Iconografia musical na
América Latina:
discursos e narrativas entre
olhares e escutas
Iconografía musical en América Latina:
discursos y narrativas entre miradas y escuchas
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Reitor: João Carlos Salles Pires da Silva
Vice-reitor: Paulo Cesar Miguez de Oliveira
Assessor do Reitor: Paulo Costa Lima
Diretor: José Maurício Vale Brandão
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM MÚSICA
Coordenadora: Flávia Candusso
ACERVO DE DOCUMENTAÇÃO
HISTÓRICA MUSICAL
(ADoHM / SIBI-UFBA)
Coordenação musicológica: Pablo Sotuyo
Blanco
APOIO
EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL
DA BAHIA
Diretora: Flávia Goulart Mota Garcia Rosa
Conselho editorial
Alberto Brum Novaes
Angelo Szaniecki Perret Serpa
Caiuby Alves da Costa
Charbel Ninõ El-Hani
Cleise Furtado Mendes
Evelina de Carvalho Sá Hoisel
Maria do Carmo Soares de Freitas
Maria Vidal de Negreiros Camargo
Pablo Sotuyo Blanco
(Organizador)
Iconografia musical na
América Latina:
discursos e narrativas entre
olhares e escutas
Iconografía musical en América Latina:
discursos y narrativas entre miradas y escuchas
Salvador
EDUFBA
2019
2019, autores.
Direitos para esta edição cedidos à Edufba.
Feito o depósito legal.
Grafia atualizada conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil
desde 2009.
Projeto gráfico: Edson Nascimento Sales
Editoração e arte final: Josias Almeida Jr.
Revisão: Mariana Rios de Amaral Oliveira e Cristóvão Mascarenhas
Normalização: Sandra Batista
SIBI/UFBA - Biblioteca Reitor Macêdo Costa
I17
Iconografia musical na América Latina [recurso eletrônico] : discursos e narrativas
entre olhares e escutas = Iconografia musical em América Latina: discursos y
narrativas entre miradas y escuchas / Pablo Sotuyo Blanco, organizador.
Salvador: EDUFBA, 2019.
508 p.
Textos em português, espanhol e inglês.
Modo de acesso: https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/31038
ISBN 978-85-232-1966-6
1. Música – América Latina - História. 2. Iconografia – Música. I. Sotuyo
Blanco, Pablo. (org.) II. Título: Iconografia musical em América Latina: discursos y
narrativas entre miradas y escuchas.
CDU – 78.04
Elaborada por Geovana Soares Lira CRB-5: BA-001975/O
Editora filiada à
Editora da UFBA
Rua Barão de Jeremoabo
s/n – Campus de Ondina
40170-115 – Salvador – Bahia
Tel.: +55 71 3283-6164
Fax: +55 71 3283-6160
www.edufba.ufba.br
edufba@ufba.br
Sumário
9
Apresentação
11
“Las cuatro partes del mundo”
Canto y baile en Palmas del Socorro
(Santander, noreste de Colombia)
CA. 1810-1820
Egberto Bermúdez
73
Fuentes visuales para el estudio de la música
popular del siglo XX en Chile
Juan Pablo González
95
Música, humor e iconografía musical
Los programas de mano del grupo argentino
Les Luthiers (1967-2018)
Juliana Guerrero
125
Aproximación a contextos marginales del rock
en el estado de México a través de su iconografía
musical en el paisaje urbano
Alfredo Nieves Molina
139
El personaje del Pilatos en el ritual dancísticomusical del Palo Volador
Eco de la representación iconográfica
de la población afromestiza en México
Erika Salas Cassy
153
Os acervos fotográficos dos arquivos nacionais
dos países de língua portuguesa
Usos e usuários
Marcelo Nogueira de Siqueira
169
O dueto angélico da catedral e a passagem da
Belle Époque em Aracaju (SE)
Thais Fernanda Vicente Rabelo Maciel
189
O ostensório e o coro angélico nos fragmentos
de pintura do teto da sacristia da
antiga Sé Primacial do Brasil
Belinda Maria de Almeida Neves
227
A trajetória do tenor Giovanni Badaracco
através da crítica e da
iconografia musical entre 1899 e 1901
Luciane Viana Barros Páscoa
257
O músico vestido de preto
Representações e interpretações possíveis na obra de
Anton Domenico Gabbiani (1652-1726) sobre os
músicos do grand príncipe Ferdinando da Toscana
Márcio Páscoa
293
Using our own voices,
telling our own herstories
Reflections about sound creation
based on voice and technology
Isabel Nogueira
311
Iconografia musical oculta
Estudo de caso em marcas d’água
Pablo Sotuyo Blanco
353
Arthur Napoleão, Carlos Gomes, Camille SaintSaens e Jean-Henry Ravina
reunidos em um leque de autógrafos
Mary Angela Biason
377
A Hora da Música em Uma Casa Brasileira na
Belle Époque paulista
Representações de uma sociedade
em transição
Diósnio Machado Neto
407
O Sicim
Uma aplicação tecnológica para uma
melhor classificação organológica
Pedro Ivo Araújo
431
O violão em fontes iconográficas
Uma narrativa sobre as suas
representações no espaço brasileiro
Beatriz Magalhães-Castro
491
Sobre os autores / Sobre los autores
Apresentação
Dando continuidade aos esforços iniciados pelo Projeto
Nacional de Indexação, Catalogação, Pesquisa e Divulgação
do Patrimônio Iconográfico Musical no Brasil (RIdIM-Brasil)
em 2015, quando da organização e lançamento dos Estudos
luso-brasileiros em iconografia musical, o presente volume – que
intitulamos Iconografia musical na América Latina: discursos e narrativas entre olhares e escutas/Iconografía musical en América Latina:
discursos y narrativas entre miradas y escuchas – procura continuar
fortalecendo a visão do RIdIM-Brasil em termos de promoção
da pesquisa em iconografia musical, desta vez no continente
latino-americano.
Nesse sentido, este livro – com caráter fundamentalmente
bilíngue, majoritariamente em castelhano e português – reúne
16 trabalhos oriundos dos cinco países mais representativos
no que diz respeito à produção técnica e científica em torno
da iconografia musical, os quais, de norte a sul, constituem
quase 70% do território da América Latina: México, Colômbia,
Brasil, Chile e Argentina.
De forma semelhantemente à feita na publicação anterior,
o RIdIM-Brasil convidou autores de países que, por compartilhar da mesma área geográfica com fortes raízes culturais
comuns, expõem diversos aspectos da produção iconográfica
musical que permitirão ao leitor ter uma visão da complexidade
e riqueza da nossa cultura visual e musical, cuja abrangência
e alcance não se limitam ao território implicitamente compreendido pela origem dos autores ou das fontes visuais estudadas. Seus textos discutem interessantes aspectos relativos
à cultura visual e musical documentada na região, sem por
isso ficarem a ela circunscritos e limitados. Tanto do ponto de
9
vista temático quanto epistemológico, hermenêutico, metodológico e, inclusive,
técnico e documental, as narrativas e escutas ultrapassam as fronteiras imanentes, estabelecendo por vezes conexões de alcance nacionais, continentais e
até intercontinentais – como no caso da iconografia no âmbito da Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
A rica diversidade temática abrange práticas culturais musicais tanto urbanas
quanto rurais, do passado e do presente, representadas ou documentadas em
fontes visuais de inestimável valor científico e patrimonial. Itens iconográficos
das mais diversas naturezas – pinturas, gravuras, impressos, fotografias, audiovisuais, moedas, esculturas, leques e marcas d’água –, cobrindo um extenso
lapso de tempo que, nesta ocasião, abarca mais de 2 mil anos – notadamente
entre o século I a.C. e o presente –, são fontes de informação importantíssimas,
merecedoras de valiosas considerações, incluindo tanto o seu conteúdo informacional, seu valor documental de práticas musicais e sua significação cultural
quanto de outros aspectos decorrentes e correlatos, como, por exemplo, as suas
taxonomias, tipologias, técnicas, suportes e processos.
Além de um agrupamento tácito por países, pareceu-nos desnecessário
tentar organizar a sequência de ensaios por possíveis temas ou subtemas. O seu
conjunto apresenta um amplo, notável e rico panorama da produção científica
e técnica desses dignos representantes da pesquisa em iconografia musical na
América Latina e seu desenvolvimento, incluindo as jovens autoras galardonadas
com os Prêmios RIdIM-Brasil das edições 2015 e 2017, junto ao merecedor do
Prêmio Mercedes Reis Pequeno 2017, assim evidenciando não apenas o alcance
nacional do projeto RIdIM-Brasil, como também o seu crescente prestígio e
reconhecimento regionais, continentais e internacionais.
Destarte, caro leitor, acreditamos sinceramente estar lhe oferecendo um livro
que, esperamos, estimule o seu interesse não apenas pelo patrimônio iconográfico musical aqui discutido, via narrativas que expõem a sua riqueza, diversidade,
valor e significação patrimonial e cultural, mas também pela preservação, conservação, estudo e divulgação do restante da nossa riqueza cultural, musical e
iconográfica, que também merece ser devidamente escutada e narrada.
Por tudo isso, caro leitor, lhe desejamos uma ótima escuta dessas narrativas visuais!
Pablo Sotuyo Blanco
Presidente do RIdIM-Brasil
10
Iconografia musical na América Latina
“Las cuatro partes del mundo”
Canto y baile en Palmas del Socorro
(Santander, noreste de Colombia)
CA. 1810-1820
Egberto Bermúdez
1 Introducción
A lo largo del año 2014 una modesta edificación de la pequeña
localidad de Palmas del Socorro – Departamento de Santander,
alrededor de 300 km al noreste de Bogotá – cedió ante las
inclemencias del tiempo y quedó en estado de ruina casi total.
Cuatro años después colapsó la única pared que restaba en pie.
Varias de las paredes internas de los tres recintos de dicha casa
(Imágenes 1 a 3) contenían importantes muestras de pintura
mural de comienzos del siglo XIX que solo se documentaron
fotográficamente en forma parcial en septiembre de 2012.1 En
1 Agradezco a los profesores de la Maestría en Conservación del Patrimonio
Cultural Inmueble de la Facultad de Artes de la Universidad Nacional de
Colombia, Juanita Barbosa, María del Pilar López, German Téllez, y María
Claudia Romero (1957-2015), por su valiosa información y por poner a mi
disposición las fotografías por ellos obtenidas durante su visita a Palmas
del Socorro el 17 de septiembre de 2012. Las fotografías e información
11
noviembre de 2014, se habían recobrado entre los escombros muy pocas muestras de las superficies pintadas (Imagen 4), las que afortunadamente proporcionaron importante información adicional para este estudio.2
Partiendo de las fotografías realizadas en 2012, este trabajo tiene como
objeto describir y analizar las pinturas murales hoy desaparecidas; identifica
y describe el programa iconográfico al que pertenecían y estudia su difusión
desde Europa a América y en particular a la actual Colombia. Por último, con
base en esta información y a la luz de documentos históricos relacionados con
la región, propone una identificación de la función histórica de dicha casa en
la cultura local.
Imagen 1 – Palmas del Socorro, Santander, casa aun en pie, septiembre de 2012
Fuente: fotografía de Germán Téllez, Maestría en Conservación del Patrimonio Material Inmueble
(MCPMI), Universidad Nacional de Colombia.
adicionales son producto de mis viajes a Palmas del Socorro en noviembre de 2014 y octubre de
2018. Agradezco a Fernando Vargas, Juan Luis Restrepo y Ernesto Bautista por su colaboración
en estos viajes.
2 Dichas muestras se encuentran en poder del propietario de la casa Hernando Alirio Cadena
Gómez funcionario del Ministerio de Educación Nacional a quien también agradezco su valiosa
colaboración.
12
Iconografia musical na América Latina
Imagen 2 – Estado de la casa en noviembre de 2014
Fuente: fotografía de Egberto Bermúdez.
“Las cuatro partes del mundo”
13
Imagen 3 – Estado del predio, noviembre de 2018
Fuente: fotografía de Egberto Bermúdez.
Imagen 4 – Fragmento de las pinturas recuperado en los escombros, noviembre de 2018
Fuente: colección Alirio Hernando Cadena, fotografía E. Bermúdez.
14
Iconografia musical na América Latina
El actual municipio de Palmas del Socorro está situado aproximadamente
a 10 km al suroeste de El Socorro, parroquia fundada en 1681-1683 por los
pobladores de ese valle y que obtuvo el titulo de “villa” en 1771. En marzo de
1781, El Socorro fue el epicentro de la protesta contra el pago del impuesto de
la llamada Armada o Armadilla de Barlovento que muy pronto se convertiría en
una insurrección generalizada llamada del “Común” o de los “Comuneros”.3
El establecimiento de Palmas del Socorro es más tardío pues solo en 1799 los
vecinos de El Socorro plantean la fundación de una nueva parroquia en aquel
lugar. La iglesia, dedicada a la Inmaculada Concepción, San Joaquín y Santa
Ana se comenzó a construir alrededor de 1809 y en su fachada tiene una placa
de piedra con la inscripción “Año de 1820” que muy probablemente se refiera
a la fecha de finalización (Imagen 5).4
Imagen 5 – Palmas del Socorro, detalle fachada de la iglesia de la Inmaculada Concepción
Fuente: fotografía de German Téllez, septiembre 17 de 2012.
La fundación de Las Palmas está relacionada con otro hecho de mayor importancia para la región, la designación de El Socorro como cabeza del Corregimiento
del mismo nombre por orden virreinal en julio de 1795. Así, se situaba – en cuanto
a notoriedad y poder – en una posición intermedia entre Tunja y Pamplona, las
dos antiguas ciudades que desde el siglo XVI habían ejercido la primacía en el
3 Sobre la insurrección de 1781, ver Phelan (2011).
4 El Socorro, Archivo Parroquial, Libro 43, microfilmado, Bogotá, Templo de la Iglesia de Jesucristo
de los Santos de los Últimos Días, disponible en: https://www.familysearch.org/; Inventario...
(2013, p. [12-13]).
“Las cuatro partes del mundo”
15
territorio del oriente de la actual Colombia, desde Santafé hasta los limites con
Venezuela y el Caribe.5 (EZPELETA, 1989, t. II, p. 198)
Así como los tumultos anteriores a la revuelta de 1781 habían comenzado en
esa misma región a causa del aumento en el pago de los impuestos de tabaco
y aguardiente, también en 1809 algunos líderes de la villa que residían en
Bogotá promovieron una nueva revuelta contra el gobierno virreinal incluyendo
a otros que vivían exilados desde 1781 en el territorio de Casanare, al oriente
de Tunja. A pesar de que fueron vencidos en enero de 1810, lograron que sus
ideas propiciaran que el cabildo de El Socorro declarara diez días antes que él
de Santafé – el 10 de julio de 1810 – su propia junta de gobierno desconociendo
el gobierno virreinal, promulgara su propia constitución en agosto siguiente y
enviara una misión ante la Junta de Gobierno de Caracas en noviembre de ese
mismo año. La resistencia de la villa a la “pacificación” del Ejercito Expedicionario
de Pablo Morillo (1775-1837) también adquirió niveles notables entre 18161819 especialmente con la condena y ejecución de la líder local Antonia Santos
Plata (1782-1819) perteneciente al clan familiar más adinerado de la región.
(PHELAN, 2011, p. 59; RODRÍGUEZ GÓMEZ, 2011)
Desde mediados del siglo XVIII, esta región fue una importante productora
de tejidos de algodón. En 1809, en una de las instrucciones del Cabildo a los
emisarios enviados a la Junta de Gobierno en España se reconoce que la industria
local consistía en “tejidos bastos de algodón de que viste casi toda la gente pobre
de la mayor parte del virreinato”. Esta situación se mantenía aún en 1823 cuando
el explorador y diplomático Gaspard Theodore Mollien (1796-1872) visitó la
villa y anotó que los artesanos locales, las hilanderas en especial, ganaban muy
poco y tenían que competir con tejidos industriales importados de Inglaterra
(Manchester), indicando además que los comerciantes se enriquecían con el
intercambio de los tejidos locales por oro, cacao, tabaco, sal y otras mercancías
de las provincias vecinas. (MOLLIEN, 1825, t.I, p. 129-131; RAYMOND, 2011)
Por otra parte, las redes de arrier, tradicionales en la región, la integraban a los
circuitos comerciales internos e internacionales.6 (LAMO ARENAS, 1960) Este
escenario, con el telón de fondo de la cuarta guerra anglo-española del siglo XVIII
(1779-1783), terminó afectando en forma muy significativa la industria local.
5 El nuevo corregimiento fue desmembrado del Corregimiento de Tunja.
6 Para el desarrollo de este sistema en la segunda parte del siglo XIX, ver Carreño Tarazona (2010).
16
Iconografia musical na América Latina
Manuel Ancízar (1812-1882), en su descripción de los territorios recorridos en
1850 por la Comisión Corográfica de la cual era secretario, reporta las funestas
consecuencias sociales que había traído el decaimiento de la industria local de
tejidos ante la presencia de lienzos importados y su gran impacto en las actividades de la población femenina de las clases bajas del cantón de El Socorro.
Según él, estas mujeres se habían visto forzadas al desempleo, las uniones
ilícitas, la emigración y lo que en general llama “desordenes” y “relajación de
costumbres”.7 (ANCÍZAR, 1853, p. 133-135) Para mitigar esta situación, Ancízar
(1853, p. 134-135) propone seguir el ejemplo de los cantones vecinos, especialmente Barichara, Zapatoca y la Provincia de Soto donde se habían fundado
establecimientos para las jóvenes, orientados a fomentar nuevas industrias como
el tejido de sombreros en palma de nacuma – Carludovica palmata. En efecto, una
de las acuarelas que el pintor venezolano Carmelo Fernández (1809-1887) realizó
para la misma Comisión Corográfica muestra dichos sombreros en Bucaramanga
– la vecina Provincia de Soto – a la vez que ilustra los tipos raciales de la región
que evidenciaban la mezcla de indígenas, españoles y africanos (Imagen 6).8
(CODAZZI, 2004, p. 266)
La configuración racial de esta zona tenía ya un perfil definido para 1779.
De una población total de 35.117 individuos, el 47% estaba constituido por
los libres y esclavos “de todos los colores”, es decir la población mezclada
racialmente. Los que se reconocían como blancos constituían la mitad de la
población (50,4%) y los indígenas solo el 0,5% del total. Los pocos eclesiásticos
residentes en la villa (20 en total) constituían el resto de la población. En 1825,
la población total del cantón era menor que la de medio siglo atrás, 32.594
7 Ancízar (1853, p. 133), como era costumbre en aquel momento, no menciona con nombres
propios las uniones extramatrimoniales o la prostitución, sino que se refiere a ellas a través de
alusiones como la “relajación de costumbres” que atribuye en parte a la presencia continua de
soldados profesionales o el proceso de deterioro social que seguía al desempleo cuando – escribe
Ancízar – debido a la falta de educación hacen que estas mujeres “sin estímulo y consejo para el
bien, se entreguen a los desordenes, por cuya escala descienden rápidamente hasta parar en una
muerte prematura”. (ANCÍZAR, 1853, p. 134) Ancízar (1853, p. 134) indica además que “por
decenas” fueron sometidas a persecución policial y al destierro en zonas insalubres. Sobre la
Comisión Corográfica, ver Sánchez (1999).
8 Esta edición incluye un breve texto introductorio, el texto de Ancízar arriba citado, las reproducciones de las acuarelas que se encuentran en la Biblioteca Nacional de Colombia, y la información y los mapas – reproducidos como anexos de mediana definición fotográfica – que se
encuentran en el Archivo General de la Nación de Colombia (AGNC).
“Las cuatro partes del mundo”
17
individuos. El numero de eclesiásticos era el mismo pero los esclavos habían
disminuido notablemente y representaban solo el 0,01% de la población, lo que
implicaba una menor diferenciación racial y un crecimiento real de la población
proveniente de la mezcla racial. Además, se trataba de la provincia más poblada
del virreinato y sólo la villa de El Socorro, por ejemplo, tenía una población de
15 mil habitantes, equiparable a las de Santafé (16 mil), Cartagena (14 mil-16
mil) o Popayán (14 mil), las ciudades más antiguas e importantes del virreinato.
(MCFARLANE, 1993, p. 31-70; TOVAR PINZÓN; TOVAR MORA; TOVAR MORA,
1994, p. 375-377, p. 386-392)
Imagen 6 – Carmelo Fernández, Bogotá, Biblioteca Nacional de Colombia. Fondo Antiguo, Lámina
No. 137. Soto. “Tejedoras y mercaderas de sombreros nacuma en Bucaramanga. Tipos blanco,
mestizo y zambo”
Fuente: Biblioteca Nacional de Colombia, Bogotá.
18
Iconografia musical na América Latina
2 La casa
El predio donde solía estar la edificación está situado en la calle que lleva de la
iglesia a la salida del pueblo, en la esquina de intersección con su última calle.9
La situación apartada de la casa se explica por su condición de venta o sitio de
pasaje, alojamiento y diversión para comerciantes, arrieros, locales y pasantes,
que, como veremos a continuación, el testimonio de Ancízar y testimonios
actuales nos permiten confirmar.
En su narración sobre la llegada de la Comisión a la villa de El Socorro,
viniendo desde Tunja a través de Moniquirá y Oiba, Ancízar afirma que se detuvieron en la venta o posada de Aguabuena a dos leguas y media – alrededor de
13 km – de su destino. Además, explica que había tres caminos para llegar desde
Oiba a El Socorro, uno al oeste pasando por Chima, uno al este, pasando por
Confines y uno intermedio, directo al norte, que describe como el más corto, que
fue el que tomaron y que pasa directamente por Palmas del Socorro.10 (ANCÍZAR,
1853, p. 126-127) Sin embargo, un dato adicional de la mencionada descripción
parece indicar que la venta que visitaron fue otra, diferente a la de Las Palmas.
En uno de los itinerarios entre Oiba y El Socorro, se indica que se debe pasar
primero por el paraje llamado La Pezuña, del que Ancízar explica la tradición
sobre su nombre. Allí el camino se divide, y a la derecha conduce a “Simona”,
una venta que probablemente se identificaba con el nombre de su propietaria,
para de allí continuar hasta El Socorro. De acuerdo con la descripción y el mapa,
la distancia entre Oiba y La Pezuña era de 1,5 leguas, desde allí a Simona una
distancia semejante y 2,4 leguas adicionales desde Simona hasta El Socorro, para
un total de 5 y 1/3 de legua. (ANCÍZAR, 1853, p. 126; CODAZZI, 2004, p. 177)
Esto nos llevaría a concluir que la venta de Aguabuena muy probablemente se
9 La dirección del predio era Carrera 5 No. 9-11. Desde comienzos del siglo XX, la gran mayoría de
las ciudades de Colombia – que fueron fundadas con el plan ortogonal – abandonaron la nomenclatura colonial que usaba nombres para sus calles y adoptaron la nomenclatura numérica de
acuerdo con el sistema implantado en Bogotá a finales del siglo XIX, llamando carreras a las que
corren de sur a norte y calles a las que lo hacen de oriente a occidente. Las distancias citadas
convierten a kilómetros la legua (aprox. 5 km) y en el caso de las distancias actuales son aquellas
de las vías hoy existentes.
10 Ver también Mapa Corográfico de la Provincia del Socorro levantado de orden del gobierno por Agustín
Codazzi. 1850 en Codazzi (2004).
“Las cuatro partes del mundo”
19
conocía también como Simona y era diferente a aquella de Palmas.11 Por otra
parte, entre Guapotá y Palmas había un camino directo que pasa por un puente
de piedra de tres arcos sobre la Quebrada Panelas. (INVENTARIO..., 2013,
p. 25) Ambas poblaciones aparecen destacadas en un mapa local de 1821
(Imagen 9). (GUZMÁN, 1987) Por otra parte, hoy una vía secundaria, presumiblemente un camino antiguo, une el sitio denominado Aguabuena con Palmas.
Al referirse a Aguabuena, Ancízar no menciona la iglesia – lo que contribuye
a confirmar que no era la misma venta de Palmas – e indica que la venta recibía
su nombre por tener una fuente de agua cercana que la abastecía. Este autor
describe la venta como un edificio “modesto y aseado” con un aposento principal
y una puerta para el publico y la venta de bebidas, de las cuales menciona chicha
– bebida fermentada de maíz – y aguardiente – destilado de caña de azúcar. El
publico parece haber estado compuesto de agricultores, arrieros, comerciantes
y algunas mujeres que Ancízar llama “atléticas hijas de Eva”. Creemos que en
este caso se refiere a algunas empleadas de la venta y a otras mujeres que frecuentaban el lugar y que como ya mencionamos, según Ancízar (1853, p. 134),
podían eventualmente “entregarse a [...] desordenes”. Una visión más realista nos
permitiría ver en ellas a esposas abandonadas, solteras con hijos, desempleadas
y otras mujeres marginalizadas por la sociedad.12
Ancízar describe detalladamente – con humor y minucia – el interior del
aposento central o sala, adornado con pinturas murales. Sintetizando, reporta
dos figuras femeninas, acompañadas de letreros en verso – coplas octosílabas –
que copia en su ortografía original. La primera de ellas llevaba una corona, una
tiara en la mano izquierda y un cetro en la derecha. La leyenda que la explicaba
era la siguiente:
La quarta parte del mundo
Evropa zoy nombrada
Tengola tiara i las llaves
Yo zoi lamas ilustrada
11 El camino entre Oiba y Palmas existe hoy, pasando por Guapotá. Entrevistas a Álvaro Silva
(Palmas del Socorro) y Neul Gómez (Guapotá), Guapotá, 27 de octubre de 2018.
12 Sobre las uniones ilícitas en la Nueva Granada, ver Tovar Pinzón (2012).
20
Iconografia musical na América Latina
La segunda figura estaba coronada con plumas, con arco y flechas en una
mano y una granada en la otra; se titulaba “AMERICA” y tenía el siguiente letrero
explicativo:
Quizo mi Dios piadoso
Darme su caridad.
Soi la América libre
Viba la libertad!
Entre las dos figuras, había otra, un militar vestido de rojo con una espada
en la mano sobre un “cuadrúpedo amarillo, detrás del cual iba una mujer amarilla en un caballo colorado”. Ancízar finaliza indicando que la figura del militar
blandía una espada y estaba rodeada de “tal profusión de versos belicosos que
no me atreví a copiarlos”. Los colores predominantes de las pinturas eran el ocre
y el bermellón, los mismos de las figuras pintadas en el “testero” o parte superior
de la pared principal de la sala, esta vez como parte de una alegoría religiosa.
Allí se encontraban dos Vírgenes con sus respectivos niños “sacando animas
del purgatorio” acompañadas de San José y de dos ángeles que tocaban violín y
guitarra rodeados de “una aureola de guacamayas enormes”. Su conclusión es
que el “Asia y el África se quedaron en bosquejo” lo que confirma su familiaridad
con el programa iconográfico conocido como “las cuatro partes del mundo”.
(ANCÍZAR, 1853, p. 129-130)
La cantidad de figuras en las pinturas y la riqueza de la descripción contrastan
con la simplicidad de la otra venta que Ancízar (1853, p. 8) menciona, la venta
Cuatro Esquinas en Torca, a la salida de Bogotá, la cual encuentra extremamente
rustica y anota que sus paredes “presentaban la más copiosa colección de letreros
que pudiera desearse” los que califica de ejemplos de “retórica de taberna”.13
La descripción de las pinturas en el interior de la venta de Aguabuena revela
como dijimos, el programa iconográfico conocido como “Las cuatro partes del
mundo” o “los cuatro continentes”. Por otra parte, la alegoría religiosa con la
13 En su narrativa, Ancízar (1853, p. 7) menciona, solo de paso, otra venta cercana llamada Venta
del Contento. La venta descrita por Mollien (1825, t. I, p. 121-124) en 1823 en Cerinza (a
mitad de camino entre Bogotá y El Socorro, también era pobre, tenía dos casas y cobertizos sin
paredes para pernoctar y estaba situada en una zona completamente rural con cultivos para su
abastecimiento.
“Las cuatro partes del mundo”
21
Virgen y las almas del purgatorio se refiere a Nuestra Señora del Monte Carmelo
o Virgen del Carmen, devoción muy extendida en América.
3 Las cuatro partes del mundo en el arte
La concepción de este programa alegórico data de mediados del siglo XVI y está
inmerso en ideas humanistas y contrarreformistas con raíces antiguas. La segunda
edición (1603) de la Iconologia de Cesare Ripa (1560-1622) parece haber sido
la primera formulación de estos emblemas y la fuente primaria de dicha tradición iconográfica. Allí encontramos la alegoría de las cuatro partes conocidas
del mundo personificadas por mujeres con atributos basados en fuentes de la
antigüedad debidamente acreditadas por Ripa. Los aspectos esenciales de la
serie son la desnudez y “naturalidad” de África y América, en contraste con las
ricas vestiduras y adornos de Europa cristiana y guerrera, y de Asia intelectual y
virtuosa. Los atributos principales de cada figura son múltiples: Europa ostenta
una corona, un templo y una canasta de frutos y Asia, un incensario y un ramo
de flores y hojas aromáticas. Por su parte África está rodeada de animales peligrosos y sostiene en una mano un alacrán (escorpión) y en la otra un cuerno
de la abundancia con espigas de cereales que representan su riqueza en estos
productos. La última parte del mundo es América, coronada con un tocado de
plumas, con arco y flecha en sus manos, aljaba en bandolera y a sus pies un reptil
y una cabeza humana atravesada por una flecha, como símbolo – indica Ripa –
del “barbarismo de sus habitantes”. 14 (RIPA, 1603, p. 332-339, 1613, p. 63-68)
La presencia del alacrán como atributo de África tiene mayor antigüedad.
Spicer documenta la presencia de este animal como parte del emblema en el
último tercio del siglo XVI (ca. 1574) en los frescos de la Villa Farnese (Sala
del Mappamondo) de Caprarola (a 60 km al noreste de Roma) y también en
otras obras de Taddeo Zuccaro o Zuccari (1529-1566), uno de los pintores que
planeó y ejecutó con sus asistentes la decoración de aquel palacio (Imagen 7).15
(METCALF, 2011; SPICER, 2016) Además, el mismo Ripa nos indica que el
14 En la primera edición no ilustrada no aparece ninguno de los emblemas de las partes del mundo,
la “machina del mondo” se describe en forma muy sucinta sin nombrar los continentes. (RIPA,
1593, p. 156)
15 Sobre el programa iconográfico de Villa Farnese, ver Kish (1953).
22
Iconografia musical na América Latina
alacrán de África y sus otros atributos derivan de monedas romanas de los
gobiernos del cónsul Quinto Cecilio Metello Pio (130/127-64/63 a.C.) y de los
emperadores Publius Adrianus Augustus (76-138) y Septimio Severo (145-211).
Efectivamente en el anverso de monedas de la época de Adriano, encontramos
la mujer reclinada, el alacrán, la cornucopia, el tocado de trompa de elefante y
la cesta de frutos.16 Además, las estrechas relaciones de la familia Farnese con
España, Francia y en especial con la Compañía de Jesús pueden explicar la rápida
diseminación de las alegorías diseñadas para el poderoso cardenal Alessandro
Farnese (1520-1589).17
Imagen 7 – Estudio de Taddeo Zuccaro (1529-1566), dibujo. Diseño para zócalo de puerta, Italia,
siglo XVI. El alacrán se encuentra a los pies de la figura de la izquierda
Fuente: Cambridge (Mass.), Fogg Museum, Harvard Art Museums, No. 1965.434.
Este programa iconográfico se comienza a difundir en forma masiva a través de
grabados de finales del siglo XVI y comienzos del XVII con sus mejores expresiones
16 Un par de ejemplos de estas monedas se analizan en “Hadrian continues its travels”, CoinTalk,
https://www.cointalk.com/threads/hadrian-continues-his-travels.286184/ y “Hadrian-Africa”,
Coin Community, en: https://www.coincommunity.com/forum/topic.asp?TOPIC_ID=161091.
