, membros superiores e inferiores.
A prancha 162 mostra três vasos de alça estribo representando de
indivíduos com capas, túnicas, turbantes e orelheiras circulares tocando
tambores de chão. Este grupo será discutido mais adiante.
A prancha 163 mostra uma peça (M175) de alça lateral, com um aplique
escultórico de mulher percussionista tocando tinya e duas mulheres pictóricas
tocando idiofones de entrechoque. Diante da percussionista encontra-se uma
oferenda de ave em uma vasilha. Representação semelhante, sem as
mulheres com chocalhos, ocorre em M173, uma reprodução de Ana Hoyle para
uma peça não encontrada em nosso levantamento de dados. Ambas as
percussionistas demonstram deficiência visual e são encarnadas. Elas têm,
263
portanto, uma conexão com o hurin, mas atuam provavelmente como
intermediadoras entre os dois planos.
A peça da prancha 164 é única em nossa amostragem: um
percussionista prisioneiro representado em aplique de vaso de alça estribo, nu
e com a corda amarrada ao pescoço. Esta peça é muito surpreendente ao
passo que nos permite compreender a produção sonora no mundo Moche para
além dos momentos de cerimônias oficiais ou intermediação xamânica. Como
vimos no início deste capítulo, indivíduos capturados em batalhas, despojados
dos seus atributos e prestes a ser sacrificados são conceitualmente
considerados personagens transitórios por Bourget.
Na prancha 165 se exibe um grupo de peças, todos vasos de alça
estribo escultóricos, representando indivíduos sentados com as pernas
cruzadas ou dobradas segurando pututos entre as mãos. Eles vestem túnicas
ou camisas e apresentam um penteado com a franja em destaque na parte
central da testa. Eventualmente podem usar turbantes e orelheiras circulares.
As pranchas 166 e 167 mostram dois vasos de alça em fita com apliques
escultóricos de tocadores de pututo. Seus bojos apresentam, de apenas um
lado, representação pictórica de um ser sobrenatural híbrido com atributos de
diversos
animais.
Este
personagem
sobrenatural
está
conectado
ao
inframundo, e os músicos munidos dos pututos fazem a intermediação entre o
mundo marinho e noturno e o Kay Pacha. É possível que o pututo esteja
associado a este ser sobrenatural e que o vaso faça referência ao âmbito
marinho.
A prancha 168 mostra uma das peças mais peculiares encontradas em
todo o nosso corpo de dados. Trata-se de um vaso de alça estribo escultórico
representando uma ave antropomorfa que leva em suas asas, na parte traseira
da peça, dois personagens humanos. Ambos apresentam apenas toucados de
aves como atributos, um deles toca um idiofone de golpe direto horizontal e o
outro leva uma espécie de chicote na mão direita. A falta de outras peças ou
representações iconográficas semelhantes na amostra torna muito difícil a
interpretação desta cena.
Por fim, a prancha 169 apresenta três músicos com vestimentas alusivas
a feijões. Dois deles são quenistas e o outro toca uma ocarina. Ambos os
quenistas apresentam turbantes, túnicas e um detalhe no pescoço, similar a um
264
pendente. O músico M097, inclusive, tem a deficiência visual comum aos
músicos humanos degenerados e mediadores.
Após esta descrição, a seguir discutiremos os conjuntos de peças
contemplados neste capítulo.
V.IV. Discussão: Xamanismo, Transformação e Intermediação
Segundo os estudos etnográficos, os curandeiros da costa norte
peruana utilizam atualmente os Idiofones de Campânula Fusiforme e
Suspensos Conjugados. Segundo Polia (1996 apud Soares, 2015: 132) o
primeiro é chamado de chungana sorda. Ela tem um som surdo e rouco, e está
relacionada aos ritos que ocorrem antes do amanhecer. Fica ao lado esquerdo
da mesa, sendo também o principal responsável por ritmar o canto ritual, e
pelas operações de defesa. (Soares, 2015: 132).
Os idiofones Suspensos Conjugados por sua vez são chamados de
chungana clara:
Estas são tocadas de modo a produzir uma série de repiques velozes, e sua
função está relacionada com a ação de “despertar los encantos”, quando o curandeiro
dá uma série de voltas em torno dos objetos que quer “despertar”. São também
utilizadas ao amanhecer, para acompanhar os cantos de propiciação, ou
“florescimento”. (Soares, 2015: 133)
De acordo com o estudo de Polia, tipos diferentes de idiofones teriam
funções e poderes distintos, ocupam espaços distintos na mesa e estão ligados
simbolicamente a diferentes momentos do dia. Entretanto, nos estudos
etnomusicológicos de Olsen (2002: 148) seu informante Eduardo Calderón, um
respeitado xamã da costa norte, apresenta apenas o idiofone de campânula
fusiforme como chungana. Na foto apresentada por Olsen (ibid.) este
instrumento está posicionado ao lado direito da mesa, e o informante não
menciona o outro tipo de idiofone, suspenso conjugado. A forma como cada
xamã produz sua mesa e usa seus instrumentos atualmente não parece ser
ortodoxa ou seguir uma norma rígida. De qualquer forma, todos estes
265
instrumentos são conhecidos como chunganas entre os xamãs andinos, não
importando a subcategoria.
Em nosso corpo de dados estão associados à chungana sorda os
curandeiros (prancha 138), os curandeiros degenerados (prancha 137) e outros
personagens de sexo masculino com turbante (prancha 141) e toucados de
felino (prancha 140). Já chunganas claras estão associadas a personagens
com estes mesmos atributos (pranchas 149 a 153) e a mulheres (pranchas 154
a 158). Colocamos os dois exemplares abaixo (fig. V.I) lado a lado para fins de
comparação. Apesar de estarem organizados em pranchas diferentes (149 e
141, respectivamente) por tocarem instrumentos diferentes, eles são
praticamente idênticos em seus atributos e morfologia. Ambos carregam uma
bolsa. Isto pode significar que os mesmos xamãs tocassem instrumentos
diferentes dependendo do momento do dia. Neste caso, instrumentos sonoros
não estariam ligados necessariamente a personalidades iconográficas
específicas. Sugerimos que o sujeito abaixo seja a mesma personalidade
iconográfica, isto é, o mesmo tipo de xamã mochica, tocando instrumentos
diferentes seguindo a lógica das chunganas sorda e clara. A primeira seria
tocada ao amanhecer, e estaria ligada à propiciação e à fertilidade. A segunda,
tocada à noite, ou de madrugada, estaria ligada ao inframundo.
Fig. V.I. Imagem comparativa de duas imagens que estão em pranchas diferentes do
catálogo: M351 (prancha 149) e M434 (prancha 153).
Em geral os xamãs que tocam idiofones de golpe direto horizontal são
os mais simples (pranchas 143 a 148), ainda que aqueles que toquem os
idiofones com as sementes alongadas tenham toucados elaborados (prancha
145). Não encontramos mulheres tocando idiofones de campânula fusiforme
266
(chungana sorda), apenas de tipo suspenso conjugado (chungana clara).
Muitas delas também carregam a bolsa (prancha 155). Pode ser, neste sentido,
que haja alguma relação entre gênero e o tipo de chocalho usado nos rituais,
mas duas das sacerdotisas (prancha 28) analisada na categoria de Músicos
Oficiais, tocam idiofones de campânula fusiforme. Neste caso, há duas
possibilidades: que apenas mulheres de alto status pudessem tocar este
idiofone ou que curandeiras comuns pudessem usar este idiofone, mas não
foram representadas na iconografia.
É importante atentar para o fato de que nem todos os tipos de xamãs
existentes nas comunidades mochicas foram representados na cerâmica,
apenas alguns tipos específicos. Elera descreve em seu artigo de 1994 o
processo de escavação de um indivíduo com atributos de xamã no Morro de
Éten, Lambayeque. Ele não especifica a datação deste enterro, que tanto
poderia ser da época Moche quanto do período Tardio. O indivíduo havia sido
enterrado com um espelho de antracita, têxteis, espátulas feitas de tíbia de
veado, conchas e um chocalho, também talhado na tíbia de um veado. O
chocalho tinha uma longa haste e uma parte escultórica no topo em formato de
ave a voar, com asas abertas e segurando uma cabeça humana. Segundo os
estudos de antropologia física o instrumento era levado pelo indivíduo em sua
perna de maneira permanente, já que foi feita uma perfuração no fêmur do
xamã, tendo sido ali depositada a haste do chocalho. Este teria sido, segundo
as descrições, um processo lento e doloroso, iniciado na juventude do indivíduo
(Elera, 1994: 50). Os estudos de antropologia física também atestaram que ele
teria caminhado intensamente ao longo de sua vida, sempre levando o
chocalho em sua perna (ibid. 39). Elera considera, ao final de sua análise, que
a escolha da tíbia de veado para produzir o instrumento não teria sido aleatória,
e sim conduzida pela simbologia do animal na costa norte peruana. Um dos
objetivos, por exemplo, seria o de obter determinados poderes do veado, como
a velocidade (ibid. 42).
Ora, xamãs com este tipo de incisão não são encontrados na
iconografia. Lembramos novamente que a produção da cerâmica ritual estava
submetida à normatização das elites do período Intermediário Inicial, e que
alguns tipos de xamãs e curandeiros, aceitos ou absorvidos pelo culto estatal
mochica, podem ter sido representados, enquanto outros, de atuação mais
267
local ou periférica, podem não ter feito parte do repertório de xamãs expresso
na cerâmica ritual.
Soares (2015) discute em sua dissertação a inserção dos xamãs na
sociedade levando em conta a natureza política do que se convencionou
chamar de Estado Moche. Nesse sentido, uma organização política mais
verticalizada, com um calendário ritual oficial que organizasse cultos públicos
de grande porte, como a Cerimônia do Sacrifício, produziria uma vida
ritualística mais pautada pela atuação destes representantes do poder oficial,
ao contrário dos xamãs, mais envolvidos com comunidades locais e sem
atribuições essencialmente oficiais ou ligadas a um poder central. Nessa tese
fundamentamos a classificação de nosso material na diferença entre indivíduos
nitidamente ligados a um poder institucionalizado e outros aparentemente mais
autônomos, embora não completamente desconectados desta jurisdição
central. Como bem lembra Soares (ibid.: 121) Régulo Franco já havia feito essa
diferenciação em 2012:
Ainda de acordo com Régulo Franco (2012), tal diferença nos tipos de vasilhas
cerâmicas associadas aos dois grupos citados, pode nos ajudar a pensar em uma
diferença principal entre estes dois tipos de especialistas presentes na iconografia
Mochica. Ambos parecem dotados de capacidades supranaturais, e desempenham
funções mediadoras; parecem se diferenciar, contudo, basicamente por suas esferas
de atuação e, pela classe social. Assim, o grupo chamado curandeiros poderia estar
ligado a uma esfera de ação mais popular, enquanto o grupo de sacerdotes se
relacionaria às elites e às esferas rituais mais institucionalizadas e coletivas. (Soares,
2015: 124)
Parece tênue essa linha divisória entre xamãs e sacerdotes na
iconografia mochica. Mas os olhos fechados e as escarificações em muitas das
peças classificadas como xamãs indicariam o estado de transe induzido pelos
efeitos psicoativos do cacto San Pedro (Soares, 2015: 156), além das visões
produzidas pelo cacto (ibid. 162). Os músicos do âmbito oficial não parecem
estar associados ao San Pedro, mas à coca.
Em sua análise de xamãs na iconografia mochica Soares (2015: 158)
encontrou uma categoria de personagens escultóricos que se caracterizavam
268
por possuir o cacto San Pedro nas mãos. Este cacto seria de uma variedade
rara e muito valiosa, o San Pedro de cuatro ventos, em geral utilizado pelos
xamãs mais importantes, os chamados Maestro de cuatro vientos. Há,
claramente, uma hierarquização entre xamãs na iconografia mochica e nos
dados etnohistóricos. Alguns apresentam muito mais atributos de poder que
outros:
Os três personagens (...) parecem dotados de um status mais alto que os
demais, visto que usam toucados, peitorais e orelheiras. Isso pode indicar que
existiam alguns curanderos dotados não apenas de prestígio (por conta de suas
capacidades e funções), mas que também detinham um status social mais elevado.
Isso, no mínimo, confirma a afirmação de Régulo Franco (2012), quando este aponta
que tais sujeitos gozavam de um grande prestígio dentro da sociedade Mochica, o que
parece condizer com a importância do papel desempenhado pelos curanderos. Além
disso, estes personagens, que mostram atributos de um status mais elevado, podem
indicar também uma possível verticalização dentro desta categoria de personagens.
(Soares, 2015:169)
De acordo com Soares, ainda, mulheres xamãs também aparecem na
iconografia segurando um corte de cacto San Pedro, elemento essencial em
práticas xamânicas (Soares, 2015: 148-155).
Esta figura pode estar associada à função de parteira, sendo que foi
encontrada ao lado de uma criança que morreu durante o parto. Além disso, é
recorrente na iconografia Mochica a representação de personagens femininas usando
um longo manto, que operam enquanto parteira. Tais considerações parecem
confirmar a função destas mulheres enquanto mediadoras em situações de trânsito,
uma vez que cuidariam de nascimentos e do preparo dos mortos (que discutiremos
adiante). Além disso, Bourget (2011) chega a afirmar que tais figuras que utilizam este
longo manto e que às vezes aparecem como velhas enrugadas seriam as
responsáveis por levar bebês, ou crianças para serem sacrificadas. (Soares,
2015:152)
É importante notar que as mulheres das pranchas 154 a 157 apresentam
longas mantas que cobrem a cabeça e vão até os pés. Seus atributos são
269
análogos aos das corujas antropomorfas (Soares, 2015: 177-179), como se
nota abaixo:
Fig. V.II. Imagem representando coruja antropomorfa, com os mesmos atributos das
mulheres xamãs. Museu Larco, Catálogo Online. A imagem à direita é da peça M417, prancha
158.
As peças expressam os momentos de transformação pelos quais
passam esses indivíduos ao atuarem ritualisticamente. As mulheres que tocam
os idiofones suspensos conjugados têm uma nítida relação com a coruja, e
nela se convertem no momento do ritual, absorvendo suas características
ontológicas e sua força, seu camac. Calderón, o xamã informante de Olsen
(2002: 160), associa o poder das chunganas (de campânula fusiforme, tocadas
em geral de madrugada) a corujas em sua entrevista:
D.O Can you tell me something about the power of the owl that you have drawn
on your rattle?
E.C Yes, the owl (I also have an eagle), the owl is a symbol of wisdom and the
dominion of the night. These include the lechuzón (large owl), the lechuza (medium
owl), and the lechucita (little owl), or paupaca. They all have their myths. When the
lechucita sings, it is for a particular reason.(Olsen, 2002: 160)
É curioso que a chungana clara, tocada ao amanhecer, esteja
relacionada na iconografia a corujas, animais noturnos. Não sabemos,
entretanto, qual era a simbologia deste instrumento no período PréColombiano. Os dados recolhidos por Polia e citados por Soares (2015) são
etnográficos, bem como os recolhidos por Olsen (2002).
270
Os xamãs das pranchas 143 a 148 tocam seus idiofones de nectandras
segurados por ambas as mãos. Lembremos que no capítulo anterior, macacos
eram os únicos animais que tocavam, também, este tipo de instrumento, como
observado nas pranchas 79 e 80. Há homologias entre estes músicos em seus
atributos: todos os chocalheiros macacos e os xamãs que tocam esta
subcategoria de idiofone têm uma espécie de bolsa nas costas cuja alça cruza
o pescoço e orelheiras circulares.
Fig. V.III. Comparação entre um músico da categoria dos animais (M324, prancha 79) e um
xamã, ambos com idiofones de golpe direto horizontal.
Na prancha 89, as representações de raposas antropomorfas que tocam
os wankares também parecem aludir à lógica da transformação, já que os
corpos humanos em posição sentada podem apontar para xamãs em
transfiguração.
Os músicos das pranchas 166 e 167 estão posicionados sobre seres
sobrenaturais híbridos com traços de serpente felina. Entre os sememas que
aparecem nestes vasos estão a cruz de malta (em ambos), o escalonado (em
M109) e vagens que parecem de feijões (em M110). É possível que esses
seres representados em linha fina no bojo dos vasos, sejam as criaturas vivas
que habitem os pututos, pois, ao observar pormenorizadamente a peça,
podemos constatar que se trata do Monstro Strombus, porém sem a concha
(ver prancha 73). O pututo tocado pelos músicos escultóricos no topo das
vasilhas, provavelmente referem-se às conchas desses seres sobrenaturais,
que deles foram retiradas, como mostra a imagem comparativa abaixo:
271
Fig. V.IV. Comparação entre o Monstro Strombus com a concha (retirado da prancha
73) e o Monstro Strombus sem a concha (prancha 166). Na segunda vasilha um personagem
escultórico toca um pututo, provavelmente uma alusão à concha retirada do ser sobrenatural.
Estes músicos tocam os pututos, mas as representações em linha fina
mostram exatamente de onde vieram estas conchas: dos corpos da serpente
felina, que antes era Monstro Strombus, mas que perdeu sua carapaça. Estes
músicos não apresentam atributos de poder, apenas turbantes, mas
intermedeiam as relações entre o plano dos vivos e o mundo sobrenatural, o
hurin marinho e noturno, visto que seus instrumentos foram produzidos a partir
dos seres sobrenaturais que o habitavam e, portanto, exigiram o sacrifício
deles para que pudessem ser tocados.
As mulheres da prancha 163 tocam suas tinyas na presença de pratos
de comida e cântaros, provavelmente oferendas para o inframundo. Neste
sentido, o som produzido por elas aciona as relações com outro plano da
existência. Neste sentido, elas também são consideradas musicistas
intermediadoras. Novamente notamos em nossos dados a recorrência da
associação da tinya ao elemento feminino.
Os músicos da prancha têm atributos de feijões e tocam quenas, os
mesmos instrumentos tocados pelos fitomorfos vistos nas pranchas 95 e 96. É
possível que sejam as versões humanas dos músicos fitomorfos, já que tudo
na iconografia mochica tem suas contrapartes humanas e sobrenaturais. Os
personagens da prancha 97, igualmente, podem representar os indivíduos em
transformação relacionados aos amendoins quenistas da prancha 96.
Pelo fato de serem versões humanas de outros músicos já vistos ao
longo desta tese (alguns animais e plantas, bem como seres sobrenaturais) os
músicos intermediadores obedecem à lógica da transformação e da
comunicação com outros planos. É muito possível que os animais e plantas já
analisados no Capítulo IV, todos antropomorfizados, sejam estes músicos
intermediadores em seus processos de
transformação,
no
auge da
272
comunicação com o numen e imbuídos do camac destes entes da natureza.
Podemos considerar todos estes músicos, mesmo os degenerados e os que
tocam os pututos sobre os monstros Strombus mutilados, como xamãs?
Acreditamos que sim, visto que todos abrem as portas do mundo sobrenatural
e, como dizem seus nomes, fazem a intermediação entre dois planos:
Em linhas gerais, é possível afirmar que o xamanismo trata de um modo de
mediação das relações entre as esferas humanas e não humanas da existência. Esta
comunicação não é opcional, mas, sobretudo, necessária; uma vez que a própria
dinâmica da existência se dá no decorrer destes contatos e relações cotidianas. É por
isso que os xamãs desempenham um papel vital nas sociedades ameríndias; pois são
os únicos capazes de operar como mediadores ativos, sem se perder enquanto
sujeitos. Seriam desta forma, a expressão das relações dentro de um âmbito da
cosmopolítica, o que os faz carregar certas capacidades de ação e transformação, que
são propiciadas e potencializadas pelas relações que mantêm com as potências não
humanas que habitam o cosmos. (Sztutman, 2012 apud Soares, 2015: 262)
Mesmo em uma sociedade altamente verticalizada, como a mochica,
estes indivíduos tinham grande importância e eram representados na cerâmica
ritual. Segundo Soares (2015: 270), os estudos de Sztutman demonstram que
há casos de verticalização do xamanismo entre os amuesha que habitam o
piemonte andino, zona de fronteira entre a Bacia Amazônica e a cordilheira.
Neste caso havia dois tipos diferentes de xamãs, um mais “horizontal”, que
tinha entre suas atribuições atividades curadoras, e um de status mais elevado
que detinha “as disposições morais e conhecimentos rituais”, e cuja função
“não se mistura com as ações curativas, pois assume um patamar “mais
elevado”: a busca a restauração da comunicação com os deuses” (Sztutman,
2012:464 apud Soares, 2015: 270)
Os músicos mediadores representados na iconografia mochica parecem
estar mais relacionados ao segundo tipo de xamã relatado por Sztutman.