17 El cardenal Alessandro Farnese, nieto del cardenal del mismo nombre que se convirtió en el papa
Pablo III (1468-1549), fue quien financió la construcción de la Iglesia del Gesù en Roma, donde
fue enterrado frente al altar mayor.
“Las cuatro partes del mundo”
23
en los de Adriaen Collaert (ca. 1560-1618) y Julius Goltzius (¿-1595), ambos
basados en diseños de Maarten de Vos (1532-1603) todos flamencos y residentes en Amberes.18 Goltzius emplea carros triunfales, pero sigue en general los
mismos lineamientos iconográficos. Al igual que el mercado de los libros de rezo
de Amberes, él de estampas y grabados creció bajo el estímulo de los programas
contrarreformistas españoles especialmente liderados por la orden jesuita. Sin
embargo, la alegoría de que hablamos también tuvo éxito en ambientes protestantes como demuestra la serie diseñada por Marcus Gheraerts I (ca. 1520-ca.
1590) y grabada por Philips Galle (1537-1612), bien documentada en Holanda e
Inglaterra.19 Otros importantes artistas como Crispijn de Passe (ca. 1554-1637),20
quien hizo su aprendizaje en Amberes y trabajó en Holanda y Willem (Guillaume)
de Gheyn (1610-¿?) también emplean dicha alegoría en sus trabajos. Una de las
características esenciales de la transmisión masiva de dicho programa iconográfico es la presencia de múltiples variantes. Sin embargo, es preciso reconocer otras
fuentes en la construcción de estos programas iconográficos alegóricos. Sigaut
(2001) ha demostrado como en el caso de la sacristía de la catedral de México,
este tipo de publicaciones (estampas grabadas) y los sermones relacionados con
quienes comisionaron las obras, configuraron un marco conceptual en él que
los pintores realizaron los ciclos iconográficos que la adornan.
En la pintura, uno de los primeros ejemplos del programa es un oleo (ca.
1615) de Pieter Paul Rubens (1577-1640) hoy en el Kunsthistorichesmuseum de
Viena.21 Allí encontramos personificaciones femeninas de los cuatro continentes
acompañadas por personificaciones masculinas – en forma de dioses – de los
ríos emblemáticos de cada región. Algunos de los atributos mencionados son
visibles en la composición, el color de la piel de África, una medalla o moneda
de plata en lo que parece ser la personificación del Rio de la Plata y el remo o
timonel que lleva en su mano el dios del rio europeo – el Danubio. Animales sal18 Ver Paper Worlds: Printing Knowledge in Early Modern Europe. II. Thinking Visually, Projects at Harvard,
en: http://projects.iq.harvard.edu/files/chsi/files/pw_pt2.pdf?m=1457032531.
19 New York, Metropolitan Museum of Art, Drawings and Prints, The Four Continents, Acc. No.
59.654.52 (Africa), 59.654.53 (Europa), 59.654.54 (Asia) y 59.654.55 (América).
20 Middletown (Conn), Wesleyan University, Davison Art Center, Collection The Four Continents,
en: http://dac-collection.wesleyan.edu/Prt172?sid=50226&x=21869829&display=POR.
21 Viena, Kunsthistorischesmusuem, “Die Vier Flüssen des Paradieses” en: https://www.khm.at/
objektdb/detail/1614/.
24
Iconografia musical na América Latina
vajes – un cocodrilo y una tigresa con sus crías – caracterizan a África y América.
El mismo programa, con los cuatro ríos, sus dioses y sus atributos, es el de las
esculturas de Gian Lorenzo Bernini (1598-1580) para la Fontana dei quattro
fiume de Piazza Navona, de 1651.
Alrededor de 1625 Rubens recibe de parte de la gobernadora de los Países
Bajos septentrionales – actual Bélgica –, Isabel Clara Eugenia de Austria (15661633) el encargo de los tapices para el Convento de las Descalzas Reales de
Madrid proyecto del que se conservan los tapices y sus modelos pintados y
grabados. En uno de ellos, El Triunfo de la Eucaristía, aparece el globo terráqueo debajo de las ruedas del carro de la iglesia triunfante. Aunque aquí no hay
personificación de los continentes, este modelo de Rubens y sus variantes serían
esenciales en la diseminación del programa icnográfico en América.
Otro ejemplo, también con la connotación imperial de dominio territorial
ultramarino, está constituido por las pinturas de Charles le Brun (1619-1690) en
las esquinas del techo de la Grande escalier de Versailles, demolida en 1752 y que se
conservan gracias a los grabados de Etienne Baudet (1636-1711) de gran difusión
internacional. En este caso, las diferentes partes del mundo están asociadas con
una época del año, Europa con el mes de septiembre, Asia con los de febrero
y marzo, América con el de abril y África con los de octubre y noviembre.22 Un
programa similar, nunca realizado, fue planeado para los jardines de Versalles en
donde – como veremos más adelante – las cuatro partes del mundo se asocian
a las horas del día, las cuatro estaciones y los cuatro elementos. En 1674, se
comisionaron estos y dos grupos más, alusivos a los cuatro géneros poéticos y
los raptos famosos. Solo algunos de estos se conservan hoy en el Parterre d’eau.23
(MORALES FOLGUERA, 2013, p. 405)
Tal vez la manifestación más espectacular del programa iconográfico sea
es la apoteosis de San Ignacio en su iglesia de Roma, que presenta las cuatro
partes del mundo como parte de la obra de ilusión óptica – trompe-l’oeil – de
Andrea Pozzo (1642-1709) en la bóveda de la nave de la iglesia realizada entre
1685-1694, donde los atributos siguen los lineamientos ya mencionados. La
22 “Versailles et le visiteurs désenchantés”, Architrave, en: https://architrave.hypotheses.org/904 y
Melbourne, National Gallery of Victoria, Collection online en: https://www.ngv.vic.gov.au/explore/
collection /work/38065/. En el Musée du Louvre (Grand Palais) se conservan también dibujos de
Le Brun sobre el mismo tema.
23 Ver también Morales Folguera (2003).
“Las cuatro partes del mundo”
25
alegoría también fue conocida en Portugal y Brasil y Giovanni Battista Lenardi
(1656-1704) la presenta – con variaciones – en un medallón con el retrato del
rey Pedro II (1648-1706) escoltado por la fama y a sus pies un globo terráqueo
rodeado de las cuatro partes del mundo. (CARNEIRO, 2014, p. 346 y 352)
Como se dijo, la alegoría pictórica de las “cuatro partes del mundo” (o
los cuatro continentes) tuvo bastante arraigo en América durante el periodo
colonial. Tal vez uno de los primeros ejemplos – modelado en los grabados de
Goltzius – es el biombo mexicano de alrededor de 1680 perteneciente al Palacio
de Guendulain, hoy en el Museo de Navarra (Pamplona). Aquí se trastoca el
orden de los continentes, con Asia en primer lugar seguida de Europa, África y
en último lugar América, todas en carros triunfales con sus atributos esenciales y
con algunas variaciones como el parasol y unas sonajas para África.24 (MORALES
FOLGUERA, 2013, p. 408-409)
Otro biombo con el tema de Las cuatro partes del mundo (ca. 1700) es el de Juan
Correa (1646-1716) que también presenta variantes con respecto al programa
original. En esta obra las figuras femeninas que representan los continentes son
guiadas o escoltadas por figuras masculinas y acompañadas de niños a manera
de familias, con mucha seguridad inspiradas por los grabados de De Gheyn.25
Otro de sus biombos (incompleto), con las alegorías de Las siete artes liberales
y Los cuatro elementos también presenta modificaciones con respecto a los
programas iconográficos habituales en Europa. Un biombo neogranadino de
esta misma época (ca. 1685) contiene figuras derivadas de estampas europeas y
aunque no expone un programa iconográfico tan específico como los ya citados,
presenta por primera vez escenas tomadas de la cotidianidad – entre ellas una
de contenido musical – algo muy valioso en el contexto del arte local. (LÓPEZ
PÉREZ, 2015; MARTÍNEZ DEL RIO DE REDO, 1987)
De alrededor de 1700 son los lienzos de Leonardo Flores (fl. 1700) en La Paz
y Cochabamba y los Juan Ramos (fl. 1700) en las iglesias de Guaqui y Jesús de
Machaca en las riberas bolivianas del Lago Titicaca. (GISBERT, 1987; PASCUAL
CHENEL, 2013) En general están basados en los ya citados trabajos de Rubens
24 Ver también Artres, Biombo del Palacio de Guendulain, Museo de Navarra, en: https://www.
artres.es/dt_gallery/biombo-del-palacio-de-guendulain/.
25 Ciudad de México, Museo Soumaya, No. 1044C. Ver Curiel (2002, 2009) y Navarrete Prieto
(2002, p. 40-41).
26
Iconografia musical na América Latina
y aquel ubicado en Guaqui, representa El Triunfo de la Eucaristía con un carro
entre cuyas ruedas se encuentra un globo terráqueo y las cuatro partes del mundo
personificadas por figuras masculinas con sus atributos básicos, África negra
y América ambas con diferentes coronas de plumas, Europa con corona real y
Asia con un tocado otomano.26 El lienzo de Flores de la Iglesia de San Francisco
de La Paz es semejante, aunque las cuatro partes del mundo están de pie enredadas entre las ruedas del carro y ostentan los títulos de sus continentes en
escudos ovalados. Semejante es el de la Iglesia de San Francisco de Cochabamba,
aunque aquí, el espacio es mayor y las figuras, con sus escudos, marchan al pie
de las ruedas.27 Algo muy similar se presenta en aquel de Juan Ramos sobre el
Triunfo de la Inmaculada, en el presbiterio de la iglesia de Jesús de Machaca,
donde también las cuatro partes del mundo se encuentran entre las ruedas del
carro triunfal.28 En el otro lienzo de la misma iglesia, El Triunfo de la Eucaristía
(1703) de la misma iglesia se glorifica a la orden jesuita y sus principales figuras
y entre las ruedas del carro son reconocibles solamente Europa y América, con
corona real y corona de plumas respectivamente.29 Contemporáneo y semejante
es el lienzo de gran tamaño de Flores en la iglesia de Achocalla, hoy mutilado,
que comparte el origen de su programa eucarístico sin incluir las cuatro partes
del mundo.30
Correa, Flores y Ramos son contemporáneos del pintor napolitano Luca
Giordano (1634-1705) autor de una serie de cuatro cuadros que llevan el
mismo nombre y que fueron enviados a Madrid en torno a 1687-1689. Hoy
han desaparecido, pero los conocemos a través de copias – una serie en la Sala
de Arte Santander de Madrid – en la que se crea una composición propia para
cada una de las figuras, donde se mantienen solo algunos de los atributos del
programa iconográfico original. Esta serie tuvo gran difusión a través de los
26 Cf. Gisbert (1987, fig. 5) y Pascual Chenel (2013, p. 65, fig. 6).
27 Cf. Pascual Chenel (2013, p. 62, figs. 1 y 2).
28 Cf. Pascual Chenel (2013, p. 65 fig. 5).
29 Cf. Gisbert (1987, fig. 4) y Creisher, Siekmann e Hinderer (2013, fig. 1). Pascual Chenel (2013,
p. 64) lo denomina El Triunfo de Cristo.
30 Cf. Álvarez Plata (2015).
“Las cuatro partes del mundo”
27
grabados de Juan A. Salvador Carmona (1740-1805).31 Estos se publicaron en
Madrid alrededor de 1788 y están dedicados al futuro Carlos IV (1748-1819)
quien accedió al trono precisamente en ese año, hecho que le mereció al autor
su nombramiento como “grabador de Cámara de S. M.”.32 Una vez más se confirma la relación de la serie iconográfica con la ambición imperial y la expansión
universal de la monarquía española.
Otros ejemplos se deben a la notable influencia de la pintura italiana en
España en la primera mitad del siglo XVIII. Uno de ellos es del pintor suizo-italiano Bartolomeo Rusca (1680-1750) en el techo de la Sala 5 de la planta
baja del Palacio Real de La Granja de San Idelfonso (Segovia). La alegoría, parte
de otras realizadas para Felipe V (1683-1746) entre 1734-1735 y su muerte, se
presenta por parejas: Asia y Europa, África y América. Aquí también se preservan
algunos de los atributos originales, como el alacrán en la mano de África. (SOLER
VILLALOBOS, 2004, p. 29)
También de mediados del siglo es otra variación del programa adaptado a los
designios imperiales de España. Bartolomé de San Antonio (1708-1782), fraile
trinitario y pintor español formado en Italia, ingresó en 1753 en la Academia
de Bellas Artes de San Fernando con la donación de su alegoría sobre Fernando
VI y la Iglesia Católica, en donde, en presencia del soberano, España presenta
a América a la Iglesia Católica personificada como reina en su trono, con la
presencia de las otras tres partes del mundo que conservan muy pocos de sus
atributos originales, como el incensario de Asia además del arco y flechas de
América y la corona de Europa.33 Lo que el cuadro describe se lee en el paño del
clarín de la fama que flota encima de dichas figuras.34
31 Madrid, Colección del Banco Santander, en: https://www.fundacionbancosantander.com/
coleccion/es/luca-giordano-copias/las-cuatro-partes-del-mundo-europa/.
32 Madrid, Museo del Prado, Juan Salvador Carmona, Alegorías de las cuatro partes del
mundo, Madrid, ca. 1796, en: https://www.museodelprado.es/coleccion/obras-de-arte?search=alegor%C3%ADas%20de %20las %20partes%20del%20mundo,%20madrid,%20
[hacia%201786]&ordenarPor=pm:relevance.
33 Madrid, Real Academia de Bellas Artes de San Fernando, Museo, inv. 1066, 128 x 148 cm. Ver
Gobierno de España, Ministerio de Cultura y Deporte, Colecciones en Red, ceres.com, http://
ceres.mcu.es/pages/Main?idt=122941&inventary=1066&table=FMUS&museum=MRABASF.
34 Dum quator Orbis Plagas Hesperia ducit, / ut videat lucem detegit Americam: / Vincit & errores Sedes
Catholica Petri / Fernandi Sexti Robore, & Auxiliis.
28
Iconografia musical na América Latina
Sin embargo, no siempre se pueden buscar razones ideológicas en la presentación de estos programas iconográficos y debemos aceptar criterios más
sencillos como el orden alfabético que adopta Nicolas Bonnart (ca. 1636-1718)
en sus grabados sobre el mismo tema de alrededor de 1710-1720 basados en
las pinturas de su hermano Robert (1652-1729) quienes también se dedicaron
al comercio de laminas o estampas, vía fundamental para la difusión de estas
alegorías. Otro de sus hermanos, Henri (1642-1711) también publicó grabados
en donde simplificaba al mínimo los atributos de las figuras.35
Tampoco se puede pensar que la alegoría de las cuatro partes del mundo
solo se empleó en un contexto de ambición imperial exclusivamente católico,
pues aparece en el frontispicio de la descripción y guía de Amsterdam en 1664.
Su autor, Philips van Zesen (1619-1689) incluye una explicación de la figura en
donde la ciudad coronada está flanqueada a la derecha por figuras femeninas
que representan la pesca, la navegación y el comercio (Mercurio) y a la izquierda
por otras similares que simbolizan la abundancia, el prestigio y la opulencia.
A sus pies aparecen postradas otras cuatro figuras femeninas de las cuales tres
se pueden claramente identificar como Asia, América y África, mientras que el
torso de la primera figura – que representaría a Europa – es apenas visible en el
extremo izquierdo. En la explicación de la alegoría – probablemente de autoría
del mismo Zesen – se menciona “el amplio mundo” pero no los nombres de los
continentes.36 (ZESEN, 1664)
También en un ambiente germánico, esta vez católico y que sigue los lineamientos iconográficos ya descritos, Giovanni Battista Tiepolo (1696-1770)
diseñó y pintó entre 1750-1753 los frescos que adornan la bóveda del techo
de la escalera de acceso de la residencia del Príncipe Arzobispo Karl Philip von
Greiffenclau (1690-1754) en Würzburg, Bavaria. Uno de los modelos de este
trabajo – en lienzo de gran tamaño – se encuentra en el Museo Metropolitano de
Nueva York y muestra a Apolo rodeado de la alegoría de los cuatro continentes.
Durante su estadía en España, este artista usó imágenes semejantes en los techos
del Palacio Real de Madrid elaborados entre 1762-1766, donde el tema principal
35 Boston, Museum of Fine Arts, Prints, Nicholas Bonnart I (1637-1718), grabados sobre dibujos
de Robert Bonnart (1652-1729), Inv. Nos. 44.1209 (L’Asie), 44.1210 (L’Amérique), 44.1211
(L’Europe) y 44.1212 (L’Afrique), en: https://www.mfa.org/collections/search?f%5B0%5D=field_
artists%253Afield_artist%3 A24840&page=1.
36 “Kurze erklärung des Titel-blats”.
“Las cuatro partes del mundo”
29
es la glorificación y apoteosis de la monarquía española.37 (HONOUR, 1975,
p. 113-117)
Otro ejemplo tardío con la presencia del escorpión en la mano de África es la
de Vicente Camarón y Torrá (1803-1864) en una de las pinturas de la bóveda de
la Sala de Conferencias del Congreso de los Diputados en Madrid realizada en
1853.38 Allí se ve una joven figura femenina recostada sobre una piel de tigre que
exhibe un escorpión en la mano derecha mientras que con la izquierda abraza un
cuerno de la abundancia (cornucopia) con tallos y hojas de palma mientras que
detrás de ella pasea un león. A pesar de que en esta versión ha desaparecido el
cesto de frutos, guarda – a mediados del siglo XIX – la mayoría de los elementos
de la alegoría de las monedas “adriánicas”.
En el contexto religioso contamos con varios ejemplos americanos. Uno, en
Popayán – suroeste de Colombia – obra de Antonio y Nicolás Cortéz (siglo XVIII)
con las cuatro partes del mundo personificadas por figuras ataviadas con algunos
de los atributos ya descritos inclinándose sobre un globo terráqueo que se postra
con ellas a los pies de una Virgen apocalíptica con su media luna, serpiente y
ráfaga.39 Aquí se observa otro cambio en los elementos del programa, ya que,
por ejemplo, el tocado de cabeza de elefante lo ostenta Asia en lugar de África
que a su vez porta una corona de pluma en lugar de América; esta ultima viste
también una estola de armiño como Europa y Asia.
Otro ejemplo peruano del segundo tercio del siglo XVIII se refiere al proyecto
evangelizador jesuita, ya muy avanzado en ese momento como empresa global.40
Postrados ante San Ignacio y los otros santos de la Compañía, vemos a Atlas
con el globo terráqueo a cuestas flanqueado a su izquierda por personificaciones
masculinas de Asia y África, y a su derecha por América y Europa. Aquí, África
y América comparten un tocado de plumas y arco y flechas, mientras que Asia
37 Ver también Nueva York, Metropolitan Museum of Art, ‘Allegory of the Planets and Continents’,
en: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/110002243.
38 Madrid, Sala de Conferencias, Congreso de los Diputados, Pintura mural, cuerpo superior, ver
Alamy.com, en: https://www.alamy.com Nos. P4EDCX (África), P4DPW (Europa), PNW729 (Asia)
y P4EDR3 (América) y Pinturas ‘Los cuatro continentes’, Congreso de Diputados, Canal Parlamento,
https://www.youtube.com/watch?v=g0rjAQIqYd0.
39 Popayán, Arquidiócesis de Popayán, Museo de Arte Religioso. Ver también Llanos Vargas (2014).
40 Lima, Iglesia de San Pedro, Anónimo, oleo sobre lienzo, siglo XVIII, en ARCHI. Archivo digital de Arte
Peruano, en: http://www.archi.pe/index.php/foto/index/8206.
30
Iconografia musical na América Latina
y Europa ostentan turbante y corona respectivamente. La leyenda en latín que
titula el cuadro cita versos de los Salmos 18/19 (v. 5) y 112/113 (v. 3) y dice:41
Los cielos narran su gloria y del amanecer al
anochecer se alaba su nombre; sus voces se oyen en
todos los rincones de la tierra y sus palabras
hasta sus últimos confines.
La difusión del programa iconográfico de las cuatro partes del mundo en
Inglaterra tiene características particulares en cuanto a su apropiación por parte
de las clases medias. Los motivos icnográficos aparecen en paneles y en la ornamentación de canastas, cofres, gabinetes y marcos de espejos de manufactura
artesanal con figuras bordadas con seda, alambre y cuentas de vidrio. En el
contexto puritano de mediados del siglo XVII, el bordado se consideraba como
una actividad formativa para las mujeres y como tal se extendió a través de la
fabricación de estos objetos. Sin embargo, otros lo consideraban actividad vana
al igual que la música a pesar de que era una de las actividades cultivada en la
institución educativa de Hannah Playford en donde también aprendían a bailar
pues era la esposa de John Playford (1623-1686) el editor de The English dancing
master (1651) la colección más importante de música de baile de ese momento
que tuvo más de dieciocho ediciones en menos de un siglo y cuyas melodías se
mantienen aun en la tradición oral de las Islas Británicas y los Estados Unidos.
(BROOKS, 2011, p. 14; HAMM, 1978, p. 69) Un ejemplo de estos muebles, que
muestra la combinación de diferentes tradiciones iconográficas es un gabinete
de alrededor de 1650-1675 adornado con figuras bordadas en donde aparecen
los Sentidos, los Cuatro Elementos, el Padre Tiempo con su reloj de arena y
guadaña, y Orfeo con su lira.42
Sin embargo, la agenda iconográfica de glorificación colonial continuaba
vigente y aparece – siguiendo la orientación mercantilista de Zesen – en el frontispicio del New and complete system of Geography de Charles T. Middleton publicado
en Londres en 1777. Europa, coronada y sentada en su trono con un libro abierto
41 Caeli enarrant, gloriam Dei, a solis ortu usque ad occassum laudabile nomen Domine, [Et quidem], in omnis
terra exhivit sonus eorum, et in finis orbis terrae verba eorum.
42 Cambridge, Fitzwilliam Museum, Objeto T.8.1945, Inglaterra, ca. 1650-1675, en: http://
webapps.fitzmuseum.cam.ac.uk/explorer/index.php?oid=77903.
“Las cuatro partes del mundo”
31
en la mano está rodeada de Asia y América reclinadas y África de pie, todas con la
mayoría de los atributos que hemos mencionado, con importantes alteraciones
como el reemplazo del alacrán de África por una cadena y la presencia de un
manojo de hojas de tabaco que América sostiene en su mano derecha. La leyenda
que explica la figura es suficientemente elocuente para necesitar comentario:
Europa, por comercio, armas y astucia
Obtiene el oro de África y esclaviza a sus hijos,
Gobierna las exuberantes costas de Asia,
Viste sus preciosas gemas y conquista sus ricas bodegas:
Mientras que a través del mar trae desde América
Objetos útiles y la riqueza de sus minas.43
Las cuatro pinturas de los continentes que flanquean la cúpula de vidrio
de la Galleria Vittorio Emmanuele II de Milán (1865-1877), la escultura “Les
quatre parties du monde soutenant la sphère céleste” de Jean-Baptiste Carpeaux
(1827-1875) para la fuente de los jardines de la Avenue de l’Observatoire de
Paris (1867-1874) y aquellas del escultor chileno Virginio Arias (1855-1941) en
los Jardines de la Tamarita (Barcelona) y la plaza Benjamín Vicuña de Angol (sur
de Chile) son algunas de las obras que continúan dicha tradición iconográfica
en los siglos XIX y XX. (MORALES FOLGUERA, 2003)
4 Las cuatro partes del mundo en vivo
Simultáneamente a la consolidación de la alegoría en las artes plásticas – pintura
y grabado principalmente –, la alegoría de las cuatro partes del mundo también
aparece en procesiones y celebraciones publicas de “entradas” y otras efemérides
reales, principalmente en el ambiente hispánico. Un antecedente interesante de
1600 es la “entrada” en Salamanca de Felipe III (1578-1621) recién casado con
Margarita de Austria (1584-1611) en la que el gremio de los roperos costeó una
“invención” – dentro de una procesión – en la que cuatro muchachos disfrazados de mujeres personificaban a Europa, Asia, África y América. Al referirse
43 “Europe by commerce, arts and arms obtains /the gold of Afric and her sons enchains, / She rules luxuriois
Asia’s fertile shores, / Wear her bright gems and gains her richest stores: / While from America thro’ seas she
brings / The wealth of mines, and various useful things”.
32
Iconografia musical na América Latina
a la primera figura de dicha “invención”, el autor anotaba que de esa forma
“suelen pintar esta figura” (HIDALGO, 1610, p. 52), confirmando que había
sido concebida con base en fuentes iconográficas. La personificación humana
del programa, especialmente por parte de mujeres jóvenes va a ser muy frecuente
en América de ahí en adelante.
A finales del siglo XVI América se incorporaba rápidamente a mapas y manuales
geográficos. En 1580, el médico Francisco Hernández (ca. 1518-1578), en su
descripción de la Nueva España, llama a América la “cuarta parte del orbe”
y le atribuye al emperador Carlos V (1500-1558) el haberla llevado al mismo
estatus de las otras tres. (HERNÁNDEZ, 2000, p. 59) En la nueva cartografía
de ese momento, “cuarta parte” es el nombre que se le da al mapa de América
del cosmógrafo Diego Gutiérrez (fl. 1554) publicado en 1562.44
En Potosí, actual Bolivia, en la fiesta de Corpus de 1608 se reconocía a
América como “la cuarta parte del mundo” y las cuatro partes ya aparecen
completas en 1610 – beatificación de San Ignacio – en máscaras y fiestas en las
celebraciones de Segovia y Salamanca. En Goa y Lisboa, sin embargo, América no
aparece en las fiestas de la beatificación de San Francisco Javier (1619) mientras
que si está en las de Madrid. Tampoco encontramos a América en las de Goa
dos años después para la canonización de San Ignacio (1622) pero ya figura
en las de Lisboa en el mismo año. (ARELLANO, 2008, p. 60-71 y 77-78) Así,
vemos como consideraciones geopolíticas se superponían a aquellas doctrinales
y simbólicas pues para Portugal en este momento Asia y África eran mucho mas
importantes que América. Observamos además que el programa icnográfico
de Ripa se elaboró simultáneamente a las celebraciones publicas que hemos
mencionado.
En Santafé, actual Bogotá, la beatificación de San Ignacio se celebró en
1611 con “representaciones y coloquios [...] y otros aparatos” y la beatificación de San Francisco Javier en 1620, con fiestas, música, un coloquio sobre la
vida de Cristo y un certamen con “cuatro carteles” que podrían formar parte
de nuestra alegoría pero que desafortunadamente no se describen en detalle.
(REY FAJARDO; GUTIÉRREZ, 2015, p. 276 y 573) Para el Nuevo Reino, no hay
44 Americae sive quartae orbis partis nova et exactissima descriptio, Amberes: Hyeronimus Cock, 1562 en:
https://www.wdl.org/es/item/32/view/1/1/.
“Las cuatro partes del mundo”
33
documentación relacionada con la canonización de San Ignacio dos años después. (REY FAJARDO; GUTIÉRREZ, 2015, p. 75)
En las ya mencionadas fiestas de la canonización de 1622, el coloquio
presentado en Puebla incluye las “cuatro partes del mundo” que también aparecen en México – noviembre de 1622 –, donde portan una tarjeta que anuncia
(ARELLANO, 2008, p. 58 y 82):
Sujetas a su poder
Y a su valor sin segundo
Se vienen hoy a ofrecer
Al gran Ignacio y Javier
Las cuatro partes del mundo.
El enfrentamiento de España con los protestantes en el terreno de lo militar
involucra a Rubens y le proporciona implicaciones políticas y propagandísticas
a sus grabados. Uno de ellos, corresponde a la comisión por parte de la ciudad
de Amberes del diseño de un carro triunfal para celebrar la victoria española
contra los holandeses en la batalla de Kallo de 1638 que puso fin temporal
al bloqueo holandés de su acceso al mar. El carro fue construido y participó
en la Ommegang – procesión – de ese año aunque su diseño se alejaba de las
connotaciones religiosas y se concentraba en las alusiones clásicas y políticas
de la importante victoria militar. (SCHAIK, 2011, p. 7-17) A pesar de esto, fue
el modelo de las pinturas bolivianas arriba analizadas. El hecho tuvo también
efectos musicales pues la victoria de la batalla se celebró en canciones publicadas
en hojas volantes que aparecen en importantes obras pictóricas como la llamada
“Lo que los viejos cantan los jóvenes tocan”45 de Jacob Jordaens (1593-1678).
(SCHAIK, 2011, p. 65-66) En algunas de sus versiones se alcanza a leer el titulo
de la hoja con la que cantan los ancianos del cuadro, que contenía solo el texto
que se cantaba con melodías que la gente conocía de memoria.
El teatro musical también fue un importante medio de diseminación de esta
alegoría y de su contenido moral y religioso. El auto sacramental alegórico El valle
de la zarzuela (1655) de Pedro Calderón de la Barca (1600-1681) cuenta con las
cuatro partes del mundo entre sus personajes junto con la Culpa, y el Demonio
que son finalmente vencidos por la Gracia y un Príncipe que representa a Cristo. La
45 “So de oude songen, so pypen de jongen” en su original neerlandés.
34
Iconografia musical na América Latina
caracterización visual de las cuatro partes del mundo es su indumentaria, Europa
“a lo romano”, Asia “a lo judío”, África “a lo moro” y América “a lo indio”.46
Calderón entendía la efectividad de la combinación de la música con lo visual
y en la escena inicial y después de un largo dialogo con el Demonio – caracterizado como león –, escribe los versos siguientes para que la Culpa vestida de
negro cante:
A mi brindis mortales,
Venid que la sed;
Satisface esta copa,
Del oír y el ver.
Mas tarde aparecen en su orden Europa, Asia, América y África y después
de largos diálogos con el Demonio en los que aparentemente sucumben ante
él, son salvadas por la Gracia y el Príncipe y al final, una vez más se canta la ya
citada copla de claro simbolismo eucarístico.
Gran pompa revistió en Nápoles en 1658 el festejo del nacimiento de Felipe
Prospero (1657-1661) hijo malogrado de Felipe IV. Este nacimiento despertó
grandes expectativas y fue celebrado con fiestas en varias ciudades bajo el dominio
español tanto en Europa como en América, desde Milán y Nápoles hasta Manila
y Lima. De la descripción de las fiestas de Nápoles sabemos que incluyeron celebraciones religiosas, bailes de disfraces y de “emblemas”, fuegos artificiales, la
apertura de las cárceles, ejercicios ecuestres, juegos públicos, corridas de toros,
una comedia, la presentación de la opera La gara de’ sette pianieti y un gran cortejo
de carros triunfales con el programa de las cuatro partes del mundo. Los cuatro
carros llegaban a un escenario efímero preparado para la ocasión en donde los
“genios” de cada continente, personificados por cantantes, cantaban ante el
virrey y su corte alabanzas al recién nacido. Cada continente estaba tutelado
por deidades, Marte para Europa, Júpiter para Asia, Libero (Liber Pater) para
46 Madrid, Biblioteca Nacional de España, Ms. 15847, P. Calderón de la Barca, El valle de la zarzuela.
Auto sacramental alegórico, ff. 18v, 19v-20 y Gisbert (1987, p. 233). El titulo del auto tiene que ver
con el Palacio de la Zarzuela, establecido como pabellón de caza de Felipe IV en 1627 y desde
mediados del mismo siglo para las obras de teatro musical que adoptaron ese nombre por realizarse en el mismo sitio real.
“Las cuatro partes del mundo”
35
África y Neptuno para América.47 Los carros llevaban instrumentos musicales
emblemáticos como la viola de gamba para Europa, uno difícil de identificar
– ¿idiófono raspado? – para África, una especie de chirimía para Asia y el arpa
para América. Sus respectivos genios ostentaban los emblemas ya conocidos,
el alacrán para África, el manojo de hierbas aromáticas para Asia, la corona
y el cetro de Europa y el arco, flecha y hacha para América. La portada de la
publicación también contó con este importante rasgo iconográfico y muestra
un globo terráqueo que contiene el titulo rodeado de los cuatro continentes con
atributos en parte diferentes a los anteriores, arriba Asia y África respectivamente
con su incensario y una espiga de cereal alumbrada por el sol y abajo América y
Europa con los atributos ya mencionados.48 Es de notar que en esta disposición
el orden relega a Europa al ultimo lugar.
Con los mismos elementos y notable por su rareza es el poema (romance)
en euskera que formó parte del certamen poético realizado en Salamanca para
la misma ocasión. Es más un homenaje de sujeción de todo el orbe al recién
nacido y no se ajusta estrictamente a nuestro programa, pero el breve escrito
menciona a Asia, África, Europa y América al igual que sus ríos – Tigris, Éufrates,
Nilo y Danubio – dejando fuera solamente el rio americano. Sin embargo, otro
de los concursantes en dicho certamen intenta remediar la falta al anunciar que
el imperio regido por el recién nacido “nace Bengala y termina México”. (CLARE,
1974) Martin de Iturbe, el autor del poema vasco, conforma además un grupo de
los cuatro principales enemigos de España en ese momento, Inglaterra, Francia,
Portugal y el imperio Otomano; pero más especifico fue otro de los actos del
mismo festejo en donde en cuatro “castillejos” se quemaron las figuras que
personificaban a Mahoma, Cromwell, el imperio Otomano y la herejía. (CLARE,
1974, p. 404)
47 Libero era un dios de los plebeyos romanos, asimilado a Baco pero también a uno de los
dioses púnicos, especialmente bajo el gobierno de Septimio Severo, nacido en Lepsis Magna
(Tripolitania) hoy Libia. Su culto tenia asociación con falos y rituales de fertilidad. Ver Fowden
(2005, p. 563-65).
48 Cirino ([1659], p. 210-250). Los grabados plegables de los carros, cuando existen, son diferentes en los diferentes ejemplares existentes, por ejemplo, aquel marcado como América en el
que emplea Morales Folguera (2013, p. 405) no es el mismo del ejemplar de la British Library
(9930.k.10) en el que se intercambian también los marcados como Asia y África. Los ejemplares
de la Biblioteca de la Universidad Complutense (Madrid) y de la Bibliothéque de la Ville de Lyon
no poseen los grabados plegables de Nicolas Perrey y Jusepe Martínez.
36
Iconografia musical na América Latina
Al igual que en Nápoles, el programa de las cuatro partes del mundo – con
variaciones – hizo parte de la misma celebración en Lima, que duró desde agosto
hasta diciembre de 1659 y de la que tenemos varias relaciones no todas coincidentes entre sí. De acuerdo con una, en la fiesta organizada por el gremio de los
plateros para el 30 de noviembre desfiló un carro en forma de galera escoltado
por las figuras de un toro simbolizando a Europa, un elefante a Asia y un león a
África. América se incluyó como Reino del Perú, entre nueve carros triunfales que
representaban los dominios españoles. (RAMOS SOSA, 1992, p. 104-105) Otra
de las relaciones habla de la participación de las “cuatro partes del mundo” en
la fiesta de 12 de noviembre acompañaas por los cuatro elementos y las cuatro
estaciones. (RODRÍGUEZ MOYA, 2016, p. 102; VALERO JUAN, 2017, p. 47)
El tránsito de la alegoría entre España y América se ilustra cuando en 1664,
a los cuatro años de regresar a España después de haber vivido su niñez en la
Nueva España (México), Agustín de Salazar y Torres (1642-1675) presenta en
Madrid su comedia Elegir al enemigo, para el tercer cumpleaños de Carlos, el hijo
de Felipe IV (1605-1665). La loa contiene dieciséis personajes que incluyen las
cuatro partes del mundo, las cuatro estaciones, las cuatro horas del día y los
cuatro elementos. En una de sus escenas, todos cantando y bailando quedan
en una disposición que relaciona cada continente con los demás aspectos así:
África-cenit-verano y fuego, América-noche-invierno y agua; Asia-tarde-otoño
y aire, y Europa-aurora-primavera y tierra. (SALAZAR Y TORRES, 1992, p. 78)
Continuando con las loas en México, aquella de Sor Juana Inés de la Cruz
(1648-1695) para su auto sacramental El divino Narciso – representado e impreso
en Madrid en 1690 – incorpora parcialmente nuestro tema. Aquí, Occidente y
América son los personajes centrales, el primero como “indio galan” con corona
y ella como “india bizarra” vestida con mantas y “cuipiles”, que antagonizan
el Celo, como capitán general y la Religión cristiana como “dama española”.
Como en el caso anterior, el canto y el baile – en este caso de un tocotín (baile
indígena) – son fundamentales para la caracterización de sus personajes. (CRUZ,
1994, p. 3-21) Dos polos geográficos – Vizcaya y México – también emplea
Alonso Ramírez de Vargas (fl. 1662-1696) en una obra de 1691, que, aunque
no es dramática sino una elegía fúnebre dialogada, contiene elementos de las
loas ya referidas. (RAMÍREZ DE VARGAS, 1992, p. 175-179)
Sin embargo, tal vez el ejemplo más significativo sea la loa para Duelos de
ingenio y fortuna, de Francisco A. de Bances Candamo (1662-1704), comedia
“Las cuatro partes del mundo”
37
de la cual se conservan algunos números musicales atribuidos a Juan de Navas
(1647-c. 1709) y que fue representada en el Coliseo del Buen Retiro en 1687
para el cumpleaños de Carlos II (1661-1700). Además de Apolo, Cupido, la
Poesía, la Historia y la Fama, las Nueve Musas, los Nueve héroes de la Fama,
sus personajes incluyen a América y España, la primera coronada de plumas y la
segunda con corona y manto imperial, seguida ésta de un “coro de africanos” y
aquella por un “coro de Indios” que en su momento se mezclaron y formaron un
“vistoso y confuso sarao” ante la estatua del soberano. No sorprende la ausencia
de Asia, controlada en su casi totalidad por los otros poderes europeos rivales
de España. (BANCES CANDAMO, 1687, ‘Loa’, ff. 2-6)
Ubicándonos justamente en los territorios de uno de estos rivales, en 1707
para las exequias de Pedro II en la catedral de Bahía, la ciudad más importante
del Brasil, se construyó un catafalco con dos cuerpos con pinturas, el segundo
de los cuales contenía alegorías de las cuatro partes del mundo asociadas con
animales subyugados, Europa y un toro, Asia y el elefante, África y el león y
América y el tigre; además, los ríos Tajo, Indo, Zaire y Pará simbolizaban las
lágrimas derramadas por cada una de las partes a la muerte del monarca.
(CARNEIRO, 2014, p. 346)
Un ejemplo temprano de la presentación simultánea del programa iconográfico citado y de la interpretación en vivo de música vocal e instrumental lo
encontramos en el Nuevo Reino de Granada, actual Colombia, en las festividades
celebradas en junio de 1747 en Popayán para la jura de Fernando VI (1713-1759).
La materialización del programa iconográfico se hizo a través de la presencia
de un carro triunfal con tres cuerpos, el primero con un conjunto musical de
instrumentos de cuerda y viento, el segundo, presidido por Apolo (Febo), con
cuatro “damas que representaban las cuatro partes del mundo” coronadas por
la Fama y en el último, dos tronos para los monarcas. Eventualmente la Fama y
las cuatro damas cantaron un dialogo en alabanza de los monarcas, cada una en
representación de su continente. Lo que suponemos fueron arias, “recitados” y
música instrumental constituyeron los ingredientes musicales de este episodio.49
En otra región de la actual Colombia, la misma alegoría se expresa de manera
diferente y en forma parcial, en las construcciones efímeras que formaron parte
de las festividades que se llevaron a cabo en Honda – principal puerto interior
49 Popayán, Archivo Central del Cauca, Colonia, Civil III, 21dt, 9648, ff. 23v-25v.
38
Iconografia musical na América Latina
sobre el rio Magdalena, Colombia central – en diciembre de 1808 con motivo
de la Jura de Fernando VII (1788-1833). Allí, en uno de los costados del tablado
levantado por el Cabildo en la plaza de San Francisco, se interpretó una Loa con
los cuatro continentes simbolizados por cuatro estatuas masculinas que flanqueaban un medallón con el retrato del nuevo rey colgado entre dos columnas;
a su derecha se encontraban Asia y Europa y a su izquierda África y América.
Los atributos de las cuatro estatuas no obedecen al programa iconográfico que
hemos descrito y solo América, un joven semidesnudo, ostenta un arco, una
flecha y un tocado de plumas, mientras que los otros tres se diferencian muy
levemente en su vestido y sus armas, en ellos solo es reconocible el alfanje y el
turbante de África; y el florete y el cubilete de Europa. (REY-MÁRQUEZ, 2011,
p. 221-222, Fig. 4)
5 Las pinturas
Las fotos de septiembre de 2012 y testimonios locales indican que la edificación de que hablamos constaba de tres espacios comunicados entre si, uno
pequeño, con función de acceso o zaguán y colindante al norte con la casa vecina
seguido de otro más amplio que servía de sala principal. Al extremo sur había
otro aposento pequeño con techo inclinado y con dos ventanas y una puerta en
la pared extrema de la casa contra la actual calle 9. Las paredes externas de la
edificación eran de adobe (tapia) y las divisiones internas de bahareque, tejido
de varas de madera y cañas recubierto de barro, las dos técnicas constructivas
predominantes en la región antes del siglo XX. Después del colapso total de la
casa, la pared que confina con la casa vecina quedó expuesta a la intemperie
lo que permite ver, en su parte baja, algunas manchas de colores ocre, rojizo
y negruzco producidas por el lavado de la pintura mural a causa de la lluvia
(Imagen 8).
“Las cuatro partes del mundo”
39
Imagen 8 – Aposento 1 o zaguán, pared norte limítrofe con casa vecina
Fuente: fotografía de Egberto Bermúdez, noviembre de 2018.
Las tres figuras femeninas – que llamaremos en adelante FF 1, 2 y 3 – se
encontraban en el aposento central, dos en la pared oriental y la otra en la
pared sur (Imagen 9), todas ubicadas en la parte alta por encima de la altura
máxima de las puertas (Imágenes 10 a 15). En 2012, estas paredes habían sido
recientemente blanqueadas con cal, proceso que trató de evitar cubrir las zonas
pintadas aunque al no haberse hecho en forma cuidadosa, cubrió partes de las
figuras como se observa en los contornos de la FF3 (Imagen 14). Anteriormente,
las figuras habían sido recubiertas con cal varias veces, pero este recubrimiento
no se fijaba fácilmente en el área de las pinturas haciendo que reaparecieran.50
50 Entrevista con Elsa Amador, Palmas de Socorro, 26 de noviembre de 2018.
40
Iconografia musical na América Latina
Las figuras fueron elaboradas con pintura al temple, con pigmentos y fijadores
naturales – albumina de huevo.
Imagen 9 – Interior sala principal (aposento 2), paredes oriental y sur, de izquierda a derecha FF1,
FF2 y FF3
Fuente: fotografía de M. del Pilar López, MCPMI, septiembre de 2012.
“Las cuatro partes del mundo”
41
Imagen 10 – FF1
Fuente: fotografía de M. del P. López, septiembre de 2012.
42
Iconografia musical na América Latina
Imagen 11 – FF1, detalle letrero
Fuente: fotografía de M. del P. López, septiembre de 2012.
Imagen 12 – FF1, detalle, cola alacrán
Fuente: fotografía de G. Téllez, septiembre de 2012.
“Las cuatro partes del mundo”
43
Imagen 13 – FF1, detalle, espigas (hojas) de cereales
Fuente: fotografía de M. del P. López, septiembre de 2012.
44
Iconografia musical na América Latina
Imagen 14 – FF2
Fuente: fotografía de M. del P. López, septiembre de 2012.
“Las cuatro partes del mundo”
45
Imagen 15 – FF3
Fuente: fotografía de Juanita Barbosa, MCPMI, septiembre de 2012.
De izquierda a derecha la primera figura FF1 era la mejor conservada en 2012
pues mantenía sus colores y todavía se reconocían sus atributos iconográficos
y mantenía el letrero que los explicaba. En su cabeza, viste lo que parece ser
un gorro frigio o turbante, sus labios están pintados de rojo, usa aretes del
mismo color y a la altura de la cara presenta el letrero siguiente, al que le falta
el primer verso:
46
Iconografia musical na América Latina
[...]
Pues todas me están mirando
Que estoi [con] este alacrán
Que un dedo me está picando.
A los pies de la figura, a su lado izquierdo, son reconocibles todavía la cola
y el aguijón del alacrán, así como porciones de un mazo de espigas u hojas de
cereales contenidos presumiblemente en una cornucopia. Como vemos, esta
pintura conserva los elementos esenciales del emblema documentado desde el
periodo romano pasando por sus versiones humanistas y contrarreformistas.
Sin embargo, el verso presenta una situación totalmente diferente a la de
la tradición iconográfica que hemos descrito, es decir, a la idea de controlar el
peligro de la mordedura del alacrán que presentan las figuras femeninas que
personifican a África; pues el letrero indica todo lo contrario y afirma que la figura
está siendo mordida por el alacrán o escorpión. Si en forma metafórica – en lo
social y lo político – un continente hubiese podido sentirse victima del peligro
que representaba la mordedura letal del alacrán, éste hubiese sido América y no
África, tanto en el momento de la revolución de 1781, o en la lucha independentista comenzada en 1810, en aquella contra la pacificación de Morillo de
1816 o la de las batallas finales de la independencia hasta 1821. La ausencia del
primer verso del letrero, que identificaría esta figura, nos hace imposible esbozar
cualquier conclusión adicional a este respecto. Mas adelante volveremos sobre
la posibilidad de una lectura política de la alegoría.
La segunda figura femenina FF2 está totalmente aislada, “sentada en el
aire” como describe con humor Ancízar al referirse a las que vio en la venta de
Aguabuena. Esta figura usa un sombrero o tocado muy diferente al de la anterior
y en sus manos sostiene un par de objetos imposibles de identificar. Los atributos
y leyenda que seguramente tuvo han sido totalmente borrados por el blanqueamiento arriba mencionado. Por el tipo de tocado seria posible conjeturar que se
trata de la figura correspondiente a Asia.
En 2012, la tercera figura FF3 presentaba mayor deterioro y presentaba una
corona – al parecer de plumas – en la cabeza y en su mano izquierda lo que parece
ser la misma granada de la figura descrita por Ancízar. Su mano derecha, parte
de su vestido y los atributos iconográficos habían desaparecido. A su derecha,
“Las cuatro partes del mundo”
47
cerca del borde de la falda, a la altura de la rodilla tiene el siguiente letrero,
también muy deteriorado y casi ilegible (Imagen 16):
[La] [q]uarta parte del mundo
[Eur]opa soy nombrada,
... vo ... violín ... pa tocar
... a ... ve ... [g]vita[r]ra.
Esta es una leyenda semejante, al menos en sus dos primeros versos, a la que
Ancízar describe como tributo de la figura femenina que personifica Europa en
Aguabuena; así que podemos asumir lo mismo en el caso de la venta de Palmas.
En nuestro caso, el verso adicional y su referencia al violín y posiblemente la guitarra, así como a su interpretación, tiene un equivalente en la venta de Aguabuena
pues estos son los dos instrumentos musicales descritos por Ancízar.
Imagen 16 – FF3, detalle letrero
Fuente: fotografía de M. del P. López, septiembre de 2012.
48
Iconografia musical na América Latina
La corona puede ser una corona normal y no de plumas, aunque si se tratara
de esta última, podría presumirse que en este caso sus atributos están trastocados con los de América, en especial teniendo en cuenta que para Aguabuena,
Ancízar también describe una granada como su atributo.
Además, entre los fragmentos con pintura recuperados hay uno que muestra
parte de un letrero al parecer diferente a los anteriores y que podía pertenecer a
la figura FF2 o a una ausente FF4. Este trozo recuperado contiene los siguientes
fragmentos de escritura, cuya interpretación en las circunstancias actuales resulta
casi imposible (Imagen 4):
... do t ...
... iz z ...
En el siguiente aposento – el más pequeño situado en el extremo sur –, la
cabeza de una figura masculina es parcialmente visible en la pared opuesta a
la pared sur ya descrita, en la cual se ve también la parte del cuerpo correspondiente a las pantorrillas que visten lo que puede considerarse un pantalón rojo.
Algunos trazos de negro, ocre y bermellón delinean una figura adicional en su
parte inferior, que siguiendo la descripción de Ancízar podría ser el animal en
que montan las figuras masculina y femenina por él descritas. Hay además otros
fragmentos de pintura de los mismos colores cuya forma es imposible identificar
(Imágenes 17 a 19).
“Las cuatro partes del mundo”
49
Imagen 17 – Aposento 3, pared norte, izquierda
Fuente: fotografía de M. del P. López, septiembre de 2012.
50
Iconografia musical na América Latina
Imagen 18 – Aposento 3, pared norte, centro
Fuente: fotografía de M. del P. López.
“Las cuatro partes del mundo”
51
Imagen 19 – Aposento 3, pared norte, derecha
Fuente: fotografía de M. del P. López.
Una notable modificación al programa arriba descrito lo encontramos en las
figuras de la venta de Aguabuena, en donde Europa pasa a ocupar la “cuarta
parte” que desde el siglo XVI se reservaba a América; aunque de la descripción
de Ancízar tampoco podemos determinar que figura la sustituyó en la primera
posición. En nuestro caso, según el letrero, Europa también ocupa esa cuarta
posición, pero tampoco podemos corroborar quien ocupaba la primera, pues
la primera figura que encontramos a la entrada, por sus atributos, sería aparentemente África. En el otro ejemplo arriba citado, el de Honda, no hay alteración
en el orden tradicional pues Europa y Asía están situados a la derecha del rey
mientras que América y África lo están a la izquierda.
La sustitución de Europa por América en el primer lugar del orden de los
continentes o partes del mundo y la presencia de la “granada” como símbolo
del Virreinato local se podría ver como un claro ejemplo de proto-nacionalismo
52
Iconografia musical na América Latina
colombiano. Sin embargo, como ya se dijo, no es posible concluir mucho con
respecto a la venta de Palmas debido a la ausencia de una de las figuras, la de
América y también a la desaparición de casi todos los atributos y letreros de las
demás. Florescano y Curiel hacen lecturas nacionalistas y americanistas de esta
alegoría en el caso de uno de los biombos de Correa arriba mencionados, así
como del grabado que le sirvió de fuente, sin embargo, esta discusión, por su
amplitud y carácter, desborda los limites del presente trabajo.51 (CURIEL, 2009;
FLORESCANO, 2014)
En el caso de las figuras de Aguabuena observamos otra modificación con
respecto a los atributos de Europa en los programas iconográficos descritos: la
presencia de la corona y el cetro. Estos podían fácilmente transformarse en tiara
y llaves también como símbolos de suprema autoridad, en el terreno religioso
al ser los dos elementos esenciales del escudo papal. Aquí, adicionalmente al
relegamiento de Europa al último lugar, tendríamos paradójicamente un reforzamiento de la autoridad de Roma.
6 Alacrán y sexualidad
El letrero más completo en el caso de nuestras pinturas es aquel que aparentemente se refiere a África, algo imposible de confirmar teniendo en cuenta que
falta el primer verso de la copla. Suponiendo que se trata de África, el verso nos
lleva a pensar en que la presencia del alacrán pueda obedecer a razones diferentes
al peligro de su veneno letal. En las mitologías mesopotámica, egipcia, india y
mesoamericana, el alacrán esta vinculado con deidades femeninas relacionadas
con la fertilidad y simultáneamente con la protección de éstas contra sus letales
picaduras. Sin embargo, estas asociaciones simbólicas no parecen haber sido
exclusivamente femeninas pues tanto en el caso de Mesopotamia como en Irán
y México, también hay figuras masculinas de guerreros guardianes con forma
de escorpiones.52 (BUREN, 1937-1939)
Por otra parte, en el contexto musulmán, desde Asia Central e India hasta el
norte de África, el escorpión está asociado con dos tipos de símbolos: por un lado,
51 Para una perspectiva más amplia de este problema iconográfico, ver Honour (1975, cap. 4,
p. 84-117).
52 Para el caso de las antiguas culturas griega y romana, ver Mayor (2009).
“Las cuatro partes del mundo”
53
representa la muerte, el mal, y el comportamiento malicioso y abusivo, que los
santos, iluminados, derviches y faquires pueden dominar y neutralizar llegando a
actuar como sanadores contra su veneno y los males que produce (FREMBGEN,
2004, p. 93-106); por otro, el alacrán se relaciona con la sexualidad y representa
la lujuria, el deseo sexual y el mismo acto sexual con su aguijón como metáfora
del miembro viril, siendo muy frecuente en canciones populares y – en el contexto
moderno – en canciones del cine musical de la industria cinematográfica india
(Bollywood). (FREMBGEN, 2004, p. 123-124)
En Europa, el alacrán adquirió también connotaciones esotéricas, especialmente en la astrología, como aquella que relaciona la constelación de Escorpión
con los genitales femeninos y masculinos, así como con lo húmedo, frio y mohoso.
(PLANCY, 1818, v. I, p. 59-60) Además, no debe dejarse de lado la conexión
romana con África, la ya citada aparición del alacrán en sus monedas y la relación
de los dioses púnicos con aquellos romanos de los plebeyos, como el ya mencionado Liber Pater, asociados con símbolos fálicos, la fertilidad y lo báquico.
En el contexto mesoamericano, también contamos con gran numero de
fuentes nahuas y mayas que vinculan el alacrán con la lascivia, el pecado y el
adulterio, así como con el dolor corporal, castigo, guerra, muerte, desastres
naturales y en general con situaciones negativas. En coincidencia con las culturas
ya citadas, también aquí encontramos su clara asociación con el peligro y con
los especialistas que controlaban su poder. (VÁSQUEZ GALICIA, 2015)
En todos los casos la relación del alacrán (escorpión) con la muerte y el
peligro no es simbólica y además, se refuerza por el hecho de ser animales
predominantemente nocturnos, difícilmente detectables y de picaduras casi
siempre letales, en especial para niños y ancianos. La observación científica del
comportamiento de dichos animales sirvió sin duda para reforzar sus atributos
simbólicos y para crear otros difíciles de plasmar como emblemas en pintura
o escultura, como es el caso de su asociación con el baile. Muchos científicos
de diferentes ámbitos coinciden en describir como “baile” los movimientos que
acompañan la copulación de los alacranes se describen en forma adecuada como
“baile”. (ATTENBOROUGH, 2013; CASTRO, 2013) Es razonable pensar que
dicha observación es muy antigua y que debe estar desde entonces muy ligada
a la asociación de este animal con la sexualidad.
En la actualidad el primer registro del escorpión en un programa iconográfico de las cuatro partes del mundo en América – con el animal en la mano de
54
Iconografia musical na América Latina
África – está contenido en uno de los cuatro cuadros elaborados en México en la
segunda mitad del siglo XVIII – hoy en una colección privada – que mencionamos
arriba y sobre los que Morales Folguera (2003, p. 63) no proporciona ninguna
información adicional. La figura femenina reclinada que representa África es
blanca, viste el tocado de trompa de elefante, sujeta en su mano derecha un
alacrán y en la izquierda una espiga. Además, está flanqueada por otras dos
figuras femeninas, una de ellas negra a su izquierda mientras a la derecha, la otra
parece “recibir” o “protegerse” con sus manos del alacrán.53 En líneas generales,
la composición sigue la tradición establecida desde Zuccaro y Ripa, y las obras
de Rusca, R. Bonnart y Camarón. Si esta tradición se superpone con aquella
que lo vincula con la sexualidad, puede haber dado resultado – en América – a
una nueva corriente, expresada en el dibujo más completo de la venta de Palmas
del Socorro (Imágenes 10 y 11). Otro aspecto importante es la pervivencia de
las figuras femeninas en la personificación, algo que parece cambiar en el caso
suramericano de la primera parte del siglo XVIII, en especial en los triunfos – de
la Eucaristía y la Inmaculada – y en las alegorías jesuitas, donde se opta cada
vez más por figuras masculinas.
Para ubicar esta nueva tradición en nuestro contexto, retomemos los comentarios de Ancízar relativos a las costumbres de El Socorro y su región en 1850.
Lo que él llama “desordenes” como comportamiento de algunas mujeres, un
siglo antes describía el amancebamiento y las relaciones sexuales por fuera del
matrimonio. El caso de Rosalía Fonseca de Turmequé – en la provincia de Tunja
– puede ser ilustrativo, ya que se le llamaba “inquieta” pues siendo casada, vivía
amancebada con su cuñado después de repudiar a su esposo, repudio que se
explica finalmente cuando éste es acusado y castigado por bestialismo en 1791.
Estas transgresiones de carácter sexual eran frecuentes y se presentan en la región
del Socorro y su vecindario – El Cerrito, 1793, Pinchote en 1803 y Barichara en
1808. (VEGA UMBASIA, 1994, p. 75-83 y 120)
El capuchino valenciano Joaquín de Finestrad (1744-1811) aliado fundamental del arzobispo Antonio Caballero y Góngora (1723-1796) en la desactivación de la revuelta de 1781 emplea estos argumentos en su condena de dicha
53 La presencia de una cabeza atravesada por una flecha en el cuadro de América (MORALES
FOLGUERA, 2003, p. 66), presente desde Ripa apunta a una fuente iconográfica de mediados
del siglo XVII.
“Las cuatro partes del mundo”
55
insurrección en términos culturales y con argumentos bíblicos, patrísticos,
clásicos e históricos. En general, Finestrad atribuye la revuelta a la falta de establecimientos de educación publica y al “estado de abominación en que se halla
el reino”, su “triste decadencia” y la “corrupción de sus costumbres”. Además,
propone a las autoridades varios proyectos para remediarlas de los cuales el
sexto está orientado a poner fin a la vagancia, el ocio y la prostitución. Finestrad
sugiere que en los territorios en los que se pretendía abrir vías de comunicación
con la arteria fluvial mas importante del reino – el río Magdalena –, se funden
pequeños pueblos (colonias) con familias pobres de las jurisdicciones de Vélez,
Socorro y Sogamoso y luego se haga una “leva de vagos, disolutos y de mujeres
prostitutas” para establecerlos en dichos pueblos y lograr su rehabilitación
dirigida por un religioso. Además, como muchos otros autores – aun muchos
no eclesiásticos – relaciona directamente el teatro, la música profana, el juego
y la diversión con la relajación de las costumbres sociales, el amancebamiento,
escándalos, pleitos, venganzas y finalmente la rebelión.54
Unos años antes Basilio Vicente de Oviedo (1699-1774) hace observaciones muy semejantes sobre la misma región de El Socorro, donde fue cura en
varios pueblos entre 1748-1760. Como muchos, recalcaba la laboriosidad de
sus habitantes en su industria de “lienzos, pabellones, mantas, paños, sobrecamas, listados” pero añadía que también contaba con “mucha gente baldía
y mal acostumbrada”. En Simacota encuentra en su mayoría gente “tosca [...]
montaraz y sin cultura”; en Oiba “agreste, soberbia, inculta, inquieta [y] pendenciera” y en Charalá “inquieta, atrevida [...] burda, tosca y palurda”. Para
esta última villa añade que su industria de lienzos está “en decadencia” por ser
estos “muy burdos”. Al margen de su personal animosidad con la región, sus
observaciones sobre las iglesias confirman que no existía la educación musical
que se era común a través de la practica religiosa en ellas. Éstas, dice Oviedo,
eran inferiores “en ornato” a las de los pueblos de indios de Boyacá y Santafé y
en efecto, el único órgano que registra en la región es el del pueblo de Labateca
– cercano a Pamplona – tal vez por su condición de santuario de peregrinación
mariana. (OVIEDO, 1930, p. 175-177, 179-180 y 190)
54 Bogotá, Biblioteca Nacional de Colombia, Ms. 198, Joaquín de Finestrad, El vasallo instruido en el
estado del Nuevo Reino de Granada y en sus respectivas obligaciones (1789), cap. IV, p. 92-96; cap. VI y
cap. VII, p. 152-56 y cap. XII, p. 348-50.
56
Iconografia musical na América Latina
7 La música, el canto y el baile
Regresando a las pinturas de las ventas de Aguabuena y de Palmas y teniendo
en cuenta sus alusiones musicales, consideraremos algunas referencias al canto,
baile y música durante este periodo en la misma región. Ante la ausencia de
fuentes sobre la distribución espacial y decoración de ventas y posadas, estas
referencias pueden servir para ilustrar algunas características de las actividades
de diversión que pudieron haber ocurrido en ellas, así como en otros lugares
públicos y otros contextos musicales, tanto públicos como domésticos.
En el caso de El Socorro, tal vez las actividades musicales publicas más tempranas de que tenemos noticia sean las de la celebración del nombramiento
del arzobispo Caballero y Góngora como Virrey y Capitán General de la Nueva
Granada en febrero de 1784. (ORTIZ, 1962) La elite de esta villa celebró su nombramiento a pesar de haber sido él quien desarticuló el movimiento comunero
y de que sobre el recaían sospechas de hechos irregulares relacionados con la
muerte súbita de su antecesor Juan de Torrezar Pimienta (¿-1782) y de publicar
durante meses el perdón real para los Comuneros del Socorro que éste último
había traído desde España. (LUCENA SALMORAL, 2018a, 2018b) De acuerdo
con los documentos conocidos la celebración, que incluyó la presentación de
tres comedias, una zarzuela, numerosos bailes públicos – contradanzas – con
esmeradas coreografías y la interpretación de una “obertura” de música instrumental por parte de “caballeros aficionados” son hechos totalmente inéditos
en el contexto del virreinato, un nivel de actividad musical equivalente o tal vez
mas desarrollada que en sus ciudades principales como Santafé, Cartagena y
Popayán. El documento no menciona los bailes y festividades ocurridos en los
barrios bajos de la villa durante la semana que duraron las fiestas – del 7 al 15
de febrero – que a juzgar por algunos documentos un posteriores debieron ser
muy numerosos y nutridos. La actuación del arzobispo en 1781 ya había sido
objeto de festejo en la misma villa. En noviembre de ese año los vecinos del
barrio de Chiquinquirá – la plazuela de los plebeyos donde surgió la insurrección
– lo visitaron portando una “imagen de María Santísima y cantaron los versos
siguientes”: siguen aquí quince redondillas en alabanza y agradecimiento a la
Virgen y al arzobispo. Por la corrección gramatical y el tono obediente de su
lenguaje, Phelan cree que fueron compuestos por alguno de los capuchinos de
Finestrad. (BUREN, 1981; PHELAN, 2011, p. 217-218) Desafortunadamente
“Las cuatro partes del mundo”
57
desconocemos la música con que se cantaron, pero se trata de un interesante
ejercicio de diplomacia musical.
Otra festividad real, la jura del rey Carlos IV (1748-1819) quien asumió el
trono en 1788, nos proporciona datos adicionales que esta vez involucran a
los negros y mulatos, esclavos y libres habitantes de la villa y sus alrededores.