Muitas vezes apresentam atributos de poder, até mesmo semelhantes aos dos
indivíduos de alto status do poder oficial discutidos no Capítulo III. Sua
representação na iconografia dentro dos cânones propostos pelas elites
mochicas demonstra o importante papel de mediação que esses indivíduos
conservavam, não apenas entre os diferentes planos, mas também dentro da
273
sociedade, já que mantinham e mediavam relações tanto com as elites quanto
com o restante da população.
274
VI. EPÍLOGO
Music is intimately associated with
agricultural production and each instrument,
genre and dance form is linked with specific
activities or times of the year. New melodies
are
collected
each
year,
their
origin
attributes to magical spirit beings called
sirinus (‘sirens’). These sources of musical
creation are linked with the creation of new
food crops – as assurance of good health –
but inappropriate contact with such musical
beings may lead to illness, madness or
death. Appropriate music played in the
correct contexts, as ‘consolation’ (kunswillu)
for the forces which oversee the fortunes of
the community, may be seen as directly
related to the maintenance of bodily health.
(Stobart, 2000: 27)
Os dados levantados e analisados em nossa pesquisa foram
organizados em três categorias principais: Músicos Oficiais, Músicos
Sobrenaturais e Músicos Mediadores, considerando as características físicas
dos personagens, seus atributos e os pressupostos da cosmovisão andina
referentes ao encontro, transitoriedade e mediação entre os diferentes planos
da existência. Acreditamos que esta classificação tenha sido satisfatória para
esclarecer nossos questionamentos sobre os papéis sociais e simbólicos dos
músicos no mundo Moche. Aqui, teceremos algumas considerações finais
sobre os principais tópicos elucidados pelo material coletado e analisado.
VI.I. Os músicos e a cerâmica mochica: considerações gerais sobre o
material analisado
É importante esclarecer que muitas das peças analisadas apresentam
mais de um músico representado. Desta forma, foram analisadas 605 peças e
encontrados 987 músicos no total. Predominam na amostra peças da região
275
Moche Sul e de fase IV, correspondente ao Período Médio. Poucas peças são
provenientes da região Moche Norte (apenas 6% da amostra) e/ou
pertencentes a outros períodos.
Os gráficos VI.I e VI.II mostram que os personagens sobrenaturais
predominam quanto ao número de músicos, mas que em números de peças,
Sobrenaturais e Mediadores estão equiparados. Os músicos oficiais são os
menos numerosos, tanto em número de personagens quanto de peças. A
maior quantidade de músicos sobrenaturais na amostra se dá em decorrência
da subcategoria Danças do Inframundo, um grupo quantitativamente muito
significativo (aproximadamente cem peças) e todas com pelo menos dois
músicos cadavéricos, podendo chegar a sete músicos em uma única peça. A
categoria de Músicos Sobrenaturais é extensa e diversificada, incluindo
múltiplas subcategorias, como animais, plantas, divindades e mortos, ao
contrário da categoria de Músicos Mediadores que é mais homogênea,
incluindo xamãs, curandeiros, personagens degenerados e alguns exemplares
menos comuns na amostra.
Por qual razão os músicos sobrenaturais e mediadores seriam mais
expressivos em quantidade que os músicos de alto status, ou oficiais, no
Período Médio, justamente quando a performance musical parece se tornar tão
importante nas esferas de poder político-religioso?
É muito claro que a produção de cerâmica ritual na fase IV se
caracterizou por temas específicos e um alto grau de normatização (Donnan &
Mc Clelland, 1999). Os temas eram produzidos em moldes e em grandes
quantidades para, de maneira rápida e eficiente, circularem os principais
cânones da ideologia mochica entre os diferentes vales. Segundo Makowski
(2010: 281-282) a cerâmica ritual era um dos mais importantes marcadores de
autoridade e hierarquia no mundo Moche, tendo um papel central nas redes de
manutenção do poder. É a partir da fase III, mas principalmente na fase IV, que
o “Estado Mochica Sul” se expande de forma rápida pelos vales de Chao,
Santa e Nepeña (Chapdelaine, 2010: 257), provavelmente agenciando uma
rede muito maior de elites locais e distribuindo bens de prestígio a uma
quantidade muito maior de pessoas. Por esta razão, a partir do final da fase III,
a liberdade do artista parece ter sido, de alguma forma, refreada e os temas
principais passaram a ser produzidos em larga escala, provavelmente com o
276
objetivo de atenderem a essa expansão. Temas nitidamente produzidos na
fase IV se repetem em nosso material, mesmo que sejam apenas três ou
quatro vezes. Os que não se repetem são raros, e são de fases inespecíficas
ou de vales ao norte, como Jequetepeque e Lambayeque.
O Tomador de Coca tocando flauta, por exemplo (prancha 23) é uma
peça única e pelas características do gargalo e bojo, provavelmente produzida
na fase III, correspondente ao início do Período Médio. Na fase III são muito
comuns peças com Tomadores de Coca escultóricos paramentados e sentados
sobre uma espécie de trono (primeira peça da prancha 26). Isso parece
apontar para o importante papel deste personagem desde períodos mais
recuados da história mochica. Na fase IV, o Tomador de Coca começa a
aparecer atuando no ritual da Coca junto ao Senhor Noturno (ou Adorador), um
personagem que só surge na fase IV e que provavelmente simboliza uma nova
elite que toma conta do “Estado Moche Sul”. Os instrumentos sonoros de
vento, na fase IV, não são mais tocados pelo Tomador de Coca, mas por seu
companheiro Senhor Noturno, que no período Moche Médio deve ter usufruído
de maior prestígio que ele. A atuação do Senhor Noturno no ritual da Coca em
algumas cenas de fase IV parecem mostrar que esta nova elite passa a
interferir nos rituais que anteriormente eram de caráter xamânico. Cerimônias
como esta e a cerimônia do Sacrifício sempre devem ter existido entre os
mochicas, pois muito provavelmente são heranças do Período Formativo.
Entretanto a nova elite que, acreditamos, surge no Período Médio passa a
interferir diretamente na condução desses rituais, moldando-os segundo suas
normas e usando-os como ferramenta de manutenção do poder. São eles os
representantes dos ancestrais e divindades no Kay Pacha e como tais atuam
nos principais eventos públicos, como cerimônias, batalhas, procissões, jogos
etc. Os membros emblemáticos desta elite da fase IV, como o Senhor Noturno,
o Senhor Solar e o Senhor de Toucado de Dois Círculos aparecem nestas
atividades que, muitas vezes, estão acompanhadas de performances musicais.
Se não estão eles próprios a cargo da produção sonora, estão os músicos
acompanhantes e anunciantes, às vezes também paramentados com atributos
de poder. Estes personagens de poder quando em forma escultórica estampam
majoritariamente apitos e trombetas, sendo raramente representados em
vasilhas de alça estribo. Apitos, trombetas e outros instrumentos sonoros
277
parecem ser suportes artefactuais relacionados a personagens de poder do
plano terreno e divindades, já que não observamos músicos mortos, animais ou
plantas neste tipo de suporte, mas somente Sacerdotes Guerreiros e Ai
Apaecs.
Aparentemente, como afirma Gölte, vasos de alça estribo expressam o
conceito de encontro entre as duas partes opostas, ou tinku. Este tipo de
artefato, até mesmo por seu caráter funerário, se relaciona ao inframundo e ao
hurin, sendo responsável por realizar a conexão simbólica entre os dois planos.
É nos vasos de alça estribo que está representada a maior parte dos músicos
sobrenaturais. Sejam os mortos, as aves, Ai Apaecs, os amendoins ou outros
subgrupos, certamente vasos de alça estribo são muito mais representativos
nesta categoria do que na de Músicos Oficiais (embora presentes, com
representações de linha fina) e Mediadores (maiormente conformada por
cântaros e jarros). Os músicos do âmbito sobrenatural são maiormente
representados na fase IV, à exceção das peças tardias do Vale do
Jequetepeque com Iguanas e Ai Apaecs tocando antaras e chocalhos, como
visto no capítulo IV.
A cena da Entrada no Inframundo (prancha 124) ocorre em vasos de
alça estribo de fase III 63. É interessante notar que todos os vasos de Danças do
Inframundo com os temas mais tradicionais e recorrentes (temas 1, 2 e 3, nas
pranchas 111 a 122) são pertencentes à fase IV. Muito provavelmente a
Entrada no Inframundo é um tema mais antigo que, a partir das mudanças
políticas e sociais introduzidas no Período Médio pelos novos grupos de poder,
sofreu transformações significativas até chegar ao tema das Danças do
Inframundo, por sua vez um tema que apresenta diferenças iconográficas que
podem estar associadas a diferentes vales (ver Capítulo IV). Assim,
determinados temas seriam mais recorrentes em determinados vales, uma
hipótese plenamente plausível considerando os vales como centros de poder
político e religioso, nos quais a produção cerâmica era controlada diretamente
pelas elites locais (Russel & Jackson, 2001: 163-164).
Como vimos ao longo da análise, mudanças na representação de
músicos entre os diferentes vales podem ocorrer, especialmente entre as
63
Esta observação foi feita mediante análise das fotografias de exemplares originais no Arquivo
Moche da Dumbarton Oaks, em Washington D.C.
278
regiões Moche Norte e Moche Sul. Enquanto os tambores de tipo ampulheta
são representados exclusivamente na região Moche Norte, bem como iguanas
musicistas e mulheres percussionistas de tembetá, as Danças do Inframundo
parecem conformar um tema exclusivo da esfera Moche Sul, bem como os
Sacerdotes Guerreiros em procissões e danças.
Criamos uma subcategoria de músicos Xamãs e Curandeiros dentro da
categoria de músicos Mediadores. Sabemos, entretanto, que os instrumentos
sonoros associados a estes personagens são incidências da própria função de
xamã. Assim, esses personagens não são inicialmente considerados músicos,
mas curandeiros e sacerdotes que fazem mediações, usando para isso os
instrumentos sonoros. Este grupo é um dos mais expressivos de toda a
amostra, contando com aproximadamente duzentas peças. Muitas podem ser
as razões pelas quais xamãs mereceram tal destaque no aparato ritual
mochica, e muito provavelmente a massiva presença de diversos tipos de
xamãs com diversos tipos de chocalhos demonstra que esses indivíduos
exerciam poder religioso e eram reverenciados pela sociedade, ainda que em
um momento de grande verticalização do poder dos sacerdotes e governantes,
como é caracterizado o período Moche Médio. O papel central desses
indivíduos na iconografia é o de xamã, como discutido amplamente no capítulo
V, mas por estarem associados a instrumentos sonoros e produzirem som de
forma recorrente em eventos cerimoniais, não poderiam ser relegados em
nossa análise.
Esta é uma tendência que encontramos em nossos dados: os músicos
representados na iconografia mochica não conformam uma classe exclusiva de
indivíduos, todos com os mesmos atributos, como se a produção sonora fosse
um tipo de especialização. Muito pelo contrário, todos os músicos que
encontramos, sejam sobrenaturais ou humanos, podem ser relacionados a
personagens específicos da iconografia mochica, visíveis em uma infinidade de
temas e narrativas atuando de outras maneiras, muitas vezes sem nenhum
instrumento sonoro associado. Praticamente todos os personagens da
iconografia mochica, como mortos com seus capuzes e mantas enroladas, as
iguanas, divindades, aves marinhas, macacos, Sacerdotes Guerreiros, homens
degenerados, prisioneiros de guerra, guerreiros, mulheres, curandeiros,
amendoins, feijões, mortos que participam em cenas eróticas etc., aparecem
279
em algum momento associados a algum instrumento sonoro, seja tocando-o,
seja carregando-o. Eles podem ser os personagens principais, como os
Sacerdotes Guerreiros que tocam antaras nas procissões, ou personagens
secundários, como os músicos que acompanham dançarinos nas danças
terrenas e nas Danças do Inframundo. O importante é observar que cada papel
está associado a um tipo específico de instrumento sonoro, e que instrumentos
sonoros têm uma simbologia relevante na sociedade mochica. O som
produzido por uma ave marinha com seu tambor, um sacerdote com sua quena
ou um morto com sua antara, tem uma função específica em determinados
momentos de passagem, transfiguração e transformação. Não há uma classe
exclusiva de músicos no mundo Moche. Entretanto, o que define o grau de
hierarquia desses músicos são seus atributos de poder e o que define o poder
de transformação que esses músicos engendram no ritual são as agências
específicas de cada instrumento sonoro, como veremos a seguir.
VI.II. Relação entre categorias de músicos e tipos de instrumentos
Muitos são os tipos de músicos na iconografia mochica, mas cada um
deles está relacionado a um número limitado de instrumentos sonoros.
Nenhum dos subtipos de músicos pormenorizados ao longo desta tese é
encontrado associado a todos os instrumentos ou categorias organológicas ao
mesmo tempo. Os gráficos específicos feitos para o estudo de cada
subcategoria, mencionados ao longo dos Capítulos III, IV e V, mostram as
especificidades destas relações. Vimos, por exemplo, que Aves Marinhas,
pertencentes ao grupo dos Músicos Sobrenaturais, tocam apenas tinyas,
enquanto macacos podem tocar pututos ou idiofones de golpe direto horizontal.
Ai Apaecs podem estar associados a uma gama maior de instrumentos,
principalmente as antaras, também muito tocadas por músicos mortos e
degenerados, reforçando a relação deste instrumento com o hurin. Sacerdotes
Guerreiros
tocam
antaras,
quenas
e
chocalhos
e
xamãs
estão
predominantemente associados a idiofones de diferentes tipos.
Os gráficos VI.III e IV mostram que músicos oficiais estão muito mais
relacionados a aerofones e membranofones que a idiofones. A proporção de
tinyas e quenas se dá pela grande quantidade de músicos acompanhantes nas
280
narrativas de linha fina, já analisadas no Capítulo III. Ainda assim, os aerofones
se destacam como os instrumentos mais tocados por estes indivíduos. Já os
gráficos VI.V e VI.VI mostram que antaras e tinyas são os instrumentos mais
tocados por músicos sobrenaturais, instrumentos que se destacam pela grande
quantidade de músicos mortos que os tocam nas Danças do Inframundo, uma
subcategoria
quantitativamente
bastante
relevante.
Divindades
estão
geralmente associadas a antaras, pututos e quenas. Músicos fitomorfos tocam
geralmente aerofones, especialmente a quena, e músicos zoomorfos, tocam
tinyas, wankares e pututos. É interessante observar que nenhum animal da
iconografia Moche Sul foi encontrado tocando antara, apenas as iguanas da
região Moche Norte. Idiofones praticamente não são tocados por músicos
sobrenaturais. Os poucos idiofones de golpe direto horizontal do gráfico estão
associados aos macacos músicos e a peças esparsas.
A ausência de idiofones nas categorias anteriores é inversamente
proporcional à presença deles na categoria de Músicos Mediadores, como
demonstram os gráficos VI.VII e VI.VIII, destacando-se os idiofones suspensos
conjugados.
Por fim, a antara é o instrumento mais representativo de toda a amostra,
seguida pela tinya (gráfico VI.IX). As categorias organológicas mais frequentes
são, na ordem, os aerofones, os membranofones e os idiofones (gráfico VI.X).
Cada um desses músicos, sua função social ou simbólica, suas
características e atributos, têm relações com o papel simbólico dos próprios
instrumentos sonoros aos quais estão associados. Vimos que os instrumentos
podem estar diretamente ligados a questões de gênero, poder, calendário e
sazonalidade, aos eventos nos quais são tocados etc.
Aparentemente não há uma hierarquia rígida entre instrumentos sonoros
que reflita a hierarquia de seus tocadores. Senhores Solares, por exemplo, não
estão hierarquicamente abaixo de Senhores Noturnos, mas tocam chocalhos,
instrumentos
que
aparentemente
estão
muito
menos
relacionados
a
personagens de poder que a antara. Mortos, divindades e animais podem tocar
todos os tipos de instrumentos, mas é muito claro que antaras destacam-se
como o instrumento mais tocado entre Sacerdotes Guerreiros, Divindades e
mortos, estando muito pouco relacionado a xamãs e nunca aparecendo entre
os músicos acompanhantes ou secundários nas narrativas de linha fina. A
281
estes são sempre associadas quenas e tinyas. Não podemos esquecer,
entretanto, que existem antaras muito simples na iconografia mochica, e
antaras sofisticadas com apêndices e apliques. Segundo Olsen (2002: 84), as
antaras mais simples eram tocadas pelos mortos, degenerados e músicos mais
simples e o segundo tipo de antara era tocado pelos indivíduos de mais alto
status, havendo então uma hierarquia entre o tipo de instrumento e o status
social de indivíduos. De fato, a antara da Tumba 5 de Sipán era elaborada,
feita em cerâmica com aplique decorado em osso, mas no caso da Tumba 14,
o par de antaras era muito simples, não estando de acordo com a função de
Sacerdote Guerreiro do individuo enterrado.
Pututos, por exemplo, estão sempre associados a indivíduos fortes e
robustos, que geralmente os sopram em batalhas, ou a divindades, como Ai
Apaec ou o próprio Monstro Strombus. Segundo Herrera (2004: 22) Paulsen
considera que o pututo represente “a voz do oráculo e o som da divindade”. As
pranchas 10, 73 e 166 mostram como o pututo pode ser representado como
parte de uma divindade, seja o Monstro Strombus, seja Ai Apaec. Sua origem
marinha ligada à simbologia do hurin o torna um instrumento relacionado ao
âmbito masculino do hurin, assim como a antara. Estes instrumentos fazem a
conexão com a força masculina do mundo noturno, escuro, onde vivem os
mortos e ancestrais. São, portanto, instrumentos masculinos do hurin, ao
contrário da tinya um instrumento feminino do hurin. Quenas, sempre ligadas a
indivíduos do sexo masculino fortes e robustos, são provavelmente
instrumentos relacionados ao lado masculino do hanan, bem como trombetas
retas ou em espiral feitas em cerâmica. Trombetas e pututos são instrumentos
claramente utilizados em batalhas, séquitos e anunciações, como observado
em cenas complexas pintadas em linha fina e relatado nas crônicas:
One of the most striking ethnohistoric references to the ceremonial role of
waylla kepa in the past is found in Cabello de Valboa’s account of the origins of north
coast peoples. “The indians of Lanbayeque […] say that in very ancient times […]
came from the upper part of this Piru a lord of campaigns with a large fleet of rafts, a
man of much wealth and quality called Naimlap and brought with him many concubines
and a main wife said to have been called Cetreni […], but what was of most value to
them were the officials, nearly forty in number, so Pita Zofi who was his trumpeteer or
282
player of some large snails that among the Indians were held in high esteem […]”.
(Herrera, 2004: 59)
Mulheres aparecem associadas a tambores, como tinyas e tambores
em formato de ampulheta, bem como a chocalhos de dois tipos: idiofones
suspensos conjugados e idiofones de campânula fusiforme. Instrumentos de
sopro, simbolicamente associados ao masculino, eram majoritariamente
tocados por homens. No altiplano atual quenas e pinquillos são metáforas de
órgãos sexuais masculinos (Olsen, 2002: 44). Estes instrumentos também
estão associados a indivíduos mortos ou cadavéricos com genitálias eretas,
como vimos ao longo do Capítulo IV. A ampla ocorrência de quenas e tinyas
tocadas conjuntamente em cenas de danças (Capítulo III) pode ser uma
metáfora de fertilização engendrada pela conjunção entre os dois instrumentos,
sendo o tambor o instrumento feminino que recebe a força masculina da flauta.
É muito comum que instrumentos sonoros tocados conjuntamente simbolizem
uniões sexuais, como visto no Capítulo III com relação aos grupos de sikuris.
Este tipo de interpretação também pode ser aplicado no caso dos trios de
antaras com um personagem percussionista, muito presentes nas Danças do
Inframundo, na peça do Museu Larco (prancha 71) ou nas peças da prancha
134. Neste caso, é possível que as antaras, enquanto instrumentos
masculinos, estejam disputando o útero feminino representado pelo tambor
para engendrar a vida que nasce no inframundo.
Chocalhos asseguram a conexão com outros planos, e são instrumentos
com grande poder de transformação, tocados majoritariamente por xamãs e
curandeiros. Podem estar associados a mulheres e animais, e raramente a
Senhores Solares ou Divindades.
A diversidade de instrumentos sonoros presentes na organologia
mochica pode ser vista em todas as categorias de músicos. Não há
instrumentos exclusivos para Sacerdotes Guerreiros, mortos, divindades,
animais, plantas ou xamãs, mas uma maior concentração de alguns
instrumentos em determinadas categorias e subcategorias. Por exemplo, por
mais que amendoins estejam relacionados maiormente a quenas, ainda é
possível encontrar uma antara (prancha 96). Danças do Inframundo são
compostas em geral por antaras e tinyas, mas em alguns momentos surgem
283
quenas ou trombetas (pranchas 123 e 125). É muito possível que estas sutis
variações estejam relacionadas a questões temporais e de sazonalidade, como
veremos no próximo tópico.