Según el prior del convento de los Capuchinos esta celebración se hizo el día de
la patrona de la villa el 27 de junio de 1790 con una treintena de hombres que
ensayaron e hicieron sus “evoluciones militares y descargas” lo que se repitió
seis meses después. Además, el 30 de enero de 1791, se congregaron en frente
del convento más de ochenta personas “esclavos de los mas visibles de aquí”,
también “libres” además de “algunos blancos con sus hijos” y los “muchachos
de la escuela”. El prior describe esta reunión como un “juego a la manera de
los tangos o Cabildos de negros de La Habana, Cartagena y Panamá”. Además,
indica que los muchachos fueron reprendidos y volvieron a la escuela y que la
queja de este hecho ante el cabildo local solo provocó risa, lo que nos hace
suponer que para ellos era algo conocido, tolerado e inofensivo. La comunicación
indica que llevaban “tamborcitos, sables de madera, banderas de pañuelos y de
papel” y que nombraron dignatarios y eligieron un rey “que iba decentemente
vestido y aun con su quitasol”.55 Esta es la segunda mención conocida de la
palabra tango en un contexto festivo y musical en América, la primera proviene
de Nueva Orleans en 1786. (BERMÚDEZ, 2014)
En Panamá, para la misma celebración en 1790, la relación menciona el
aderezo de la plaza principal que contenía algunos elementos del programa
iconográfico de que tratamos. Por un lado, estaban presentes las cuatro virtudes
del nuevo soberano personificadas en estatuas de la Prudencia, Justicia, Fortaleza
y Templanza, relacionadas además con los cuatro puntos cardinales. Además,
el tablado costeado por los comerciantes de la ciudad estaba ornamentado
con pinturas de los símbolos de sus actividades de importación y exportación
ultramarina, es decir, Europa, América, “el dios Mercurio y dos globos enlazados
con dos navíos” explicados en letreros y décimas “muy expresivas en su afecto”
que desafortunadamente el relator no transcribe. (FAJARDO DE RUEDA, 1999,
55 Bogotá, AGNC, Colonia, Miscelánea, 143, ff. 670-672v. En 1791, el domingo de Resurrección
correspondió al 27 de marzo y el miércoles de Ceniza al 7 de febrero; el martes de Carnaval el día
anterior.
58
Iconografia musical na América Latina
p. 199 y 201) En Cartagena, la misma celebración en febrero de 1790 contó con
un espectáculo semejante – carro, triunfal, danza, vestidos, música, tablado e
iluminación – preparado por los comerciantes catalanes de la ciudad del cual
conocemos la cuenta de gastos, pero no sus detalles teatrales o musicales.56 En
ninguno de los dos casos se mencionan los bailes o “tangos” de los Cabildos
de negros y mulatos de aquellas ciudades que habían motivado el comentario
del capuchino de El Socorro.
Referencias musicales adicionales – en el contexto del baile de diversión
público – ocurre en 1804, aparecen en Simacota (Santander) donde María Isabel
del Castillo, de 30 años, blanca, hilandera y acusada de instigar el asesinato de
su marido, indica que tocaba la guitarra en la que interpretaba “sones de bailar”,
además de “una contrandanza y el fandanguillo”.57 Poco después, en 1807, los
documentos de un pleito de jurisdicción entre los alcaldes de Barichara – en la
misma zona – describen un “fandango” o baile, hecho por dos mujeres solteras,
para la velación de un niño (angelito) hijo de una de ellas, en donde los músicos
del pueblo tocaron arpa, violín y tiple. Los documentos dejan ver que los dos
alcaldes que litigaban instigaron la celebración de estos bailes y asistieron a
ellos.58 Vemos aquí que, tanto la guitarra como el violín de las pinturas de
Aguabuena y del letrero de Palmas contaban ya con una tradición local.
La historia de la región estuvo íntimamente ligada a los tumultos populares
en contra del gobierno. En Simacota, por ejemplo, había sido cura el controvertido canónigo Andrés Rosillo (1758-1835) perseguido por las autoridades
españolas por fomentar la revolución y quien aparentemente por sus influencias evitó ser juzgado por vivir amancebado con una de sus sobrinas, tanto
allí cono en Fómeque y Santafé donde ella lo había seguido.59 (IBÁÑEZ, 1989,
v. II, p. 355-357) También nació allí el hermano lego dominico Ciriaco de Archila
(1724-1792) autor del libelo-poema que sirvió de instigador a la insurrección
de 1781 por lo cual fue desterrado a España (Cádiz) donde murió. (ARIZA S.,
1971, p. 32; PHELAN, 2011, p. 72-74) Así pues, no es casual que casi dos siglos
56 AGNC, Colonia, Historia Civil, 20, ff. 297-317.
57 AGNC, Colonia, Juicios Criminales, 44, ff. 854-57v.
58 AGNC, Colonia, Policía, 6, ff. 337-78.
59 Ver también León Soler y Rodríguez Gómez (2012), y Vanegas Useche (2012). La fuente principal
para este episodio en la vida de Rosillo es el trabajo de Rodríguez Plata (1944).
“Las cuatro partes del mundo”
59
después esta población de convirtiera una vez más en epicentro de insurgencia
contra el gobierno nacional.60
Ya en la época de la nueva republica, la celebración en El Socorro de la victoria
en las batallas de Junín y Ayacucho en junio de 1825 contó con varios “bailes
públicos” así como una “mojiganga” o “máscara” es decir un cuadro teatral
con disfraces en barrio de Chiquinquirá y en Santa Bárbara, la presentación
del “Monólogo de Guzmán el Bueno”. La “máscara” teatral ridiculizaba a los
odiados capuchinos quienes subyugaban un grupo de indígenas, pero huían
ante la presencia de un retrato de Bolívar. En el convento de Capuchinos, ahora
Colegio de la provincia, además del monólogo se dio un baile y al día siguiente
una “patética comparación” de lo que el colegio significaba antes y después de la
independencia, a lo que siguió otro baile.61 Para 1825, el “Monólogo de Guzmán
el Bueno” era bien conocido en España en dos versiones, la de Tomas de Iriarte
(1750-1791) y la parodia de Félix M. de Samaniego (1745-1801). El texto de
Iriarte (de 1791) prescribe la presencia de una orquesta y de música incidental
compuesta por él mismo que describe las escenas de la obra y que incluye movimientos como “adagio triste”, “adagio grave”, “andante sonoro y majestuoso
con instrumentos” y un “largo afectuoso y lamentable”. La trompeta, el clarín y
el “redoble de atabales” acompañan también los momentos cruciales de la obra;
una “marcha” y un “adagio lento” enmarcan el momento del lanzamiento del
puñal a sus enemigos que con el muera su hijo cautivo, escena que termina con
un “largo muy triste con sordinas y flautas”.62 (IRIARTE, 1805)
60 En enero de 1965, Simacota sería objeto de la primera acción espectacular del Ejército de
Liberación Nacional (ELN) y de su columna denominada “José Antonio Galán” homenaje al
líder de la insurrección de 1781 que era el mismo nombre del batallón del Ejercito Nacional
que los enfrentó. “100 bandoleros asaltan a Simacota, Santander”, El Tiempo, 8 de enero de
1965, p. 1 y 22 y “El asalto a Simacota”, 9 de enero de 1965, p. 1, 6, 8 y 24. Un año mas tarde,
el 15 de febrero de 1966, el sociólogo y sacerdote Camilo Torres Restrepo (1929-1966), que se
había unido a ese movimiento armado muere en un enfrentamiento con el Ejercito Nacional, ver
“Nueve muertos en combate en Santander”, El Tiempo, 16 de febrero de 1966, p. 1 y 24 y “Muerto
Camilo Torres en el combate de Santander”, 17 de febrero de 1966, p. 1 y 9. En 1989, Simacota
– en el corregimiento de La Rochela – fue el escenario de la masacre de más de una decena de
funcionarios judiciales que investigaban los crímenes de los grupos paramilitares en la región. Ver
Henderson (2015, p. 74 y 138).
61 AGNC, República, Historia Civil, 6 (2), ff. 866-72. La batalla de Junín ocurrió el 6 de agosto de
1824 y la de Ayacucho el 9 de diciembre del mismo año, ambas en la zona andina central de Perú.
62 Ver también Segura González (1994).
60
Iconografia musical na América Latina
Al año siguiente en El Socorro se celebraron en diciembre las “fiestas nacionales” en donde posiblemente tuvieron lugar actos semejantes y también se
hicieron “certámenes y actos literarios” en el colegio de la provincia que, como
dijimos, se había establecido en el ya mencionado convento de capuchinos al
comienzo de aquel año.63
Los símbolos de la cultura clásica mantuvieron su lugar en las fiestas publicas
de esta y otras regiones vecinas. Como observa Ancízar algunas poblaciones
de la región contaban con un “cura ilustrado” – como en el caso de Guayatá
(sureste de Boyacá) parroquia fundada en 1821 – donde él oyó en la iglesia “bien
ejecutada música de coro, vocal e instrumental, desempeñada por jóvenes del
pueblo”. (ANCÍZAR, 1853, p. 373) En 1825, para la inauguración de la escuela
de enseñanza mutua – método de Lancaster – en dicha población, los símbolos
clásicos mantuvieron su vigencia en el acto que además sirvió para conmemorar
la victoria en Junín y Ayacucho. Como había ocurrido en El Socorro, un retrato
de Bolívar presidió la celebración en un carro triunfal, sostenido por tres jóvenes
que como “ninfas” personificaban la Victoria, la Justicia y la Sabiduría. El carro
recorrió las calles adornadas con arcos triunfales escoltado por músicos y por
los notables del lugar montados a caballo en medio de fuegos artificiales y del
repique general de campanas. (PITA PICO, 2018, p. 131-132)
Sabemos poco sobre el canto, la música y el baile en las tabernas y ventas,
pero contamos con abundante iconografía pues fue uno de los tópicos de la
pintura centroeuropea desde el siglo XVI, especialmente en los Países Bajos en el
siglo siguiente y en ellos coexisten las imágenes del disfrute de estas actividades
y de los encuentros sexuales casuales inherentes a ellas con la censura moral o
connotación de pecado que traen consigo. (ALPERS, 1972-1973, p. 165 y 176;
SCHAMA, 1987, p. 130-220)
Este tipo de pinturas es muy raro en el contexto hispánico, lo que no implica
que las actividades retratadas en las obras europeas, no se practicaran en las
tabernas y ventas españolas y latinoamericanas. En el medio hispánico, las ventas
y mesones desde el siglo XVI se asociaban con la mala vida, los “pícaros”, prostitutas y tahúres, una relación ampliamente ilustrada en la literatura de la época.
63 “Fiestas nacionales”, Gaceta de Colombia, 280, 25 de febrero de 1827, s.p.; “Educación publica”,
283, 18 de marzo de 1827, s.p. y ‘Parte Oficial. Colegio del Socorro’, 725, 5 de febrero de 1826,
s.p.
“Las cuatro partes del mundo”
61
(DELEITO Y PIÑUELA, 1986, p. 140 y 145-146) Además, el baile y la presencia
de músicos y actores en ventas y posadas era también un importante atractivo
para sus clientes. (DELEITO Y PIÑUELA, 1966, p. 67, 75 y 226)
Hemos mencionado como desde mediados del siglo XVII y a pesar de sus
implicaciones políticas e imperiales, en Inglaterra la alegoría se llevó a la simple
decoración de objetos cotidianos fabricados y consumidos por las clases medias.
Un ejemplo interesante es la loza inglesa con motivos mitológicos (sirenas) que
se encontró en la excavación arqueológica de una taberna de London Town –
Maryland, Estados Unidos – de alrededor de 1725. (LUCKENBACH, 2002) Ya
desde la antigüedad sabemos que la sirena simbolizaba el pecado, que también
estaba simbólicamente vinculado al baile y que en forma coherente se podía considerar adecuada para la decoración de lugares públicos de diversión. (GISBERT,
1987, p. 224)
Hoy no contamos con muchos ejemplos de decoración de posadas, tabernas
y salas públicas de baile; aunque un óleo de John Lewis Krimmel (1786-1821) y
sus reproducciones muestran letreros y cuadros en la pared de una taberna de
Filadelfia de alrededor de 1819-1820.64 En París, otro ejemplo muestra pinturas
de figuras humanas masculinas y femeninas en las paredes del cabaret o “Taverne
a la mode” au Tambour Royal (ca. 1748-1790) de Jean Ramponneau (1724-1802)
que retrata fielmente la presencia de cantos, comida, bebida, vendedores ambulantes, las empleadas del lugar y el publico asistente, masculino y femenino.65 La
decoración de las ventas de Aguabuena y Palmas parece pertenecer entonces a
una tradición muy bien establecida.
Además, la asociación de tabernas y posadas con la música y el baile también
tiene ejemplos en nuestro medio. En esos mismos años contamos con pocas
descripciones de ventas en el territorio de la actual Colombia como la de Alcide
d’Orbigny (1802-1857) quien narra en 1826 como en la Venta Grande – entre
64 Washington, D.C., Library of Congress, Prints and Photographs Division en: http://loc.gov/
pictures/resource/ppmsca.22808/ y John Lewis Krimmel, Barroom dancing en Wikiart. Visual Art
Encyclopaedia, https://www.wikiart.org/en/john-lewis-krimmel/barroom-dancing-1820.
65 Paris, Musée Carnevalet, inv. D3571, Etienne Bericourt, Le Cabaret Ramponneau, c. 1784-1794,
y Scene de cabaret, chez Ramponaux, inv. D4714 en: http://parismuseescollections.paris.fr/fr/musee-carnavalet/oeuvres/le-cabaret-ramponneau#infos-principales y http://parismuseescollections.
paris.fr/fr/node/93381. Contamos además con información sobre la reglamentación y los productos que se vendían en las ventas (auberges) y cabaret de las colonias francesas en América
(Nueva Orleans, Cape Breton, Quebec) ver Proulx (2018).
62
Iconografia musical na América Latina
Honda y Guaduas – y en otras semejantes, era frecuente encontrar alguien que
“atormentara” una “guitarra con resonador de calabazo” confirmando además
la disponibilidad de chicha, guarapo, arepas y carne seca (Imagen 20). Este
autor añade que la venta era muy pobre y había que dormir en hamaca propia.
(ORBIGNY, 1836, p. 84, pl. IX, 2)
Imagen 20 – “Venta entre Honda et Sargento”, Alcide d’Orbigny (1836, pl. IX, 2)
Fuente: fotografía de Egberto Bermúdez.
La presencia de instrumentos musicales – guitarra y violín – en la de Aguabuena
y la alusión a esos mismos instrumentos en el letrero de la Las Palmas le da un
especial significado a las pinturas de esta casa, convirtiéndolas posiblemente
en el único ejemplo que conocemos – desafortunadamente solo a través de
fotografías – de cómo era un espacio del siglo XVIII en la Nueva Granada (hoy
“Las cuatro partes del mundo”
63
Colombia), dedicado a la sociabilidad, el descanso, el entretenimiento público,
la diversión, la bebida, el canto y el baile.
La desaparición de la venta de Palmas del Socorro – para llamarla con el
nombre que presumiblemente tuvo – no es el primero ni será el último caso que
ilustra las dificultades, tanto técnicas como políticas, en la preservación de este
tipo de patrimonio en nuestro medio. Otro ejemplo muy ilustrativo es la historia
de las pinturas murales (ca. 1580) de la Casa del Deán de Puebla, México.66
Después de heredarla de su familia, el historiador del arte Francisco Pérez de
Salazar (1888-1941) reveló sus impresionantes frescos en forma discreta en una
de sus publicaciones de mediados de los años treinta y poco después, los volvió a
recubrir con cal para evitar la expropiación del predio. A su muerte, sus herederos
vendieron la casa a un empresario cinematográfico que la demolió casi en su
totalidad para construir un gran teatro que hoy es un complejo de varias salas
de cine. Estudiantes e intelectuales se opusieron físicamente a la demolición en
1953 logrando mantener solo la fachada y las dos salas que hoy se conservan. En
2011, después de litigios, negociaciones y de una última restauración, se abrió
al público en calidad de museo bajo la administración del Instituto Nacional
de Antropología e Historia (Inah).67 (MORRILL, 2014, p. 1-2) Sin embargo, ya
en 2013 un artículo periodístico denunciaba el mal estado de la edificación.
(LLAVEN ANZURES, 2013).
Referencias
ALPERS, Svetlana. Bruegel festive peasants. Simiolus: Netherlands Quarterly for the
History of Art, [s. l.], v. 6, n. 3/4, p. 163-17, 1972-1973.
ÁLVAREZ PLATA, María Isabel. El desalmado manejo del patrimonio cultural:
el caso del templo de Achocalla’ Página Siete, La Paz, 20 dic. 2015. Disponible
en: https://www.paginasiete.bo/cultura/2015/12/20/desalmado-manejopatrimonio-cultural-caso-templo-achocalla-80828.html. Acceso en: 10
sept. 2018.
66 Las pinturas de la venta ya aparecen en la lista de bienes de interés cultural en 2013, donde se les
llama ‘dibujos ancestrales’, ver Inventario (2013, p. 27-28).
67 Ver también Castro (2013).
64
Iconografia musical na América Latina
ANCÍZAR, Manuel. La Peregrinación de Alpha. Bogotá: Imprenta de Echeverría
Hermanos, 1853.
ARELLANO, Ignacio. América en las fiestas jesuitas: celebraciones de san Ignacio
y san Francisco Javier. Nueva Revista de Filología Hispánica, Ciudad de México, v. 56,
n. 1, p. 53-86, 2008.
ARIZA S., Alberto E. Fray Ciriaco de Archila, primer prócer de la libertad absoluta de
Colombia y Fray José Simón de Archila, preceptor y libertador del León de Apure. Bogotá:
Academia Colombiana de Historia, 1971.
ATTENBOROUGH, David. Micro Monsters. 2013. Disponible en: https://ihavenotv.
com/courtship-micro-monsters-with-david-attenborough. Acceso en: 10
sept. 2018.
BANCES CANDAMO, F. A. de. La comedia de Duelos de Ingenio y Fortuna. Madrid:
Imprenta de Bernardo Villadiego, 1687.
BERMÚDEZ, Egberto. Cien años de tango en Colombia, 1913-2013. In:
AHARONIÁN, Coriún (ed.). El tango ayer y hoy. Montevideo: Centro de
Documentación Musical “Lauro Ayestarán”, 2014. p. 243-326.
BROOKS, Mary B. The early English works. In: BROOKS, Mary M.; FELLER,
Elizabeth; HOLDSWORTH, Jacqueline. Micheal & Elizabeth Feller: the needlework
collection 1. Hascombe: Needleprint, 2011. p. 1-124.
BUREN, E. Douglas van. Canto en homenaje al arzobispo Caballero y Góngora,
compuesto e interpretado por los vecinos de El Socorro’ Doc. No. 86. In: FRIEDE,
Juan (ed.). Rebelión comunera de 1781: documentos. Bogotá: Instituto Colombiano
de Cultura, 1981. t. I, p. 229-230.
BUREN, E. Douglas van. The Scorpion in Mesopotamian Art and Religion. Archiv
für Orientforschung, [s. l.] v. 12, p. 1-28, 1937-1939.
CARNEIRO, Sarissa. Espectáculo Fúnebre y Expresión Figurada: el Breve
Compendio e Narraçam do Fúnebre Espectáculo (1709) de Sebastião da Rocha
Pita. Revista de Crítica Literaria Latinoamericana, Lima, año 40, n. 79,
p. 325-358, 2014.
CARREÑO TARAZONA, Clara Inés. Las vías hacia el Magdalena: los caminos de
lebrija y sogamoso en el siglo XIX. Apuntes, Bogotá, v. 23, n. 2, p. 104-117, jul./
sept. 2010.
“Las cuatro partes del mundo”
65
CASTRO, Efraín. Algunas consideraciones acerca del deán de Tlaxcala Tomás
de la Plaza Goes (1519-15870): fortuna y vicisitudes de su casa. In: KÜGELGEN,
Helga von (ed.). Profecía y triunfo: la casa del Deán Tomás de la Plaza: facetas
plurivalentes. Frankfurt: Vervuert Verlagsges, 2013. p. 11-46.
CASTRO, Joseph. Animal Mating: How Scorpions Do It. Live Science, New York,
June 6, 2016. Disponible en: https://www.livescience.com/54981-animal-sexscorpions.html. Acceso en: 17 sept. 2018.
CIRINO, Andrea. Feste celebrate a Napoli per la nascita del Serenisimo Prencipe di Spagna
Nostro Signore... [Napoli: Carlo Faggioli, 1659].
CLARE, Lucién. Una poesía vasca compuesta con ocasión del nacimiento del
príncipe Felipe Prospero (1657) y publicado en la Universidad de Salamanca en
1658. Fontes Linguae Vasconum, [s. l.], v. 18, p. 397-450, 1974.
CODAZZI, Agustín. (dir.). Obras completas de la Comisión Corográfica: geografía física y
política de la Confederación Granadina. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia,
2004. v. 5: Estado de Santander.
CREISHER, Alice; SIEKMANN, Andreas; HINDERER, Max Jorge. Interview with
the Curators of the Exhibition Principio Potosí/Das Potosí-Prinzip /The Potosí
Principle on the Mobility of Colonial Baroque Paintings between Europe and the
America. Darkmatter: in the ruins of imperial culture, [London], 18 Nov. 2013.
Disponible en: http://www.darkmatter101.org/site/2013/11/18/interview-withthe-curators-of-the-exhibition-principio-potosi-das-potosi-prinzip-the-potosiprinciple-on-the-mobility-of-colonial-baroque-paintings-between-europe-and-theamericas/. Acceso en: 23 mayo 2018.
CRUZ, Sor Juana Inés de la. Obras Completas, III. Autos y Loas. México: FCE, 1994.
CURIEL, Gustavo. Biombos novohispanos: escenografías de poder y
transculturación en el ámbito doméstico. In: VIENTO Detenido: Mitologías e
Historias en el Arte del Biombo: Biombos de los Siglos XVII al XIX en la Museo
Soumaya. México: Asociación Carso A.C, 2002. p. 9-32.
CURIEL, Gustavo. Biombo: entrevista de Cortés y Moctezuma y las cuatro partes
del mundo. Imágenes, México, 2009. Disponible en: http://www.esteticas.unam.
mx/revista_imagenes/imago/ima_curiel06.html. Acceso en: 17 jun. 2018
DELEITO Y PIÑUELA, José. La mala vida en la España de Felipe IV (1948). Madrid:
Alianza Editorial, 1986.
66
Iconografia musical na América Latina
DELEITO Y PIÑUELA, José. También se divierte el pueblo (1944). Madrid: EspasaCalpe, 1966.
EZPELETA, José de. Relación del Gobierno del ... en este Nuevo Reino de
Granada..., 1796. In: COLMENARES, Germán (ed.). Relaciones e Informes de los
gobernadores de la Nueva Granada. Bogotá: Biblioteca Banco Popular, 1989. t. II,
p. 153-311.
FAJARDO DE RUEDA, Marta. La jura de rey Carlos IV en la Nueva Granada.
Anales del Instituto de Investigaciones Estéticas, México, v. 22, n. 74/75,
p. 195-209, 1999.
FLORESCANO, Enrique. Alegorías de la patria en el virreinato. La Jornada, 17
de jun. 2014. Disponible em: http://www.jornada.com.mx/2004/06/17/imaalego.html. Acceso en: 17 jun. 2018.
FOWDEN, Gerth. Public religion. In: CAMBRIDGE UNIVERSITY PRESS.
The Cambridge Ancient History: volume 12: The Crisis of Empire, AD 193-337.
Cambridge: CUP, 2005. p. 553-572.
FREMBGEN, Jürgen Wasim. Scorpions in Muslim Folklore. Asian Folklore Studies,
Nagoya, v. 63, n. 1, p. 95-123, 2004.
GISBERT, Teresa. Calderón de la Barca y la pintura virreinal andina. In:
ICONOLOGÍA y sociedad: Arte colonial hispanoamericano: XLIV Congreso
Internacional de Americanistas. México: UNAM, 1987. p. 221-242.
GUZMÁN, Ángela I. Poblamiento y urbanismo colonial en Santander: (estudio de diez
pueblos de la región central). Bogotá: Universidad Nacional de Colombia, 1987.
HAMM, Charles. Music in the new world. New York: W. W. Norton and Co., 1978.
HENDERSON, James D. Colombia’s Narcotics Nightmare: How the drug trade
destroyed peace. Jefferson, NC: McFarland and Co. Inc., 2015.
HERNÁNDEZ, Francisco. Antigüedades de la Nueva España. Madrid: Dastin, 2000.
HIDALGO, Gaspar Lucas. Dialogo de apacible entretenimiento: que contiene unas
carnestolendas de Castilla. Bruselas: Roger Velpius, 1610.
HONOUR, Hugh. The new golden land: European images of America from the
discoveries to the present time. London: Pantheon Books, 1975.
IBÁÑEZ, Pedro M. Crónicas de Bogotá. Bogotá: Academia de Historia de Bogotá/
Tercer Mundo, 1989.
“Las cuatro partes del mundo”
67
INVENTARIO de bienes de interés cultural del municipio de Palmas del Socorro.
Palmas del Socorro: Administración Municipal, 2013.
IRIARTE, Tomás de. ‘Guzmán el Bueno, soliloquio u escena trágica unipersonal,
con música en sus intervalos’ (1791). Madrid: Imp. Real, 1805. p. 319-340.
(Colección de obras en verso y prosa, VII).
KISH, G. The “mural atlas” of Caprarola. Imago Mundi, [s. l.], v. 10, n. 1,
p. 51-56, 1953.
LAMO ARENAS, Ramiro. Notas sobre arriería. Revista Colombiana de Folclor,
Bogotá, n. 2, p. 56-66, 1960.
LEÓN SOLER, Natalia; RODRÍGUEZ GÓMEZ, Juan Camilo. La fatídica muerte de
“La Rectora. Revista Credencial, Bogotá, agosto 2012. Disponible en: http://www.
revistacredencial.com/credencial/historia/temas/la-fatidica-muerte-de-la-rectora.
Acceso en: 2 jul. 2018.
LLANOS VARGAS, Héctor. El poder de las imágenes sagradas en el proceso
de extirpación de idolatrías, siglos XVI-XVIII. In: LLANOS VARGAS, Héctor.
Estudios históricos y arqueológicos. [S. l.], 12 mayo 2014. Disponible en: http://
ensayoshistoricosyarqueologicos.blogspot.com/ 2014/05/el-poder-de-lasimagenes-sagradas-en-el.html. Acceso en: 2 jul. 2018.
LLAVEN ANZURES, Yadira. En el abandono, la Casa del Deán en Puebla; es
una de las viviendas más antiguas. La Jornada de Oriente, Puebla, 13 sept. 2013.
Disponible en: http://www.lajornadadeoriente.com.mx/puebla/en-el-abandonola-casa-del-dean-en-puebla-es-una-de-las-viviendas-mas-antiguas/. Acceso en:
2 jul. 2018.
LÓPEZ PÉREZ, María del Pilar. Biombo con la iglesia de Nuestra Señora de Las
Aguas, Santafé de Bogotá: pintura inédita de la segunda mitad del siglo XVII.
In: LÓPEZ GUZMÁN, Rafael; GUASCH MARÍ, Yolanda; ROMERO SÁNCHEZ,
Guadalupen (ed.). América: cultura visual y relaciones artísticas. Granada:
Ediciones Universidad de Granada, 2015. p. 425-438.
LUCENA SALMORAL, Manuel. Antonio Caballero y Góngora. REAL ACADEMIA
DE LA HISTORIA. Diccionario Biográfico electrónico. Madrid: Real Academia de la
Historia, 2018b. Disponible en: http://dbe.rah.es/biografias/14044/antoniocaballero-y-gongora. Acceso en: 12 jul. 2018.
LUCENA SALMORAL, Manuel. Juan de Torrezar y Diaz Pimienta. In: REAL
ACADEMIA DE LA HISTORIA. Diccionario Biográfico electrónico. Madrid:
68
Iconografia musical na América Latina
Real Academia de la Historia, 2018a. Disponible en: http://dbe.rah.es/
biografias/16033/juan-de-torrezar-y-diaz-pimienta. Acceso en: 12 jul. 2019.
LUCKENBACH, Al. Ceramics from the Edward Rumney/Stephen West Tavern,
London Town, Maryland, Circa 1725. Ceramics in America, Wisconsin, 2002.
Disponible en: http://www.chipstone.org/article.php/45/Ceramics-inAmerica-2002/Ceramics-from-the-Edward-Rumney/-Stephen-West--Tavern,London-Town,-Maryland,-Circa-1725. Acceso en: 23 agosto 2018.
MARTÍNEZ DEL RIO DE REDO, María Josefa.‘Iconología humanista
en un biombo del siglo XVII. In: ICONOLOGÍA y sociedad: arte colonial
hispanoamericano: XLIV Congreso Internacional de Americanistas. México:
UNAM, 1987. p. 125-138.
MAYOR, Adrienne. Greek fire, poison arrows and scorpion bombs: biological and
chemical warfare in the ancient world. New York: Duckworth, 2009.
MCFARLANE, Anthony. Colombia before independence: economy, society, and
politics under Bourbon rule. Cambridge: CUP, 1993.
METCALF, William E. Hadrianic Novelties. Yale University Art Gallery Bulletin, New
Haven, p. 42-47, 2011.
MIDDLETON, Charles Theodore. A new and complete system of geography. London:
J. Cooke, 1777.
MOLLIEN, Gaspard Theodore. Voyage dans la Republique de Colombia en 1823. Paris:
Arthus Bertrand, 1825.
MORALES FOLGUERA, José M. La iconografía de los cuatro continentes:
Creación de los modelos en Europa y su traslado a Hispanoamérica. In: PEREIRA,
Ana Martínez; INFANTES, Víctor; OSUNA, Inmaculada (ed.). Palabras, símbolos,
emblemas: Las Estructuras Gráficas de la Representación. Madrid: Turpin Editores:
Sociedad Española de Emblemática, 2013. p. 399-410.
MORALES FOLGUERA, José M. Las imágenes de los cuatro continentes del
escultor chileno Virginio Arias (1855-1941). Boletín de Arte, Málaga, n. 24,
p. 53-70, 2003.
MORRILL, Penny C. The Casa del Dean: New World Imagery in a Sixteenth Century
Mural Cycle. Cambridge: CUP, 2014.
NAVARRETE PRIETO, Benito. Ideario volante: la estampa como medio de
difusión y transmisión de formas en el barroco virreinal’. In: VIENTO Detenido:
“Las cuatro partes del mundo”
69
Mitologías e Historias en el Arte del Biombo: Biombos de los Siglos XVII al XIX en
la Colección del Museo Soumaya. México: Asociación Carso A.C, 2002. p. 33-46.
ORBIGNY, Alcide d’. Voyage pitoresque dans les deux Amériques. Paris: L. Tenré, 1836.
ORTIZ, Sergio Elías. Un homenaje al arzobispo - Virrey: fiestas populares en El
Socorro en 1784. Boletín Cultural y Bibliográfico, Bogotá, v. 5, n. 12,
p. 1566-157, 1962.
OVIEDO, Basilio Vicente de. Cualidades y riquezas del Nuevo Reino de Granada (1761).
Bogotá: Biblioteca de Historia Nacional, 1930.
PASCUAL CHENEL, Álvaro. Fiesta sacra y poder político: la iconografía de los
Austrias como defensores de la Eucaristía y la Inmaculada en Hispanoamérica.
Hipogrifo, Pamplona, v. 1, n. 1 p. 57-86, 2013.
PHELAN, John L. The people and the king: the comunero revolution in Colombia,
1781. Madison: The University of Wisconsin Press, 2011.
PITA PICO, Roger. Patria, educación y progreso: el impulso a las escuelas y colegios
públicos en la naciente Republica de Colombia: 1819-1828. Bogotá: Academia
Colombiana de Historia, 2018.
PLANCY, Jacques Collin de. Dictionnaire infernal. Paris: P. Mongié, 1818.
PROULX, Gilles. Vie quotidienne, divertissements. Quebec, 2018. Disponible en:
https://www.museedelhistoire.ca/musee-virtuel-de-la-nouvelle-france/viequotidienne/divertissements/. Acceso en: 4 dic. 2018.
RAMÍREZ DE VARGAS, Alonso. Elegía al capitán don José de Retes Largache,
patrono del templo de San Bernardo en México (1691). In: MALDONADO
MACÍAS, Humberto (ed.). Teatro mexicano: historia y dramaturgia. México:
Conaculta, 1992. p. 175-179. v. VIII: la teatralidad criolla del siglo XVII.
RAMOS SOSA, Rafael. Arte festivo en Lima virreinal (siglos XVI y XVII). Sevilla: Junta
de Andalucía, 1992.
RAYMOND, Pierre. Santander, el algodón y los tejidos del siglo XIX.