VI.III. Música e Encontro: Calendário, Sazonalidade e Tinku
As cenas complexas analisadas nos Capítulos III e IV mostram músicos
engendrados em danças, procissões, batalhas e outros rituais, em geral
conduzidos por Sacerdotes Guerreiros ou outros indivíduos de poder. Essas
cenas podem se passar tanto no Kay Pacha (eventos públicos, pranchas 46 a
64) quanto no hurin (Danças do Inframundo, pranchas 111 a 126). Muitas
dessas cenas congregam antaras (pranchas 46 a 48, 61, 63 e a grande maioria
das Danças do Inframundo) ou quenas (pranchas 50, 53 a 60), que ocorrem
associadas a outros instrumentos. Em geral, quenas ocorrem associadas a
tinyas e tipos variados de idiofones, e antaras aparecem associadas a
trombetas e pututos. É muito clara a divisão entre cenas nas quais as antaras
são os instrumentos de sopro principais, e as cenas nas quais predominam as
quenas, à exceção da prancha 49 cujas cenas de batalha têm como
instrumentos principais os pututos.
A etnoarqueomusicologia, como expusemos no Capítulo I, configura-se
mais como um esforço interdisciplinar do que propriamente uma disciplina da
área de Arqueologia ou Musicologia. O constante diálogo entre as fontes
arqueológicas, etnográficas e históricas é condição importante para uma boa
compreensão dos aspectos sociais da música, como é o caso deste estudo. Os
estudos feitos no altiplano do Lago Titicaca são os mais importantes para a
compreensão da produção musical nos Andes atualmente, bem como do papel
dos instrumentos sonoros nas ontologias andinas. Esses estudos demonstram
que antaras e quenas são aerofones com simbologias opostas na cosmovisão
andina, e são tocados em épocas distintas do ciclo anual, como se observa na
figura a seguir:
284
Fig. VI.1. Diagrama de Stobart que mostra quais aerofones são tocados nos diferentes
meses do ciclo anual em Potosí, Bolívia. (Stobart, 2006: 53)
É possível observar no diagrama de Stobart que as flautas tubulares
(quenas e pinquillos) são tocadas na estação úmida, de novembro a fevereiro,
e que as antaras são tocadas no início de no fim da estação seca. Segundo
Stobart, em Kalankira pinquillos são tocados na estação chuvosa com a
finalidade de chamar a chuva, ou chorar pela chuva, para que as sementes
cresçam. Por outro lado, antaras são tocadas na estação seca e fria para atrair
geadas e ventos, que afastam as nuvens, trazendo claridade aos céus (Stobart,
2006: 52). Os grupos de antaras também têm épocas diferentes para soar no
povoado. Enquanto os julajulas são tocados na festa da Santa Cruz em maio e
estão associados à colheita, os sikus são tocados na época do plantio,
momento que representa a renovação e o início de um novo ciclo (ibid.). Os
informantes de Stobart afirmam que pinquillos não podem ser tocados na
época errada, são tocados geralmente sozinhos e por homens ao caminhar
(ibid.: 53-54). Segundo Bellenguer (2007: 136), em Taquile também os sikuris
aparecem na Festa da Santa Cruz em maio, quando se invoca a proteção das
colheitas, sendo tocados esporadicamente ao longo de toda a estação seca
para pedir por chuvas. Já os pinquillos são tocados no brote das primeiras
flores de planta cultivada, em especial a batata. (ibid.: 153)
285
A questão do calendário e do tempo cíclico é fundamental na produção
musical andina e influencia a posição dos músicos, já que as diferentes formas
de tocar os instrumentos e participar musicalmente dos rituais indicam
diferenças de hierarquia, gênero e autoridade política:
In many rural communities of the Southern and central Andes the economic and
‘festive’ year is orchestrated into seasonally distinct episodes, marked by a shifting
array of musical instruments, genres, tunings and dances. But such calendars –
musical and otherwise – are by no means simple, inert, ideology-free or apolitical
reflections of ‘natural’ ecological and productive cycles. Historically, in the Andes – as
in other parts of the world – they have functioned as a particularly important and
powerful tool for invoking or controlling socio-economic, political and religious relations.
Although the epistemologies and values that underlie and sustain musical calendars
are open to ever increasing challenges, in many places this mode of orchestrating
production and relations with the human and spirit community continues to serve as a
potent medium for expressing identity, ethnicity, class, knowledge and political
authority. (Stobart, 2006: 47).
Segundo Bellenguer (2007: 77) as melodias produzidas em Taquile para
um determinado ritual seguem uma ordenação, havendo uma norma para as
sequências
de
canções
que
devem
reproduzir
o
desenrolar
dos
acontecimentos. Nas palavras do próprio autor, estas canções atuam como
marcadores espaço-temporais, e suas sequências específicas identificam os
músicos ao lado alto ou baixo da comunidade (ibid. 81). Além disso, estas
canções são produzidas apenas para fins rituais e obedecem, no plano
ontológico, às divisões duais entre o lado alto e baixo da comunidade (Hanan
Pacha e Uku Pacha). Desta forma, a organização dos grupos de músicos, dos
dançarinos e da comunidade nestas festas sempre corresponde à tensão entre
os dois lados opostos e ao produto que dela pode ser gerado. O autor repete
exaustivamente em seu estudo momentos de tinkus, atipanakuys e
tumpanakuys, todas ramificações do conceito de luta, encontro ou batalha
entre os lados hanan e hurin da comunidade. (Bellenguer, 2007: 119-120; 174)
Benson (2012: 91) descreve o tinku como um encontro entre duas
parcialidades, o rito de passagem para jovens guerreiros no qual demonstram
sua aptidão para defender a comunidade, que ocorria entre o solstício de verão
286
e o equinócio de outono, ou seja, na época úmida. Ainda segundo a autora,
hoje em dia considera-se que, segundo a cosmovisão andina, se a luta do tinku
gera sangue e morte, as próximas colheitas serão fartas e estarão
asseguradas. (ibid.:92).
As antaras, sejam em conjuntos de jula-julas, sikuris, ou lakitas,
simbolizam a masculinidade e o tempo seco, estão associadas à época do
renascimento e das colheitas (Stobart, 2006: 133). As antaras não simbolizam
puramente a morte, mas a vida numa forma diferente das quenas: representam
o renascimento, o fim de um ciclo e início de outro, o espaço liminal, a
passagem e a masculinidade (ibid.). Neste sentido, os conjuntos de antaras
estão diretamente relacionados aos tinkus, um evento relacionado ao conceito
de masculinidade:
For most of the people I spoke to, tinku is about expressing courage, strenght,
manhood, and ayllu (team!) identity. This focus on lif, potential and invincibility, which
also emerges from julajula music might explain why people disputed its widely reported
conection with blood sacrifice and death. Men charge into battle shouting su chacha
karaju (“I`m a man dammit!”) or su Macha Karaju! (“I`m [a] Macha, dammit!”), bellowing
and pawing the ground like powerful crazd bulls, which are among the most potent
models for the “poetics of manhood” in the region. (Stobart, 2006: 136)
Muitas das cenas analisadas aqui mostram líderes de dois lados opostos
atuando o que poderia de fato representar um tinku. Esses líderes podem ser
músicos que representam lados opostos (pranchas 46 a 48) ou guerreiros de
lados opostos lutando (pranchas 57 a 61). Outras pranchas, como 53, 54, 55 e
56 mostram líderes, em geral Sacerdotes Guerreiros, conduzindo estes
eventos.
Os atipanakuys (Bellenguer, 2007: 120) se caracterizam por práticas de
luta ritual semelhantes aos tinkus, porém com uma diferença. Enquanto o tinku
apresenta uma lógica não combativa na qual o equilíbrio gerado é dividido
entre os dois grupos, o atipanakuy é uma prática declaradamente combativa,
na qual a abundância produzida incide sobre a parte vencedora. É possível que
as Danças do Inframundo sejam também momentos de tinku e atipanakuy,
como se pode observar nas peças do Tema 2 (por exemplo M558, prancha
287
117). Neste tema aparecem dois personagens que lutam um de frente para o
outro, agarrando-se pelos punhos. Eles, bem como os antaristas, podem
representar grupos opostos que dançam e se enfrentam no inframundo para
gerar e manter a fertilidade e o equilíbrio.
Na batalha ritual cada moiety leva seus músicos e dançarinos (Urton,
1993 apud Benson, 2012: 92). A competição entre as partes também é musical,
havendo uma disputa entre os antaristas:
Esta ceremonia del 3 de mayo hace participar a dos conjuntos que pueden
llegar a tener centenas de tocadores de flautas de Pan que se enfrentan durante una
justa musical. Los dos campos formados por estos agricultores de lengua aimará
tratan de rodearse mutuamente a passo de carga. Cada uno de estos dos insólitos
ejércitos va precedido por um capitán que blande dos banderas blancas para indicar a
su tropa la orientación a seguir para abalanzarse sobre el adversario. El objetivo
manifiesto es forzar al otro grupo a equivocarse en la ejecución de una melodía común
a ambos grupos, melodía que aparentemente ha permanecido sin cambios por siglos.
En realidad, el interés de este combate “musical” consiste en garantizar a los
vencedores abundantes cosechas futuras. Este ejemplo me demonstró la importancia
de ciertas prácticas rituales cuya estética musical aparente esconde en realidad
aspectos esenciales que permanecieron durante mucho tiempo inaccesibles a los
observadores no iniciados y me abría la vía para futuras reflexiones. (Bellenguer,
2007: 32)
Segundo Benson (2012: 92) é comum que mulheres invadam as
batalhas rituais atualmente portando espigas de milho ou garrafas de chicha,
uma homologia bastante interessante com as mulheres presentes nas Danças
do Inframundo, que carregam elementos semelhantes (bebida ritual e
mandioca). Levando em conta os dados etnohistóricos recolhidos na região
andina sobre as práticas musicais, consideramos que a iconografia mochica
mostra uma dinâmica na performance musical muito similar à que ocorre no
altiplano atual: as antaras são tocadas em duplas e representam lados opostos
que se encontram em tinku, a fim de gerar o equilíbrio dinâmico e a harmonia
social, bem como a fertilidade que trará as colheitas. As quenas são tocadas na
época chuvosa em eventos distintos àqueles nos quais se usam as antaras.
288
Acreditamos então que as Danças com os guerreiros e quenistas (pranchas 53
a 61) não ocorriam na mesma época dos rituais com antaras (pranchas 46, 47,
48 e 63). A peça M003 (prancha 113), por exemplo, possivelmente mostra um
marcador temporal importante. Nesta peça pertencente ao grupo das Danças
do Inframundo, aparecem estrelas no céu, sememas que não estão presentes
nas outras cenas da mesma categoria e que se tornam difíceis de interpretar.
Vimos anteriormente que, segundo Stobart, as antaras são tocadas na época
seca para atrair os ventos que soprarão as nuvens, a fim de tornar os céus
limpos e claros. É possível que esse seja o significado da peça, ao demonstrar
que a música está sendo produzida sob o céu noturno e limpo da época seca.
Vimos no Capítulo V que até mesmo os idiofones devem ser tocados
nos períodos corretos do dia: a chungana clara e a chungana sorda, em
momentos de luz e sombra. Assim, os personagens que têm exatamente os
mesmos atributos e aparecem na iconografia tocando idiofones de tipos
diferentes, são provavelmente os mesmos xamãs em diferentes momentos da
produção sonora e do ritual de cura.
A produção musical andina obedece de forma geral a parâmetros
temporais e ontológicos e tem como objetivo principal gerar a fertilidade e
facilitar a reprodução dos animais e das plantas (Stobart, 2006: 50), e os
músicos têm o papel de intermediar esta relação:
Por su comportamiento y su vestimenta, los paq`u que ofician durante los
rituales y conducen también los conjuntos de sikuri, e igualmente los instrumentistas,
llevan signos que los designan como intermediarios o mensajeros entre estos dos
mundos. Los tocadores de pitu señalan la presencia de los ancestros en la isla, y los
sikuri mantienen con su ejecución el diálogo con los Apu. Este diálogo prosigue entre
los conjuntos de Awki puli y Cinta k`ana quienes trenzan de un mundo a otro los lazos
que los unen a través del soplo de sus orquestas respectivas. (Bellenguer, 2007: 298)
Como na iconografía mochica, batalhas violentas ou tinkus entre
moieties contam sempre com a presença de pututos ou trombetas:
While ongoing territorial disputes are often expressed in tinku, major territorial
battles may also erupt at any time of year. Ch`axwa, the usual term for such battles in
the North of Potosí, tend to take place on the disputed territory itself, rather than a
289
predetermined ritual sites associated with tinku, a nd slingshots (warak`a) and other
weapons are used. For example, some 40 men from cabildo Palqa Uyu (…),
participated in a ch`axwa battle near Ocuri in October 1992. They fought in support of
the neighboring Tomaykuris in a territorial dispute against Maraguas, who were
supported by the nearby Q`illu Q`asas (…). According to Paulino, some 200 men
fought on each side, using long sticks (waruti k`aspis) and slings (warak`as) as
weapons. Many goat horn trumpets (cornetas) were sounded to give the fighters
‘strength’ (kallpa) and ‘fortune’ (surti), as their sound is ‘rich in animu’. (…) Thus, unlike
the more destructive and asymmetrical nature of ch`awa battles, tinku has been widely
associated with the definition and maintenance of balanced relations, especially the
dialectical dualism or ‘charged diametricality’ of the ayllu (…) In this context, the word
tinku emerges as a form of ‘violent harmony’. (Stobart, 2006: 139-140)
O papel dos músicos nos Andes como intermediadores entre os planos
da existência, ou entre a comunidade e a natureza nos diferentes momentos do
ciclo calendário demonstra que a produção musical não está separada das
outras atividades comunais, como as batalhas, as danças, os rituais o plantio e
a colheita. Todos esses momentos são igualmente abastecidos com som na
vida comunal andina dos pequenos ayllus. A iconografia mochica demonstra
uma diversidade enorme de músicos, que nada mais são do que as personas
sociais que compõem o mundo Moche, pertencendo a hierarquias mais altas
ou mais baixas, atuando como sacerdotes, guerreiros ou xamãs, indivíduos
doentes e degenerados, divindades, animais ou plantas. Todos eles cumprem
papéis centrais na sociedade, na cosmovisão e também na produção sonora. A
produção sonora no mundo mochica, portanto, não é reservada a indivíduos
específicos, mas parece ser uma atividade fundamental e naturalmente
realizada por praticamente todos os agentes sociais e ontológicos, isto é, por
todos os indivíduos da sociedade mochica. O que determina a função e
agência de determinado tipo de produção sonora é a conjunção entre o tipo de
instrumento sonoro usado para determinado evento, o papel social do indivíduo
que o toca e o momento do ciclo ritual no qual essa sonoridade deve ser
produzida, seja uma estação do ano ou um período do dia. Aparentemente
todos podem tocar instrumentos, mas não qualquer tipo de instrumento em
qualquer ocasião ou época do ano. Stobart e Bellenguer apontam
constantemente em seus trabalhos etnomusicológicos que seus informantes
290
repetem que jamais se deve tocar instrumentios sonoros em épocas erradas.
Há épocas de quenas, épocas de antaras e épocas de silêncio, que devem ser
respeitadas. Assim como a cada época, a cada papel social é reservado um
tipo específico de produção sonora. Guerreiros devem tocar pututos em
batalhas, sacerdotes podem tocar antaras em cerimônias, xamãs tocam
chocalhos em processos curativos e, no plano sobrenatural Ai Apaecs tocam
muitos instrumentos diferentes, provavelmente ligados a diferentes momentos
de suas peripécias na longa narrativa que relata seu papel intermediador.
Mulheres com tembetá que tocam tinyas são tão agentes da prática sonora
quanto quenistas, isto é, podem ser consideradas “musicistas” da mesma
maneira, mas muito provavelmente não devem poder tocar nenhum outro
instrumento em outra ocasião que não sejam aqueles reservados ao seu papel
social. Assim sendo, o papel social dos músicos no mundo mochica é
simplesmente uma incidência natural do papel social exercido pelos diferentes
indivíduos desta sociedade. Neste sentido, não poderíamos falar em uma
especialização do papel de músico de forma geral, mas em especializações de
papéis sociais (xamãs, sacerdotes, guerreiros, divindades etc.) que por sua vez
produzem um tipo especializado de som ao atuarem socialmente.
VI.IV. A música e o Período Moche Médio
A iconografia mochica, dentre as tradições estilísticas do Peru PréHispânico, foi a que mais e melhor representou seus músicos em ação. É
bastante claro que a intensificada produção de vasilhas representando
importantes cerimônias com músicos se inseria dentro de um programa de
produção da cerâmica controlado pelos governantes. A nosso ver, esta
iconografia legitimava a posição dessas elites como oficiadoras dos ritos, do
calendário e, portanto, como as detentoras do poder político e religioso. O som
produzido nas grandes ocasiões cerimoniais ou guerreiras das elites era um
dos suportes desta legitimação, já que como apontado anteriormente, esses
ritos exigiam um alto grau de “teatralização” para se validarem como as
cerimônias oficiais do mundo Mochica.
A música, ao organizar e aparelhar os
eventos oficiais dessas elites conformava um dos elementos fundamentais da
291
sustentação deste modelo ritualístico e religioso, e por isso seus produtores, os
músicos, eram indivíduos inseridos automaticamente em rituais exclusivos aos
oficiantes e governantes de grande poder.
A compreensão da produção sonora no mundo Moche e pré-Colombiano
em geral passa pela análise dos instrumentos sonoros escavados em
contextos fechados, um tópico ainda muito pouco estudado pelos arqueólogos.
Ao longo de nossa pesquisa não nos aprofundamos nos dados de escavação
de instrumentos sonoros, mas compreendemos, a partir das leituras de
informes de projetos arqueológicos, que era extremamente comum a produção
em moldes de apitos, trombetas e pequenos instrumentos de cerâmica nos
ateliês dos diversos centros de produção de cada vale da costa norte,
especialmente na fase IV (Projeto Arqueológico Huacas de Moche, Informes de
1995 a 2013; Jackson, 2008:63-64, Bernier, 2010: 98).
Vimos que a grande maioria dos artefatos coletados para análise
apresenta relação estilística com a região Moche Sul – uma parte apresenta
informação de proveniência –, e com as fases III e IV, isto é, o período Médio.
Esta grande recorrência de músicos neste período e região pode evidenciar,
não apenas uma ascensão social, política e religiosa de um grupo específico
de músicos, mas também uma maior recorrência da produção sonora em
rituais e cerimônias de elite. Parece claro, em razão dos dados analisados e
apresentados, que a música foi sumamente importante em contextos rituais do
período Moche Médio, denominado por Uceda (2010: 134) “o primeiro período
Moche”, referente à primeira fase construtiva do templo antigo da Huaca de la
Luna (ver Capítulo III). Este foi o momento do apogeu da utilização do edifício
para fins cerimoniais e funerários, como atestam as escavações de enterros
com grande quantidade de atributos de poder (muito similares aos
representados na iconografia e cerâmica), que certificam o alto status das elites
religiosas da época.
Escavações na Huaca de la Luna atestam que o templo antigo foi
abandonado ao final do período Moche Médio, aproximadamente entre 550600 d.C. (Uceda 2010: 141). Este abandono gerou uma nova gama de
transformações sociais, bem como mudanças específicas na organização dos
espaços no vale de Moche (Uceda 2010: 145). As cerimônias não eram mais
executadas nas grandes plataformas da huaca, onde, supõe-se, uma audiência
292
de centenas de pessoas se aglomerava, mas no centro urbano de Moche, uma
área localizada entre as duas Huacas principais (do Sol e da Lua) com
residências de elite. Esta alteração demonstra a acentuada tendência a
atividades coletivas no final do período Médio, início do período Final (fase V).
Assim, a produção sonora parece haver mudado das plataformas religiosas
para o âmbito doméstico:
Instead of rituals and production being concentrated in the temples, the lords of
the urban elite now controlled specialists and organized ceremonial and ritual activities
within their own residences, which can be inferred from the increase in the presence of
burials and ritual objects (such as figurines, vases, and musical instruments) in the
houses. This increase in the power of the urban class marks the start of power
secularization that would culminate with the appearance of the Chimú state (Uceda
2010: 147).
Portanto, a tendência à secularização do poder político no final do
período Moche Médio atingiu todas as esferas da vida social, inclusive a
produção sonora, que passou a se concentrar no núcleo urbano. Nossos dados
do período Moche Médio apontam para uma relação direta entre a produção
sonora e as cerimônias oficiais geridas por grupos específicos de poder, uma
prática que parece ter se enfraquecido na costa norte do período Tardio.
Assim, a compreensão do Período Moche Médio e suas características
políticas e religiosas são de fundamental importância para o entendimento da
produção sonora no mundo Moche.
VI.V. Futuros Questionamentos e Perspectivas
Acreditamos que a abordagem teórico-metodológica conjunta da
Etnoarqueomusicologia com a Semiótica foi profícua para a compreensão e
discussão do papel dos músicos no mundo Moche. A análise detalhada dos
músicos na iconografia e da maneira como são representados, levando em
consideração os tipos de suportes artefactuais e o momento sócio-político de
cada cultura estudada pode ser um importante acesso para a compreensão da
produção musical no Peru Pré-Colombiano na longa duração. O processo
293
realizado nesta tese, inclusive com a discussão de dados etnohistóricos e
etnomusicológicos, pode ser aplicado a outros períodos da história andina préhispânica, dependendo da quantidade de dados disponíveis.
Nossa proposta abrangeu os músicos e seus papéis sociais, religiosos e
políticos, mas outros questionamentos sobre o caráter social da produção
sonora nos Andes podem ser levantados em futuras investigações, tendo como
foco os eventos públicos nos quais havia intensa produção sonora, analisando
para tanto, além da iconografia, a concentração de instrumentos sonoros nas
plataformas das grandes huacas. Aspectos acústicos e organológicos da
música nos Andes pré-hispânicos também foram pouco estudados e merecem
maior atenção por parte dos arqueomusicólogos.
São muitas as perspectivas possíveis para o estudo da música préhispânica não só nos Andes, mas nas Américas de forma geral. Como afirma
Mendívil (2009: 8) a diferencia del historiador musical, el arqueomusicólogo
encontrará sus partituras tanto en la iconografía, en la concepción sonora que
acompaña a la performance de las tradiciones contemporáneas, o más aún,
deberá aprender a tratar e interpretar éstas como tales. Assim, o trabalho do
arqueomusicólogo é uma constante avaliação das fontes disponíveis para a
análise da música do passado, e um aprendizado devotado da leitura de suas
“partituras”, que devem responder a seus questionamentos sobre este aspecto
ainda pouco estudado do passado humano.
294
VII. Tabelas e Gráficos
Tab. III.IV. Distribuição de subcategorias de Músicos Oficiais por Instrumento Sonoro associado.
Tab. III.V. Distribuição de categorias de Músicos Oficiais por Instrumento Sonoro associado
Tab.III.VI. Distribuição de subcategorias de Músicos Oficiais por tipo de representação
iconográfica.
295
Tab. III.VII. Distribuição de subcategorias de Músicos Oficiais por categoria organológica.
Tab. III. VIII. Distribuição de categorias de Músicos Oficiais por categoria organológica.
Tab. III. IX. Distribuição de subcategorias de Músicos Oficiais por tipo de artefato.
Tab. III.X. Distribuição de categorias de Músicos Oficiais por tipo de artefato.
296
Tab. III.XI. Distribuição de instrumentos sonoros tocados por narrativas pictóricas analisadas.
Gráfico III.I. Distribuição de instrumentos sonoros por narrativas pictóricas analisadas.
Gráfico III.II. Distribuição de categorias organológicas por narrativas pictóricas analisadas.
297
Gráfico IV.I. Distribuição de Ai Apaecs por Instrumento Sonoro.
Gráfico IV.II. Distribuição de Ai Apaecs por Categoria Organológica.
Gráfico IV.III. Distribuição de Ai Apaecs por tipo de representação.
298
Gráfico IV.IV. Distribuição de Ai Apaecs por suporte artefactual.
Gráfico IV.V. Distribuição de partes de toucados em Ai Apaecs músicos.
Gráfico IV.VI. Distribuição de Divindades por Instrumento Sonoro.
299
Gráfico IV.VII. Distribuição de Divindades por categoria organológica.
Gráfico IV.VIII. Distribuição de Divindades por tipo de representação.
Gráfico IV.IX. Distribuição de Divindades por suporte artefactual.
300
Tabela IV.I. Distribuição de instrumentos sonoros por tipos de músicos antropozoomorfos.
Gráfico IV.X. Distribuição de músicos antropozoomorfos por instrumentos sonoros.
Gráfico IV.XI. Distribuição de músicos antropozoomorfos por categoria organológica.
301
Gráfico IV.XII. Distribuição de músicos antropozoomorfos por tipo de representação
iconográfica.
Tabela IV.II. Distribuição de categorias de músicos antropozoomorfos por tipo de suporte
artefactual.
Tabela IV.III. Distribuição de categorias de músicos antropozoomorfos por tipo de suporte
artefactual.
302
Gráfico IV.XIII. Distribuição de músicos antropozoomorfos por tipo de suporte artefactual.
Gráfico IV.XIV. Distribuição de músicos fitomorfos por instrumento sonoro.
Gráfico IV.XV. Distribuição de antaristas cadavéricos escultóricos por suporte artefactual
303
Gráfico IV.XVI. Distribuição de antaristas cadavéricos escultóricos por grupo
Gráfico IV.XVII. Distribuição de instrumentos sonoros na categoria músicos cadavéricos
Gráfico IV.XVIII. Distribuição de músicos cadavéricos por categoria organológica
304
Gráfico IV.XIX. Distribuição de músicos cadavéricos por suporte artefactual I
Gráfico IV.XX. Distribuição de músicos cadavéricos por suporte artefactual II
Tabela IV.IV. Distribuição de instrumentos sonoros por Temas das Danças do Inframundo
305
Gráfico IV.XXI. Distribuição de instrumentos sonoros presentes em Danças do Inframundo
Gráfico IV.XXII.. Distribuição de categorias organológicas por Temas de Danças do Inframundo
Gráfico IV.XXIIII. Distribuição de categorias organológicas por Danças do Inframundo
306
Gráfico IV.XXIV. Distribuição de Danças do Inframundo por suporte artefactual
Tabela IV.V. Distribuição de tipos de suporte artefactual por temas de Danças do Inframundo
Tabela IV.VI. Distribuição de atributos de poder por temas de Danças do Inframundo
Tabela IV.VII. Distribuição de tipos de toucados por temas de Danças do Inframundo
307
Gráfico IV.XXV. Distribuição de toucados de músicos em Danças do Inframundo
Gráfico IV.XXVI. Quantidade de músicos com e sem atributos de poder em Danças do
Inframundo
Gráfico IV.XXVII. Distribuição de Temas das Danças do Inframundo por vales
308
Gráfico V.I. Distribuição de Percussionistas Cegos por Suporte Artefactual
Gráfico V.II. Distribuição de Percussionistas Cegos por Suporte Artefactual II.
Gráfico V.III. Distribuição de Percussionistas Cegos por Vales.
309
Gráfico V.IV. Distribuição de Músicos degenerados por suporte artefactual.
Gráfico V.V. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de campânula fusiforme por
subgrupo.
Gráfico V.VI. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de campânula fusiforme por
suporte artefactual.
310
Gráfico V.VII. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de campânula fusiforme por
suporte artefactual II.
Gráfico V.VIII. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de Golpe Direto Horizontal por
grupos.
Gráfico V.IX. Distribuição de Xamãs tocando idiofones de Golpe Direto Horizontal por
suporte artefactual.
311
Gráfico V.X. Distribuição de peças com Xamãs com Idiofones Suspensos Conjugados
por grupos.
Gráfico V.XI. Distribuição de músicos tocando Idiofones Suspensos Conjugados por
suporte artefactual.
Gráfico V.XII. Distribuição de peças por subgrupos na categoria Xamãs com Idiofones
Suspensos Conjugados e Bolsa.
312
Gráfico V.XIII. Proporção dos dois grandes grupos de cântaros com Idiofones
Suspensos Conjugados.
Gráfico V.XIV. Distribuição de toda a categoria de xamãs e curandeiros por suporte
artefactual.
Gráfico V. XV. Distribuição de toda a categoria de xamãs e curandeiros por vale.
313
Gráfico VI.I. Proporção de músicos por categoria.
Gráfico VI.II. Proporção de peças por categoria.
Gráfico VI.III. Instrumentos sonoros tocados por músicos oficiais.
314
Gráfico VI.IV. Proporção de categorias organológicas na amostra de músicos oficiais.
Gráfico VI.V. Instrumentos sonoros tocados por músicos sobrenaturais.
Gráfico VI.VI. Proporção de categorias organológicas na amostra de músicos sobrenaturais.
315
Gráfico VI.VII. Instrumentos sonoros tocados por músicos mediadores.
Gráfico VI.VIII.Proporção de categorias organológicas na amostra de músicos mediadores.
Gráfico VI.IX. Proporção de instrumentos sonoros tocados por todas as categorias.
316
Gráfico VI.X. Categorias organológicas dentro da amostra total.
317
VIII. BIBLIOGRAFIA
ALLEN, C. The Sadness of Jars: Separation and Rectification in Andean
Understandings of Death. In: SHIMADA, I. & FITZSIMMONS, J.L. (eds.)
Living with the Dead in the Andes. Tucson, University of Arizona Press,
2015, 304-328.
ALVA MENESES, N. I. Spiders and Spider Decapitators in Moche Iconography:
Identification from the Contexts of Sipán, Antecendents and Symbolism.
In: BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the
Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin:
University of Texas Press, 2008: 247-262.
_____________. As imagens e os símbolos das tumbas de Sipán. In: ALVA, W.
(curadoria). Tesouros do Senhor de Sipán, Peru. O esplendor da cultura
Mochica. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2006: 145-157.
ALVA, W. As tumbas reais de Sipán e a cultura peruana. In: ALVA, W.
(curadoria). Tesouros do Senhor de Sipán, Peru. O esplendor da cultura
Mochica. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2006.
________. The Royal Tombs of Sipán: Art and Power in Moche Society. In:
PILLSBURY, J. (ed.) Moche Art and Archaeology in Ancient Peru. Studies
in History of Art. Washington: National Gallery of Art, 2001: 223-245.
ALVA, W. & CHERO ZURITA, L. La Tumba del Sacerdote Guerrero. Informe
Oficial do Museu Tumbas Reales de Sipán. Projeto Especial Naylamp
Lambayeque. s/d.
______ Sipán: Descubrimiento e Investigación. Lima: Edição do autor, 1998.
ALVA, W.; DONNAN, C. Royal Tombs of Sipán. Los Angeles: University of
California, 1993.
ARCURI, M. M. Cosmografía y ritual en la Huaca Ventarrón: La naturaleza del
Estado. In: ALVA MENESES, I. (ed.) Ventarrón y Collud: Origen y auge de
318
la civilización en la costa norte del Perú. Lambayeque: Unidad Ejecutora
111 - Naylamp Lambayeque/Instituto Nacional de Cultura del Perú, 2014.
___________. El Occidente no vio el Sol nocturno: el papel de la dualidad
complementaria de las fuerzas cósmicas en la organización política de las
jefaturas amerindias. In: ROJAS, B.A. & NAVARRETE, F.L. (Org.). Los
pueblos amerindios: más allá del Estado .México: Universidad Nacional
Autónoma de México, 2011.
___________. O Tahuantinsuyu e o poder das huacas nas relações centro x
periferia de Cusco. São Paulo, Revista do Museu de Arqueologia e
Etnologia, 2008. Suplem. 8: 33-49.
___________. Tribos, cacicados ou Estados? A dualidade e a centralização da
chefia na organização social da América Pré-Colombiana. In: Revista do
Museu de Arqueologia e Etnologia, v. 17. São Paulo, 2007.
_______________. Os Sacerdotese o Culto Oficial na Organização do Estado
Mexica. Tese de Doutorado. São Paulo: Museu de Arqueologia e
Etnologia da USP, 2003.
ARETZ, I. Música Prehispánica en las Altas Culturas Andinas. Buenos Aires:
Lumen, 2003.
BARRET, J. Agency, the duality of structure, and the problem of the
archaeological record. In HODDER, I. (ed.) Archaeological Theory
Today. Blackwell, 2001:141—64.
BARS, C. O Felino na Iconografia Mochica: Análise dos Padrões de Estilização
na Cerâmica Ritual. Dissertação de Mestrado. São Paulo, Museu de
Arqueologia e Etnologia, 2010.
BAUMANN, M. P. Andean Music, Symbolic Dualism and Cosmology.
In:
BAUMANN, M. P. (org.). Cosmología y música en los Andes. Frankfurt:
Dietrich Briesemeister, 1996, 15:66.
319
BAWDEN, G. The Art of Moche Politics. In: SILVERMAN, H. (ed.) Andean
Archaeology. Malden: Blackwell, 2004.
___________. The Moche. Cambridge: Blackwell, 1996.
___________. The Structural Paradox: Moche Culture as Political Ideology. In:
Latin American Antiquity, 6 (3); 1995: 255-273.
BELLENGER, X. El espacio musical andino. Lima: Instituto Frances de
Estudios Andinos, 2007.
BENITO, C.G; PASALODOS, R.J. La música enterrada: Historiografía y
Metodología
de
la
Arqueología
Musical.
In:
Cuadernos
de
Etnomusicología, 1. Barcelona: Sociedad de Etnomusicología, 2011.
BENSON, E. The Worlds of the Moche on the North Coast of Peru.Austin:
University of Texas Press, 2012.
___________. Maya Political Structure as a Possible Model for the Moche. In:
QUILTER, J & CASTILLO, L.J (eds.) New Perspectives on Moche Political
Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and
Collection, 2010: 17-46.
___________. Iconography meets Archaeology. In: BOURGET, S.; JONES, K.
(eds.). The Art and Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society
of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 121.
______ Moche and Vicús. In: KATZ, L. (ed.) Art of the Andes: Pre-Columbian
and Painted Ceramics from the Arthur M. Sackler Collections. Washington
D.C: The AMS Foundation, s/d: 69-77
______ The Mochica: A Culture of Peru. London: Thames and Hudson, 1972.
BENSON, E. & COOK, A. (eds.) Ritual Sacrifice in Ancient Peru. Austin:
University of Texas Press, 2001.
BEREZKIN, Y. An identification of the Anthropomorfic Mythological Personages
in Moche representations. In: Ñawpa Pacha: California, 1981: 1-26.
320
BERNIER, H. Personal adornments at Moche, north coast of Peru. In: Ñawpa
Pacha: Journal of Andean Archaeology, 2010, 30: 1, 91-114.
BILLMAN, B. How Moche Rulers Came to Power: Investigating the Emergence
of the Moche Political Economy. In: CASTILLO, L.J.B. & QUILTER, J.
(eds.). New Perspectives on Moche Political Organization. Washington
D.C: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 181-200.
BOLAÑOS, C. Origen de la música en los Andes. Instrumentos musicales,
objetos sonoros y músicos de la región andina precolonial. Lima: Fondo
Editorial del Congreso del Perú, 2007.
____________. Las Antaras Nasca: Historia y Análisis. Lima: Programa de
Arqueomusicología del Institito Andino de Estudios Arqueologicos
(INDEA), 1988.
BOTH,
A.
Music
Archaeology:
Some
Methodological and
Theoretical
Considerations. In: BOTH, A.; NILES, D.; LAU, F, et al. (eds.). 2009
Yearbook for Traditional Music. International Council for Traditional Music;
Vol. 41, 2009: 1-11.
BOURGET, S. Cultural Assignations During the Early Intermediate Period : The
case of Huancaco, Virú Valley. In: CASTILLO, L.J.B. & QUILTER, J.
(eds.). New Perspectives on Moche Political Organization. Washington
D.C: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 201-222
__________. The Third Man: Identity and Rulership in Moche Archaeology and
Visual Culture. In: BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and
Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian
North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 263-288.
___________. Sex, death and sacrifice in Moche religion and visual culture.
Austin: University of Texas Press, 2006.
___________. Sexo, Muerte y Fertilidad en la Religión Moche. In: Morir para
Gobernar: Sexo y poder en la sociedad Mochica (Catálogo de Exposição).
Santiago: Museo Chileno de Arte Precolombino: octubre 2007-marzo
2008.
321
___________.
Bestiaire sacre et flore magique: Écologie rituelle de
l’iconographie de la culture Mochica, côte nord du Pérou. Tome II: Dossier
iconographique. Janvier: Université de Montreal, 1994a.
__________. El Mar y la Muerte en la Iconografía Mochica. In: UCEDA, S.&
MUJICA, E. (eds.). Moche: Propuestas y Perspectivas. Actas del Primer
Coloquio sobre la Cultura Mochica (Trujillo, 12 al 16 de abril de 1993).
Lima: Institut Français d’Etudes Andines, Vol. 79, 1994b: 425-477.
BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the Moche: An
Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University of
Texas Press, 2008.
BOZA CUADROS, M. F. La ocupación Mochica en los valles de Lambayeque y
Zaña. In: Arkeos: Revista Electrónica de Arqueología de la PUCP. Vol.
1, no. 4, 2006.
BURTENSHAW-ZUMSTEIN, J. The “Tembladera” Figurines: Ritual, Music, and
Elite Identity in Formative Period North Peru, Circa 1800–200 B.C. In:
Ñawpa Pacha: Journal of Andean Archaeology, 33: 3. Berkeley, 2013:
119-148.
CANEDO, W.S. Algunas Consideraciones Hipotéticas Sobre Música y Sistema
de Pensamiento. La Flauta de Pan en los Andes Bolivianos. In:
BAUMANN, M.P. (ed.), Cosmología y Música en Los Andes. Vervuert:
Iberoamericana, 1996.
CANZIANI, J.A. City Planning and Architecture in the Analysis of Moche Social
Formation. In: New Perspectives on Moche Political Organization.
Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010:
159-180.
CASTILLO B., L. J. Moche Politics in the Jequetepeque Valley: A Case for
Political
Opportunism.
In:
New
Perspectives
on
Moche
Political
322
Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and
Collection, 2010: 83-109.
________________. Informe do Programa Arqueologico San José de Moro.
Pontifícia
Universidad
Católica
del
Perú,
2009.
Disponível
em:
http://sanjosedemoro.pucp.edu.pe/index.html
________________. Origem, Desenvolvimento e Colapso das Sociedades
Mochicas. In: Tesouros do Senhor de Sipán, Peru - O Esplendor da
Cultura Mochica. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2006: 125-142.
________________. Las Señoras de San José de Moro: Rituales funerarios de
mujeres de élite en la costa norte del Perú. In: Arkeos: Revista Electrónica de
Arqueología de la PUCP. Vol. 1, no. 3, 2006.
________________. Informe do Programa Arqueologico San José de Moro.
Pontifícia
Universidad
Católica
del
Perú,
2004.
Disponível
em:
http://sanjosedemoro.pucp.edu.pe/index.html
________________. Informe do Programa Arqueologico San José de Moro.
Pontifícia
Universidad
Católica
del
Perú,
2003.
Disponível
em:
http://sanjosedemoro.pucp.edu.pe/index.html
________________. La Cerimonia del Sacrifício - Batalla y Muerte en el Arte
Mochica. In: La Cerimonia del Sacrifício - Batalla y Muerte en el Arte
Mochica. Catálogo da exposição, Fevereiro a Agosto de 2000. Lima:
Museo Arqueológico Rafael Larco Herrera, 2000: 14-27.
________________. Los rituales Mochica de la muerte. In: MAKOWSKI et al.
Los dioses del antiguo Perú. Lima: Banco de crédito del Perú, 2000b: 103135.
________________. Personajes míticos, escenas y narraciones en la
iconografía Mochica. Lima: Fondo Editorial PUCP, 1989.
CASTILLO B., L. J.; DONNAN, C.B. Los Mochica del Norte y los Mochica del
Sur, una perspectiva desde el valle del Jequetepeque. In: MAKOWSKI, K.
(ed.). Vicús. (Colección Arte y Tesoros del Perú). Lima: Banco de Crédito
del Perú, 1994: 142-181
323
CASTILLO B., L; UCEDA, S. The Moche of Northern Peru. Artigo do Programa
Arqueologico
San
Jose
de
Moro,
2007.
Disponível
em:
http://sanjosedemoro.pucp.edu.pe/descargas/articulos/TheMochePeru.pdf
CHAPDELAINE, C. Moche Political Organization in the Santa Valley: A Case of
Direct Rule through Gradual Control of the Local Populations. In: New
Perspectives
on
Moche
Political
Organization.
Washington
D.C:
Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 252-279.
______________. Moche Art Style in the Santa Valley: Between being “à la
Mode” and Developing a Provincial Identity. In: BOURGET, S.; JONES, K.
(eds.). The Art and Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society
of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 129152.
CHAPDELAINE, C.; PIMENTEL, V.; GAMBOA, J. Rol de la Cerámica en la
Afirmación Social de los Moches del Valle de Santa. In: Revista de
Antropología, no. 20. Santiago: Universidad de Chile, 2009: 37-76.
CHERO ZURITA, L. Nuevos Aportes en la Investigación Arqueológica de
Sipán. Unidad Ejecutora 005 – Proyecto Especial Naylamp Lambayeque.