Revista Credencial, Bogotá, n. 258, ago. 2011. Disponible en: http://www.
revistacredencial.com/credencial/historia/temas/santander-el-algodon-y-lostejidos-del-siglo-xix. Acceso en: 4 dic. 2018.
REY FAJARDO, José del; GUTIÉRREZ, Alberto (ed.). Cartas anuas de la Provincia del
Nuevo Reino de Granada: años de 1604 a 1621. Bogotá: Universidad Javeriana /
Archivo Histórico Javeriano, 2015.
70
Iconografia musical na América Latina
REY FAJARDO, José del; GUTIÉRREZ, Alberto. La Compañía de Jesús
neogranadina en el siglo XVII. In: REY FAJARDO, José del; GUTIÉRREZ, Alberto
(ed.). Cartas anuas de la Provincia del Nuevo Reino de Granada: años de 1604 a 1621.
Bogotá: Universidad Javeriana/Archivo Histórico Javeriano, 2015. p. 25-128.
REY-MÁRQUEZ, Juan Ricardo. La Jura de Fernando VII en 1808 en la villa de
San Bartolomé de Honda. In: CIRILLO, José; ESPANTOSO RODRÍGUEZ, Teresa;
VANEGAS, Carolina (ed.). Arte público y espacios políticos: interacciones y fracturas
en las ciudades latinoamericanas. Belo Horizonte: C/Arte, 2011. p. 215-225.
RIPA, Cesare. Iconologia overo descrittione dell’imagini universali cavate dall’antiquita et da
altri luoghi. Roma: Herede di G. Gigliotti, 1593.
RIPA, Cesare. Iconologia … ampliata di imagini…. Roma: Lepìdo Faci, 1603.
RIPA, Cesare. Iconologia … ampliata di imagini…. Siena: Matteo Florini, 1613.
RODRÍGUEZ GÓMEZ, Juan Camilo. La independencia del Socorro en la génesis
de la emancipación colombiana. Revista Credencial, Bogotá, n. 242, oct. 2011.
Disponible en: http://www.revistacredencial.com/credencial/historia/temas/
la-independencia-del-socorro-en-la-genesis-de-la-emancipacion-colombiana.
Acceso en: 10 jun. 2018.
RODRÍGUEZ MOYA, Inmaculada. La esperanza de la monarquía: fiestas en el
imperio hispánico por el Felipe Prospero. In: RODRÍGUEZ MOYA, Inmaculada;
MÍNGUEZ CORNELLES, Víctor (ed.). Visiones de un imperio en fiest. Valencia:
Fundación Carlos de Amberes, 2016. p. 93-116.
RODRÍGUEZ PLATA, Horacio. Andrés María Rosillo y Meruelo. Bogotá: Biblioteca de
Historia Nacional, 1944. p. 29-35.
SALAZAR Y TORRES, Agustín de. Loa para la comedia Elegir al enemigo (1664). In:
MALDONADO MACÍAS, Humberto (ed.). Teatro mexicano: historia y dramaturgia.
México: Conaculta, 1992, p. 75-81. v. VIII: la teatralidad criolla del siglo XVII.
SÁNCHEZ, Efraín. Gobierno y geografía: Agustín Codazzi y la Comisión Corográfica
de la Nueva Granada. Bogotá: El Ancora/Banco de la República, 1999.
SCHAIK, Ank Adriaans van. Rubens’s Triumphal Chariot of Kallo Ancient triumph and
Antwerp festive tradition. 2011. Thesis (Master) – Faculty of Humanities, University
of Utrecht, Utrecht, 2011.
SCHAMA, Simon. The embarrassment of riches: an interpretation of dutch culture in
the golden age. New York: Vintage Books, 1987.
“Las cuatro partes del mundo”
71
SEGURA GONZÁLEZ, Wenceslao. La gesta de Guzmán el Bueno en la literatura.
Aljaranda: revista de estudios tarifeños, [Tarifa], v. 14, p. 28-35, 1994.
SIGAUT, Nelly. La tradición de estos reinos. In: ARANDA, Ana María et al. (ed.).
Barroco Iberoamericano: Territorio, Arte, Espacio y Sociedad. Sevilla: Universidad
Pablo de Olavide, 2001. p. 477-498.
SOLER VILLALOBOS, María Paz. El Palacio Real de La Granja: de retiro espiritual
a escenario cortesano. In: EL ENTORNO de Segovia en la historia de la dinastía
de Borbón. Madrid: Ministerio de Educación Cultura y Deporte, 2004. p. 17-34.
SPICER, Joaneath. The Personification of Africa With An Elephant Head-Crest in
Cesare Ripa’s Iconologia (1603). In: MELION, Walter S.; RAMAKERS, Bart (ed.).
Personification: Embodying, Meaning and Emotion. Leiden: Brill, 2016. p. 667-715.
TOVAR PINZÓN, Hermes. La batalla de los sentidos: infidelidad, adulterio y
concubinato a fines de la colonia. Bogotá: Fondo Cultural Cafetero, 2004.
TOVAR PINZÓN, Hermes. La batalla de los sentidos: infidelidad, adulterio y
concubinato a fines de la colonia. 2ª ed. Bogotá: Uniandes, 2012.
TOVAR PINZÓN, Hermes; TOVAR MORA, Camilo; TOVAR MORA, Jorge.
Convocatoria al poder del numero: censos y estadísticas de la Nueva Granada 17501830. Bogotá: Archivo General de la Nación, 1994.
VALERO JUAN, Eva. El imaginario real en la fiesta virreinal peruana: el caso de
la relación de fiestas reales de Diego de Ojeda (1659). Prolija Memoria, segunda
época, México, v. 1, n. 1, p. 31-55, 2017.
VANEGAS USECHE, Isidro. Andrés Rosillo, un revolucionario inquietante. Revista
Credencial, Bogotá, oct. 2012. Disponible en: http://www.revistacredencial.com/
credencial/historia/temas/andres-rosillo-un-revolucionario-inquietante. Acceso
en: 10 jun. 2018.
VÁSQUEZ GALICIA, Sergio A. El alacrán en Mesoamérica: transgresor sexual y
símbolo de lo negativo. Itinerarios, Warszawa, v. 21, p. 101-122, 2015.
VEGA UMBASIA, Leonardo A. Pecado y delito en la colonia: La bestialidad como una
forma de contravención sexual (1740-1808). Bogotá: Instituto Colombiano de
Cultura Hispánica, 1994.
ZESEN, Filips van. Beschreibung der Stadt Amsterdam. Amsterdam: Joachim
Koschen, 1664.
72
Iconografia musical na América Latina
Fuentes visuales para el estudio de la
música popular del siglo XX en Chile
Juan Pablo González
1 Introducción
Terminando mis estudios de grado de musicología en la
Universidad de Chile a comienzos de los años 1980, la primera ayudantía de investigación que enfrenté fue justamente
la de un proyecto de iconografía musical. A su vez, este era el
primer proyecto sistemático de iconografía musical realizado
en Chile y uno de los primeros en América Latina. Fue liderado
por Samuel Claro-Valdés entre 1979 y 1988 y hasta el presente
es un referente en los estudios de iconografía musical en la
región. (CLARO VALDÉS et al., 1989)
Esta primera experiencia de investigación me despertó el
interés por la búsqueda, registro y estudio de fuentes iconográficas musicales. Sin embargo, he continuado esa búsqueda más
como el encuentro de una fuente al servicio de un proyecto,
que como investigador o recopilador de fuentes visuales. Es
así como a lo largo de estos años he puesto con frecuencia la
iconografía musical a dialogar con la narración escrita y con
la propia música estudiada. Sin embargo, al detenernos en la
iconografía en sí misma, surge una multiplicidad de nuevas
73
preguntas producto de la multiplicidad de textos visuales en juego. Es esta
detención en la propia iconografía musical la que espera aportar este capítulo.
Conocer el rostro de los músicos del pasado había sido una tarea principal
en la historia de la música occidental. Estar al corriente del y los rostros de un
compositor y poder identificarlos, ha formado parte de su propia construcción
canónica, reafirmada por el proceso de enseñanza musical y por la forma en que
hemos representado a la música en el arte y la arquitectura, por ejemplo. Pareciera
que al conocer el rostro de un compositor podemos escuchar su música mejor.
Ese ha sido el uso más habitual que le había dado a la iconografía en mi
investigación, compartiendo el entusiasmo de encontrar una foto, una portada
de partitura, un cartel o un artículo ilustrado que nos ayudara a reconstruir mejor
ese pasado fragmentado y difuso que pretendemos interrogar. De este modo se
cumplía uno de los objetivos del proyecto de Claro Valdés (1979, p. 113), ofrecer
“una amplia variedad de material iconográfico que sirva de ilustración para trabajos sobre música y músicos chilenos, debidamente clasificado y catalogado”.
Sin embargo, con el paso del tiempo me he visto enfrentado a la necesidad
de avanzar desde el uso de la imagen como ilustración o complemento de la
investigación a su uso como parte más sustancial de ella, es decir, como fuente
que necesitamos interrogar. El problema que enfrentaba entonces era cómo
interrogar esa fuente y cómo ponerla a dialogar con las fuentes escritas y sonoras
habituales en un proyecto musicológico.
No cabe duda que las imágenes del pasado ofrecen una rica información
de los fenómenos musicales que nos interesa estudiar. En el caso de la música
del siglo XX, nos encontramos con fotografías, dibujos, caricaturas y diseño
gráfico en portadas de partitura, carátulas de disco y publicidad. Sin embargo,
en este período es la fotografía la que adquiere un valor preponderante como
fuente visual para la investigación musical. Es así como en el marco del proyecto
“Historia Social de la Música Popular en Chile en el siglo XX”, que empezamos a
desarrollar en 1999 en la Universidad Católica de Chile y luego en la Universidad
Alberto Hurtado con el apoyo del Fondo de Desarrollo Científico y Tecnológico
(FONDECYT), hemos logrado reunir un acervo de unas 2 mil reproducciones
digitales tomadas de fuentes gráficas de época – fotografías, prensa, cancioneros,
partituras, carátulas de discos. De esas digitalizaciones, he seleccionado las 200
que mejor he podido interrogar como fuente visual para el estudio de la música
popular del pasado.
74
Iconografia musical na América Latina
Qué tipo de información nos entregan esas imágenes, cómo podemos agruparlas e interpretarlas, de qué manera podemos hacerlas dialogar con fuentes de
otra naturaleza – como las sonoras y las escritas –, son las preguntas que guían
este capítulo. En las siguientes páginas, me referiré a problemas del soporte y del
contenido de las fotografías sobre las que he estado trabajando, considerando
las imágenes de músicos y de público en distintas situaciones y en diferentes
registros, y de los lugares para hacer y escuchar música.
2 Soporte y contenido
Al considerar una imagen preservada en una fotografía como fuente, lo primero que debemos tener presente es que esa imagen proviene de determinados
soportes o medios que cumple determinados fines. Se trata de soportes de época
que poseen sus propias lógicas de rescate, conservación y archivo. Entonces, lo
que hacemos en la investigación iconográfica es extraer esas imágenes de sus
soportes originales y despojarlas de los fines para los que fueron producidas. Es
así como realizamos nuestro propio inventario y análisis de imágenes que están
descontextualizadas, fenómeno acentuado en la era digital.
Como señala Pablo Sotuyo Blanco, el propio documento textual – con
funciones y usos históricamente dados –, difícilmente puede ser considerado
como una fuente visual documental. No obstante Sotuyo Blanco (2017, p. 52)
nos advierte, “su reproducción fotográfica, destinada a ilustrar otros textos, sí
podría serlo. Es allí donde se percibe una frontera extremadamente tenue que, al
cruzarla, no habría más retorno, colocando en cuestión el proceso fundamental
de identificación de fuentes visuales relativas a la cultura musical”.
Si bien los archivos digitales ponen a disposición del investigador gran cantidad de fuentes visuales provenientes de distintos soportes, muchas veces frágiles
o de difícil acceso, hay que tener presente que la mediación tecnológica a la
que sometemos esas imágenes modifica también sus atributos – como tamaño,
materialidad, contexto e inter-medialidad –, atributos que deberían ser imaginados en la lectura que hagamos de esa iconografía. En este capítulo considero
sólo las fuentes iconográficas directas, no los registros actuales de objetos del
pasado, como instrumentos, tecnología o lugares. Si bien en esos casos estamos
poniendo de relieve el valor visual de un objeto del pasado, también estamos
Fuentes visuales para el estudio de la música popular del siglo XX en Chile
75
construyendo interesadamente una fuente iconográfica, cruzando esa tenue
frontera que señala Sotuyo Blanco.
En el estudio de la música popular del siglo XX, he podido identificar cinco
soportes principales que son portadores de imágenes de interés iconográfico musical:
1. fotografías propiamente tales, conservadas por los músicos en sus archivos
personales y también en archivos iconográficos institucionales;1
2. portadas de partitura de una hoja – editadas masivamente en Chile hasta
mediados de la década de 1960 – que suelen contener imágenes de los
solistas y/o agrupaciones que popularizaron la canción, junto a elementos
de diseño gráfico;
3. carátulas de LPs, un formato más utilizado para la música clásica y el
folclor, pero también utilizado para música popular desde comienzos
de los años 1960, incluyendo habitualmente imágenes de los músicos
que participan en el disco. Desde fines de la década de 1960, esas carátulas sumaron en forma creciente elementos de diseño gráfico, tomando
de alguna manera el lugar que dejaban las portadas de partitura ya
en retirada;
4. portadas y páginas interiores de cancioneros, que incluyen fotografías
promocionales de los músicos;
5. ilustraciones de portadas y páginas interiores de revistas dedicadas a la
industria musical y la juventud, como también de revistas magazinescas
y de prensa en general.
De este modo, en el estudio iconográfico, podemos estar analizando fotografías de época que permanecieron ocultas de la mirada del público en el archivo
personal de un músico; que fueron utilizadas con fines promocionales para
vender una partitura, un disco, un cancionero o una revista y al propio artista;
que fueron tomadas y/o utilizadas por profesionales con fines estéticos; o que
sirvieron para ilustrar alguna noticia o columna publicada por la prensa.
En este último caso, que es el más frecuente, la fotografía constituye un producto y un medio para transmitir un mensaje no codificado, como diría Roland
1 Hasta la década de 1930 fueron también habituales las postales de cantantes populares
y de ópera, que solían ser regaladas o comercializadas en sus presentaciones, muchas veces
autografiadas.
76
Iconografia musical na América Latina
Barthes. Se trata de un mensaje denotado o literal, sobre el cual el espectador
puede construir connotaciones, que surgen de su lectura de la foto, pero que
también pueden ser determinadas por el propio soporte emisor y transmisor. En
dicho soporte trabaja un conglomerado de personas que han tomado, seleccionado, editado, diagramado, titulado y comentado la foto, como señala Barthes
(1986). Dicha foto llega al público en un canal de transmisión – periódico o
revista – que es portador de un racimo de mensajes que proveen un marco conceptual a la imagen, como un titular, un texto, un pie de foto, la compaginación,
y la propia naturaleza del medio. (BARTHES, 1983, p. 11) En suma, estamos
ante una situación inter-medial, que sería necesario tener presente al despojar a
las fotografías del contexto desde donde fueron emitidas y transmitidas cuando
constituimos un archivo iconográfico digital.
En este capítulo, me centro en fotografías de la primera mitad del siglo XX
que nos informan sobre los músicos, el público y los lugares o venues para hacer
música. La relación inter-medial que establezco es mínima, reducida a la identificación de la fuente, su datación y la identificación de las personas, grupos,
locaciones y cultura material presente en la fotografía. No me detengo en los
textos escritos que puedan rodear la imagen. Las categorías de músicos, público
y lugares han sido subdivididas internamente, como veremos a continuación,
derivadas de la naturaleza de la fotografía, de su soporte e inter-medialidad y
de los contenidos que nos entrega.
3 Los músicos
Las fotografías de músicos constituyen el núcleo central y más cercano a la
música que nos puede ofrecer una fuente iconográfica. Corresponden a la prolongación natural hacia el siglo XX de las obras de arte con representaciones de
músicos, principal fuente iconográfica de los siglos anteriores y base del desarrollo
de la propia iconografía musical en cuanto disciplina de investigación. Así lo
demuestran sus comienzos a partir de la creación del Research Center for Music
Iconography (RCMI), en 1972.
En las fotografías de músicos recuperadas de soportes de época, podemos
observar poses, gestos, actitudes, indumentaria y cultura material. Considerando
la situación en la que se tomó la foto, enfrentamos al menos las categorías del
Fuentes visuales para el estudio de la música popular del siglo XX en Chile
77
reportaje y del retrato. En la fotografía de reportaje, partimos de la base que
los hechos fueron tal como los presenta la imagen, pues se busca registrar el
momento con ciertos grados de objetividad, en una suerte de etnografía visual.
Asumimos que esa foto fue tomada en tiempo real, por lo que antes y después
de ella la situación era distinta, como si le pusiéramos pausa a una película.
Debido a su carácter noticioso, estas son las imágenes habituales en las páginas
interiores de la prensa y parecen más cercanas al hecho musical en sí mismo.
Es decir, asumimos había música sonando cuando la fotografía fue tomada.
Imagen 1 – Ester Soré, Marta Yupanqui Donoso (1915-1996)
Fuente: Claro Valdés y otros (1989, p. 427).
En las fotos de reportaje, los músicos aparecen en sus situaciones performativas habituales: haciendo música ante el público o en la intimidad de un ensayo,
de una grabación o de una clase. Es en este tipo de imágenes donde podemos
observar modos de uso de instrumentos y configuraciones instrumentales, la
disposición de músicos en la escena, la actitud y gestualidad de cantantes e
instrumentistas, su relación con el público y con el espacio donde se encuentran y su indumentaria, junto a algunas estrategias de ensayo y de grabación
y la tecnología de la que disponían. En suma, las fotografías de reportaje nos
permiten inferir aspectos musicales y sonoros de la música con cierta precisión.
78
Iconografia musical na América Latina
Imagen 2 – Las Huasas Andinas grabando en estudios de RCA Victor en Santiago
Fuente: La Voz de RCA Victor (dic. 1946).
En el retrato, en cambio, tanto el fotógrafo como el músico buscan entregarnos una (auto)representación del artista, construyendo alianzas, identidades
Fuentes visuales para el estudio de la música popular del siglo XX en Chile
79
y sentidos en base a su aspecto físico, actitudes y vestuario, junto a locaciones,
luz y encuadres. Heredero de una larga tradición pictórica, el retrato fotográfico
construye una composición con ambientes, trajes, maquillaje, posturas e iluminación. Ya sea en un estudio o en locaciones determinadas, el propio fotógrafo
actúa como director de escena, definiendo la composición de aquello que va a
registrar. El uso de estos procedimientos se manifiesta tanto entre los retratos
colectivos como individuales de músicos
Imagen 3 – Banda Giuseppe Verdi de la Sociedad Italiana L’Umanitaria de Santiago
Fuente: La banda… (1910).
En los retratos colectivos de músicos chilenos de mediados del siglo XX, encontramos agrupaciones con sus instrumentos en la mano y con su director posando.
Se trata de retratos formales, en que la agrupación se presenta ordenada por
filas de instrumentos con el director al centro o a un costado, normalmente en
sus lugares habituales de trabajo. Según las fuentes iconográficas chilenas, desde
los años 1940, los músicos empezaron a ser retratados también sonriendo, sin
80
Iconografia musical na América Latina
sus instrumentos y en situaciones informales, anticipando lo que será el énfasis
juvenil de la industria de la música popular.
La posibilidad de trasladar la subjetividad del fotógrafo a la propia fotografía
– considerando posición de la cámara, enfoque, contraste, obturación y composición –, permitió su desarrollo como actividad artística, experimental y de diseño
durante el siglo XX. Si bien podemos encontrar fotografías publicitarias y postales
de estrellas del cuplé y del tango en las primeras décadas del siglo que contienen
cierto sentido de composición del retrato y un cuidado trabajo de la luz, fue a
mediados de los años 1960 que se produjo una importante modificación en el
modo en que se concebía la imagen del músico. Esto sucedió especialmente a
partir de tendencias que estetizaban la música popular, como la MPB, el rock y
la Nueva Canción, las que al mismo tiempo generaron un importante desarrollo
del diseño de carátulas de LPs y de posters o afiches coleccionables.
De este modo, es posible identificar en la década del 1960 en Chile a un grupo
de fotógrafos profesionales que aportaron al retrato artístico de músicos, como
David Rodríguez Peña, conocido como “El fotógrafo de los artistas”, que formó
parte del equipo de la revista El Musiquero desde su creación en 1964. Las fotos de
la revista Ritmo son de los destacados fotógrafos Sergio Larraín y Bob Borowicz,
de la compositora y fotógrafa Scottie Scott y de Fernando Pavez, mientras que
las de Rincón Juvenil son de Leo von Vriessen, Jaime Cáceres, Carlos Tapia y René
Veloso. Consecuentemente, algunos fotógrafos profesionales desarrollaron el
arte del retrato de músicos como una especialidad a partir de la década de
1970, una época de fuerte visualidad en el rock. (DONOSO, 2012; GONZÁLEZ;
OHLSEN; ROLLE, 2009)
En los retratos individuales, los músicos aparecen normalmente con su vestuario artístico, aunque desde los años 1960 se hacen más comunes las tenidas
informales. Siempre aparecen sonriendo, aunque no siempre mirando la cámara.
Son fotografías cuidadosamente compuestas y seleccionadas después de muchas
tomas, pues el fotógrafo solía utilizar un rollo fotográfico completo para el retrato
del artista, ya que no mezclaban los temas ni los sujetos fotografiados en un
mismo rollo. En la era digital, el número de tomas por retrato no tendrá límites.
Desde la década de 1920, abunda el retrato de medio torso con ángulos
que se intersectan – cuando el músico está de frente, mira al costado, y cuando
está de costado mira al frente –, que permite romper la situación estática de
la pose, que desnaturaliza a la persona. Con la irrupción de la cultura juvenil a
Fuentes visuales para el estudio de la música popular del siglo XX en Chile
81
mediados de los años 1960, continúa el retrato de medio torso y de costado,
aunque aumentan los primeros planos y aparece mucho más la gestualidad del
cuerpo, con los músicos en actitud de baile.
Imagen 4 – Izidor Handler
Fuente: La Voz de RCA Victor (nov. 1954).
82
Iconografia musical na América Latina
En forma creciente a partir de los años 1960, las agrupaciones y los músicos
solistas posan haciendo música o pretendiendo que la hacen, generando una
fuente visual simulada, pues un músico no suele posar y hacer música al mismo
tiempo. Además, en forma creciente esto sucede en locaciones al aire libre, donde
los músicos no suelen tocar. De este modo, no es extraño que el fotógrafo le pida
al músico que “toque o que cante algo” en una sesión de fotografías, buscando
espontaneidad y produciendo un tipo de retrato que se hace más común a partir
del auge de la guitarra con el rock and roll y la música basada en el folclore. En
este caso estamos frente a una especie de retrato-reportaje.
Imagen 5 – Quilapayún
Fuente: Odeon (agosto-sept. 1967).
Fuentes visuales para el estudio de la música popular del siglo XX en Chile
83
Finalmente, la posibilidad de fotografiar al músico mientras hace otra cosa
– escucha discos, conversa, come o bebe, emprende un viaje, conduce – nos
enfrenta a la posibilidad del reportaje-retrato, una fotografía con mayores grados
de verosimilitud por haber congelado un instante de una situación en desarrollo.
Imagen 6 – Lucho Gatica y Elvis Presley
Fuente: Basis Lowner (1957, p. 14).
84
Iconografia musical na América Latina
En un ordenamiento desde el centro a la periferia del hecho musical, encontramos al menos seis categorías de fotografías de músicos, las primeras dos de
músicos tocando y las dos siguientes de músicos posando. Las dos últimas son
una mezcla entre el retrato y el reportaje, como acabamos de ver.
1. Reportaje tocando, cantando;
2. Reportaje ensayando, grabando, enseñando, creando;
3. Retrato con sus instrumentos;
4. Retrato sin sus instrumentos;
5. Retrato-reportaje tocando o cantando;
6. Reportaje-retrato haciendo otra cosa.
Estas seis categorías también presentan algunas mezclas o combinaciones
entre ellas y es posible que en algunos casos no logremos saber con exactitud si
la foto es un retrato posado o es producto de un reportaje. Todo esto sin olvidar
que las fotografías de músicos tocando o cantando suelen incluir imágenes del
público y de los lugares donde están haciendo música, lo que aumenta el número
de categorías en que estas imágenes pueden ser incluidas.2
4 El público
En un segundo lugar de interés musicológico, se encuentran las fotografías
del público, el gran postergado en las historias generales de la música, historias que han estado más enfocada en el desarrollo de los músicos, los géneros
musicales, los instrumentos y las instituciones que en el modo en que todo eso
ha sido recibido y significado desde las audiencias. En efecto, es el público el
que finalmente le otorga sentido a la música mediante una escucha individual
y colectiva que ha ido cambiando a lo largo de la historia. Una escucha que
también afecta nuestra propia representación del pasado, el que sólo podemos
escuchar con los oídos del presente.
La habitual representación en la pintura histórica de audiencias musicales en
espacios públicos y privados continúa en la fotografía del siglo XX. Sin embargo,
al salón, el teatro y la plaza del siglo XIX se suman nuevos venues para la música,
como auditorios, estudios de grabación y clubes nocturnos, registrando el
2 En el caso de agrupaciones de mujeres de los años 1960, por ejemplo, aparece mucho el espacio
doméstico como lugar de ensayo.
Fuentes visuales para el estudio de la música popular del siglo XX en Chile
85
nacimiento de un público de música popular, que será el dominante a partir de
la década de 1920 en América Latina en general.
Este es un público más fotogénico que el de la música clásica, pues canta, baila,
gesticula y grita mientras escucha. Además, hay más oportunidades en las que
se junta y lo hace en distintos lugares. Por todo esto, en el siglo XX aumentan
considerablemente las fuentes visuales para el estudio del público musical. La
posibilidad de someter las fotos digitalizadas a filtros y a acercamientos con
zoom, permite estudiar mejor estas fuentes en base a detalles que podrían pasar
desapercibidos a simple vista.
Imagen 7 – Ramadas en Santiago ca. 1890 durante celebración de la Navidad
Fuente: Claro Valdés y otros (1989, p. 579).
Las fotografías de público son habitualmente fotos de reportaje, que en casi
todos los casos también nos entregan información sobre los lugares donde se
realiza la música y sobre los músicos participantes. Especialmente, permiten
conocer la composición social, de género y etaria del público, junto a sus actitudes, gestualidades y vestimenta, aspectos relacionados en muchos casos con
la naturaleza del lugar donde está reunido. Austeridad, concentración, alegría,
entusiasmo y hasta histeria se puede apreciar en el público de música popular
86
Iconografia musical na América Latina
fotografiado hasta mediados del siglo XX en Chile. Un público que puede estar
realizando hasta cinco cosas distintas: asistir, escuchar, bailar, corear y aclamar.
Ya encontramos imágenes de público bailando en los dibujos de manuales
para aprender a bailar y en reportajes de situación de enseñanza y demostraciones
en academias de baile. Sin embargo, entre 1920 y 1960 abundan las fotografías
de público bailando en los reportajes a los lugares de diversión. En este período
se observa mayoritariamente bailes de pareja enlazada, lo que dificulta saber
con exactitud qué están bailando debido a la abundancia de bailes enlazados
vigentes en la primera mitad del siglo XX como legado del vals, destacándose el
tango, el son, el foxtrot, el pasodoble y el bolero.
Imagen 8 – Baile en el Hotel Carrera de Santiago
Fuente: El Mercurio (1949, p. 5).
En contextos juveniles, se hace más evidente la fisonomía del baile cuando
se trata de rock and roll o de twist, lo que también sucede en los registros de
bailes folclóricos. Las imágenes de público bailando nos entregan señales de los
cambios de mentalidad y sensibilidad como expresión de instancias de continuidad y permanencia en ciertos casos, o de transformaciones significativas en
las formas de percibir el mundo, los valores y la propia corporalidad.
Fuentes visuales para el estudio de la música popular del siglo XX en Chile
87
Imagen 9 – Baile en La Moneda con el presidente Pedro Montt
Fuente: El gran… (1909, p. 1).
En los reportajes al público en situaciones de escucha, la fotografía contribuye a determinar su composición etaria, de género y de clase, pero también sus
actitudes y comportamientos. Podemos observar distintos niveles de formalidad
y distintos grados de cercanía con los músicos y el espectáculo, por ejemplo. Así
mismo, la creación de fan-clubs a partir de la aparición de la estrella del rock and
roll y el auge de la juventud, permitió registrar un comportamiento del público
menos documentado visualmente: la histeria. Paralelamente encontraremos
reportajes y retratos formales de los fanáticos en encuentros privados con sus
estrellas, inauguraciones, reuniones de fans-clubs, y asistiendo a festivales y
conciertos.
5 Los lugares
Una tercera categoría como fuente visual de interés musicológico lo ocupan las
fotos de lugares o venues. Derivado del francés venir o asistir, venue es un término
muy usado en inglés para definir los espacios donde se hace música con público
que asiste a escuchar y/o a bailar. Pueden ser lugares estables dedicados sólo
88
Iconografia musical na América Latina
a eso, como teatros y salas de concierto, o lugares adaptados transitoriamente
para la música en vivo, como bares, hoteles, plazas, estadios y la propia calle. En
algunos casos, esos lugares pueden quedar íntimamente asociados al desarrollo
de una banda o de un estilo de música en particular, formando parte de lo que
denominamos escena.3
Imagen 10 – Foyer del Teatro Central de Santiago, 1933
Fuente: Claro Valdés y otros (1989, p. 549).
Las fotos de estos lugares forman parte de reportajes que nos muestran
los venues en plena actividad. Normalmente se trata de fotografías de locales
llenos de gente, lo que eleva el status del lugar y del propio reportaje. A partir
de la consolidación de la industria discográfica, radial y cinematográfica en los
años 1920, se empiezan a desarrollar en forma paralela venues no presenciales,
que permitirán el nacimiento del público-masa para la música. Es por eso que
también son atingentes a la iconografía de venues las fotografías de los lugares
de mediación de la música, que incluyen su producción, difusión y venta.
3 Más sobre venues en Buckley (2003).
Fuentes visuales para el estudio de la música popular del siglo XX en Chile
89
Figura 11 – Vitrina de tienda de productos eléctricos en Santiago, abril de 1930
Fuente: Luces... (2001, p. 153)
Las venues presenciales y no presenciales de la música popular en Chile en la
primera mitad del siglo XX se pueden agrupar en seis categorías:
1. lugares al aire libre: imperan las ramadas para el folclor, las glorietas, quisocos u odeones para la música de banda, y las terrazas para el tango, el
vals y los bailes swing. Se suman las fiestas y festivales en plazas y parques;
2. teatros: su riqueza arquitectónica exterior e interior manifiesta la prestigiosa influencia francesa en los teatros del siglo XIX vigentes en el XX;
3. salones y clubes sociales;
4. locales nocturnos: boites, casinos, clubs, peñas, restaurantes;
5. estudios de grabación, de radio y de televisión;
6. disquerías y casas comerciales.
90
Iconografia musical na América Latina
Imagen 12 – Quiosco de la Plaza de Armas de La Serena, ca. 1948
Fuente: Claro Valdés y otros (1989, p. 566).
6 Palabras finales
En su acertada crítica al proyecto de Samuel Claro-Valdés, Pablo Sotuyo
Blanco (2017, p. 41) afirma que el uso de la iconografía musical como fuente
y como objeto de estudio “ya contaba en 1979 [...] con un volumen respetable
de trabajos de investigación en Latinoamérica”. Sin embargo, han faltado en
nuestra región mayores reflexiones sobre lo que efectivamente constituye un
recurso iconográfico de época y cómo utilizar esa iconografía en cuanto a fuente
más que como mera ilustración; cómo leer una imagen para que nos entregue
información musical del pasado.
En las fotografías abordadas en este capítulo, encontramos información
visual sobre situaciones de sociabilidad en torno a la música; conformación y
Fuentes visuales para el estudio de la música popular del siglo XX en Chile
91
prácticas de agrupaciones musicales; modos de uso y jerarquías sociales de los
instrumentos; y modos de uso musical de espacios públicos y privados. Es así
como la fotografía de reportaje o de retrato nos ha informado de los cambios
en las configuraciones de las orquestas de radio entre las décadas de 1940 y
1960; de cómo se constituyeron las orquestas de televisión; de la conformación
de las orquestas de casas comerciales y de clubes; de los distintos tipos de estudiantinas –divididas por géneros y edades – y de las bandas – militar, obrera,
de inmigrantes.
Las imágenes pueden ser consideradas como textos poseedores de distintos
grados de elocuencia, que no sólo le otorgan un rostro al pasado, sino que nos
hablan de ambientes, lugares, actitudes de músicos y público, uso de instrumentos musicales, desarrollo tecnológico y tendencias de época.4 Si bien el uso
de las fotografías contribuye a fortalecer la idea de proximidad con el mundo
del pasado, produciendo lo que se ha llamado el “efecto realidad”, al igual que
cualquier fuente las fotos deben poder ser leídas, buscando lo que está y lo que
no está – lo visible y lo invisible –; interpretando intenciones; y descubriendo
tanto lugares comunes como momentos excepcionales. Ese es el apasionante
desafío que una imagen del pasado nos instala en el presente.
Referencias
(LA) BANDA Giusseppe Verdi de Santiago: de la Sociedad Italiana L’Umanitaria.
Sucesos: Semanario de actualidades, Valparaíso, año 8, n. 384, [p. 37], 13
enero 1910.
BARTHES, Roland. Lo obvio y lo obtuso. Barcelona: Paidós, 1986.
BASIS LOWNER, Isidoro. La pátria los recuerda y aplaude. Ecran, Santiago,
n.1391, p. 13-14, 17 sept. 1957.
BUCKLEY, David; SHEPHERD, John; HORN, David. Venues. In: SHEPERD, John;
HORN, David; LAING, Dave et al. (ed.). Continuum encyclopedia of popular music of the
world. Londres: Continuum, 2003. v. 1, p. 420-425.
4 Más en Gonzalez y Rolle (2005).
92
Iconografia musical na América Latina
CLARO VALDÉS, Samuel. Proyecto Iconografía Musical Chilena. Informe
Preliminar. Revista Musical Chilena, Santiago de Chile, v. 33, n. 146/147,
p. 112-114, 1979.
CLARO VALDÉS, Samuel; GUTIERREZ GONZALEZ, Juan Pablo; PEÑA
FUENZALIDA, Carmen et al. Iconografía musical Chilena. Santiago: Ediciones
Universidad Católica de Chile, 1989. 2 v.
DONOSO, Gonzalo. Retrato de músicos chilenos: 1986-2012. Santiago:
Pehuén, 2012.
GONZÁLEZ, Juan Pablo; OHLSEN, Oscar; ROLLE, Claudio. Historia social de la
música popular en Chile: 1950-1970. Santiago: Ediciones Universidad Católica de
Chile, 2009.
GONZÁLEZ, Juan Pablo; ROLLE, Claudio. Historia social de la música popular en Chile:
1890-1950. Santiago: Ediciones Universidad Católica de Chile; La Habana Casa
de las Américas, 2005.
(EL) GRAN baile de la Moneda. Sucesos, Valparaíso, año 7, n. 331, p.1-2, 7
enero 1909.
LA VOZ DE RCA VICTOR. Santiago: RCA Victor, n. 2, dic. 1946.
LA VOZ DE RCA VICTOR. Santiago: RCA Victor, n. 74, nov. 1954.
LUCES de modernidad: archivo fotográfico Chilectra. Santiago: Enersis, 2001.
(EL) MERCURIO. Santiago: El Mercurio, 11 oct. 1949.
ODEÓN: suplemento cancionero. Santiago: Odeón, agosto/sept. 1967.
SOTUYO BLANCO, Pablo. Iconografía musical Chilena: ¿Iconografía musical o
fuentes visuales referentes a la cultura musical? Un estudio de caso. Cuadernos
de Iconografía Musical, México, v. 4, n. 1, jul. 2017. Disponible en: http://www.
cuadernosdeiconografia.posgrado.unam.mx/index.php /CIM/article/view/59.
Acceso en: 18 enero 2018.
Fuentes visuales para el estudio de la música popular del siglo XX en Chile
93
Música, humor e iconografía musical
Los programas de mano del grupo
argentino Les Luthiers (1967-2018)
Juliana Guerrero
1 Introducción
Durante más de 50 años, el grupo argentino Les Luthiers ha
ofrecido a su audiencia espectáculos en los que convergen la
música y el humor, dando lugar a lo que ellos denominaron,
desde el día de su fundación, el género “música-humor”. Cada
una de sus presentaciones consiste en la ejecución de obras
de músicas “académica” y “popular”. En estos complejos
eventos humorístico-musicales, es posible identificar diversos
elementos que los conforman y coadyuvan a generar situaciones risibles para el público que presencia los espectáculos.
Entre ellos se advierte, fundamentalmente, la ejecución de
“instrumentos informales” – que se presentan junto con instrumentos convencionales, una trama de personajes entre
los que se destaca el apócrifo compositor Johann Sebastian
Mastropiero, la mezcla y fusión de géneros musicales, y diversas
temáticas que componen presentaciones transgresoras de
cada espectáculo.
95
El profesionalismo de Les Luthiers lo ha llevado a cuidar todos los detalles, es
decir, el grupo se preocupa por cada elemento que compone sus presentaciones.
A propósito de ello, en este trabajo se propone un análisis de los programas de
mano de más de los treinta espectáculos que el grupo ha ofrecido desde 1967.
Como se verá más adelante, los programas han ido transformándose, conforme
fueron cambiando los espectáculos, para convertirse en un elemento cómico
más, que forma parte del evento humorístico-musical.
2 Les Luthiers
En 1967, se fundó el grupo argentino Les Luthiers, luego de unos años previos como integrantes de un coro universitario de Buenos Aires y de una primera
agrupación, I Musicisti. El “Conjunto de instrumentos informales Les Luthiers”
– su nombre original – comenzó a ofrecer espectáculos en los que se generan
eventos humorístico-musicales, tanto en el transcurso de la ejecución de obras
propias, que remiten a géneros musicales pertenecientes a los ámbitos de las
llamadas “música académica” y “música popular”, como en sus intersticios. Su
fundador fue Gerardo Masana, ideólogo de ese nuevo género musical, creador
de los primeros “instrumentos informales”, que falleció tempranamente cuando
el grupo tenía solo seis años de historia.
Hasta la fecha, Les Luthiers estrenó 35 espectáculos. Sus nombres son Les
Luthiers cuentan la ópera (1967), Todos somos mala gente (1968), Blancanieves y los siete
pecados capitales (1969), Querida Condesa (1969), Les Luthiers Opus Pi (1971), Recital
72 (1972), Recital sinfónico 72 (1972), Recital 73 (1973), Recital 74 (1974), Recital
75 (1975), Viejos fracasos – Lo peor de su repertorio 1970-1973 (1976), Mastropiero
que nunca (1977), Les Luthiers hacen muchas gracias de nada (1979), Los clásicos de
Les Luthiers (1980), Luthierías (1981), Por humor al arte (1983), Humor dulce hogar
(1985), Recital sinfónico (1976), Viegésimo aniversario (1987), El reír de los cantares
(1989), Les Luthiers, grandes hitos – Antología (1992), Les Luthiers unen canto con
humor (1994), Bromato de Armonio (1996), Todo por que rías (1999), Do-Re-Mi-Já!
– Recital Sinfónico (2000), El grosso concerto – Recital sinfónico (2001), Las obras de
ayer – antología (2002), Con Les Luthiers y sinfónica – Recital sinfónico (2004), Aquí Les
Luthiers – Recital folklórico Cosquín (2005), Los premios Mastropiero (2005), Lutherapia
96
Iconografia musical na América Latina
(2008), ¡Chist! – antología (2011), Viejos Hazmerreíres – Antología (2014), ArgerichBarenboim-Les Luthiers (2014) y Gran Reserva – Antología (2017).
Como se advierte en esta lista detallada, los nombres de los espectáculos
fueron incorporando menciones al humor y se hace evidente su intención risible.
Entre los juegos lingüísticos empleados, se incluyen sus años de trayectoria (Viejos
fracasos, Viegésimo aniversario y Las obras de ayer); se menciona el humor explícitamente (Por humor al arte, Humor dulce hogar, El reír de los cantares, Les Luthiers unen
canto con humor, Todo por que rías, Do-Re-Mi-Ja! y ¡Chist!), o consisten simplemente
en un enredo con el nombre del grupo (Les Luthiers hacen mucha gracias de nada,
Luthierías, Los clásicos de Les Luthiers, Les Luthiers, grandes hitos y Lutherapia).
El nombre de los espectáculos fue mutando, además, por cambios que se
produjeron en las estructuras internas de los mismos. En un principio, Les Luthiers
se presentaba simulando un simple concierto de música académica y ello sufrió
algunas transformaciones a lo largo de los años. En una biografía autorizada
del grupo, Daniel Samper Pizano (2007, p. 126) explica:
Les Luthiers hacen muchas gracias de nada (1979) da un paso hacia los escenarios
más teatrales, producto de largas discusiones. Aparecen elementos de utilería,
telones, pasacalles, bandas magnéticas. Salta al escenario Antenor, aquel robot
que les proporcionó tantas alegrías como dolores de cabeza. Era la primera vez
que se rompía el esquema de recital y se buscaban efectos de tipo dramático.
También en este espectáculo figuran algunos elementos de coreografía. Esther
Ferrando, una bailarina a la que conocieron los luthiers en el Instituto Di Tella,
dio algunos retoques coreográficos a dos o tres números del programa.
En los espectáculos de los primeros años, primó el formato de concierto con
un presentador, a cargo de Marcos Mundstock, que introducía cada una de
las obras. Con el paso del tiempo, la innovación humorística incorporó otros
elementos que provocan la risa del público.
Simultáneamente a la ejecución de instrumentos convencionales, la presencia
de instrumentos construidos con elementos cotidianos se convirtió, desde un
comienzo, en una marca registrada del grupo. Estos fueron denominados “instrumentos informales”. Si bien la descripción de la colección de estos instrumentos excede este trabajo, algunas características de los mismos merecen una
acotación. Los instrumentos informales provocan el efecto humorístico por sus
nombres, sus características morfológicas, sus tímbricas, el tipo de ejecución
Música, humor e iconografía musical
97
que requieren y la relación que tienen con las obras en las que se los ejecuta.
(GUERRERO, 2013) Unos pocos ejemplos de ello son la Gaita de cámara – un
aerófono construido con una cámara de tractor –, el Gom Horn da Testa – un
aerófono con mecanismo de trompeta cuya ejecución se realiza tomando con
una mano el cuerpo del instrumento y con el casco colocado en la cabeza del
ejecutante –, el Glamocot – u n aerófono basado en el funcionamiento del cromorno y cuyo nombre leído de derecha a izquierda indica que suena mal en la
escala de Sol – y la Mandocleta – un cordófono construido con una mandolina
modificada y montada en la parte trasera de una bicicleta.
Otro ejemplo es el robot arriba mencionado por Samper Pizano que hace
referencia a otro de estos “instrumentos informales” de Les Luthiers. Antenor,
como fue bautizado, estaba construido como un robot que poseía varios motores
comandados a distancia. Solo fue utilizado en una obra y luego fue desarmado,
dada su precaria condición. Era capaz de hacer sonar unas cornetas y percutir
tambores de marco, que tenía conectados a su estructura. Además, poseía una
cabeza en la que se encendían luces, que simulaban movimientos de boca y de
cejas. Debía ser dirigido por tres personas: una, manejaba su desplazamiento
por el escenario; otra, operaba las luces, y la tercera, accionaba las cornetas
y los tambores. Era extremadamente pesado – aproximadamente 80 kilos – y
su mecanismo era demasiado delicado y sofisticado. Para el año de su estreno
(1979) su aparición en el escenario era impactante. La presencia de Antenor fue
tan impresionante como la introducción en la obra “Loas al cuarto de baño”
de la Desafinaducha, el Nomeolbídet, el Lirodoro, y el Calephone, un cuarteto
conformado por dos cordófonos, un aerófono y un idiófono que remedan – con
una afinación temperada – los artefactos sanitarios.
98
Iconografia musical na América Latina
Imagen 1 – Antenor
Fuente: archivo Les Luthiers.1
La estructura de los espectáculos siguió sufriendo modificaciones y en 2005,
el propio grupo reconoció un nuevo cambio de formato en sus presentaciones:
1 Agradezco la atención de Jorge Maronna y la dedicación de Carlos Núñez Cortés, prestadas para
examinar el Archivo Les Luthiers.
Música, humor e iconografía musical
99
Con Los premios Mastropiero Les Luthiers introduce algunos cambios. Deja de lado el tradicional formato de canciones independientes entre sí, adoptando un tema común que engloba
todo el espectáculo; pasa a usar telones de colores y usa la iluminación estratégicamente para
reforzar espacios escenográficos.2
Además de estas grandes modificaciones, existieron pequeñas variantes que
funcionaron como distintos tipos de hilos conductores. El compositor apócrifo Johann Sebastian Mastropiero, que surgió cuando formaban parte de I
Musicisti, sirvió para generar coherencia interna en el espectáculo. Se trata de
un compositor ficticio al que Les Luthiers le adjudica la autoría de sesenta obras
de su repertorio y al que se lo vincula con más de seiscientos personajes en las
presentaciones de cada una de las obras.
Junto con la coherencia que le ha dado la presencia de Mastropiero, también
se utilizó como hilo conductor humorístico algún fragmento musical3 u otro
personaje4 mencionado varias veces en el espectáculo. Otra manera con la que
se lo ha guiado ha sido la inclusión de obras seccionadas a lo largo de este, que
funcionaban como esqueleto.5
La manera de estructurar un espectáculo a partir de un tema común – la
entrega de premios, en Los premios Mastropiero; la relación entre un paciente y
su psicoanalista, en Lutherapia – o con una obra seccionada – la emisión de un
programa de radio, en Todo por que rías y Viejos hazmerreíres y la modificación
de un himno nacional, en Bromato de armonio –, ha sido acompañada en estos
cuatro casos con la repetición de dos personajes, Ramírez y Murena, siempre
interpretados por Daniel Rabinovich y Marcos Mundstock, respectivamente.
Además, esta dupla aparece en otras obras.6 Es posible que un público frecuente
2 Expo Les Luthiers, 11 sept. 2007.
3 En la obra “Fronteras de la ciencia” del espectáculo Les Luthiers unen canto con humor (1994),
Rabinovich ejecuta un fragmento de una obra anterior.
4 En la obra “Fronteras de la ciencia” del espectáculo Les Luthiers unen canto con humor (1994),
Rabinovich pregunta “¿Con quién estará Esther?”, haciendo alusión al personaje de un sketch
anterior. Asimismo, en “Radio Tertulia” del espectáculo Todo por que rías (1999), Mundstock y
Rabinovich, hacen referencia al Sheriff y Rick, dos personajes que ellos mismos interpretaron en
la obra anterior.
5 La primera fue “La comisión” en Bromato de Armonio (1996) y la segunda “Radio Tertulia”, en Todo
por que rías (1999) y Viejos hazmerreíres (2014).
6 “El negro quiere bailar” (Les Luthiers unen canto con humor, 1994) y “Juana Isabel” (Los premios
Mastropiero, 2005).
100
Iconografia musical na América Latina
advierta esta repetición, aunque no hay ninguna mención en sus diálogos que
los vinculen entre sí.
En cuanto a la disposición escénica, los espectáculos de Les Luthiers han
sido montados siempre en espacios típicos de un teatro a la italiana, en cuyos
escenarios solo se emplean sillas, micrófonos con sus pies y ocasionalmente
atriles, según lo requiera cada obra. Estos elementos son colocados y retirados
del escenario por los asistentes. Como se dijo, con el cambio de estructura de
los espectáculos, el grupo ha ido incorporando otros elementos de utilería, tales
como capas, escudos, espadas y gorros, aunque estos son muy poco frecuentes.
En la biografía de Les Luthiers escrita por Samper Pizano (2007, p. 125), se
señala que la iluminación se transformó en un elemento importante de la puesta
en escena a partir de Mastropiero que nunca (1977):
Me llamaron porque estaban convencidos de la necesidad de agregar el lenguaje
de la iluminación, explicó Tito Diz, el asesor de iluminación del Teatro San
Martín y de algunas óperas del [Teatro] Colón de Buenos Aires. ‘En una primera
instancia yo decía qué se hacía y luego íbamos modificándolo en los ensayos.
Pero luego, a partir de una comprensión más profunda de lo que puede lograrse
con la luz, Les Luthiers empezaron a crear elementos que se apoyaban en la iluminación: hubo entonces complicidad’.
En los primeros registros de la década de 1970, se advierte el uso del telón,
pero en la década siguiente ya no se lo emplea, y la iluminación se transforma en
el recurso visual que sirve como marcador de la entrada y salida de los músicos
en el escenario y se la utiliza para separar las distintas obras dentro de un espectáculo. Desde sus comienzos, el grupo decidió utilizar como vestuario esmoquin
y ello le permite reproducir una circunstancia parecida a la de un concierto de
música académica, al mismo tiempo que le da neutralidad para crear cualquier
personaje.
En síntesis, es posible establecer tres etapas en la vasta producción de Les
Luthiers, siguiendo las estructuras y características de sus espectáculos. La primera, desde su fundación hasta 1978 que, como se anticipó, está compuesta
por espectáculos cuyas estructuras eran semejantes a un concierto de música
académica, en el que cada obra era presentada por Mundstock, quien oficiaba
de presentador y en cuyo parlamento daba algunas referencias de las obras.
La segunda etapa, desde 1979 hasta 2004, se caracteriza porque el grupo – ya
Música, humor e iconografía musical
101
profesionalizado por completo – ofrecía espectáculos más teatrales, con el uso de
algunos elementos de utilería, preocupado por la importancia de la iluminación
y otros elementos escénicos. Finalmente, la tercera etapa, que abarca desde 2005
hasta la actualidad, se diferencia de la anterior puesto que ha modificado la
estructura interna del espectáculo, ofreciendo un tema común que vincula todas
las obras que lo conforman. Así, el espectáculo posee cohesión entre sus obras.
3 Un acto performativo
En “Las presentaciones de Les Luthiers como performances” (2014), he presentado una lectura distinta de otras conceptualizaciones, corrientes en los estudios musicológicos, según las cuales la relación entre música y humor es una
relación de inclusión.7 En esa oportunidad sostuve la siguiente tesis: el género
“música-humor” que ha propuesto Les Luthiers como caracterización de aquello
que ellos hacen es en realidad un evento. Es decir, una amalgama de la música
y el humor, entendida esta como un acto performativo, en la que se apela a
una constelación de recursos: los instrumentos informales, los componentes
lingüísticos, las presentaciones y los géneros musicales.
Es importante recordar que, en el campo de la filosofía del lenguaje, John
Austin (1998, p. 45) denominó “expresión realizativa” (performative utterance) a
un tipo de expresión lingüística, que aunque son enunciados desde el punto de
vista gramatical, no describen nada, no son sinsentidos y no son verdaderos
ni falsos. La característica fundamental de este tipo de expresión es la acción
que lleva a cabo un sujeto al pronunciarla y que es distinta de la acción misma
de su enunciación. Un ejemplo muy famoso de expresiones realizativas es “Los
declaro marido y mujer”. Un juez que, en el contexto correspondiente, enuncia
esa expresión realiza la acción de unir en matrimonio a dos personas, según la
atribución que le confiere la ley. En este caso, “expresar la oración (por supuesto
que en las circunstancias apropiadas) no es describir ni hacer aquello que se diría
que hago al expresarme así, o enunciar lo que estoy haciendo: es hacerlo”. Por
consiguiente, una “expresión realizativa” o “un realizativo” (a performative) – en
su propuesta abreviada – “indica que emitir la expresión es realizar una acción y
7 Cf. Brent-Smith (1927), Grew (1934a, 1934b, 1934c, 1934d, 1934e), Dalmonte (1995), Casablancas (2000) y Huron (2004).
102
Iconografia musical na América Latina
que ésta no se concibe normalmente como el mero decir algo”. (AUSTIN, 1998,
p. 47) Es decir, se genera un nuevo acto distinto del acto enunciativo.
Extrapolando esta conceptualización, en el caso de Les Luthiers, en sus presentaciones, el grupo realiza una acción que no se concibe como el mero acto
de hacer música, sino como un acto humorístico-musical. Cuando al grupo
sube a un escenario, ejecuta una obra y establece con el público una situación
comunicativa – que incluye además los instrumentos, la actuación y el lenguaje –,
se produce un nuevo evento: el del humor-música. Es a través de la competencia
de los sujetos involucrados – los músicos y la audiencia –, en el contexto donde
tiene lugar la relación comunicativa, que emerge el humor-música.
A continuación, y como parte del análisis de los programas de mano, intentaré mostrar cómo estos apelan a la expectativa y la competencia de los participantes, que son elementos fundamentales para que se produzca la instancia
performativa en la que emerge el evento humorístico-musical.
4 Los programas de mano
Los programas de mano aparecen comúnmente en las presentaciones teatrales
y en los conciertos de música académica desde hace más de un siglo. En el caso
del teatro, según detalla Patrice Pavis (2003, p. 357):
Los programas propiamente dichos, ofrecidos o vendidos al público antes del
espectáculo, datan de fines del siglo XIX. [...] Fundamentalmente, el programa
está destinado a informar al público del nombre de los actores, del director; en
ocasiones, facilita un resumen de la acción; sus inserciones publicitarias proporcionan al teatro un ingreso suplementario, aunque tan solo sea para cubrir
el coste del programa...
En cuanto al mundo musical, los programas de mano son característicos de
los conciertos de música académica y suelen ofrecerse con la entrada al mismo.
En esos casos consiste en una impresión que contiene, generalmente, los datos
del concierto, los intérpretes, las obras y sus compositores, información sobre
los técnicos que participan y, en algunos casos, algún fragmento de la crítica que
ha recibido, una breve biografía de los músicos principales y el argumento – en
el caso que se trate de la representación de una ópera – o la letra, en el caso de
Música, humor e iconografía musical
103
obras musicales que la posean. Además, un programa de mano puede poseer
un espacio dedicado a publicidad.
Si bien D. Kern Holoman (2008) ofrece un detallado análisis de cómo debe
confeccionarse un programa de mano e indica distintas características de estilo,
la variedad de programas ha sido sumamente amplia a lo largo de su existencia.
Concebido como fuente documental, un programa de mano ofrece información
importante para su estudio posterior.
En el caso de Les Luthiers, los programas de mano no faltaron en ninguno de sus treinta y cinco espectáculos, y tampoco en su grupo antecesor, I
Musicisti. Ahora bien, teniendo en cuenta la división de sus espectáculos en las
etapas arriba mencionada, es posible comprender mejor cómo estos también
sufrieron cambios.
5 Primera etapa (1967-1978)
Este período abarca doce espectáculos. Les Luthiers cuentan la ópera y Blancanieves y
los siete pecados capitales fueron desarrollados en el Instituto Di Tella. La incursión
del grupo en esta institución merece una mención especial. Tal como señala
Andrea Giunta (2001), la renovación del movimiento artístico en América Latina,
y en especial en la Argentina, tuvo durante la década de 1960 una intensidad
sin precedentes. En este sentido, el Instituto Di Tella fue el ícono institucional
de esa época en la escena de Buenos Aires.8 El testimonio de Daniel Rabinovich
– integrante de Les Luthiers – coincide en este punto:
[El ambiente del Di Tella] era diferente y muy interesante, estaba lleno de
acción. En la planta baja había una galería que tenía una vida propia brutal, y
un día estaba Julio Le Parc colgando una cosa y al otro día venía Romero Brest
y daba una charla; y en el primer piso pasaban cosas todos los días: estaba
Mario Trejo [...] [o] Marucha Bo con Alfredo Rodríguez Arias. Había un movimiento cultural fuertísimo. Para mí fue (para todos nosotros fue) una cosa muy
importante.9
8 Para ampliar este tema, ver Giunta (2001) y King (1985).
9 Daniel Rabinovich. Entrevista realizada en el programa televisivo ¿Qué fue de tu vida?, Buenos Aires,
canal 7, 9 de septiembre de 2011.
104
Iconografia musical na América Latina
El resto de los espectáculos fue realizado en teatros de Buenos Aires, como
el Teatro IFT, Astral y Lasalle; café-concerts, algunas presentaciones en teatros
de la costa atlántica argentina y la ciudad balnearia de Punta del Este (Uruguay)
y algunas giras en el exterior en las ciudades españolas Madrid y Barcelona. La
cantidad de audiencia fue notoriamente en aumento, con un público de alrededor
de 14 mil espectadores en el primer año y más de 120 mil el último año de esta
primera etapa. (MARTÍNEZ HONRUBIA, 2017)
Este período se caracteriza por un pasaje del amateurismo y sus inicios en
el coro universitario a una carrera profesional, en la que el grupo decidió abandonar otras actividades profesionales, que la mayoría de los integrantes había
comenzado.
Una crónica de la época da cuenta de cómo se generaba el humor, fundamentalmente con la incorporación de chistes:
Cuatro de cada diez chistes que hacen los integrantes del conjunto de instrumentos informales Les Luthiers están dedicados a los iniciados y habitués
de los ambientes musicales. Otros tres tratan de captar la atención de los
psicoanalizados.
Dos centran su eficacia en el sexo. El último es una variable, capaz de incluir
cualquier aspecto pasible de sátira menos el político. La ecuación se mantiene
inconmovible desde hace varios años. (ULANOVSKY, 1970)
Como se dijo, los instrumentos informales son una marca registrada, incorporada en el nombre original del grupo y que contribuyen a la construcción de
la alianza humorística con su audiencia. Durante esta etapa, el grupo ya había
estrenado casi la mitad de la colección que tiene actualmente.10 Visualmente
atractivos, por el tamaño, el porte y la manera en que en varias ocasiones son
presentados en el escenario, las imágenes de los instrumentos informales aparecieron muy tempranamente en los programas de mano.
10 Los instrumentos informales estrenados desde el grupo antecesor I Musicisti hasta 1978 se
detallan a continuación. Entre paréntesis se indica el año de estreno: Bass pipe a vara (1966),
Glisófono pneumático (1966), Gom horn natural (1966), Manguelódica pneumática (1966),
Yerbomatófono d’amore (1966), Contrachitarrone da gamba (1966), Dactílófono (1967), Cello
legüero (1967), Latín o violín de lata (1967), OMNI (1969), Alt-pipe a vara (1971), Bocineta
(1971), Gom horn a pistones (1971), Violata o viola de lata (1971), Tubófono silicónico cromático (1972), Gom horn da testa (1974), Glamocot (1975), Cascarudo (1975), Cellato (1975),
Calephone da casa (1977) y Shoephone (1977).
Música, humor e iconografía musical
105
En dos trabajos sobre iconografía musical, Evguenia Roubina (2010, 2014)
propone cuatro tipos de evidencias en las fuentes estudiadas: organológicas,
musicológicas, antropológicas y teleológico-filosóficas. Siguiendo esta propuesta
metodológica, en los programas de mano de Les Luthiers la presencia de los
instrumentos informales desde sus inicios marca una preocupación por parte del
grupo de que su público los reconociera como una de sus características particulares. Además, la peculiaridad que estos poseen, remitiendo a instrumentos
conocidos en el ámbito de la música académica, tales como el Latín o Violín de
lata, el Cello legüero, el Alt-pipe a vara, la Violata y el Cellato, permiten en sus
fotografías apreciar algunos detalles que no siempre son percibidos en escena.
Los primeros programas dan cuenta de ese amateurismo en el que había
nacido el grupo y las limitaciones económicas que tenían para montar un espectáculo. Así, muchos de los programas de esta época son trípticos, hojas sueltas
o pequeños librillos. Mientras que, en los primeros primaba, por ejemplo, una
estética artesanal con una grafía a mano, el programa del Recital 74 se caracteriza por una tapa y contratapa del librillo hechas en cartón afelpado con una
imagen del grupo realizada con la técnica de serigrafía, que remite a la estética
del artista Andy Warhol, en la serie Marilyn.
106
Iconografia musical na América Latina
Imagen 2 – Tapa del programa de Opus Pi
Fuente: archivo Les Luthiers.
Música, humor e iconografía musical
107
Imagen 3 – Tapa del programa del Recital 74
Fuente: archivo Les Luthiers.
La fundación de Les Luthiers se debió a una pelea interna dentro del grupo
antecesor y ello quedó reflejado en el programa de Blancanieves y los siete pecados
capitales en el que figuran dos integrantes, Mario Neiman y Carlos Núñez, como
pertenecientes a I Musicisti.11
Los doce programas de esta primera etapa, entonces, incursionaron tímidamente por el humor y la parodia, pero revelan, sobre todo, el bajo presupuesto
del grupo, la falta de asesoría profesional de diseño gráfico y publicitario – como
se verá en las etapas siguientes – y un ingenio que aún no está explotado. En estos
programas, entonces, aparecen alternativamente los nombres de los integrantes,
el repertorio y los técnicos. En aquella época, aún no estaba unificada la autoría
de los textos y la música, de manera que, en alguno de ellos, se advierten esos
11 El nacimiento de Les Luthiers surgió de una ruptura del grupo I Musicisti y hasta que este no se
disolvió, dos de sus integrantes fueron convocados a participar en Les Luthiers como invitados.
(MASANA, 2005, p. 245-246)
108
Iconografia musical na América Latina
créditos identificados con el nombre de los integrantes. Recién en el programa
de Viejos fracasos (1976) los créditos de los textos, la música, los arreglos y la
dirección aparecen unificados bajo la marca “Les Luthiers”.
La actuación en café-concerts hizo que esos programas en cuestión fueran
compartidos con los artistas que actuaban cada día de la semana. En el año 1973
aparece por primera vez la propaganda de un sponsor, Whisky Royal Command.
Este recurso sería utilizado en las etapas siguientes con la marca de un champú
como auspiciante y años más tarde, tarjetas de créditos y empresas de servicio
de entradas para los espectáculos, que colocan sus logos en los programas.
Imagen 4 – Detalle del programa Querida condesa
Fuente: archivo Les Luthiers.
Junto con el incremento de audiencia y la actuación en teatros más grandes,
el grupo comenzó a grabar discos en 1971. En esta etapa grabaron cuatro discos
en estudio y parte de la promoción de los mismos comenzó a aparecer en los
programas de conciertos. De ahí que en el programa del Recital 75 se anunciaba
en la carátula “artistas exclusivos Discos Trova”. Un año antes, en la despedida
del Recital 73 – presentada en 1974 en el teatro Coliseo –, el grupo decidió innovar
y ese programa incluía las huellas dactilares de cada uno de los integrantes que
estaban acompañadas por una breve semblanza de ellos. Además, se listaban
los instrumentos informales inventados hasta ese momento, ordenados según
Música, humor e iconografía musical
109
grupo de familia – criterio utilizado comúnmente en las orquestas – y los datos
de los tres discos que el grupo había grabado hasta ese momento.
Imagen 5 – Detalle del programa de despedida de Recital 73
Fuente: archivo Les Luthiers.
Por último, en 1976, Les Luthiers ofreció su primera antología – en el transcurso de su historia hicieron seis –, denominada Viejos fracasos y cuyo subtítulo
era Lo peor de su repertorio (1970-1973). En ese programa de mano aparecía una
breve referencia a sus diez años de historia y se detallaba la exitosa situación
que atravesaba el grupo en ese momento.