Ministério de Cultura del Perú. Lambayeque, 2015.
________________. Huaca Rajada / Sipán: Esplendor y Complejidad. Lima,
Edição do Autor, 2013.
________________. Los Guardianes de las Tumbas Reales de Sipán. In:
Tesoros Preincas de la Cultura Mochica. (Catálogo de Exposição). Lima,
2012.
COBO, B. (1653). Inca Religion and Customs. In: HAMILTON, R. (ed.). Inca
Religion and Customs. Austin: University of Texas Press, 2004.
CORDY COLLINS, A. Labretted Ladies: Foreign Women in Northern Moche
and Lambayeque Art. In: PILLSBURY, J. (ed.). Moche Art and
Archaeology in Ancient Peru. Washington: National Gallery of Art, 2001a:
247-257.
324
__________________. Decapitation in Cupisnique and Early Moche Societies.
In: BENSON, E. & COOK, A. (eds.) Ritual Sacrifice in Ancient Peru.
Austin: University of Texas Press, 2001b: 21-33.
CORDY COLLINS, A.; MERBS, C.F. Forensic Iconography: The case of the
Moche Giants. In: BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and
Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian
North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 93-112.
CURAZZI CALLO, A. Sobre Siku Aimara: Ejecutante de Siku o Zampoña. In:
Todo Sikuri. Edição especial da Revista Folklore: Arte, Cultura y
Sociedad. Revista del Centro Universitario del Folklore - UNMSM. Lima,
2007: 71-84.
DE BOCK, E. Human sacrifices for cosmic order and regeneration: structure
and meaning in Moche iconography, Peru, AD 100-800. Oxford: BAR
International Series, 2005.
DE MARRAIS, E.; CASTILLO, L.J.B.; EARLE, T. Ideology, Materalization, and
Power Strategies.In: Current Anthropology, vol. 37, no. 1, 1996: 15-31.
DEN OTTER, E. Pre-Columbian Musical Instruments: Silenced Sounds in the
Tropenmuseum collection. In: Bulletins of the Royal Tropical Institute.
Amsterdan: Royal Tropical Institute, 1994.
DONNAN, C. B. Dressing the Body in Splendor: Expression of Value by the
Moche of Ancient Peru. In: PAPADOPOULOS J.K & URTON, G. (eds.)
The Construction of Value in the Ancient World. Los Angeles: University
of California, 2012.
____________. Moche Substyles: Keys to Understanding Moche Political
Organization. In: Boletín del Museo Chileno de Arte Precolombino. Vol 16,
No. 1. Santiago, 2011: 105-118.
____________. Moche State Religion: A Unifying Force on Moche Political
Organization. In: CASTILLO, L.J.B. & QUILTER, J. (eds.). New
325
Perspectives
on
Moche
Political
Organization.
Washington
D.C:
Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 47-69.
____________. Moche Masking Traditions. In: BOURGET, S. & JONES, K.
(eds.). The Art and Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society
of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 6780.
____________. Dance in Moche Art. In: Ñawpa Pacha, 20, Berkeley, 1982: 97120.
____________. Moche Art and Iconography. Los Angeles: University of
California, 1978.
____________. Moche Art of Peru: Pre Columbian Symbolic Communication.
California: California: Latin American Studies Publications, 1976.
DONNAN, C. B.; McCLELLAND, D. Moche Fineline Painting: Its Evolution and
Its Artists. Los Angeles: University of California, 1999.
______ The Burial Theme in Moche Iconography. In: Studies in Pre-Columbian Art
& Archaeology num. 21. Washington D.C: Dumbarton Oaks, 1979: 5-46.
DONNAN, C.B.; SCOTT, D.A.; BRACKEN, T. Moche Forms for shaping Sheet
Metal. In: BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of
the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast.
Austin: University of Texas Press, 2008: 113-128.
DORNAN, J. L. Agency and Archaeology: Past, Present, and Future Directions. In:
Journal of Archaeological Method and Theory, Vol. 9, No. 4, 2002: 303-329.
ELERA, C. El shaman del Morro de Eten: antecedentes arqueológicos del
shamanismo en la costa y sierra norte del Perú. In: MILLONES, L. &
LEMLIJ, M. (eds). En el nombre del Señor: shamanes, demonios y
curanderos del norte del Perú. Lima: Biblioteca Peruana de Psicoanálisis;
Seminario Interdisciplinario de Estudios Andinos, 1994: 22-50.
FASH, W.L. An Outsider’s Reflections on the Moche Political Organization. In:
CASTILLO, L.J.B. & QUILTER, J. (eds.). New Perspectives on Moche
326
Political Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research
Library and Collection, 2010: 306-322.
FERRIER, C. El Huayno con Arpa: estilos globales en la nueva música popular
andina. Lima: Instituto Francés de Estudios Andinos: 2010.
FORTUN, J. E. Aerofonos Prehispánicos Andinos. Folklore Americano. Organo
del Comité Interamericano de Folklore. Años XVII-XVIII. No. 16. Lima,
1969-70: 49-77.
FRANCO, R.J. Oficiantes y Curanderos Moche, una Visión desde la
Arqueología.
In: Pueblo Continente, Revista Oficial de la Universidad
Privada Anyenor Orrego. Trujillo, V. 23, Nº 1, 2012: 18-26.
___________. Mochica: Los Secretos de la Huaca Cao Viejo. Lima: Fundación
Wiese, 2009.
FRANCO, R.J.; GALVEZ, M. S.; VASQUEZ, S.S. Moche Power and Ideology at
the El Brujo Complex and in the Chicama Valley. In: CASTILLO, L.J.B. &
QUILTER, J. (eds.). New Perspectives on Moche Political Organization.
Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010:
110-131.
GAMBOA, J. Dedication and Termination Rituals in Southern Moche Public
Architecture. In: Latin American Antiquity (26) 1, 2015: 87-105.
__________. Identificación de una técnica de elaboración de botellas Moche de
asa estribo en el Castillo de Santa, Costa norte del Perú. In: Boletín del
Museo Chileno de Arte Precolombino, vol. 18, no.1. Santiago, 2013.
GELL, A. The technology of enchantment and the enchantment of technology. In:
COOTE, J. & SHELTON, A. (eds.). Anthropology, Art and Aesthetics. Oxford:
Clarendon, 1992: 40-63.
_________. Art and agency. An anthropological theory. Oxford: Clarendon,1998.
327
GELLES, P. Equilibrium and Extraction: Dual organization in the Andes. In:
American Ethnologist, 22 (4); 1995: 710-742.
GIERSZ, M.; MAKOWSKI, K.; PRZADKA, P. El mundo sobrenatural Mochica:
imágenes escultóricas de las deidades antropomorfas en el Museo
Arqueológico Rafael Larco Herrera. Varsovia: Universidad de Varsovia;
Lima: PUCP; Fondo Editorial, 2005.
GILLESPIE, S. Ballgames and boundaries. In: SCARBOROUGH, V.L.&
WILCOX, D.R (eds.) The Mesoamerican Ballgame. Tucson, University of
Arizona Press, 1991.
GLASS-COFFIN, B.; SHARON, D; UCEDA, S. Curanderas a la Sombra de la
Huaca de la Luna. In: Bulletin de l’Institute Français d’ Études Andines.
Lima, 34(1): 2004: 81-95.
GÖLTE, J. Moche, Cosmología y Sociedad: una interpretación iconográfica.
Cusco: Instituto de Estudios Peruanos, 2009.
______ Un modelo para comprender la cosmovisión en las culturas de los
Andes Centrales. Manuscrito, 2007.
______ Construcción de sentido en una cosmovisión o novela policíaca: la
secuencia del entierro en la iconografia. In: XIX Reunión anual de
etnología (Anales de la reunión anual de etnología). La Paz: Museo
nacional de etnografía y folklore, 2006: 757-806.
______ La Construcción de la Naturaleza en el Mundo Prehispánico Andino, su
Continuación en el Mundo Colonial y en la Época Moderna. In: Revista de
Antropologia, UNMSM. Facultad de Ciencias Sociales, 3 (3); 2005.
______ Un universo oculto. Baessler-Archiv., 52. Berlin, 2004: 125-174.
______ La iconografía Nasca. In: Arqueológicas. Revista del Museo Nacional
de Arqueología, Antropología e Historia del Perú, 26. Lima, 2003: 179218.
______ Íconos y Narraciones: la reconstrucción de uma secuencia de
imágenes Mochica. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 1994.
328
GOSDEN, C. What do objects want? In: Journal of Archaeological Method and
Theory, Vol. 12, No. 3, 2005: 193-211.
GRUSZCZYNSKA, A. Detrás del silencio. La música en la cultura Nasca. Lima:
Sociedad Polaca de Estudios Latinoamericanos & Fondo Editorial,
Pontificia Universidad Católica del Perú, 2014.
__________________. Is sound the First and Last Sign of Life? An
Interpretation of the Most Recent Archaeomusicological Discovery of the
Nasca Culture (Panpipes). In: HICKMANN, E.; EICHMANN, R. (org.).
Studien zur Musikarchäologie, V. Rahden/Westf: Verlag Marie Leidorf
GmbH, 2006: 191-202.
______ Under the Safe Cover of Sound: The Sense of Music in a Cycle of Lifeand-Death According to Andean Tradition. In HICKMANN, E.; EICHMANN,
R. (org.). Studien zur Musikarchäologie, V. Rahden/Westf: Verlag Marie
Leidorf GmbH, 2006b: 80-94.
______
Masculine
Musical
Instruments
in
the
Andean
Tradition.
In:
HICKMANN, E.; EICHMANN, R. (org). Studien zur Musikarchäologie, V.
Rahden/Westf: Verlag Marie Leidorf GmbH, 2006c: 253-260.
______ El Poder del Sonido: El papel de las crónicas españolas en la
etnomusicología andina. Cayambe (Equador): Ediciones Abya-Yala, 1995.
______ La creación del espacio sonoro: testimonios musicales del Sector Y13.
Manuscrito, s/d: 1-33.
GUDEMOS, M. Apuntes preliminares a esta edición. In: GUDEMOS, M. (org.)
Dossier de Arqueomusicología Andina. Revista Española de Antropología
Americana. Madrid: Universidad Complutense de Madrid, 2009: 119-124.
______ Canto, Danza y Libación en Los Andes. Madrid: Ministerio de Cultura,
Dirección General de Bellas Artes y Bienes Culturales. Subdirección
General de Museos Estatales, 2004.
HERRERA, A.W. Pututo and Wayllaquepa: New Data on Andean Pottery Shell
Horns.
In:
HICKMANN,
E.;
EICHMANN,
R.
(org).
Studien
zur
Musikarchäologie, V. Rahden/Westf: Verlag Marie Leidorf GmbH, 2006:
17-37.
329
HICKMANN, E. Precolumbian Music Archaeology: an Introduction. In:
HICKMANN, E.; EICHMANN, R. (org). Studien zur Musikarchäologie, V.
Rahden/Westf: Verlag Marie Leidorf GmbH, 2006: 251-254.
______ The Iconography of Dualism: Precolumbian Instruments and Sounds as
Offerings? In: BAUMANN, M. P. (org.). Cosmología y Música en los
Andes. Frankfurt: Dietrich Briesemeister, 1996: 123-133.
HOCQUENGHEM, A.M. Sacrifices and Ceremonial Calendars in Societies of
the Central Andes. In: BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and
Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian
North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 23-42.
___________________. Relación entre mito, rito, canto y baile e imagen:
afirmación de la identidad, legitimación del poder y perpetuación del
orden. In: BAUMANN, M. P. (org.). Cosmología y Música en los Andes.
Frankfurt: Dietrich Briesemeister, 1996: 137-173.
___________________. Iconografía Mochica. Lima: PUCP; Fondo Editorial,
1987.
HOCQUENGHEM, A.M.& LYON, P. A Class of Supernatural Female in Moche
Iconography. Ñawpa Pacha no 18: Berkeley, 1980: 27-50.
HODDER, I. Interpretación en Arqueología: Corrientes actuales. Barcelona:
Crítica Editorial, 1994.
HOLMQUIST, U.P. El Personaje Mítico Femenino de la Iconografía Mochica.
Memoria para obtençao de grau de Bacharel em Humanidades com
menção em Arqueologia. Pontifícia Universidad Católica del Perú: Lima,
1992.
HOYLE, A. Patrimonio musical de la cultura Mochica. Tese para a obtenção do
grau de Licenciado em Arqueologia. Universidade Nacional de Trujillo,
1985.
330
JACKSON, M. Moche Art and Visual Culture in Ancient Peru. Albuquerque:
University of New Mexico Press, 2008.
JIMÉNEZ BORJA, A. Instrumentos musicales del Perú. Lima: Museo de la
Cultura, 1951.
JOFFRÉ, G. R. Periodificación en Arqueología Peruana: Genealogía y Aporía.
In: Bulletin de l’Institute Français d’ Études Andines. Paris, 2005, 34(1): 533.
JULIEN, C. On The Beggining of the Late Horizon.
Ñawpa Pacha, 29: 1.
Berkeley, 2008: 163-177.
KAULICKE, P. Prólogo. In: KAPSOLI, W.; MILLONES, L. (eds.) La memoria de
los ancestros. Lima: Universidad Ricardo Palma, 2001: 9-61.
__________. Vivir con los ancestros en el Antiguo Perú. In: KAPSOLI, W.;
MILLONES, L. (eds.) La memoria de los ancestros. Lima: Universidad
Ricardo Palma, 2001b.
__________. Memoria y Muerte en el Perú Antiguo. Lima: Fondo Editorial de la
Pontifica Universidad Católica del Perú, 2001c.
__________. La Muerte en el Antiguo Peru: Contextos y Conceptos funerarios:
una introducción. Separata. Boletin de Arqueologia PUCP, 1. Lima, 1997:
7-54
KNIGHT, V.J. Iconographic Method in New World Prehistory. New York:
Cambridge University Press, 2013.
KOLAR, M. Et al. Ancient Pututus Contextualized: integrative Archaeoacoustics
at Chavín de Huántar, Peru. In: STOCKLI, M. & BOTH, A.A. Flower
World: Music Archaeology of the Americas. Vol. I / Mundo Florido:
Arqueomusicología de las Américas Vol. I. Berlim: Ecko Verlag, 2012.
331
KOONS, M. External Versus Internal: An Examination of Moche Politics
Through Similarities and Differences in Ceramic Style. In: DRUC, I. (ed.)
Ceramic Analysis in the Andes. Deep University Press, 2015.
LA CHIOMA , D.S.V.
The Social Roles of Musicians in the Moche World: an
Iconographic Analysis of Their Attributes in Middle Moche Period´s Ritual
Pottery. In: MARCONI, C. & BELLIA, A. (eds.) Representations of
Musicians in the Coroplastic Art of the Ancient World: Iconography, Ritual
Contexts, and Functions. Pisa & Roma: Fabrizio Serra Editore, Telestes 2,
(no prelo).
__________________. Representaciones iconográficas en la cerámica moche.
Debate sobre instrumentos sonoros y roles sociales protagónicos en el
Período Medio. In: Arariwa: Revista de la Dirección de Investigación de la
Escuela Nacional Superior de Folklore Jose María Arguedas. Año 10, no.
15, Julho del 2015.
___________________. Las representaciones iconográficas de músicos en la
cerámica del período Moche Medio: un debate sobre instrumentos
sonoros y roles sociales protagónicos. Conferência apresentada no
Conversatório de Iconografia Moche. Lima, Ministério de Cultura do Peru.
20 de agosto de 2014.
Disponível em: http://www.escuelafolklore.edu.pe/investigacion/archivos/arariwa15.pdf
__________________. O músico na iconografia da cerâmica ritual Mochica do
Período Médio: uma relação entre instrumentos sonoros e papéis sociais.
In: III Semana Internacional de Arqueologia André Penin, 2012, São
Paulo. Anais da III Semana Internacional de Arqueologia André Penin Revista do MAE/USP, 2013a.
__________________. El Señor de las Antaras: Música y Fertilidad en la
Iconografía Nasca. In: STOCKLI, M. & BOTH, A.A. Flower World: Music
Archaeology of the Americas. Vol. II / Mundo Florido: Arqueomusicología
de las Américas Vol. II. Berlim: Ecko Verlag, 2013b: 51-70.
__________________. Emissários do Vento: Um Estudo dos Tocadores de
Antaras representados na Cerâmica Ritual Mochica e Nasca. Dissertação
de Mestrado. São Paulo: Museu de Arqueologia e Etnologia, 2012.
332
LARCO HOYLE, R. Checan: Essay on erotic elements in Peruvian art. Nagel,
1965.
_______________. Los Mochicas. Tomos I e II. Lima: Museu Arqueológico
Rafael Larco Herrera, 2001 (1938).
LAU, G. Andean expressions: art and archaeology of the Recuay culture. Iowa
City: University of Iowa Press, 2011.
______. Object of Contention: an Examination of Recuay-Moche Combat
Imagery. In: Cambridge Archaeological Journal, 14:2, 2004: 163-184.
LOCKHART, G. The ocupation history of Galindo, Moche Valley, Peru. Latin
American Antiquity, vol. 20, no. 2, 2009. Pp. 279-302.
LÓPEZ AUSTIN, A. & MILLONES, L. Dioses del Norte, Dioses del Sur:
Religiones y cosmovisión en Mesoamérica y los Andes. Lima: Instituto de
Estudios Peruanos, 2008.
ANTICONA, J L.N.. El Gollete estribo de la cerámica precolombina peruana:
interpretación estética. Lima: UNMSM; Fondo Editorial, 2000.
LUMBRERAS, L. G. Arqueología y Sociedad. In: DEL ÁGUILA, C.; CARRÉ, E.
G. (eds.). Arqueología y Sociedad. Lima: Instituto de Estudios Peruanos,
2005.
MAKOWSKI, K. Religion, Ethnic Identity, and Power in the Moche World: A
View from the Frontiers. In: QUILTER, J. & CASTILLO, L.J. (eds.) New
Perspectives
on
Moche
Political
Organization.
Washington
D.C:
Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 280-305.
______. La religión de las altas culturas de la costa del Perú Prehispánico. In:
ALBÓ, X. (org.) Religiones Andinas. Madrid: Trotta, 2005: 39-88.
______. Ritual y Narración en la Iconografía Mochica. In: Arqueologicas, 25.
Lima: Museo Nacional de Arqueología, Antropología e Historia del Perú.
2001: 175-203.
333
______. Las Divinidades en la iconografía Mochica. In: MAKOWSKI, K. et al.
(eds.). Los dioses del antiguo Perú. Lima: Banco de crédito del Perú,
2000.
______.
Los seres sobrenaturales en la iconografía Paracas y Nasca. In:
MAKOWSKI, K. et al. (org). Los dioses del antiguo Perú. Lima: Banco de
Crédito del Perú, 2000b: 277-323.
______. Los Seres Radiantes, el Águila y el Búho. La Imagen de la Divinidad
en la Cultura Mochica (siglos II-VIII D.C). In. MAKOWSKI, K; AMARO, I;
HERNANDEZ, M (eds.). Imágenes y Mitos: Ensayos sobre las Artes
Figurativas en los Andes Prehispánicos. Lima: Australis; Casa Editorial;
Fondo Editorial SIDEA, 1996: 13-106.
______.
La figura del oficiante en la iconografía Mochica: ¿shamán o
sacerdote? In: MILLONES, L.; LEMLIJ, M. (eds). En el nombre del Señor:
shamanes, demonios y curanderos del norte del Perú. Lima: Biblioteca
Peruana de Psicoanálisis; Seminario Interdisciplinario de Estudios
Andinos, 1994: 51-95.
MANSILLA, C. El artefacto sonoro más antiguo del Perú: aclaración de un dato
histórico. In: GUDEMOS, M. (org.). Dossier de Arqueomusicología Andina.
Revista Española de Antropología Americana. Madrid: Universidad
Complutense de Madrid, 2009: 185-193
______ El sonido de otros tiempos: las antaras de cerámica de la tumba SIIICQT-5 de Las Trancas, Nasca. In: Arariwa (Vocero de la Dirección de
Investigación de la Escuela Nacional Superior de Folclore José María
Arguedas), Lima, 2006: 14-17.
McCLELLAND, D. Ulluchu: an Elusive Fruit. In: BOURGET, S. & JONES, K
(eds.). The Art and Archaeology of the Moche: an Ancient Andean Society
of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 4365.
_____________. Study of musical instruments in fineline drawings and modeled
ceramic vessels by Donna McClelland, ca. 1980s, donated by Donald
McClelland. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche
Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork
334
Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington,
D.C.
MENDÍVIL, J. Del juju al uauco. Un estudio arqueomusicológico de las flautas
globulares cerradas de cráneo de cérvido en la región Chinchaysuyo del
imperio de los incas. Quito: Abya Yala, 2009.
MILLAIRE, J.F. Moche Political Expansionism as Viewed from Virú: Recent
Archaeological Work in the Close Periphery of a Hegemonic-City-State
System. In: CASTILLO, L.J.B. & QUILTER, J. (eds.). New Perspectives on
Moche
Political
Organization.
Washington
D.C:
Dumbarton
Oaks
Research Library and Collection, 2010: 223-251.
___________. Moche Textile Production on the Peruvian North Coast: A
Contextual Analysis. In: BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and
Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian
North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 229-246.
MILLONES, L. Historia y poder en los Andes Centrales: desde los orígenes al
siglo XVII. Madrid: Alianza, 1987.
MONTOYA VERA, M.R. Multidisciplinary Study of Nectandra Sp. Seeds from
Chimu Funerary Contexts at Huaca de la Luna, North Coast of Perú.
In: EECKHOUT, P. & OWENS, L.S. (eds.) Funerary Practices and Models in
the Ancient Andes The Return of the Living Dead. Cambridge: Cambridge
University Press, 2015: 238-260.
MOORE, J. The Archaeology of Dual Organization in Andean South America: A
Theoretical Review and Case Study. In: Latin American Antiquity, Vol. 6, No. 2,
1995: 165-181.
MOSELEY, M. The Incas and their ancestors: The Archaeology of Peru.
London: Thames and Hudson, 1992.
335
MOSELEY, M.; DONNAN, C.B; KEEFER, D.K. Convergent Catastrophe and
the Demise of Dos Cabezas: Environmental Change and Regime Change
in Ancient Peru. In: BOURGET, S. & JONES, K. (eds.). The Art and
Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the Peruvian
North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 81-92.
MOXEY, K.P.F. Semiotics and the Social History of Art. In: New Literary
History, Vol. 22, No. 4, Papers from the Commonwealth Center for Literary
and Cultural Change, 1991: 985-999.
NETHERLY, P.J. The Local and Regional Lords of Chimor (Peru). Tese de
Doutorado. Universidade de Cornell, 1978.
NIELSEN, K.
Flower World, Music Archaeology of the Americas Vol 2.
(Review). In: Ethnomusicology Review, vol. 19. Los Angeles: University
of California, 2014.
OLSEN, D. Music of Eldorado: the ethnomusicology of ancient southamerican
cultures. Orlando: University Press of Florida, 2002.
______ Towards a Musical Atlas of Peru. In: Ethnomusicology, 30 (3).
University of Illinois Press on behalf of Society for Ethnomusicology, 1986:
394-412.
PAIRUMANI, F.L. La concepción del tiempo y la música en el mundo Aymara.
In: BAUMANN, M. P. (org.). Cosmología y música en los Andes.
Frankfurt: Dietrich Briesemeister, 1996, 107-116.
PANOFSKY, E. Estudos de Iconologia. Lisboa: Estampa, 1986 (1939).
PILLSBURY, J. (ed.). Moche Art and Archaeology in Ancient Peru. Studies in
History of Art. Washington: National Gallery of Art, 2001.
336
PLATT, T. El Feto Agresivo. Parto, Formación de la Persona y Moti-Historia en
los Andes. Estudios Atacamaños. Chile: Universidad Católica del Norte
del San Pedro de Atacama, N° 22: 127 -155.
________. Mirrors and Maize: the Concept of Yanatin among the Macha of
Bolivia. In: MURRA, J. V.; WACHTEL, N.; REVEL, J. (eds.). Anthropological
History of Andean Polities. Cambridge: Cambridge University Press, 1986:
228–59.
________. Symetrie en miroir. In : Annales, 33; année septembre-décembre.
Paris: Armand Coli,1978.
PINNEY, C. & THOMAS, N. Beyond Aesthetics. Art and the Technologies of
Enchantment. Oxford, New York, 2001.
PREUCEL, R. Archaeological Semiotics. Oxford: Blackwell, 2006.
POLIA, M. El curandero, sacerdote tradicional de los encantos. In: MILLONES,
L.; LEMLIJ, M. (eds). En el nombre del Señor: shamanes, demonios y
curanderos del norte del Perú. Lima: Biblioteca Peruana de Psicoanálisis;
Seminario Interdisciplinario de Estudios Andinos, 1994: 284-330.
PONCE JARA, Y. Sikus Masculino de Tiempo Seco. Todo Sikuri. Edição
especial da Revista Folklore : Arte, Cultura y Sociedad. Revista del Centro
Universitario del Folklore - UNMSM. Lima, 2007 : 157-175.
QUILTER, J. The Moche of Ancient Peru: Media and Messages. Cambridge,
Massachussets : Peabody Museum Press, 2011.
________. Art and Moche Martial Arts. In: BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The
Art and Archaeology of the Moche: An Ancient Andean Society of the
Peruvian North Coast. Austin: University of Texas Press, 2008: 215-228.
________. Representational Art in Ancient Peru and the Work of Alfred Gell. In:
OSBORNE, R. & TANNER, J. (eds.) Art's Agency and Art History. Oxford:
Blackwell, 2007: 136-157
________. Moche Politics, Religion and Warfare. In: Journal of World Prehistory,
Vol. 16, No. 2, 2002.
337
________. The narrative approach to Moche Iconography. In: Latin American
Antiquity, 8 (2), 1997: 113-133.
QUILTER, J. & CASTILLO, L.J. (Eds). New Perspectives on Moche Political
Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research Library and
Collection, 2010.
__________________________. Many Moche Models: An Overview of Past
and Current Theories and Research on Moche Political Organization. In:
QUILTER, J. & CASTILLO, L.J. (eds). New Perspectives on Moche
Political Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research
Library and Collection, 2010: 1-16.
QUILTER, J. & KOONS, M. The Fall of the Moche: A Critique of Claims for
South America`s First State. In: Latin American Antiquity 23(2), 2012: 127143.
RENFREW, C. Symbol before Concept: Material Engagement and the Early
Development of Society. In: HODDER, I. (ed.). Archaeological Theory
Today. Cambridge: Polity Press, 2002: 122-139.
_____________. Towards a Cognitive Archaeology. RENFREW, C. &
ZUBROW (eds.). The Ancient Mind: Elements of Cognitive Archaeology.
Cambridge University Press, Cambridge, 1994.
RENFREW. C, et all. What is Cognitive Archaeology? Viewpoint: Cambridge
Archaeological Journal 3:2, 1993: 247-270.
ROSENZWEIG, A; MOLOSZYN, J.Z. Offerings for the Afterlife: Peruvian
Pottery and Artifacts from the Maiman Collection. Israel: Ampal / Merhav,
2008.
ROSTWOROWSKI, M. La Religiosidad Andina. In: MAKOWSKI,K. et al. (eds.).
Dioses del Antiguo Perú. Lima: PUCP, 2000a: 185-221.
__________________. Estructuras andinas del poder: ideología religiosa y
política. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 2000b.
338
ROWE, J.H. Stages and Periods in Archaeological Interpretation. In:
Southwestern Journal of Anthropology, 18 (1), 1962: 40-54
_________. Absolute Chronology in the Andean Area. In: American Antiquity
10(3), 1945: 265-284.
RUSSEL, G.; JACKSON, M. Political Economy and Patronage at Cerro Mayal,
Peru. In: PILLSBURY, J. (ed.). Moche Art and Archaeology in Ancient
Peru. Washington: National Gallery of Art, 2001: 159-173.
SACHS, E.; HORNBOSTEL, C. Classification of Musical Instruments. In:
MYERS. (ed.). Ethnomusicology: an Introduction. New York: Norton, 1992:
444-461.
SALAZAR SÁENZ, S.D. La comunicación con los dioses: sacrificios y danzas
en la época prehispánica según las "Tradiciones de Huarochirí". In:
BAUMANN, M. P. (org.). Cosmología y música en los Andes. Frankfurt:
Dietrich Briesemeister, 1996, 175-196.
SALLES, P.P. Adjunorá: Percursos Simbólicos da Trompa Karajá. Manuscrito,
2015.
SALLNOW, M. Pilgrims of the Andes: Regional Cults in Cusco. Washington,
DC: Smithsonian Institution Press, 1987.
SCULLIN, D. A materiality of Sound: Musical Practices of the Moche of Peru.
Tese de Doutorado. Columbia University, 2015.
SHIMADA, I. Moche Sociopolitical Organization: Rethinking the Data,
Approaches and Models. In: CASTILLO, L.J.B. & QUILTER, J. (eds.). New
Perspectives
on
Moche
Political
Organization.
Washington
D.C:
Dumbarton Oaks Research Library and Collection, 2010: 70-82.
339
SHIMADA, I.; SHINODA, K.; ALVA, W. et al. The Moche People: Genetic
Perspectives on Their Sociopolitical Composition and Organization. In:
BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the Moche:
An Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University
of Texas Press, 2008: 179-194.
SILVERMAN, H.; ISBELL, W. H. Andean Archaeology II: Art, Landscape and
Society. New York: Kluwer Academic/Plenum Publishers, 2002.
SOARES, D.L. Xamanismo e Cosmovisão Andina: Um estudo sobre práticas
de curanderismo Mochica expressas na cerâmica ritual. Dissertação de
Mestrado. São Paulo, Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, 2015.
STEVENSON, R. The Music of Perú: Aboriginal and Viceroyal Epochs.
Washington: Pan American Union; General Secretariat of the Organization
of American States, 1960.
STOBART, H. Music and the poetics of production in the Bolivian Andes.
Aldershot: Ashgate, 2006.
___________. Interlocking Realms: Knowing Music and Musical Knowing. In:
STOBART, H. & HOWARD-MALVERDE, R. (eds.). Knowledge and Learning in
the Andes. Liverpool: University of Liverpool, 2002.
_____________. Tara and Q’iwa: Worlds of Sound and Meaning.
In:
BAUMANN, M. P. (org.). Cosmología y música en los Andes. Frankfurt:
Dietrich Briesemeister, 1996, 67-81.
___________. Flourishing horns and enchanted tubers: music and potatoes in
Highland Bolivia. In: British Journal of Ethnomusicology, 3, 1994: 35-48.
STONE, R. Art of the Andes: from Chavín to Inca. London: Thames and
Hudson, 2002.
SWENSON, E. Competitive Feasting, Religious Pluralism and Decentralized
Power in the Late Moche Period. In: SILVERMAN, H. & ISBELL, W. (eds.)
Andean Archaeology, Vol. III: North and South. New York: Springer, 2005.
340
SZTUTMAN, R. O Profeta e o Principal: A ação política ameríndia e seus
personagens. São Paulo: Edusp, 2012.
TANNER, J. & OSBORNE, R. Art's Agency and Art History. Blackwell Publishing Ltd,
Oxford, 2007.
TAYLOR, G. (ed.). Ritos y Tradiciones de Huarochirí. Lima: Instituto Frances de
Estudios Andinos, 2008.
TILLEY, C. Interpreting material culture. In: HODDER, I. (ed.). The Meanings of
Things: material culture and symbolic expression. Cambridge: Cambridge
University Press, 1989: 185-194.
TOMASTO, E. Relatório de análise do Músico de Las Trancas. Museo Nacional
de Arqueología, Antropología y Historia del Perú, Lima, 2006.
UCEDA, S.C. Theocracy and Secularism: Relationships between the Temple
and Urban Nucleus and Political Changes at the Huacas de Moche. In:
CASTILLO, L.J.B. & QUILTER, J. (eds.). New Perspectives on Moche
Political Organization. Washington D.C: Dumbarton Oaks Research
Library and Collection, 2010: 132-158
_________. The Priests of the Bicephalus Arc: Tombs and Effigies Found in
Huaca de la Luna and Their Relation to Moche Rituals. In: BOURGET, S.;
JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the Moche: an Ancient
Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University of Texas
Press, 2008: 153-178
UCEDA, S. ; MUJICA, E. & MORALES, R. Investigaciones en la Huaca de la
Luna, 1995. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de
Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 1995.
___________________________________. Investigaciones en la Huaca de la
Luna, 1996. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de
Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 1996.
341
___________________________________. Investigaciones en la Huaca de la
Luna, 1997. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de
Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 1997.
___________________________________. Investigaciones en la Huaca de la
Luna, 1998. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de
Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 1998.
___________________________________. Investigaciones en la Huaca de la
Luna, 1999. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de
Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 1999.
___________________________________. Investigaciones en la Huaca de la
Luna, 2000. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de
Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2000.
___________________________________. Investigaciones en la Huaca de la
Luna, 2001. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de
Trujillo, Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2001.
UCEDA, S. & MORALES, R.. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 2002.
Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto
Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2002.
_________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna, 2003.
Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo, Proyecto
Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2003.
__________________________.
Investigaciones en la Huaca de la Luna,
2004. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo,
Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2004.
__________________________.
Investigaciones en la Huaca de la Luna,
2005. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo,
Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2005.
____________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna,
2006. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo,
Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2006.
____________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna,
2007. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo,
Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2007.
342
____________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna,
2008. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo,
Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2008.
____________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna,
2009. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo,
Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2009.
____________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna,
2010. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo,
Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2010.
____________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna,
2011. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo,
Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2011.
____________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna,
2012. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo,
Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2012.
____________________________. Investigaciones en la Huaca de la Luna,
2013. Facultad de Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Trujillo,
Proyecto Arqueologico Huacas del Sol y de la Luna, 2013.
VALENCIA, A.C. El siku bipolar en el Antiguo Perú. Boletín de Lima. Vol. IV,
No. 23. Lima : 1982 : 29-48.
VERANO, J. Communality and Diversity in Moche Human Sacrifice. In:
BOURGET, S.; JONES, K. (eds.). The Art and Archaeology of the Moche:
An Ancient Andean Society of the Peruvian North Coast. Austin: University
of Texas Press, 2008: 195-214.
________. War and death in the Moche world: osteological evidence and visual
discourse. In: PILLSBURY, J. (ed.) Moche Art and Archaeology in Ancient
Peru. Washington: National Gallery of Art, 2001: 111-126.
VERGARA CERQUEIRA, F. Digressões sobre o sentido e a interpretação das
narrativas iconográficas dos vasos áticos: o caso das representações de
instrumentos musicais. In: Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia,
20. São Paulo, 2010: 219-233
343
______________________. Os instrumentos musicais na vida diária da Atenas
tardo-arcaica e clássica. O testemunho dos textos antigos e da
iconografia dos vasos áticos. Tese de Doutorado. São Paulo: Museu de
Arqueologia e Etnologia da USP, 2001.
VERGARA, E. M.; SÁNCHEZ, M.V. Mitografía Mochica. Trujillo: Universidad
Nacional de Trujillo, 1996.
WACHTEL, N. El regreso de los antepasados: Los indios Urus de Bolivia, del
siglo XX al XVI. México: Fondo de Cultura Económica, 2001.
WALLIS, N. The Materiality of Signs: Enchaintment and Animacy in Woodland
Southeastern North American Pottery. In: American Antiquity, 78(2),
2013: 207-226.
WASSÉN, H. S. El Ulluchu en La Iconografia y Cerimonias de Sangre Mochica:
La Busqueda de su Identificacion. In: Boletin Del Museo Chileno de Arte
Precolombino, 3. Santiago de Chile, 1989: 25-45.
WEISMANTEL, M. Many Heads Are Better Than One: Mortuary Practice and
Ceramic Art in Moche Society. In: SHIMADA, I. & FITZSIMMONS, J.L.
(eds.) Living with the Dead in the Andes. Tucson, University of Arizona
Press, 2015: 76-100.
WEISMANTEL, M & MESKELL, L. Substances: ‘Following the Material’ through
two prehistoric cases. In: Journal of Material Culture Vol. 19 (3), 2014:
233-251.
WRIGHT, V. Pigmentos y tecnología artística mochicas: nueva aproximación
para comprender la organización social. In: Bulletin de l’Institut Français
d’Études Andines 39 (2). Lima, 2010: 299-330.
WOLOSZYN, J. Enemigos íntimos – los representantes de la cultura Recuay en
la iconografía Moche. Manuscrito ceido pelo autor, s/d.
344
_____________. Los rostros silenciosos: Los huacos retrato de la cultura
Moche. Lima: Fondo Editorial PUCP, 2008.
ZUIDEMA, R.T. Inca Cosmos in Andean Context. In: DOVER, R.V.H.;
SEIBOLD, K.E. & McDOWELL, J.H. (eds.) Andean Cosmologies
Through Time. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press.
1992: 17–45.
345
CATÁLOGO
O Músico na Iconografia da Cerâmica Ritual Mochica: Um Estudo da Correlação
Entre as Representações de Instrumentos Sonoros e os Atributos das Elites de Poder.
Daniela La Chioma Silvestre Villalva
PRANCHA 1
MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS
SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM TOUCADOS DE DIADEMA SEMICIRCULAR EM “V” (SENHORES NOTURNOS)
M052. Museu Larco, Lima
M635. Art Institute of Chicago, catálogo online.
M035. Museu Larco, Lima
M037. Museu Larco, Lima
PRANCHA 2
TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA
REPRESENTAÇÕES ESCULÓRICAS DE GUERREIRO CORUJA E SENHOR NOTURNO
G.C.1. Museu Larco, Lima
G.C.2. Art Institute of Chicago, catálogo
online.
G.C.5. Museu Larco, Lima
G.C.3. Museu Cassinelli, Trujillo. Foto:
Dábora Leonel Soares.
G.C.4. Metropolitan Museum
of Art, Nova York. Catálogo
Online
G.C.6. Museu Larco, Lima
PRANCHA 3
MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS
SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM TOUCADOS DE DIADEMA SEMICIRCULAR EM “V” (SENHORES NOTURNOS)
M406. Museu Larco, Lima. Detalhe: foto da autora.
M408. Museu Larco, Lima
M410. Museu Larco, Lima
M411. Museu Larco, Lima
PRANCHA 4
MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS
SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM TOUCADOS DE DIADEMA SEMICIRCULAR (SENHORES NOTURNOS)
M183. Museu de América, Madri
PRANCHA 5
INSTRUMENTOS SONOROS COM ICONOGRAFIA
TROMBETA COM REPRESENTAÇÃO DE SENHOR NOTURNO
Museu Larco, Lima.
PRANCHA 6
TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA
A CERIMÔNIA DO SACRIFÍCIO
A
D
B
C
Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton
Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
Museu Larco, Lima.
PRANCHA 7
TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA
O TEMA DA ESCADA
Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
.
PRANCHA 8
TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA
O SENHOR NOTURNO E O SENHOR SOLAR ATUANDO NA CERIMÔNIA DO SACRIFÍCIO
Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
.
Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
.
PRANCHA 9
TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA
O SENHOR NOTURNO E O SENHOR SOLAR ATUANDO NA REBELIÃO DOS OBJETOS
Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and
Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
.
PRANCHA 10
TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA
O MONSTRO STROMBUS
Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. Foto: Daniela La Chioma
Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton
Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
.
PRANCHA 11
TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA
TEMA DA ENTREGA DO STROMBUS
Museu Larco, Lima.
Bourget, 2006: 175
PRANCHA 12
DADOS DE CONTEXTO ARQUEOLÓGICO
ATRIBUTOS DO SENHOR DE SIPÁN
Rodríguez, L.H.; Alva, W.A. et al, 2012
PRANCHA 13
DADOS DE CONTEXTO ARQUEOLÓGICO
ATRIBUTOS DO SACERDOTE GUERREIRO DA TUMBA 14 DE SIPÁN
Museu de Sítio Huaca Rajada Sipán, Lambayeque,. Foto: Daniela La Chioma
PRANCHA 14
DADOS DE CONTEXTO ARQUEOLÓGICO
ATRIBUTOS DO SACERDOTE GUERREIRO DA TUMBA 14 DE SIPÁN II
Museu de Sítio Huaca Rajada Sipán, Lambayeque. Foto: Daniela La Chioma
PRANCHA 15
MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS
SUB-CATEGORIA: SENHOR SOLAR E GUERREIRO RAPOSA
M407. Museu Larco, Lima
M638 Museu Larco, Lima
M638 Museu Larco, Lima
PRANCHA 16
MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS
SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM TOUCADOS DE DOIS CÍRCULOS EM APITOS TOCANDO AEROFONES
M043
Museu Larco, Lima
M044
Museu Larco, Lima
M005. Jackson, 2008: 43
M046
Museu Larco, Lima
M008. Golte, 2009: 156
M626. Scullin, 2015: 87
M084. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora.
M626. Museu Larco, Lima
M014
MAAUNT – Trujillo
PRANCHA 17
MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS
SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM TOUCADOS DE DOIS CÍRCULOS OU TOUCADO DE ANIMAL TOCANDO
IDIOFONES DE VÁRIAS CATEGORIAS
M294. MAAUNT, Trujillo - 3533
M629. Museu Larco, Lima
M642. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche
Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork
Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University,
Washington, D.C.
.