6 Segunda etapa (1979-2004)
Esta segunda etapa es la más extensa temporalmente y con la mayor cantidad de
espectáculos estrenados. Se trata de una época con el grupo profesionalmente
consolidado, en la que pasaron de tener 100 mil a 200 mil espectadores por año,
con una media de 200 funciones anuales. (MARTÍNEZ HONRUBIA, 2017) Estas
estaban distribuidas, fundamentalmente, en Rosario – lugar en el que decidieron
estrenar todos sus espectáculos –, Buenos Aires, otras ciudades argentinas y
varias ciudades españolas. En el caso de Rosario, siempre actuaron en el Teatro
Astengo con una capacidad para 1.100 personas. En Buenos Aires, lo hicieron
110
Iconografia musical na América Latina
en el Teatro Coliseo para 1.700 personas hasta el 2004, cuando optaron por una
sala más grande, el Teatro Gran Rex, cuya capacidad de espectadores supera las
3 mil butacas. Las salas elegidas en España, especialmente en Madrid, superan
los mil espectadores.
Además, en esta etapa ofrecieron tres espectáculos junto con la Camerata
Bariloche, Recital sinfónico 86, Do-Re-Mi-Ja! y El Grosso Concerto, realizados en el
Teatro Colón de Buenos Aires. Con Les Luthiers y la sinfónica fue un espectáculo de
una gira realizada con el mismo ensamble en España durante 2004.
Desde entonces, los programas, como se detallará más adelante, han sido de
lo más variado, aunque se unificaron en cuanto a la información brindada. Entre
otros datos, se comprueba que Gerardo Masana aparece como fundador del
grupo. El humorista gráfico y escritor rosarino Roberto Fontanarrosa, se incorpora como “asesor creativo”, Carlos Iraldi figura como el lutier de Les Luthiers
y, hasta 1995, Chiche Aisenberg fue el mánager del grupo, pero a partir de ese
año, Lino Patalano ha estado a cargo de toda la actividad comercial y Javier
Navarro ha sido mánager. Junto con estos créditos, se detallan los integrantes
de aquella etapa, seis entre 1979 y 1986 – Ernesto Acher, Carlos López Puccio,
Jorge Maronna, Marcos Mundstock, Carlos Nuñez Cortés, Daniel Rabinovich – y
luego cinco, con el retiro de Acher.
Conforme fueron modificándose sus estructuras, también lo hicieron sus
programas de mano. En esta etapa en la que los espectáculos tuvieron un formato más teatral, en el espectáculo Por humor al arte (1983) Les Luthiers recibe
a su audiencia con un programa que sorprende por su innovación. Se trataba
de un díptico en cartulina negra doblada en dos, que al abrirlo se formaba una
figura tridimensional – como un libro de pop out – con una foto del grupo con
sus instrumentos. Otra de las innovaciones estaba en la contratapa en la que
la publicidad de un champú mezclaba su “leitmotiv” con el nombre del grupo.
Música, humor e iconografía musical
111
Imagen 6 – Programa abierto de Por humor al arte
Fuente: archivo Les Luthiers.
La creatividad fue en aumento y el programa de mano del espectáculo
siguiente, Humor dulce hogar (1985) consistía en un prisma cuadrangular en cuyas
caras externas aparecían las fotos de cada uno de los integrantes y el listado de
obras del espectáculo. Si uno desarmaba el prisma, en la cara interior podían
leerse cinco compases de la partitura de la “Cantata laxatón”, una de las obras
más reconocidas en aquella época y que había sido grabada en su segundo disco.
112
Iconografia musical na América Latina
Imagen 7 – Frente del programa de Humor dulce hogar
Fuente: archivo Les Luthiers.
Música, humor e iconografía musical
113
Imagen 8 – Dorso del programa de Humor dulce hogar
Fuente: archivo Les Luthiers.
El espectáculo de 20º aniversario del grupo contaba con un programa que
nuevamente apelaba a la participación lúdica del público. Se trataba de un programa “tradicional” con una foto de Les Luthiers en la tapa y que tenía adosado
una pequeña bolsa con un rompecabezas de una veintena de piezas para que la
audiencia armara la escena de esa misma foto del grupo. El programa de Grandes
hitos (1992) desplegado ofrecía un retrato del grupo en crayón y alcanzaba una
dimensión de 70 x 60 cm.
114
Iconografia musical na América Latina
Imagen 9 – Programa desplegado de Grandes hitos
Fuente: archivo Les Luthiers.
A lo largo de varias presentaciones los formatos de los programas siguieron
siendo objetos totalmente anómalos. En Les Luthiers unen canto con humor (1994),
se trataba de un hexágono plegado en triángulos equiláteros en los que aparecía
una foto con la cara de cada integrante. Por su parte, el de Bromato de armonio
(1996) era un tríptico que reproducía la imagen de un frasco farmacéutico
antiguo, a propósito del nombre del espectáculo. En Todo por que rías (1999), el
programa consistía en un díptico en cuyos extremos estaba dibujada una mano
y al cerrarlo era posible juntarlas como si fuera un “aplauso”. En su interior,
cinco fotos de las caras de los integrantes aparecían mezcladas. El programa de
la antología de Las obras de ayer (2002) simulaba el formato de un disco de vinilo
y en su interior poseía un collage con fotos antiguas del grupo a propósito de
los 35 años del grupo.
Música, humor e iconografía musical
115
Imagen 10 – Programa desplegado de Todo por que rías
Fuente: archivo Les Luthiers.
La etapa más extensa de la historia del grupo consolidó un formato más
teatral y los programas de mano de los mismos se transformaron en espacios
de creatividad para incursionar en el humor, parodiar los programas de conciertos de música académica y atraer la atención de la audiencia con formatos
no convencionales, pequeños juegos o bromas y algunas imágenes que daban
cuenta de su trayectoria. En esta tarea, los responsables fueron Juan Bernardo
Arruabarrena – diseñador desde 1977 hasta 1992 – y el estudio Shakespear Veiga
desde 1992 hasta la actualidad. Así, se trató de un compromiso que daba cuenta
del profesionalismo que el grupo afianzó en todos sus espectáculos.
7 Tercera etapa (2005-2018)
La última etapa en la que he dividido la obra del grupo llega hasta nuestros días
y se diferencia de la anterior por incluir aquellos espectáculos que, al poseer un
tema común, vincula todas las obras que lo conforman.
Este cambio estético se vio reflejado también en los programas de mano
correspondientes. El primero de esta etapa corresponde a Los premios Mastropiero
(2005). Su programa se desplegaba verticalmente – volviendo al recurso del
pop out – y surgía una imagen tridimensional de la estatuilla en el centro del
programa, que era una reproducción de las que se entregaban en la apócrifa
entrega de premios del espectáculo. Además, el nombre del programa estaba
impreso en letras que simulaban las luces de neón, copiadas de los carteles de
las marquesinas. La forma del programa desplegado simulaba una escalera y en
la última cara se ofrecían las opiniones de reconocidos periodistas.
116
Iconografia musical na América Latina
Imagen 11 – Programa abierto de Los premios Mastropiero
Fuente: archivo Les Luthiers.
Un nuevo efecto lúdico se produjo en el programa del siguiente espectáculo,
Lutherapia (2008). Este fue compuesto a partir de un hilo conductor en el que la
actividad musicológica ocupa un lugar protagónico. La historia que hilvana cada
una de sus obras expone la relación psicoanalítica de un personaje, Ramírez,
con su analista, en la que intentan resolver el trauma que provoca la angustia
del protagonista. Los distintos encuentros que mantienen ambos funcionan
como separadores entre las obras, y en ellos Ramírez trata de explicitar sus
problemas. El más importante, y con el que Les Luthiers abre el espectáculo,
es la escritura de una tesis sobre la obra de Johann Sebastian Mastropiero. Su
título era la “Influencia de la semiología estructuralista musicológica en las obras
Música, humor e iconografía musical
117
de Mastropiero” y su autor confesaba: “Estoy estropeado por Mastropiero,
estoy mastropeado. Siento por Mastropiero una relación amor-odio, una relación
amorroidal…”.12 En esa oportunidad las innovaciones que se produjeron en el
programa de mano fueron dos. Por un lado, consistió en remitirse al cine de
dedo. Se trataba de un folioscopio, que de “ida” mostraba una secuencia de los
integrantes del grupo y de “vuelta” proporcionaba información sobre el espectáculo: obras, nombre de los integrantes, sonido, dibujante y frases de algunas
críticas periodísticas. Por otro lado, la primera obra de Lutherapia se llamaba “El
cruzado, el arcángel y la arpía”. Para dicha obra se empleaban algunos elementos
de utilería, tales como un escudo, una espada y unas alas que llevaba en sus
espaldas el arcángel. Esos elementos aparecen incluidos en los dibujos con una
estética del comic, que el ilustrador Marcos García incluyó en este programa.
Imagen 12 – Páginas interiores del programa de Lutherapia en movimiento
Fuente: archivo Les Luthiers.
En Chist (2011), el grupo decidió entregar un programa “desarmable” en
máscaras de cada uno de los rostros de los integrantes para que el público
“chiste” con Les Luthiers. En una de las caras del programa, sus instrucciones
eran claras: “Chiste con nosotros! (Instrucciones de uso). 1) Elija su Luthier. 2)
Recorte la careta por el puntillado. 3) Coloque el hilo que ata el programa. 4)
Está listo para chistar”.
12 “Paz en la campiña”, Lutherapia, 2009.
118
Iconografia musical na América Latina
Imagen 13 – Programa desplegado de Chist
Fuente: archivo Les Luthiers.
Las giras en el exterior, particularmente, por España – en donde han sido muy
extensas –, no siempre compartieron los mismos programas de mano que las
funciones ofrecidas en Argentina. En este caso, el programa para las funciones
españolas consistió en una mano gigante, con el dedo índice en extensión y el
resto no, en cuyo interior podía leerse la información, y al cerrar el díptico, el
público podía colocar su mano en el agujero que tenía el programa para crear
la sensación de extender su propia mano.
Imágenes 14 y 15 – Frente y dorso del programa abierto de las funciones de Chist en España
Fuente: archivo Les Luthiers.
El programa de Viejos hazmerreíres (2014) recurre nuevamente a la una imagen
con la técnica del pop-out tridimensional al abrir el díptico. “Radio tertulia” es la
obra seccionada a lo largo del espectáculo, que funcionaba como esqueleto de
Música, humor e iconografía musical
119
éste. La recreación de un programa radial permitía introducir varios “móviles”
que eran los verdaderos marcos para ejecutar las distintas obras. En el programa
de mano, entonces, se empleó la foto de los integrantes con los micrófonos
apócrifos, que luego empleaban durante la función. Tras la muerte de Daniel
Rabinovich en 2015, Les Luthiers estrenó Gran reserva (2017), es el espectáculo
más reciente y está actualmente en cartel.13 Se trata de una nueva antología y el
nombre hace referencia al valor que el grupo le otorga a esas obras. De manera
coherente con esta idea, el programa es un díptico de cartulina cuyo formato
recrea la imagen de un corcho gigante, que funciona como metáfora del nombre
del espectáculo.
A propósito de los 50 años que cumplió ese año el grupo, Carlos Núñez
Cortés decidió retirarse por lo que, según se lee en el programa, quienes actúan
son: Carlos López Puccio, Jorge Maronna, Marcos Mundstock, Horacio Tato
Turano, Martín O’Connor y Tomás Mayer-Wolf. Por primera vez desde 1976, los
créditos de la letra, música, arreglos y dirección ya no figuran como Les Luthiers,
sino los nombres de Carlos López Puccio, Jorge Maronna, Marcos Mundstock,
Carlos Núñez Cortés y Daniel Rabinovich.
8 A modo de conclusión
Como se dijo desde un comienzo, es posible comprender la extensa producción musical de Les Luthiers de más de 50 años de actividad ininterrumpida,
en la que emerge el género “humor-música” que ellos han propuesto, como
un evento, esto es, algo que acontece y que sólo puede ser comprendido si la
mirada y la escucha son capaces de identificar las acciones, prácticas, relaciones
intersubjetivas, procesos y recursos que intervienen.
Esta conceptualización del humor-música da lugar a una dilucidación más
abarcadora de su obra en general. Es decir, proporciona un punto de vista
adecuado desde el cual explicar cómo es que lo que Les Luthiers ofrece no es
solamente hacer música, sino, además, que en comunicación con su audiencia
y valiéndose de los recursos mencionados, genera humor. En este sentido, de
acuerdo al análisis propuesto, los programas de mano son un recurso más para
13 Cf. Les Luthiers, Calendario [2019]. Disponible en: http://www.lesluthiers.com/calendario.php.
120
Iconografia musical na América Latina
que el humor emerja en estas presentaciones. Concebidas éstas como performances
o, en palabras de Austin, como un acto performativo, en el que se apela a una
constelación de recursos, los programas de mano comparten esta lista junto con
los instrumentos informales, los componentes lingüísticos, las presentaciones y
los géneros musicales.
Frecuentemente distribuidos en las presentaciones teatrales y en los conciertos de música académica desde hace más de un siglo, los programas de
mano han estado vinculados al mundo musical. En el caso de Les Luthiers, su
audiencia los ha recibido como parte de todos sus espectáculos y han estado
siempre relacionados con las temáticas propuestas. Desde un comienzo amateur al profesionalismo que el grupo adquirió desde hace décadas, la diversidad
de materiales, formatos, estilos, tamaños, recursos que atraen la atención del
espectador y propuestas lúdicas de estos programas de mano marcan la creatividad y el ingenio de Les Luthiers y sus colaboradores, para propiciar el humor
y generar una práctica paródica en la que el sentido se produce en su recontextualización. Dicho de otro modo, Les Luthiers recurre a la des-familiarización de
los estereotipos de los programas de mano, re-funcionaliza su procedimiento en
el contexto del evento de sus espectáculos y, producto de su destreza, establece
un nuevo orden.
Por último, el estudio de los programas de mano desde un abordaje iconográfico ha permitido señalar evidencias organológicas, musicológicas y estéticas
de esta práctica musical. Así, el desenmascaramiento y la desnaturalización de
los cánones establecidos marcan la riqueza de su humor-música.
Referencias
AUSTIN, John. Cómo hacer cosas con palabras: palabras y acciones. Barcelona:
Paidós, 1998.
BRENT-SMITH, Alexander. Humour and music. The Musical Times, London, v. 68,
n. 1007, p. 20-23, Jan. 1, 1927.
CASABLANCAS DOMINGO, Benet. El humor en la música: Broma, parodia e ironía:
un ensayo. Kassel: Reichenberg, 2000.
Música, humor e iconografía musical
121
DALMONTE, Rossana. Towards a semiology of humour in music. International
Review of the Aesthetics and Sociology of Music, Zagreb, v. 26, n. 2, p. 167-187,
Dec. 1995.
GIUNTA, Andrea. Vanguardia, internacionalismo y política: arte argentino en los años
sesenta. Buenos Aires: Paidós, 2001.
GREW, Eva Mary. Humour in Music: I-II. The Musical Times, London, v. 75,
n. 1091, p. 24-26, Jan. 1934a.
GREW, Eva Mary. Humour in Music: III. The Musical Times, London, v. 75, n. 1092,
p. 128-129, Feb. 1934b.
GREW, Eva Mary. Humour in Music: IV-V. The Musical Times, London, v. 75,
n. 1093, p. 219-220, Mar. 1934c.
GREW, Eva Mary. Humour in Music: VI. The Musical Times, London, v. 75, n. 1095,
p. 414-415, May 1934d.
GREW, Eva Mary. Humour in Music: VII (concluded). The Musical Times, London,
v. 75, n. 1097, p. 608-610, Jul. 1934e.
GUERRERO, Juliana. Música y humor en la obra de Les Luthiers (1967-2012). 2013.
Tesis (Doctoral en Historia y Teoría de las Artes) – Facultad de Filosofía y Letras,
Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, 2013.
GUERRERO, Juliana. Las presentaciones de Les Luthiers como performances.
Telondefondo: revista de teoría y crítica teatral, Buenos Aires, n. 19, p. 116-136,
jul. 2014. Disponible en: https://www.telondefondo.org/numeros-anteriores/
numero19/articulo/529/las-presentaciones-de-les-luthiers-como-performances.
html. Acceso en: 8 febr. 2017.
HOLOMAN, D. Kern. Writing about music: a style sheet. Berkeley: University of
California Press, 2008.
HURON, David. Music-engedered laughter: an analysis of humor devices in
P.D.Q. Bach. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON MUSIC PERCEPTION &
COGNITION, 8., 2004, Evanston. Proceedings [...]. Evanston, IL: Society for Music
Perception & Cognition, 2004. p. 700-704.
KING, John. El Di Tella y el desarrollo cultural argentino en la década del sesenta. Buenos
Aires: Gaglianone, 1985.
MASANA, Sebastián. Gerardo Masana y la fundación de Les Luthiers. Buenos Aires:
Grupo Editorial Norma, 2005.
122
Iconografia musical na América Latina
MARTÍNEZ HONRUBIA, Alfonso J. Humor y música: aproximación a las teorías del
humor musical a través de Les Luthiers. 2017. Tesis (Doctoral en Historia del Arte
y Musicología) – Facultad de Geografía e Historia, Universidad de Salamanca,
Salamanca, 2017.
PAVIS, Patrice. Diccionario del teatro: dramaturgia, estética, semiología. Buenos
Aires: Editorial Paidós, 2003.
ROUBINA, Evguenia. La imagen de la música como raíz de lo festivo en las artes
útiles de la Nueva España. Cuadernos de Iconografía Musical, Ciudad de México, v. 1,
n. 1, p. 41-59, 2014.
ROUBINA, Evguenia ¿Ver para creer? Una aproximación metodológica para el
estudio de la iconografía musical novohispana. In: SIMPÓSIO BRASILEIRO DE
PÓS-GRADUANDOS EM MÚSICA, 15., 2010, Rio de Janeiro. Anais [...]. Rio de
Janeiro: Unirio, 2010. p. 63-83.
SAMPER PIZANO, Daniel. Les Luthiers de la L a la S. Buenos Aires: Ediciones La
Flor, 2007.
ULANOVSKY, Carlos. El Opus Pi en el IFT. Diario La opinión, Buenos Aires, 7
mayo 1970.
Música, humor e iconografía musical
123
Aproximación a contextos marginales del
rock en el estado de México a través de
su iconografía musical en
el paisaje urbano
Alfredo Nieves Molina
Las diversas músicas relacionadas al rock han encontrado en
las grandes urbes de México transformaciones y apropiaciones
que lo hacen colocarse entre los géneros más escuchados y
consumidos, ya sea por las industrias culturales o por economías étnicas de carácter autogestivo. Este estudio propone
una aproximación a las realidades sociales del rock en México
a través de su iconografía musical plasmada en tres fuentes:
carteles y bardas – para la difusión de tocadas1 y conciertos –,
fotogramas de cine documental musical – específicamente el
documental En la periferia (2016), de Alberto Zúñiga y las carátulas de álbumes. Este texto se ocupará de estudiar ejemplos
de las dos primeras.
El análisis de las imágenes propuestas es evidencia de una
estética propia y congruente con los discursos ideológicos y
1 Las “tocadas” en el contexto de México, son espacios de carácter informal
en su organización para la escucha de grupos en vivo, generalmente de
formas musicales relacionadas al rock, los espacios pueden ser explanadas, calles, bares o terrenos baldíos de la ciudad. En estos espacios
existe poco control de seguridad. (MARTÍNEZ, 2013, p. 147)
125
narrativos de la propia escena y al interior de los grupos etários que la conforman
y, a su vez, reflejo de marginalidad e invisibilización política y social que ejercen
las industrias culturales, estado e instituciones2 en detrimento de estos actores
sociales y comunidades de sentido.
El escenario geográfico para este estudio es la zona conurbada del Estado
de México, ubicada en la región centro del país, que cubre casi en su totalidad
a la Ciudad de México. Características importantes en este estado y que, a
manera de introducción, nos permiten entender la complejidad del fenómeno
donde se desarrolla una fuerte industria del rock. El Estado de México es la
entidad federativa con el mayor número de habitantes en el país: más de 16
millones de mexiquenses. Entre los problemas más graves del estado resalta el
de mayor incidencia delictiva en toda la república (INSTITUTO NACIONAL DE
ESTADÍSTICAS Y GEOGRAFIA, 2018b), el mayor número de feminicidios – por
encima de Ciudad Juárez, Chihuahua (GARCÍA, 2017) –, y la segunda entidad
con mayor índice de desempleo. (LOS ESTADOS..., 2016) Bajo 90 años de
gobierno del Partido Revolucionario Institucional (PRI), el Estado de México
es también una plataforma electoral para las aspiraciones presidenciales de
cualquier partido al convocar a 11 millones de votantes.
Con estos escenarios, esta compleja megalópolis desarrolla una industria
del rock que convoca a miles de jóvenes y adultos a las tocadas y conciertos
de rock cada semana. Es tal la cantidad de conciertos que se realizan en esta
urbe, debido a su extensión territorial y por su amplio número de seguidores,
que una banda en este circuito puede tocar hasta en cuatro eventos en distintos
municipios del estado en un solo día.
El siguiente mapa (Imagen 1) muestra el número total de municipios que
conforma al Estado de México. Debe resaltarse el cubrimiento casi en su totalidad
de la capital del país, la Ciudad de México, entidad federativa que históricamente
ha centralizado la legitimación de las prácticas musicales como la de la música
académica y el mayor desarrollo e impulso por parte de las industrias culturales
para el consumo de diversas músicas populares.
2 María del Carmen de la Peza (2013, p. 13), al estudiar el rock mexicano y citando a Rancière,
señala que los sujetos excluidos del espacio de visibilidad pública demandan el derecho a la
palabra y a los espacios de visibilidad para ser reconocidos como parte de la comunidad política
que les excluye.
126
Iconografia musical na América Latina
Imagen 1 – Mapa del estado Estado de México y su división por municipios
Fuente: Instituto Nacional de Estadísticas y Geografia (2018a).
Podríamos señalar que en todos los municipios del Estado de México se
desarrollan tocadas y conciertos de rock, sobresaliendo por su frecuencia los
que se encuentran en la periferia de la Ciudad de México: Naucalpan de Juárez
(57), Tlalnepantla de Baz (104), Cuautitlán (24), Tultitlán (109), Ecatepec de
Morelos (33), Texcoco (99), Nezahualcóyotl (58), La Paz (70), Ixtapaluca (39),
Chimalhuacán (31), Valle de Chalco Solidaridad (122), Chalco (25), entre otros.
Cabe señalar que la realización de estos conciertos no es exclusiva del Estado
de México. También se presentan en estados de la zona centro del país, tales
como Tlaxcala, Puebla e Hidalgo, entre otros, así como en algunas delegaciones
de la Ciudad de México, como Iztapalapa, Iztacalco, Tláhuac, Xochimilco, que
colindan con el Estado de México.3
Esta gran industria, específicamente a las prácticas musicales que se desarrollan en este circuito, se le conoce como “rock urbano”. La categoría de rock
urbano ha sido atribuida a grupos que fusionan rock and roll y blues, fusiones
3 Datos obtenidos en entrevista con los músicos Francisco Gatica, productor y bajista del grupo
Ramsés y Carlos Alanís, vocalista del grupo Next. Entrevistas realizadas el 2 de septiembre de 2018.
Aproximación a contextos marginales del rock en el estado de México...
127
que se derivaron también del rock rupestre.4 Esta categoría de rock urbano es
considerada por algunos grupos o músicos de la escena como peyorativa, ellos
prefieren asumir que pertenecen al “rock” o “rock and roll”. En otra perspectiva, la diversidad de géneros relacionados al rock que circulan en la periferia es
amplia. Así, grupos de punk rock, heavy metal, blues, rock progresivo y ska, en
su conjunto, son considerados como partícipes de la corriente de rock urbano.5
En contraste, ninguna de las prácticas del rock legitimadas en el centro de la
Ciudad de México se considera parte de la categoría rock urbano, sea por los
músicos o los fans de las diversas escenas. Este contraste en la concepción de una
categoría general como la de rock urbano, pone en evidencia el carácter clasista
y peyorativo que designa prácticas musicales definidas más por la condición
socioeconómica, geográfica e incluso de fenotipo de sus participantes, que por
sus características musicales. Por lo tanto, en este trabajo nos referiremos a la
escena, a la industria del llamado rock urbano como rock de la periferia en el
Estado de México, englobando todas las formas y corrientes asociadas al rock
que transitan en este circuito.
El rock periférico del Estado de México no tuvo difusión ni apoyo por los
diversos medios de comunicación, ni en revistas, radio o televisión. Uno de los
pocos medios que ha atendido a esta escena desde sus inicios fue el fanzine
Banda Rockera, publicación independiente a partir del año 1985 que, de manera
periodística, daba cuenta y registraba los sucesos de la escena periférica que se
desarrollaba en el Estado de México hasta la actualidad. (CANAL ONCE, 2018)
Esta ausencia de difusión y visibilización tiene antecedentes en la censura
posterior al concierto de Avándaro, Estado de México, en el año de 1971, una
4 El rock rupestre surgió a inicios de los años 1980 en la Ciudad de México. Era un movimiento
musical-literario-poético que se influenciaba de la trova, el folk y el rock, que reflejaba la sordidez de la cotidianeidad urbana con temas de protesta. Los primeros espacios para este movimiento fueron el Foro Tlalpan, al sur de la ciudad, donde se presentaban músicos como Rodrigo
González, Rafael Catana, Cecilia Toussaint, entre otros. (GARZA, 2013, p. 10) Rodrigo González
(2017) declararía sobre el movimiento rupestre: “Se trata solamente de un membrete que se
cuelgan todos aquellos que no están muy guapos, ni tienen voz de tenor, ni componen como
las grandes cimas de la sabiduría estética o (lo peor) no tienen un equipo electrónico sofisticado lleno de sinters y efectos muy locos que apantallen al primer despistado que se les ponga
enfrente”.
5 Muchas de estas formas musicales comprenden sub-géneros, por ejemplo, se menciona la categoría heavy metal para englobar a los sub-géneros death metal, folk metal, entre otros. También
se alude simplemente a metal mexicano.
128
Iconografia musical na América Latina
réplica local del Woodstock estadounidense que fue organizado por Telesistema
Mexicano, la alianza de estaciones televisivas que controlaría la industria del
espectáculo en México. El concierto de Avándaro, titulado “Festival Rock y
Ruedas”, convocó a miles de jóvenes que desbordaron y saturaron las vías de
acceso y salida de dicho festival. El gobierno mexicano, al ver que se congregaban
miles de jóvenes a través del rock, temió que los jóvenes volvieran a organizarse
y levantar un movimiento como sucedió en el año de 1968, que terminó en la
masacre de Tlatelolco. Posterior al concierto de Avándaro, el gobierno censuró
todas las actuaciones y espacios donde se reproducía rock, persiguió a las agrupaciones, y las encerró en la cárcel, al grado de casi desaparecer toda actividad
relacionada con el rock en México. A través de Telesistema Mexicano, que posteriormente se convertiría en Televisa, los sonidos del rock fueron borrados por
completo y se introdujo en la sociedad mexicana formas de escucha mucho más
relajada como la balada romántica y los festivales OTI, quedando ausente una
música destinada para y por los jóvenes de México.
Para la recuperación de una memoria sonora e histórica del rock en México,
nos auxiliamos de la iconografía musical de los contextos del rock periférico en
el Estado de México para dar cuenta de las realidades de una escena local y el
impacto social que genera al interior de los miles de participantes que asisten
a estas tocadas y conciertos, dando voz y presencia en espacios emergentes
para la acción política de los grupos etarios que conforman esta región central
de México. La ausencia de registros de estas músicas en los medios masivos de
información y en los objetivos de estudio por parte de la academia, vuelve valiosa
la información que ofrece la iconografía musical del rock periférico a partir de
las dos fuentes propuestas en este texto – y que son visibles en el paisaje urbano
del Estado de México –: los carteles y pinta de bardas promocionales de los
conciertos.
Cabe señalar que el estudio y análisis del rock a través de la iconografía musical
es reciente. Las complejidades del siglo XX en relación a los diversos ejes que
cruzan las prácticas musicales en lo social, económico e histórico, demandan un
tratamiento diferente para la comprensión de los diversos discursos narrativos,
ideológicos y visuales que fluyen en las culturas del rock. Es necesaria una comprensión de las imágenes utilizadas por los discursos poéticos y visuales de los
músicos y las propias industrias culturales inmersas en el rock, para comprender
Aproximación a contextos marginales del rock en el estado de México...
129
la resemantización de las ideas-objeto que pretenden brindar un significado
distinto o modificado de la mera descripción del objeto.
Un ejemplo de ello lo podemos encontrar en el logotipo de la banda de rock
británica The Rolling Stones, una lengua saliendo de la cavidad bucal en tonos
rojos. No hay ninguna referencia organológica o biográfica de algún músico, y este
logotipo es identificado e interpretado en un plano mundial como un referente
de una banda de rock. El logotipo representa el momento histórico y social que
la banda británica estaba pasando, una lengua saliendo de la boca se interpreta
como un acto vulgar, un acto trasgresor dentro de las normas de conducta de la
época, y a su vez, una representación erótica dentro de los discursos de liberación
sexual de la época, temas recurrentes en las letras del famoso grupo.
En esta propuesta de carácter metodológico, en la revisión y utilización de
fuentes de iconografía musical para el estudio del rock, se considera el uso de
elementos que están contenidos en la propia performance de las diversas escenas
locales del rock, tanto en sus discursos poético-narrativos como en las imágenes
utilizadas como extensión del discurso en y a través del rock. Así, pasemos a
revisar las fuentes propuestas para comprender el carácter ideológico y marginal
del rock del Estado de México que cubre el paisaje urbano cotidiano.
En el estado actual del rock en México, tanto la escucha de grupos mexicanos
como extranjeros cobra matices y características específicas en los modos de
su consumo entre los diversos grupos etarios que conforman las relaciones de
identidad y significación de estas músicas. Independientemente a la adscripción
de la forma musical – punk, metal, ska, gótico, urbano etc. –, existen prácticas
que son validadas e impulsadas por las industrias culturales, y otras, como la
escena del rock periférico – rock urbano –, tienen su desarrollo a partir de una
economía étnica constituida por pequeños productores e integrantes de las
bandas de rock.
Los siguientes carteles de conciertos de rock (Imágenes 2 y 3), muestran el
carácter emergente en la conformación gráfica y visual cotidiana en la periferia
del Estado de México. Estos carteles se distribuyen y colocan en los muros y
postes de los diversos municipios que conforman el estado, convirtiéndose en
parte el paisaje urbano cotidiano.
130
Iconografia musical na América Latina
Los carteles brindan información del costo del evento,6 así como de la diversidad de bandas y culturas del rock que participan en el mismo. Así, en los carteles
mostrados hay grupos de heavy metal, punk, y rock and roll y blues. También
podemos observar la ubicación del municipio que se llevará a cabo. La leyenda
“Evento 100% confirmado”, presente en la Imagen 2, deriva de las constantes
cancelaciones de los eventos, sea por falta de permisos (a través de las autoridades municipales correspondientes), por cancelación de las agrupaciones (pues
muchos de estos conciertos no se realizan bajo la figura legal de un contrato) o
por la estafa de supuestos organizadores (que no realizan las gestiones para la
realización de los eventos y solo pretenden vender cierto boletaje en preventa y
escapar con ese dinero). El cartel también nos brinda información del espacio
donde se realizará el evento, en este caso un auditorio municipal y un estadio
de beisbol en Toluca, Estado de México.
Imagen 2 – Cartel de concierto de rock en Toluca, Estado de México
Fuente: colección personal de Ubaldo Dávila Martínez, fan de la escena.
6 El costo de accesos a estos recitales de rock es muy bajo en comparación con los eventos realizados por los grandes consorcios de la industria musical de México.
Aproximación a contextos marginales del rock en el estado de México...
131
Imagen 3 – Cartel de concierto de rock en Lerma, Estado de México
Fuente: colección personal de Ubaldo Dávila Martínez, fan de la escena.