M409. Museu Larco, Lima
M627. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
.
PRANCHA 18
MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS
SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM TOUCADOS DE DOIS CÍRCULOS EM APITOS TOCANDO PUTUTOS
M124. Museu Larco, Lima
M129. Museu Larco, Lima
M131. Museu Larco, Lima
M126. Museu Larco, Lima
M127. Museu Larco, Lima
M130. Museu Larco, Lima
M125. Museu Larco, Lima
M128. Museu Larco, Lima
PRANCHA 19
MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS
SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM TOUCADOS DE DIADEMA SEMILUNAR
M041. Museu Larco, Lima
M036. Museu Larco, Lima
M604. Projeto Arqueológico San Jose de Moro. Informe Online.
M423. Museu Larco, Lima
M425. Museu Larco, Lima
PRANCHA 20
MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS
SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM TOUCADOS VARIADOS EM FORMA ESCULTÓRICA
M038. Museu Larco, Lima
M085. Museu Larco, Lima
M023. Museu Larco, Lima
PRANCHA 21
MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS
SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM TOUCADOS EM “V” ASSOCIADOS A PUTUTOS (SENHOR DOS PUTUTOS)
M620. Imagem cedida gentilmente por Ignacio Alva Meneses
M612. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
.
PRANCHA 22
TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA
O ADORADOR (CERIMÔNIA DA COCA)
Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton
Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
PRANCHA 23
MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS
SUB-CATEGORIA: OFICIANTES COM ROUCADO DE MÃOS PARA CIIMA (TOMADORES DE COCA)
M034. Museu Larco, Lima - ML012778
PRANCHA 24
TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA
O TEMA DO ARCO BICÉFALO OU TEMA DA CERIMÔNIA DA COCA (TOMADORES DE COCA E ADORADORES)
Museu Larco, Lima
Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton
Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
.
Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton
Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
.
PRANCHA 25
TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA
TOMADORES DE COCA ESCULTÓRICOS
Museu Larco, Lima
Museu Larco, Lima
Museu Larco, Lima
PRANCHA 26
TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA
TOMADORES DE COCA EM POSIÇÃO DE DESTAQUE
Museu Larco, Lima
Museu Larco, Lima
Museu Larco, Lima
PRANCHA 27
TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA
SACERDOTISAS
Museu Larco, Lima
Sacerdotisa de Pañamarca. Stone, 2000.
Metropolitan Museum of Art, Nova York. Catálogo Online
MNAAHP, Lima. Foto da autora.
PRANCHA 28
MÚSICOS OFICIAIS - SACERDOTES GUERREIROS E SACERDOTISAS
SUB-CATEGORIA: SACERDOTISAS
M386. Museu Larco, Lima
M062. Coleção Particular de Tito la Rosa, Carhuaz. Foto da
autora.
M628. Museu Larco, Lima
M416. Museu Casinelli, Trujillo. Foto da autora.
M605. Museu Larco, Lima
PRANCHA 29
MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES
SUB-CATEGORIA: GUERREIROS
M090. Museu de Sítio Huacas de Moche, Trujillo. Vitrines. Fotos da autora.
M091. Museu de Sítio Huacas de Moche, Trujillo. Vitrines. Fotos da autora.
PRANCHA 30
MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES
SUB-CATEGORIA: ACOMPANHANTES
M081. Museu Larco, Lima
PRANCHA 31
TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA
GUERREIROS COM DIVERSOS TOUCADOS
Museu Larco, Lima
Museu Larco, Lima
Museu Larco, Lima
Museu Larco, Lima
Museu Larco, Lima
Museu Larco, Lima
PRANCHA 32
MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES
SUB-CATEGORIA: GUERREIROS
M105. Museu Larco, Lima
M089. MNAAHP, Lima. Foto da autora.
M403. Museu Larco, Lima
M092. Benson, s/d.
PRANCHA 33
MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES
SUB-CATEGORIA: QUENISTAS DA DANÇA DO LAÇO
M078. Museu Larco, Lima
M079. Museu Larco, Lima
M476
M154
M088
M602
PRANCHA 34
MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES
SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS DA DANÇA DO LAÇO
M194. Museu Larco, Lima
M069
M153
PRANCHA 35
MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES
SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS DA DANÇA DO LAÇO
M188. Museu Larco, Lima
M193. Museu Larco, Lima
M155
M149
PRANCHA 36
MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES
SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS
M162. Museu de Arqueologia
da Universidad Nacional Mayor
de San Marcos, Lima – Foto da
autora.
M605. American Museum of Natural
History, New York. Foto: Bruno Monjon
M245. Museu Cassinelli, Trujillo.
Foto da autora.
M281. Benson, s/d.
M233. Museu Larco, Lima
M260. MNAAHP, Lima. Foto da autora.
M604. American Museum of Natural History, New York.
Foto: Bruno Monjon
M280
M228. Museu Larco, Lima
M200. Museu Larco, Lima
PRANCHA 37
MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES
SUB-CATEGORIA: PUTUTEIROS EM NARRATIVAS
M136. Museu de Sítio Huacas de Moche, Foto cedida gentilmente pelo Projeto Arqueológico Huacas de Moche
M603. Imagem cedida gentilmente por Ignacio Alva Meneses.
PRANCHA 38
MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES
SUB-CATEGORIA: PUTUTEIROS EM CÂNTAROS
M101. Museu de Gotenburgo.
Catálogo Online.
M122. Museu Larco, Lima
M138. Museu de Gotenburgo. Catálogo
Online.
M102. MAUNT, Trujillo. Foto da autora.
M104. Museu Larco, Lima
PRANCHA 39
MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES
SUB-CATEGORIA: PUTUTEIROS EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO
M113. Museu Larco, Lima
M116. Museu Larco , Lima
M108. Museu Larco – Lima
M106. Museu Larco, Lima
M117. Museu Larco, Lima
M107. Museu Larco, Lima
PRANCHA 40
MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES
SUB-CATEGORIA: PUTUTEIROS EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO
M132. MNAAHP, Lima. Foto da
autora.
M135. MNAAHP, Lima. Foto da
autora.
M147. University of Pennsylvania Museum of Archaeology and Anthropology,
M112. Museu Larco, Lima
M134. MNAAHP, Lima . Foto da autora.
M103. Museu de America, Madri
PRANCHA 41
MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES
SUB-CATEGORIA: PUTUTEIROS EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO
M133. MNAAHP, Lima. Fotos da autora. Reprodução Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001,
Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
.
PRANCHA 42
MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES
SUB-CATEGORIA: MULHERES PERCUSSIONISTAS EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO
M264. MNAAHP, Lima. Fotos da autora.
M171. Museu de Gotenburgo, catálogo online.
M224. Museu Larco, Lima
M186. Museu de América, Madri.
Catálogo online.
PRANCHA 43
MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES
SUB-CATEGORIA: MULHERES PERCUSSIONISTAS EM ESTATUETAS
M238. Museu Larco, Lima
M240. Museu Larco, Lima
M239. Museu Larco, Lima
M167. Coleção particular
Leistenschneider, Lima.
M629. Museu Larco, Lima
PRANCHA 44
MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES
SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS EM CÂNTAROS - SIPÁN
M597. Foto cedida gentilmente por Museo Tumbas Reales de
Sipán, Lambayeque.
M585. Foto cedida gentilmente por Museo Tumbas Reales de
Sipán, Lambayeque.
M594. Foto cedida gentilmente por Museo Tumbas Reales
de Sipán, Lambayeque.
M583. Foto cedida gentilmente por Museo Tumbas Reales de
Sipán, Lambayeque.
M586. Foto cedida gentilmente por Museo Tumbas Reales de Sipán, Lambayeque.
PRANCHA 45
MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES
SUB-CATEGORIA: ANTARISTAS SIMPLES DA REGIÃO MOCHE SUL
M016. Museu de America, Madri . Catálogo online.
M615. Makowski, 2010.
M017. Museu de America, Madri. Catálogo online.
M053. MNAAHP, Lima. Foto da autora.
PRANCHA 46
CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS
SUB-CATEGORIA: PROCISSÃO DE ANTARISTAS
A
C
B
1
D
2
M001 Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork
Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
Fowler Museum of Cultural History, UCLA – X863922. Catálogo Online
PRANCHA 47
CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS
SUB-CATEGORIA: PROCISSÃO DE ANTARISTAS
A
C
D
B
3
1
2
4
M002. Museu Etnográfico de Berlim – VA62192. Fotos cedidas gentilmente por Manuela Fischer. Desenho: Christopher B. Donnan and
Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard
University, Washington, D.C.
PRANCHA 48
CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS
SUB-CATEGORIA: PROCISSÃO DE ANTARISTAS
M481. Donnan & Mc Clelland, 1999. Desenho: : Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001,
Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
M063. : Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
PRANCHA 49
CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS
SUB-CATEGORIA: BATALHAS COM TOCADORES DE PUTUTOS
M489. Donnan & McClelland, 1999.
M482. Donnan & McClelland, 1999. Desenho:Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image
Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
.
PRANCHA 50
CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS
SUB-CATEGORIA: PROCISSÃO DE MÚSICOS LIDERADOS POR SENHOR SOLAR
M152. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora.
PRANCHA 51
CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS
SUB-CATEGORIA: PROCISSÃO DE MÚSICOS LIDERADOS POR SENHOR SOLAR E SENHOR NOTURNO
M645. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
PRANCHA 52
TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA
SACERDOTES GUERREIROS ATUANDO NA DANÇA DO LAÇO
Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
PRANCHA 53
CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS
SUB-CATEGORIA: DANÇA DO LAÇO PROTAGONIZADA PELO SENHOR SOLAR
M153. Museu Larco, Lima. Desenho: Museu Larco,. Detalhes: fotos tiradas pela autora.
PRANCHA 54
CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS
SUB-CATEGORIA: DANÇA DA CORDA PROTAGONIZADA PELO SENHOR SOLAR
M069. Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Lima. Foto da autora com
autorização da Direção do Museu. Desenho: Golte, 2009.
PRANCHA 55
CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS
SUB-CATEGORIA: DANÇA DA CORDA PROTAGONIZADA PELO SENHOR SOLAR
M601. Desenho por Donna McClelland. Imagem cedida gentilmente por Ignacio Alva Meneses
M072. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
PRANCHA 56
CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS
SUB-CATEGORIA: DANÇAS DE GUERREIROS PROTAGONIZADA PELO SENHOR NOTURNO
M149. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
PRANCHA 57
CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS
SUB-CATEGORIA: DANÇAS DE GUERREIROS COM ATRIBUTOS DE SENHOR SOLAR
M088. Museu Cassinelli, Trujillo. Foto da autora. Desenho: Golte, 2009.
M602. . Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
PRANCHA 58
CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS
SUB-CATEGORIA: DANÇA DE GUERREIROS EM ESPIRAL
M154. MNAAHP, Lima . Fotos da autora. Desenho: Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011,
PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
PRANCHA 59
CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS
SUB-CATEGORIA: DANÇA DE GUERREIROS EM ESPIRAL
M067. Hoyle, 1985.
M476. . Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
PRANCHA 60
CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS
SUB-CATEGORIA: DANÇAS CIRCULAR DE GUERREIROS COM CORDA
M491. Golte, 2009.
Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork
Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
PRANCHA 61
CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS
SUB-CATEGORIA: OUTRAS
M006. Donnan & McClellans, 1999.. Desenho: Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image
Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
PRANCHA 62
CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS
SUB-CATEGORIA: OUTRAS
M155. MNAAHP, Ministério de Cultura do Peru, Lima. Fotos de Daniela La Chioma e Débora Leonel Soares. Desenho: Christopher B. Donnan and
Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard
University, Washington, D.C.
PRANCHA 63
CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS
SUB-CATEGORIA: PROCISSÃO
M007. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and
Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
PRANCHA 64
CATEGORIA: DANÇAS, PROCISSÕES E BATALHAS
SUB-CATEGORIA: JOGO DE LÓTUS
M636. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
M646. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
PRANCHA 65
MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES
SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS REPRESENTADOS NAS DANÇAS
M154
M067
M153
M069
M149
M155
M088
M602
M476
M149
M476
M476
PRANCHA 66
MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES
SUB-CATEGORIA: QUENISTAS REPRESENTADOS NAS DANÇAS
M153
M601
M069
M149
M072
M476
M154
M602
M088
M071
M491
M071
M071
PRANCHA 67
MÚSICOS OFICIAIS – GUERREIROS, ACOMPANHANTES E ANUNCIANTES
SUB-CATEGORIA: TROMBETEIROS E CHOCALHEIROS REPRESENTADOS NAS DANÇAS
M071
M491
M491
M071
PRANCHA 68
MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES
SUB-CATEGORIA: AI APAECS TOCANDO ANTARAS
M026. Museu Larco, Lima
M059. Rosenzweig & Moloszyn, 2008
PRANCHA 69
MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES
SUB-CATEGORIA: AI APAECS TOCANDO PUTUTOS
M119. Museu Larco, Lima
M140. Benson, s/d.
M141. Benson, s/d.
PRANCHA 70
MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES
SUB-CATEGORIA: AI APAECS TOCANDO ANTARAS E PUTUTOS
M042. Museu Larco, Lima
M123. Museu Larco, Lima
M045. Museu Larco, Lima - ML014812
PRANCHA 71
MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES
SUB-CATEGORIA: AI APAECS TOCANDO ANTARAS
Golte, 2009.
M047. Museu Larco, Lima
PRANCHA 72
MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES
SUB-CATEGORIA: AI APAECS ASSOCIADOS A QUENAS
M639. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork
Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
PRANCHA 73
MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES
SUB-CATEGORIA: AI APAECS ASSOCIADOS A PUTUTOS (MONSTRO STROMBUS)
M145. Peabody Museum, Harvard – 4677305004.
Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and
Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
PRANCHA 74
MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES
SUB-CATEGORIA: AI APAECS TOCANDO IDIOFONES DE GOLPE INDIRETO VERTICAL
M387. Museu Larco, Lima - ML003346
PRANCHA 75
MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES
SUB-CATEGORIA: AI APAECS PERCUSSIONISTAS DO VALE DO JEQUETEPEQUE
M100. Castillo & Donnan, 1994: 30.
M637. Museu Larco, Lima.
PRANCHA 76
MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES
SUB-CATEGORIA: DIVINDADE DA TERRA
M192. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora.
PRANCHA 77
MÚSICOS SOBRENATURAIS - DIVINDADES
SUB-CATEGORIA: DIVINDADE DA TERRA
M204. Museu Larco, Lima.
M227. Museu Larco, Lima.
M246. Museu Cassinelli, Trujillo. Fotos da autora.
PRANCHA 78
MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS
SUB-CATEGORIA: MACACOS TOCANDO PUTUTOS
M146. Peabody Museum, Harvard –
933075614.
M121. Museu Larco, Lima.
PRANCHA 79
MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS
SUB-CATEGORIA: MACACOS TOCANDO IDIOFONES DE GOLPE INDIRETO HORIZONTAL
M324. MNAAHP, Lima - C-03519. Fotos da autora.
PRANCHA 80
MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS
SUB-CATEGORIA: MACACOS TOCANDO IDIOFONES DE GOLPE INDIRETO HORIZONTAL
M454. Museu de América, Madri 01261
M319. Museu Larco, Lima
M318. Museu Larco, Lima
PRANCHA 81
MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS
SUB-CATEGORIA: IGUANAS
M203. Projeto Arqueológico San Jose
de Moro. Informe Online.
.
M250. Golte, 2009. Fig 7.26
M241. Museu Larco, Lima - M037244
M641. . Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and
Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
PRANCHA 82
MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS
SUB-CATEGORIA: IGUANAS
M262. MNAAHP, Lima - C54700. Fotos da autora.
PRANCHA 83
MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS
SUB-CATEGORIA: IGUANAS
M262. MNAAHP, Lima - C54700. Fotos da autora. Desenho: . Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011,
PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C..
M644. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C..
PRANCHA 84
TEMAS DA ICONOGRAFIA MOCHICA
O TEMA DO ENTERRO
Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives, Dumbarton
Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C..
PRANCHA 85
MÚSICOS SOBRENATURAIS- ANIMAIS
SUB-CATEGORIA: LOBOS MARINHOS PERCUSSIONISTAS
M178. MAAUNT, Trujillo – 3303.
M272. Benson, s/d.
M116. Museu Larco, Lima – ML004044
PRANCHA 86
MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS
SUB-CATEGORIA: RAPOSAS PERCUSSIONISTAS
M221. Museu Larco, Lima
M222. Museu Larco, Lima
M232. Museu Larco, Lima
PRANCHA 87
MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS
SUB-CATEGORIA: RAPOSAS PERCUSSIONISTAS
M182. Museu de América, Madri - 01386
M285. University of Pennsylvania Museum of Archaeology and Anthropology, Filadélfia .
PRANCHA 88
MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS
SUB-CATEGORIA: LOBOS MARINHOS PERCUSSIONISTAS
M161. Museu do Banco Central de
Reserva do Peru, Lima. Foto da
autora.
M159. Art Institute of
Chicago, Chicago - 1957.424.
M172. Museu de Gotenburgo 1920.09
M248. Museu Cassinelli, Trujillo.
Foto da autora.
M266. Museu de Sitio Huacas de
Moche, Trujillo. Foto da autora.
M632. Art Instituteof Chicago.
Catálogo Online.
PRANCHA 89
MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS
SUB-CATEGORIA: RAPOSAS PERCUSSIONISTAS
M169. Museu Cassinelli, Trujillo . Foto
da autora.
M252. Museu Cassinelli, Trujillo . Foto
da autora.
M250. Museu Cassinelli, Trujillo .
Foto da autora.
M254. Museu Cassinelli, Trujillo . Foto da
autora.
PRANCHA 90
MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS
SUB-CATEGORIA: RAPOSAS TOCANDO IDIOFONES DE GOLPE INDIRETO HORIZONTAL E PUTUTO
M321. Museu Larco, Lima
M120. Museu Larco, Lima.
PRANCHA 91
MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS
SUB-CATEGORIA: CORUJAS
M205. Museu Larco, Lima
M257. Museu Cassinelli, Trujillo. Foto da
autora.
PRANCHA 92
MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS
SUB-CATEGORIA: AVES MARINHAS PERCUSSIONISTAS
M206. Museu Larco, Lima
M208. Museu Larco, Lima
M210. Museu Larco, Lima
PRANCHA 93
MÚSICOS SOBRENATURAIS - ANIMAIS
SUB-CATEGORIA: AVES MARINHAS PERCUSSIONISTAS
M261. MNAAHP, Lima - C54555. Foto da autora.
M258. MNAAHP, Lima - C02920. Fotos da autora.
M166. Museu de Arqueologia da
Universidad Nacional Mayor de San
Marcos, Lima. Foto da autora.
M185. Museu de America, Madri
– 01395.
M177. MAAUNT, Trujillo – 136.
PRANCHA 94
MÚSICOS SOBRENATURAIS - FITOMORFOS
SUB-CATEGORIA: ULLUCHUS
M226. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora, 2013.
PRANCHA 95
MÚSICOS SOBRENATURAIS - FITOMORFOS
SUB-CATEGORIA: TUBÉRCULOS
M087. Museu Cassinelli, Trujillo. Fotos da autora.
PRANCHA 96
MÚSICOS SOBRENATURAIS - FITOMORFOS
SUB-CATEGORIA: AMENDOINS EM ALÇA ESTRIBO
M095
M070. Emory Museum, Atlanta,
catálogo online.
M080. Museu Larco, Lima
M074. Museu Bruning, Lambayeque.
M058. Museu de Gotenburgo,
catálogo online.
PRANCHA 97
MÚSICOS SOBRENATURAIS - FITOMORFOS
SUB-CATEGORIA: AMENDOINS OU FEIJÕES
M013. MAAUNT, Trujillo.
M086. Museu Bruning, Lambayeque
M024. Museu Larco, Lima
PRANCHA 98
MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS
SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS ESCULTÓRICOS TOCANDO ANTARA
M051. Museu Larco, Lima
M244. Museu Bruning, Lambayeque – Vitrines. Foto da autora.
PRANCHA 99
MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS
SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS ESCULTÓRICOS TOCANDO ANTARA
M019. MAAUNT, Trujillo - 134
PRANCHA 100
MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS
SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS EM CÂNTAROS TOCANDO ANTARA
M039. Museu Larco, Lima
M040. Museu Larco, Lima
PRANCHA 101
MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS
SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS EM APLIQUES ESCULTÓRICOS TOCANDO ANTARA
M018. Museu de Arqueologia da
Universidade Nacional Mayor de San
Marcos. Foto da autora.
M050. Museu Larco, Lima
M064. Donnan, 1978.
M056. Olsen, 2002: 76
PRANCHA 102
MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS
SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS COM ÓRGÃO SEXUAL À MOSTRA TOCANDO ANTARA
M028. Museu Larco, Lima - ML004326
M055. Olsen, 2002: 77
PRANCHA 103
MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS
SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS ENROLADOS EM MANTA TOCANDO ANTARA
M020. Museu Cassinelli , Trujillo- 3435. Foto cedida gentilmente por Ilder Cruz
M029. Museu Larco, Lima
M048. Museu Larco, Lima
PRANCHA 104
MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS
SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS EM DUPLAS TOCANDO ANTARA
M025. Museu Larco, Lima. Detalhe: foto da autora.
M033. Museu Larco, Lima.
M065. Museu Etnográfico de Berlim VA17625. Foto cedida gentilmente por
Manuela Fischer.
PRANCHA 105
MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS
SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS ASSOCIADOS A MULHERES TOCANDO ANTARA
M030. Museu Larco, Lima
M031. Museu Larco, Lima
M032. Museu Larco, Lima
M143. Museu de Sítio Huacas de Moche,
Trujillo. Foto da autora, 2012. Autorização do
Diretor do Projeto, Ricardo Morales Gamarra.
M066. Museu Etnográfico de Berlim - VA17643. Foto cedida gentilmente por Manuela Fischer. Reprodução: Golte, 2009.
PRANCHA 106
MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS
SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS EM DUPLAS TOCANDO ANTARA
M027. Museu Larco, Lima. Detalhes da autora.
PRANCHA 107
MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS
SUB-CATEGORIA: PERSONAGENS CADAVÉRICOS TOCANDO QUENA
M082. Museu Larco, Lima
M557. Museo de América, Madrid.
Catálogo online.
M083. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora, 2013.
PRANCHA 108
MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS
SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS CADAVÉRICOS EM ALÇA ESTRIBO E ALÇA LATERAL
M165. Museu de Arqueologia da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Lima. Foto da autora.
M243. Museu Bruning, Lambayeque. Fotos da autora.
PRANCHA 109
MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS
SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS CADAVÉRICOS EM ALÇA ESTRIBO
M267. Museu de Sítio Huaca Rajada,
Lambayeque. Réplica. Foto da autora.
M199. Museu Larco, Lima
M276. Donnan, 1976.
PRANCHA 110
MÚSICOS SOBRENATURAIS: MORTOS E CADAVÉRICOS
SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS CADAVÉRICOS EM ALÇA ESTRIBO COM ATRIBUTOS DE PODER
M163. Museu de Arqueologia da Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Lima. Fotos da autora,
2010.
M225. Museu Larco, Lima.
PRANCHA 111
MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO
SUB-CATEGORIA: TEMA 1 - ANTARISTAS EM DUPLAS EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO
M464. Museu Larco, Lima.
M472. Museu Larco, Lima
M474. Museu Larco, Lima
M538. Golte, 2009. Fig. 7.14
M538. MAUNT, Trujillo. Foto da autora.
PRANCHA 112
MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO
SUB-CATEGORIA: TEMA 1 - ANTARISTAS EM DUPLAS EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO II
M547. Museu Larco, Lima. Detalhe: fotos da autora. Desenho: Golte, 2009: fig. 156.3.
M512. MNAAHP, Lima. Fotos da autora, 2010. Desenho: Golte, 2009: 154
M514. Golte, 2009. Fig. 7.19.
PRANCHA 113
MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO
SUB-CATEGORIA: ANTARISTAS EM DUPLAS EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO
M003. Museu Etnográfico de Berlim. Foto cedida gentilmente por Manuela Fischer. Desenho: Golte, 2009: 264
M544 e M545. Museu de Sítio Huacas de Moche, Trujillo. Fotos
cedidas gentilmente pelo Projeto Arqueológico Huaca de la Luna.
M460. Museu Larco, Lima.
PRANCHA 114
MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO
SUB-CATEGORIA: TEMA 2 - ANTARISTAS PAIRANDO SOBRE GUERREIRO EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO
M170. Fowler Museum of Cultural History, Los Angeles. Catálogo Online do Fowler Museum.
M456. Museu Larco, Lima
M559. Museu Larco, Lima
PRANCHA 115
MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO
SUB-CATEGORIA: TEMA 2 - ANTARISTAS PAIRANDO SOBRE GUERREIRO EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO
M647. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections
and Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C..
PRANCHA 116
MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO
SUB-CATEGORIA: TEMA 2 - ANTARISTAS PAIRANDO SOBRE GUERREIRO EM VASOS DE ALÇA LATERAL
M139. Peabody Museum, Harvard University. Fotos: Catalogo Online do Peabody Museum
M566. Museu Larco, Lima. Detalhes: Fotos da autora, 2013.
PRANCHA 117
MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO
SUB-CATEGORIA: TEMA 2 - ANTARISTAS PAIRANDO SOBRE GUERREIRO EM VASOS DE ALÇA LATERAL II
M567. Museu Larco, Lima
M558. Museu Larco, Lima
M560, Museu Larco, Lima.
PRANCHA 118
MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO
SUB-CATEGORIA: TEMA 2 - ANTARISTAS PAIRANDO SOBRE GUERREIRO EM VASOS DE ALÇA LATERAL III
M458. Museu Larco, Lima.
M532. MAUNT, Trujillo. Fotos da autora. Desenho: Golte, 2009: fig. 7.16
PRANCHA 119
MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO
SUB-CATEGORIA: TEMA 2 - ANTARISTAS PAIRANDO SOBRE GUERREIRO EM CÂNTAROS E TIGELAS
M463. Museu Larco, Lima.
M465. Museu Larco, Lima.
M467. Museu Larco, Lima.
PRANCHA 120
MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO
SUB-CATEGORIA: TEMA 3 - TRIOS DE ANTARISTAS E PERCUSSIONISTAS EM VASOS DE ALÇA ESTRIBO
M461. Museu Larco, Lima
M516. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora
M519. Museu Larco, Lima
M540. Museu Larco, Lima
PRANCHA 121
MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO
SUB-CATEGORIA: TEMA 3 - TRIOS DE ANTARISTAS E PERCUSSIONISTAS EM VASOS DE ALÇA LATERAL
M517. Museu Larco, Lima.
M518. Museu Larco, Lima. Detalhe: Foto da autora, 2013.
M525. MAUNT, Trujillo. Fotos da autora, 2010.
PRANCHA 122
MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO
SUB-CATEGORIA: TEMA 3 - TRIOS DE ANTARISTAS E PERCUSSIONISTAS EM VASOS DE ALÇA LATERAL II
M546. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora, 2013.
M507. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora, 2013.
M483.Museu Larco, Lima
M475. Museu Larco, Lima
PRANCHA 123
MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO
SUB-CATEGORIA: TEMA 4 - DANÇAS DO INFRAMUNDO COM TROMBETAS
M455. Museu Larco, Lima
M534. Museu Larco, Lima
M535. Museu Larco, Lima
PRANCHA 124
MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO
SUB-CATEGORIA: TEMA 5 - ENTRADA NO INFRAMUNDO
M009. Golte, 2009: 162
M010. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and
Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
M647. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and
Fieldwork Archives, Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
PRANCHA 125
MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO
SUB-CATEGORIA: DANÇAS DO INFRAMUNDO COM QUENAS
M506. Museu Larco, Lima
M473. Museu Larco, Lima
M479. Museu Larco, Lima
PRANCHA 126
MÚSICOS SOBRENATURAIS: DANÇAS DO INFRAMUNDO
SUB-CATEGORIA: DANÇAS DO INFRAMUNDO COM PERCUSSIONISTAS
M462. Museu Larco, Lima. Detalhe: foto da autora, 2013.
M174. Peabody Museum, Harvard University. Cat]alogo Online do Peabody Museum.
M466. Museu Larco, Lima
PRANCHA 127
AEROFONES SEM MÚSICOS APARENTES I
M015. Museu de Arte de Lima, Lima - IV2.0-0410. Fotos cedidas gentilmente por MALI. Reprodução: Golte, 2009.
PRANCHA 128
AEROFONES SEM MÚSICOS APARENTES I
M094. National Museum of the American Indian, Washington D.C. - 21/7950
M098. Museu Larco, Lima
PRANCHA 129
MÚSICOS INTERMEDIADORES: DEGENERADOS E TRANSITÓRIOS
SUB-CATEGORIA: ANTARISTAS DEGENERADOS
M004. Museu de Gotemburgo - 1920090013
M022. Museu Cassinelli, Trujillo - 3445
M021. Museu Cassinelli, Trujillo - 3440
M057. Olsen, 2002: 75
PRANCHA 130
MÚSICOS INTERMEDIADORES: DEGENERADOS E TRANSITÓRIOS
SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS CEGOS EM ALÇA ESTRIBO
M229. Museu Larco, Lima
M230. Museu Larco, Lima
M231. Museu Larco, Lima
PRANCHA 131
MÚSICOS INTERMEDIADORES: DEGENERADOS E TRANSITÓRIOS
SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS CEGOS EM ALÇA ESTRIBO
M157. Museu de Gotenburgo. M164. Museu de Arqueologia da Universidad Nacional
Mayor de San Marcos. Foto da autora.
M580. American Museum of Natural History,
New York. Foto: Bruno Monjon.
M202.Museu Larco, Lima
M269. Museu Chileno de Arte Precolombino,
Santiago. MCHAP 3382
M197. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora.
M283. Peabody Museum, Harvard University. 4763-30 5645
PRANCHA 132
MÚSICOS INTERMEDIADORES: DEGENERADOS E TRANSITÓRIOS
SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS CEGOS EM ALÇA ESTRIBO
M259. MNAAHP, Lima - C54550. Fotos da autora.
M190. Museu Larco, Lima - ML001487
PRANCHA 133
MÚSICOS INTERMEDIADORES: DEGENERADOS E TRANSITÓRIOS
SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS CEGOS EM APLIQUE DE ALÇA ESTRIBO
M195. Museu Larco, Lima
M189. Museu Larco, Lima
M191. Museu Larco, Lima
PRANCHA 134
MÚSICOS INTERMEDIADORES: DEGENERADOS E TRANSITÓRIOS
SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS CEGOS EM APLIQUE DE ALÇA ESTRIBO SOBRE CENAS DE DANÇAS DO INFRAMUNDO
M170. Fowler Museum of Cultural History, Los Angeles. Catálogo
Online.
M273. Benson. s/d.
M003. Museu Etnográfico de Berlim VA4676. Foto cedida gentilmente por
Manuela Fischer.
PRANCHA 135
MÚSICOS INTERMEDIADORES: DEGENERADOS E TRANSITÓRIOS
SUB-CATEGORIA: PERCUSSIONISTAS CEGOS EM CÂNTAROS/ ALÇA ESTRIBO
M237. Museu Larco, Lima
M235. Museu Larco, Lima
M179. MAAUNT, Trujillo.
Detalhes: fotos da autora, 2012.
M236. Museu Larco, Lima
M255. Museu Cassinelli, Trujillo.
Foto da autora, 2012.
PRANCHA 136
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE CAMPÂNULA FUSIFORME EM ALÇA ESTRIBO – DEGENERADOS
M494. MNAAHP, Lima . Fotos da autora e Débora Leonel Soares, 2013.
PRANCHA 137
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE CAMPÂNULA FUSIFORME EM APLIQUE DE ALÇA ESTRIBO – DEGENERADOS
M428. Museu Larco, Lima. Detalhe: foto da autora, 2013.
M490. Museu Larco, Lima
M430. MAUNT, Trujillo. Detalhes: fotos da autora, 2013.
PRANCHA 138
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE CAMPÂNULA FUSIFORME EM ALÇA ESTRIBO: CURANDEIROS
M493. MNAAHP, Lima. Fotos da autora e Débora Leonel Soares, 2013.
M501. Museu Larco, Lima
M608. Museu Larco, Lima
M613. Museu Larco, Lima
PRANCHA 139
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE CAMPÂNULA FUSIFORME EM ALÇA ESTRIBO E ESTATUETA
M422. Museu Larco, Lima. Detalhe: foto da autora.
M499. Museu de América, Madri
M287. Museu de Arqueologia da
Universidad Nacional Mayor de San
Marcos, Lima. Foto da autora.
PRANCHA 140
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE CAMPÂNULA FUSIFORME EM CÂNTAROS I: TOUCADO DE FELINO
M440. Museu Larco, Lima
M437. Museu Larco, Lima
M424. Museu Larco, Lima
M432. MAAUNT, Trujillo
M420. MAAUNT, Trujillo.
PRANCHA 141
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE CAMPÂNULA FUSIFORME EM CÂNTAROS
M434. Museu Larco, Lima
M436. Museu Larco, Lima
M439. . Museu Larco, Lima
M432. MAAUNT, Trujillo
M431. MAAUNT, Trujillo
PRANCHA 142
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE CAMPÂNULA FUSIFORME EM CÂNTAROS: CEGOS
M438. Museu Larco, Lima
M423. Museu Larco, Lima
M425. Museu Larco, Lima
M433. MAAUNT
M427. Museu Larco, Lima
M429.Museu Larco, Lima
PRANCHA 143
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE GOLPE DIRETO HORIZONTAL EM CÂNTAROS
M310. Museu Larco, Lima
M300. Museu Larco, Lima
M305. Museu Larco, Lima
M307.Museu Larco, Lima
M309.Museu Larco, Lima
PRANCHA 144
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE GOLPE DIRETO HORIZONTAL EM CÂNTAROS
M313. Museu Larco, Lima
M314. Museu Larco, Lima
M315. Museu Larco, Lima
M317. Museu Larco, Lima
M289. MAAUNT, Trujillo
M290. MAAUNT, Trujillo
M442. Emory Museum,
Atlanta.
M292. MAAUNT, Trujillo
PRANCHA 145
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE GOLPE DIRETO HORIZONTAL EM CÂNTAROS
M316. Museu Larco, Lima
M308. Museu Larco, Lima
M301.Museu Larco, Lima
M311. Museu Larco, Lima
M299. Museu Larco, Lima
PRANCHA 146
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE GOLPE DIRETO HORIZONTAL EM ALÇA ESTRIBO
M302. Museu Larco, Lima
M298. Museu Larco, Lima
M303. Museu Larco, Lima
M296. Museu Larco, Lima
PRANCHA 147
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE GOLPE DIRETO HORIZONTAL EM ALÇA ESTRIBO
M304. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora.
PRANCHA 148
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE GOLPE DIRETO HORIZONTAL EM ALÇA ESTRIBO
M323. MNAAHP, Lima. Fotos da autora, 2013.
PRANCHA 149
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM CÂNTAROS
(TOUCADO DE AVE)
M351. Museu Larco, Lima
M354. Museu Larco, Lima
M355. Museu Larco, Lima
PRANCHA 150
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM CÂNTAROS
(TOUCADO DE AVE)
M338. Museu Larco, Lima
M340. Museu Larco, Lima
M370. Museu Larco, Lima
M392. Museu Larco, Lima
PRANCHA 151
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM CÂNTAROS
(TOUCADO DE AVE E COLAR DE HAMALAS)
M339. Museu LarcoLima ,
M352. Museu Larco, Lima
M350. Museu Larco, Lima
M388. Museu Larco, Lima
PRANCHA 152
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM CÂNTAROS (TOUCADO DE FELINO)
M330. MAAUNT, Trujillo
M334. MAAUNT, Trujillo
M391. Museu Larco, Lima.
PRANCHA 153
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM CÂNTAROS
(TOUCADO DE FELINO E COLAR DE HAMALAS)
M393. Museu Larco, Lima
M353. Museu Larco, Lima. Detalhe: foto da autora, 2013.
M389. Museu Larco, Lima
M415. Museu Bruning, Lambayeque.
Fotos da autora, 2013.
M390. Museu Larco, Lima
M332. MAAUNT, Trujillo
M327. MAAUNT, Trujillo
PRANCHA 154
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM CÂNTAROS
(MANTA LONGA E COLAR DE PLACAS)
M326.Museu Larco, Lima
M328. MAAUNT, Trujillo
M345. Museu Larco, Lima
M329. MAAUNT, Trujillo
M401.Museu Larco, Lima
PRANCHA 155
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM CÂNTAROS
(MANTA LONGA E COLAR DE PLACAS)
M400. Museu Larco, Lima
M401. Museu Larco, Lima
M369. Museu Larco, Lima
M382. . Museu Larco, Lima
M375. . Museu Larco, Lima
M376. . Museu Larco, Lima
PRANCHA 156
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM CÂNTAROS
(MANTA LONGA E TOUCADO DE FELINO)
M348. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora, 2013.
M377. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora, 2013.
PRANCHA 157
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM CÂNTAROS
(MANTA LONGA E COLAR DE HAMALAS)
M347. Museu Larco, Lima
M372. Museu Larco, Lima
M336. MAUNT, Trujillo
PRANCHA 158
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM ALÇA ESTRIBO (MULHERES)
M337. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora, 2013.
M417. Museu Cassinelli,
Trujillo. Foto da autora.
PRANCHA 159
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES SUSPENSOS CONJUGADOS EM ALÇA ESTRIBO (XAMÃS CEGOS)
M384. Museu Larco, Lima
M385. Museu Larco, Lima
M383. Museu Larco, Lima
M418. Museu Cassinelli, Trujillo. Foto da autora, 2012.
M402. Museu Larco, Lima
PRANCHA 160
MÚSICOS INTERMEDIADORES: XAMÃS E CURANDEIROS
SUB-CATEGORIA: IDIOFONES DE GOLPE DIRETO HORIONTAL EM COLAR
.
M495. Museu de Sítio Huacas de Moche, Trujillo. Fotos da autora, 2012
M312. Museu Larco, Lima
PRANCHA 161
MÚSICOS INTERMEDIADORES: OUTROS MÚSICOS INTERMEDIADORES
SUB-CATEGORIA: ANTARISTAS TRANSITÓRIOS
M054. MNAAHP, lima. Foto da autora.
PRANCHA 162
MÚSICOS INTERMEDIADORES: OUTROS MÚSICOS INTERMEDIADORES
PERCUSSIONISTAS DE TAMBOR DE CHÃO COM PUPILAS DILATADAS
M284. University of Pennsylvania Museum of Archaeology and Anthropology, Filadélfia,
Catálogo Online.
M256. Museu Cassinelli, Trujillo. Foto da
autora, 2012.
M253. Museu Cassinelli, Trujillo. Foto da autora,
2012.
PRANCHA 163
MÚSICOS INTERMEDIADORES: OUTROS MÚSICOS INTERMEDIADORES
MULHERES PERCUSSIONISTAS ASSOCIADAS A OFERENDAS
M173. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
M175. MAAUNT, Trujillo. Fotos: MAAUNT e autora.
M640. Christopher B. Donnan and Donna McClelland Moche Archive, 1963-2011, PH.PC.001, Image Collections and Fieldwork Archives,
Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard University, Washington, D.C.
PRANCHA 164
MÚSICOS INTERMEDIADORES: OUTROS MÚSICOS INTERMEDIADORES
PERCUSSIONISTAS PRISIONEIROS
M181. Museu de América, Madri. Catálogo Online.
PRANCHA 165
MÚSICOS INTERMEDIADORES: OUTROS MÚSICOS INTERMEDIADORES
XAMÃS SEGURANDO / TOCANDO PUTUTOS
M111. Museu Larco, Lima
M151. University of Pennsylvania Museum of
Archaeology and Anthropology, Filadélfia.
Catálogo Online
M115. Museu Larco, Lima
M099. Museu de Gotenburgo.
Catálogo Online
M631. Art Institute of Chicago. Catálogo
Online.
M581. Museu de Arqueologia e Etnologia da
USP. Foto da autora, 2015.
PRANCHA 166
MÚSICOS INTERMEDIADORES: OUTROS MÚSICOS INTERMEDIADORES
TOCADORES DE PUTUTOS SOBRE PERSONAGEM SOBRENATURAL
M109. Museu Larco, Lima
M110. Museu Larco, Lima
PRANCHA 167
MÚSICOS INTERMEDIADORES: OUTROS MÚSICOS INTERMEDIADORES
TOCADORES DE PUTUTOS SOBRE PERSONAGEM SOBRENATURAL
M109 e M110. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora, 2013.
PRANCHA 168
MÚSICOS INTERMEDIADORES: OUTROS MÚSICOS INTERMEDIADORES
TOCADOR DE IDIOFONE DE GOLPE DIRETO HORIZONTAL EM ASAS DE AVE
M500. Museu Larco, Lima. Detalhes: fotos da autora, 2013.
PRANCHA 169
MÚSICOS INTERMEDIADORES: OUTROS MÚSICOS INTERMEDIADORES
MÚSICOS ASSOCIADOS A FEIJÕES
M068. Museu Britânico, Londres. Catálogo Online
M148. MNAAHP, Lima. Foto da
autora, 2013.
M097. Royal Ontario Museum, Ontario.