Una de las intenciones primordiales de estos carteles es mostrar en una sola
vista la riqueza de grupos y estilos musicales que conforman el evento. Uno de
los atractivos principales para los asistentes de estos conciertos es la cantidad
de grupos y diversidad musical dentro del rock que podrán presenciar. Los conciertos comprenden de 10 a 25 grupos, normalmente iniciando al mediodía y se
extendiendo hasta casi la medianoche en un solo escenario, sin presentaciones
132
Iconografia musical na América Latina
simultáneas entre los grupos. En este contexto, una banda puede tocar hasta
en cuatro conciertos en diferentes municipios de la periferia, dando tiempo
suficiente para moverse entre un municipio y otro.
El documental En la periferia (2016), del cineasta Alberto Zúñiga, hace visible
la industria y escena del rock y la industria en el Estado de México. Es un viaje
a través de la experiencia de los músicos que viven las tocadas todos los fines
de semana, año tras año, desplegando su arte y filosofía de vida, retratando la
dura realidad de “la banda”.7
El cartel del documental (Imagen 4) incluye el carácter urbano, sus vías automovilísticas y señalizaciones de tránsito, la imagen de un músico (probablemente
de rock definido por su vestimenta y tocando una guitarra eléctrica) dentro del
mapa del Estado de México, sobre un gran fondo con la textura de las paredes
de alguna casa suburbana. Incluye los nombres de las agrupaciones que regularmente conforma estos carteles y tocan frecuentemente en estos conciertos:
La Banda Bostik, Transmetal, Juan Hernández y su banda de blues, Lvzbel, Liran´ Roll, Tex
Tex, Rebel D’ Punk y Follaje, agrupaciones de los diversos géneros ya mencionados.
7 La banda, es la manera coloquial que hace referencia a sí misma la comunidad que conforma las
diversas escenas de rock. La banda, es pronombre personal plural; son los otros que conforman
la escena pero también nosotros dentro de ella. Todo el que entiende y decodifica los mensajes
del rock y sus vivencias cotidianas, relacionadas a lo social, empático, a lo geográfico; a la pertenencia e identidad con el contexto urbano y musical.
Aproximación a contextos marginales del rock en el estado de México...
133
Imagen 4 – Cartel del documental En la periferia, de Alberto Zúñiga, sobre
el rock en el Estado de México
Fuente: cartel proporcionado por el director del documental, Alberto Zúñiga.
Las siguientes imágenes (Imágenes 5 a 7) son fotogramas del documental.
La pinta de barda que se muestra hace alusión al documental y fue un encargo
del propio director. Independientemente a este hecho, el resultado final es el
que observa en los diversos espacios de muros y bardas en el Estado de México
junto a los carteles mostrados con anterioridad. Si bien ahora los carteles se
difunden también por las redes sociales de la web, es a través de los carteles y las
bardas que se sabe de la próxima tocada o concierto. Carteles y bardas son muy
visibles desde el transporte público, siendo un medio informativo muy efectivo y
de bajo costo en relación a otros medios publicitados como radio, televisión o
134
Iconografia musical na América Latina
internet. Formando parte de la economía de la industria del rock periférico, esta
actividad está regulada y distribuida por zonas a lo largo del Estado de México:
la pinta de bardas es extensiva a la propaganda de partidos políticos.
Imagen 5 – Pinta de bardas promocionales de conciertos en el Estado de México
Fuente: fotograma del documental En la periferia, cedido por su director, Alberto Zúñiga.
Imagen 6 – Pinta de bardas promocionales de conciertos en el Estado de México
Fuente: fotograma del documental En la periferia, cedido por su director, Alberto Zúñiga.
Aproximación a contextos marginales del rock en el estado de México...
135
Imagen 7 – Pinta de bardas promocionales de conciertos en el Estado de México
Fuente: fotograma del documental En la periferia, cedido por su director, Alberto Zúñiga.
Desde este estudio y perspectiva, la tipografía utilizada por las diversas
bandas, plasmada en los carteles y pinta de bardas, nos da una idea relacionada
al estilo y forma musical a la que cada agrupación se adscribe. Esto es muy
notorio en las bandas de heavy metal. Las tipografías más claras y legibles se
relacionan a un metal con formas musicales más sencillas y de un sonido con
menos estridencia. Conforme la tipografía se hace más ininteligible, la forma
musical es más estridente, con un mayor espectro de distorsión que cubre la línea
melódica o los acordes. Como resultado tenemos en bardas y carteles un “mapa
referencial de escucha”8 a través de la tipografía de los logotipos de las bandas.
En esta breve aproximación, pretendí acercar nuevas fuentes para el estudio
y abordaje de las prácticas del rock, los carteles y la pinta de bardas, en el contexto del llamado “rock urbano” del Estado de México y delegaciones periféricas de la Ciudad de México, brindando valiosa información sobre el carácter
autogestivo de una industria que se extiende por casi todos los municipios y que
convoca a miles de jóvenes y adultos para la escucha de sus músicas predilectas y
8 Este concepto de mapa referencial de escucha, es una propuesta que utilicé para el análisis de
carátulas de álbumes y logotipos de las bandas en la escena mexicana de heavy metal, en la conferencia “Iconografía del heavy metal en México. Mapas de escucha”, presentada en el Ciclo de
Conferencias de la Fonoteca del Instituto Nacional de Antropología e Historia (Inah).
136
Iconografia musical na América Latina
experimentar la catarsis social, colectiva e individual de las complejas y cruentas
realidades que se viven en el estado, derivadas de la desigualdad social. Como
vimos, las características estéticas de carteles y bardas son un reflejo del carácter
autogestivo de su economía, pero también de una ideología asentada en la austeridad de los eventos, reflejo de la marginalidad social de la entidad.
Referencias
EN LA PERIFERIA. Dirección: Alberto Zúñiga RodríguezCiudad de México:
Sinestesia Ads, Media & Films, Asamblea para la Cultura y la Democracia A.C.,
CONACULTA, 2016. 1 DVD (7 min). Documentário.
(LOS) ESTADOS con mayor desempleo y más informalidad. Forbes, México, 12 ago.
2016. Disponible en: https://www.forbes.com.mx/los-estados-mayor-desempleomas-informalidad/. Acceso en: 2 sept. 2018.
GARCÍA, Jacobo. Estado de México, capital del feminicidio. El País, Madrid,
15 May 2017. Disponible en: https://elpais.com/internacional/2017/05/15/
mexico/1494869255_010650.html. Acceso en: 1 sept. 2018.
GARZA, de la Alejandro. Breve historia pre-rupestre. In: PANTOJA, Jorge (coord.).
Rupestre, el libro. Ecatepec, MEX: Ediciones Imposible: CONACULTA, 2013.
GONZÁLEZ, Rodrigo. El manifiesto rupestre. Ce Caudata, [México], 16 oct. 2017.
Disponible en: https://cecaudata.wordpress.com/ 2017/10/16/el-manifiestorupestre/. Acceso en: 11 nov. 2018.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTADÍSTICAS Y GEOGRAFIA – INEGI. Estado de
México. México, 2018a. Disponible en: http://cuentame.inegi.org.mx/mapas/pdf/
entidades/div_municipal/mexicompioscolor.pdf. Acceso en: 2 sept. 2018.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTADÍSTICAS Y GEOGRAFIA – INEGI. Incidencia
delictiva. México, 2018b. Disponible en: http://www.beta.inegi.org.mx/temas/
incidencia/. Acceso en: 1 sept. 2018.
ITINERARIO. Banda Rockera: la revista. [S. l.], 13 nov. 2015. Disponible en: https://
canalonce.mx/itinerario/?p=20049. Acceso en: 11 nov. 2018.
MARTÍNEZ, Laura. Música y cultura alternativa: hacia un perfil de la cultura
rock mexicano de finales del siglo XX. Puebla: Universidad Iberoamericana
Puebla, 2013.
Aproximación a contextos marginales del rock en el estado de México...
137
NIEVES, Alfredo. Iconografía del heavy metal en México. Mapas de escucha.
Conferencia presentada en La estirpe olvidada. Antropología e historia del rock
en México. Ciclo de conferencias de la Fonoteca del INAH, Escuela Nacional de
Antropología e Historia, 28 marzo 2017.
PEZA, María de la. El rock mexicano: un espacio en disputa. Ciudad da México:
Universidad Autónoma Metropolitana, 2013.
138
Iconografia musical na América Latina
El personaje del Pilatos en el ritual
dancístico-musical del Palo Volador
Eco de la representación iconográfica
de la población afromestiza en México
Erika Salas Cassy
1 Introducción
El estudio de las prácticas musicales de los esclavos africanos
en Nueva España me ha llevado a la revisión de diversas fuentes
para la localización de evidencias que me ayuden a esclarecer
qué influjo tuvo este sector de la sociedad en diversas prácticas músico-culturales en México. El análisis de las fuentes
iconográficas ha sido de gran utilidad puesto que han arrojado
testimonios de las diversas representaciones que se han hecho
a lo largo de la historia de la población negra en México.
De las primeras fuentes de iconografía musical que llamaron mi atención fueron dos biombos pertenecientes al
siglo XVII que en su programa iconográfico contienen una
representación de un personaje con máscara y guantes de
“negro”. Me refiero a El Palo Volador del Museo de América en
Madrid y El desposorio de indios y el palo volador del Los Angeles
139
County Museum of Art. Estos biombos además de mostrar una imagen de un
personaje caracterizado de “negro”, la integran al ritual prehispánico del Palo
Volador. Después de un estudio de la historia del ritual y dichos biombos realicé
un artículo para demostrar cómo la teatralidad popular insertó al personaje
de “negrito escénico” en el ritual músico-dancístico de la Danza de Voladores.
(SALAS CASSY, 2016)
Posteriormente, al continuar con la pesquisa del personaje, me percaté que
éste volvía a hacer aparición en testimonios posteriores del siglo XX y actuaciones
actuales. La intención del presente artículo es demostrar la continuidad y cambios
hasta nuestros días de un personaje de la danza de voladores caracterizado con
máscara que fue documentado desde el siglo XVII con los biombos mencionados
de Nueva España. Para este propósito, se realizará un seguimiento histórico de
este personaje con fuentes documentales y una etnografía actualizada.
2 La imagen del negro en el teatro
La tradición de actores de tez clara con máscaras o que se tiznaban la cara
para aparentar ser africanos estuvo muy arraigada en el Teatro del Siglo de Oro
español, convirtiendo a este personaje en un elemento estereotipado, donde el
“negrito” era el cómico y músico por excelencia. Baltazar Fra Molinero (1995)
realizó un profundo estudio sobre las características físicas, psicológicas y sociales
conformaron al personaje en España.
Por otro lado, de la Nueva España, hasta el momento, se desconoce la existencia fuentes provenientes del teatro donde se especifique este tipo de caracterización de negros. Se infiere que esta práctica se pudo haber realizado de la noticia
que menciona Joaquin Barruchi y Arana (2011, p. 26) en su estudio preliminar
del festejo que se le ofreció en el año 1756 a los marqueses de Amarillas en la
capital del virreinato en donde en una pieza teatral que se representó intervino
“una niña en traje de negrita”.
3 La imagen del negro en los biombos del palo volador
Los biombos analizados muestran una composición casi idéntica: un día de
fiesta donde se llevan a cabo actividades representativas de la misma. Cada
140
Iconografia musical na América Latina
sector de la sociedad novohispana se presenta con sus características propias
de vestimenta y actividades. En ambos los espectadores disfrutan de observar
juegos y danzas de un cariz prehispánico como el juego de pies,1 el mitote.2
Así mismo, son representadas actividades de la vida popular indígena como
los desposorios de indios, o la cultura del pulque con la representación de su
extracción, venta y consumo.
En el plano central de ambos biombos es representada la danza del Palo
Volador, conocida también como Danza de Voladores3 y a los pies de esta es
representado un personaje con máscara y guantes de “negro” que carga en su
mano derecha una guitarrita. La imagen que se le da a este personaje concuerda
con la del teatro donde el negro es músico. Todos los voladores están vestidos
a la usanza española con calzones, medias y mangas. En el biombo madrileño
(Imagen 1) todos portan máscaras de españoles y en el de Los Ángeles (Imagen 2)
sólo se observa a dos de los voladores con ellas.
1 Clavijero (1844, p. 407) describe este juego de la siguiente manera: “Echábase uno de espaldas
en tierra, y alzando los pies, sostenía en ellos una gruesa viga redonda y de ocho pies de largo.
Arrojábala a cierta altura y volvía a recibirla y sostenerla en los pies: a después la tomaba entre
los dos y la hacía girar violentísimamente”.
2 El Diccionario de la Lengua Castellana (1734, p. 579) define el mitote como una “especie de báile ù
danza, que usaban los indios, en que entraba gran cantidad de ellos, adornados vistosamente, y
agarrados de las manos, formaban un gran corro, en medio del qual ponían una bandéra, y junto
a ella el brebage, que les servia de bebida: y assi iban haciendo mudanzas al son de un tamboríl,
y bebiendo de rato en rato, hasta que se embriagaban y privaban de sentido”.
3 El Palo Volador fue un rito que se realizaba en Mesoamérica desde los tiempos de antaño “en
las fiestas estacionales de la agricultura, tanto al inicio como al final de la cosecha” (NÁJERA
CORONADO, 2008, p. 57), y se concebía como un ritual de fertilidad que tenía tres etapas,
todas ellas acompañadas por música y danza: el corte del árbol, el levantamiento del mástil y el
vuelo. Se conoce por fuentes virreinales que después de la conquista y con la evangelización el
ritual fue prohibido en varias ocasiones pero que después fue legitimado y permitido como parte
de las diversiones públicas, puesto que ya había perdido su significado ritual.
El personaje del Pilatos en el ritual dancístico-musical del Palo Volador
141
Imagen 1 – Anónimo, s. XVII, El palo volador, biombo, óleo sobre tela, 177 x 505 cm,
Museo de América, Madrid
Fuente: Museo de América, Madrid, España.
Imagen 2 – Anónimo, ca. 1690, El desposorio de indios y el palo volador, biombo, óleo sobre tela,
167.64 x 295.28 cm, Los Angeles County Museum of Art, Los Ángeles
Fuente: Los Angeles County Museum of Art, Los Ángeles, EUA.
142
Iconografia musical na América Latina
José Tudela (1946, p. 82), al respecto de estos biombos, indica que los participantes de esta representación “ya no son oficiantes, sino saltimbanquis” y no
portan “los trajes de ceremonia o de pájaro”, sino que “se visten de mascarada,
con trajes de soldados españoles, con cualquier careta, no con caretas rituales”.
Tudela (1946, p. 82) hace la observación que da fe de la inserción del personaje
con máscara de negro “el guitarrista, con una careta de negro, y el cuestor, que
recoge en una pandereta las dádivas del público”, ambos ubicados al pie del
mástil. La caracterización de los voladores con máscaras puede relacionarse con
la danza del volador de centro América descrita en 1690 por Francisco Antonio
Fuentes y Guzmán donde los voladores utilizan trajes de monos o trajes de terciopelo y mascaras de europeos barbudos, imitando la moda de España de la
primera mitad del siglo XVII, de esa manera representan seres de otra especie y
épocas ajenos a la comunidad. (NÁJERA CORONADO, 2008, p. 66)
4 El personaje con máscara de negro del siglo XX
La siguiente noticia que se tiene de un personaje carácterizado de negro en el
ritual del Palo Volador es hasta el año de 1936. Rodney Gallop registró que en la
fiesta del Cristo de Metepec, Hidalgo, en la variante otomí de la danza del volador
con seis voladores, a un personaje que se diferenciaba de los demás voladores ya
que llevaba ropa ordinaria y traía la cara tiznada, a este le llamaban “El Negrito”
(Imagen 3). Éste permaneció en el piso y su función dentro del ritual era la de
proteger al palo de las fuerzas demoniácas, para lo cual además llevaba consigo
una piel de cacomixtle y un látigo, según infiere Gallop (1936a, p. 83-84), su
uso servía para ahuyentar a las fuerzas negativas, con el fuerte olor de la piel del
cacomixtle y el sonido fuerte del látigo al golpearlo contra algún objeto.
El personaje del Pilatos en el ritual dancístico-musical del Palo Volador
143
Imagen 3 – Personaje del Negrito en la Danza de Voladores Otomí de Metepec, Hidalgo
Fuente: Gallop (1936a, p. 10).
En el mismo año de 1936, Gallop registra también la danza de los voladores
en la fiesta de Corpus Christi en Papantla, Veracruz y señala que eran nueve voladores pero que el tecomate, bastidor donde amarran las cuerdas para el descenso, era de forma cuadrada y que el Negrito era claramente remplazado por
un personaje llamado Pilatos (Imágenes 4 y 5), “llevaba una máscara de negro,
ropa ordinaria y un sombrero canotier de paja maltratado, y montado a horcajadas a un caballo de palo, sus payasadas atraían a él las burlas y las piedras de
todos los niños pequeños”. (GALLOP, 1939, p. 184) De acuerdo con Gallop,
después de los tocotines, danzas realizadas en el piso, cuatro de los voladores
incluyendo al Pilatos y un músico, subieron al palo y después de que el músico
bailara y tocara un son, los otros cuatro descendieron.
144
Iconografia musical na América Latina
Imágenes 4 y 5 – Personaje de Pilatos en la Danza de Voladores de Papantla, Veracruz en 1936
(vista general – izquierda; detalle – derecha)
Fuente: Gallop (1936b, p. 1).
Cincuenta años más tarde Perezdiego presenció la danza en Coatzintla,
Veracruz pueblo perteneciente también al Totonacapan. Señaló que después
del corte del árbol y al momento de dirigirse por las calles hasta la iglesia a las
9.30 a.m. durante todo el recorrido el pilatos o bufón del grupo fue haciendo
travesuras a los que se arremolinan a su paso y que iba montando un palo con
cabeza de armadillo con el que azuzaba tanto a niños como adultos. Mencionó
que al momento del vuelo
ha tomado parte el bufón o Pilatos, éste aprovecha su intervención para jugar
bromas, ya que mientras desciende junto con los demás voladores, este grita y
patalea, manifestaciones que la gente celebra de buena gana, no obstante que
este, algunas veces los moja con agua que ha llevado escondida entre sus ropas.
Y, claro está que en este acto no ha dejado su palo con cabeza de armadillo,
bastón cajita a diestra y siniestra. (PEREZDIEGO, 1968, p. 71)
De la misma manera que lo indicó Gallop, en esa ocasión el Pilatos portaba
una careta de negro hecha de madera y vestía con ropas comunes – pantalón,
camisa, saco o chamarra, sombrero o gorra. (PEREZDIEGO, 1968, p. 75 y 77)
El personaje del Pilatos en el ritual dancístico-musical del Palo Volador
145
5 Pilatos, el principal entre los voladores
He buscado información documental sobre la danza del volador actualmente y
realizado algunas visitas a los poblados donde Gallop mencionó que encontró
al personaje caracterizado con máscara de “negro”. En la Fiesta de El Señor de
Metepec ya no se tiene noticia de la práctica de la danza, según información documental (RIVAS PANIAGUA, 2008, p. 213) y lo que me comunicó José Celestino,
volador del pueblo de Santa Mónica, Hidalgo,4 la danza dejó de hacerse después
de un accidente mortal sufrido por uno de los voladores entre los años 1978,
1983 o 1985. Stresser-Péan (2013, p. 276) señaló que los voladores que llevaban
a cabo el ritual en Metepec pertenecían al Pueblo de Santa Mónica, por lo que
hice también una reciente visita y en esa comunidad sólo quedan tres voladores
de edad avanzada, de los cuales dos, entre ellos José Celestino y Constacio San
Juan me informaron que en su costumbre del Volador no utilizaban al “Negrito”
mostrado por Gallop y que para ellos tiene más bien la apariencia de un brujo.5
La búsqueda actual en la tradición otomí de la danza ritual del Palo Volador ha
resultado complicada puesto que en Metepec, Santa Ana Hueytlalpan y Santa
Mónica ha caído en desuso. Sólo en algunas comunidades aledañas como El
Bopo, Cerro Chico y El Aguacate se sigue realizando la danza durante el Carnaval.6
Por otro lado, en la tradición del Totonacapan, el personaje de Pilatos ha
llegado hasta la actualidad sólo con algunas modificaciones de la cuales resalta
el cambio de color de las máscaras que portan que ahora son de color roja y
rosa. En una descripción del ritual del año 2008 en San Lorenzo Tajín, Veracruz
se menciona que, en la ceremonia para llevar a cabo el corte del árbol, la gente y
los danzantes iban acompañados de dos Pilatos enmascarados (Imágenes 6 y 7):
uno representante del bien y otro del mal. (CABALLERO, 2008) De acuerdo con
Caballero (2008), dos ancianos, Genaro y Rosario, el primero con una careta
roja y barbada, y el segundo con una rosa, lisa y lampiña, también utilizan un
caballito de palo. Uno era complemento del otro y eran los encargados de pedir
4 Comunicación con José Celestino, volador de Santa Mónica el 21 de noviembre de 2016.
5 Entrevista con José Celestino y Constancio San Juan Valentín el 21 de noviembre de 2016.
6 Cada año estas comunidades hacen su Carnaval que incluye la danza del volador. Para el Carnaval
de Tenango de Doria, en Hidalgo, asisten los voladores de El Bopo y Cerro Chico para hacer la
demostración, por lo menos eso se tiene registrado en programa del Carnaval desde año 2015 y
en la presentación que presencié el 26 marzo de 2017.
146
Iconografia musical na América Latina
permiso al viejo del bosque, guiar la procesión a través de su maleza, encontrar
el árbol para el Palo Volador y encabezar la ceremonia junto a uno de los rezanderos. En esa ocasión, los Pilatos iniciaron la ceremonia con el son del perdón
para pedir al Kiwi Qolo – dueño del monte – permiso para el corte junto con la
ofrenda ritual consistente en incienso, aguardiente, tabaco, velas y comida. La
presencia de los pilatos servía para atraer las energías buenas y malas que se
presentaran en el lugar y con ello librarse de accidentes durante el ritual como
lo señaló Leocadio Hernández García. (VIDAL, 2008b)
Imagen 6 – Pilatos representante del bien cortando el árbol
Fuente: Vidal (2008a).
El personaje del Pilatos en el ritual dancístico-musical del Palo Volador
147
Imagen 7 – Pilatos representante del mal después de corte del árbol
Fuente: Vidal (2008a).
En otra descripción del rito de corte del árbol del mismo año se menciona
también la participación de un Pilato llamado Nazario Pérez García de 50 años
de edad, que llevó a cabo, junto con el caporal, la búsqueda del árbol e invocó
al pie del árbol al dios del monte para pedir permiso y perdón para cortar el Palo
Volador, colocando dos máscaras – la del Caporal y Pilato – en un altar junto
con tabaco, mezcal, copal y flores. (ACOSTA NIETO, [200-], p. 20)
Un elemento que ha permanecido en el personaje de Pilatos fue el de sus
travesuras ya que éstos hacían bromas mientras los hacheros daban a tirar el
árbol, diciéndoles: “creo que si fuera mujer le pegaría más duro”, entre otras
148
Iconografia musical na América Latina
cosas. (CABALLERO, 2008) El componente del buen humor es algo que se compartía en otras tradiciones del volador, según menciona Stresser-Péan ya que
entre los huastecos era común que le dieran un ambiente de fiesta a la ardua
tarea de transporte del palo, así mismo, durante el siglo XIX entre los nahuas de
Huauchinango durante en el vuelo, los danzantes llevaban un tipo de bastoncillos con los que trataban de golpearse unos a otros causando ilaridad entre
los espectadores. (STRESSER-PÉAN, 2016, p. 137) Todavía, Stesser-Péan (2016,
p. 197) señaló que en la danza del volador algunos elementos y personajes
pudieran ser suplementarios o poco esenciales, como es el caso de los danzantes
que se deslizan por las cuerdas y personajes como el “Negrito” de los otomíes que
deben permanecer al pie del palo. Acerca del Pilatos indica que evidentemente
fue un capricho surgido durante el siglo XX, cosa que se discutirá en seguida.
6 Funciones del personaje con máscara en el palo volador
En lo que corresponde a los biombos novohispanos, ninguna de las crónicas
de la época menciona a estos personajes. Sin embargo, el “negrito” que vemos
en las fuentes iconográficas puede dar testimonio de su prescencia como músico
al pie del palo. A decir de Gallop, los danzantes que permancían en el suelo son
encargados de cuidar el palo y a los voladores.
En Metepec él estaba allí para proteger al palo de las influencias demoniacas,
según lo refiere Gallop (1936a), el personaje del Negrito, puesto que tenía una
conexión con las fuerzas sobrenaturales, así mismo el que se pintara la cara de
hollín indica que buscaba ocular su rostro y transformarlo. En el libro El chamanismo y las técnicas acaicas del éxtasis, Mircea Eliade (2009, p. 143) menciona que
el tiznarse la cara es una práctica común entre algunos chamanes, quizá con el
propósito de disfrazarse frente a los espíritus, como un modo de defensa contra
ellos y una técnica elemental que persigue una integración mágica en el mundo de
los espíritus. El tiznarse el rostro es la técnica más sencilla de enmascararse. Así
mismo el uso del látigo y la piel de cacomixtle coincide con el perfil mencionado
por Eliade y fungen como elementos de protección. (ELIADE, 2009, p. 151) Por
otro lado, el uso de la máscara del Pilatos constituye, evidentemente, un elemento
de transformación por medio del cual el danzante toma otra identidad, la de
la máscara, la cual asume el mismo papel que el hábito del chamán. También
El personaje del Pilatos en el ritual dancístico-musical del Palo Volador
149
el uso de un caballito de palo, utilizado a manera de juego para transportarse
quizá, como señala Eliade (2009, p. 317), a otros planos.
En visitas recientes a voladores de nahuas de Huauchinango, totonacos
de Papantla y otomíes de la sierra de Hidalgo he podido indagar algunas de
las funciones de este personaje en el Ritual del Volador. En el totonacapan, el
Pilatos se considera el principal entre los voladores, aún antes que el caporal, él
que los dirige. Es el que pide permiso al Viejo del monte, es la encarnación del
Kiwi Qolo, sus bromas son con sentido de llamar la atención a la gente, para
darles alguna enseñanza positiva. El Pilatos nace con ese don, no es algo que
se enseñe, tiene la capacidad de comunicarse con las fuerzas de la naturaleza y
además también es sanador.7
Los otomíes de la sierra de Hidalgo son de la opinion que el Negrito mostrado
por Gallop se trata de un brujo, costumbre de algunas comunidades cercanas a
ellos. Por su parte, lo nahuas de Huauchinango consideran a estos personajes
intermediarios entre los danzantes y las fuerzas de la naturaleza, puesto que en
su tradición el músico al tocar es el encargado de comunicarse con el bosque,
el músico es el jefe de los danzantes y los cuida al momento del vuelo para que
todo salga bien, teniendo también capacidades para sanar.8
7 Comentarios finales
Por medio de un rastreo histórico se ha podido constatar la posible pervivencia
de un personaje incorporado por la teatralidad y fiesta popular en la danza del
palo volador. Las fuentes iconográficas novohispanas dan testimonio de la participación de un personaje con mascara de negro incorporado a una tradición
prehispánica. Su referencia en prácticas posteriores en el siglo XX lo describen
de manera más detallada en sus actividades y funciones dentro del ritual. A su
vez demuestran que existe una continuidad de la idea de un personaje gracioso,
parecido con la imagen del estereotipo del “negrito cómico”.
7 Comunicación con Asunción Genaro García, Pilatos en Papantla, Veracruz, y con Pablo Genaro
Vázquez, volador de la misma ciudad, el 2 de marzo de 2017.
8 Entrevista con Bulmaro Maldonado, Maestro volador de Huauchinango, Puebla, el 7 de agosto
de 2017.
150
Iconografia musical na América Latina
La importancia de este personaje queda demostrada con la función que
adquirió con su incorporación al ritual. Su presencia no fue algo casual o por
capricho, sino que se convirtió en parte fundamental en el desarrollo del mismo,
al ser el que cuida de cualquier accidente a los voladores. Sin duda hace falta
realizar más investigaciones de este tipo que nos permitan articular el pasado
mostrado con las representaciones novohispanas con el ritual actual. El uso de
estos testimonios en ambas direcciones pasado-presente nos puede ayudar a
entender nuestro pasado y presente etnográfico.
Referencias
ACOSTA NIETO, Anasella. Ceremonia ritual de los voladores, saber indígena.
Revista El Tequio: la Presencia Hecha Palabra, Los Angeles, año 1, n. 4,
p. 18-20, [200-].
BARRUCHI Y ARANA, Joaquin. Relación del festejo que a los marqueses de las amarillas
les hicieron las señoras religiosas del Convento de San Jerónimo (México, 1756). Edición de
Frédérick Luciani. Madrid: Iberoamericana, 2011.
CABALLERO, Jorge. Reviven tradición cosmogónica en Veracruz: el corte del Palo
Volador. La Jornada, México, 23 sept. 2008. Disponible en: http://www.jornada.
unam.mx/2008/09/23/index.php?section=espectaculos&article. Acceso em: 21
nov. 2016.
CLAVIJERO, Francisco Javier. Historia Antigua de Mejico y de su conquista: sacada de
los mejores historiadores españoles [...]. México: Imprenta de Lara, 1844.
DICCIONARIO de la lengua castellana, en se explica el verdadero sentido de las
voces [...]. Madrid: Real Academia de la Lengua Española, 1734.
ELIADE, Mircea. El chamanismo y las técnicas acaicas del éxtasis. México: Fondo de
Cultura Económica, 2009.
GALLOP, Rodney. Aerial Dances of the Otomis. Geograhical Maganize,
Londres, 1936a.
GALLOP, Rodney. Dancing on a sixty feet pole: a Mexican Indian Corpus Christi
game. The Illustrated London News, Londres, v. 100, n. 2615, 1936b.
GALLOP, Rodney. Mexican mosaic. Londres: London Faber and Faber, 1939.
MOLINERO, Baltasar Fra. La imagen de los negros en el teatro del Siglo de Oro. Madrid:
Siglo XXI de España Editores, 1995.
El personaje del Pilatos en el ritual dancístico-musical del Palo Volador
151
NÁJERA CORONADO, Martha Ilia. El rito del «palo volador»: encuentro de
significados. Revista Española de Antropología Americana, Madrid, v. 38, n. 1,
p. 51-73, 2008.
PEREZDIEGO, D’Poza. Danza de los voladores (Ama caguinilcan manzana) (los voladores
colocan la manzana). México: [s. n.], 1968.
RIVAS PANIAGUA, Enrique. Lo que el viento nos dejó: hojas del turruño hidalguense.
Pachuca. Hidalgo: Universidad Autónoma del Estado de Hidalgo, 2008.
RODRÍGUEZ VÁZQUEZ, Elías y Pascual Tinoco Quesnel. Grafftitis novohispanos de
Tepeapulco, Siglo XVI, México: Benemérita Universidad de Puebla, 2006.
SALAS CASSY, Erika. Iconografía como testimonio de la representación escénica
del “negro cómico” en la Nueva España. Cuadernos de Iconografía Musical, México,
v. 3, n. 1, p. 77-88, jun. 2016.
STRESSER-PÉAN, Guy. La Danza del Volador entre los indios de México y América central.
México: Fondo de Cultura Economica, 2016.
STRESSER-PÉAN, Guy. El Sol-Dios y Cristo: la cristianización de los indios
de México vista desde la Sierra de Puebla. México: Fondo de Cultura
Economica, 2013.
TORQUEMADA, Juan de. Segunda parte de los veinteiun libros rituales i monarchia
indiana: con el origen y guerras de los indios occidentales, de sus poblaciones,
descubrimientos... Madrid: Nicolas Rodriguez Franco, 1723.
TUDELA, José. El volador de los mejicanos. Revista de Indias, Madrid, v. 23, n. 7,
p. 71-88, 1946.
VIDAL, Rodrigo. Ejecutan el ritual del volador. In: GLEZ, Edgar. Blog
elfigaropozarica. [S. l.], 23 sept. 2008a. Disponible en: http://elfigaropozarica.
blogspot.com/2008/09/ejecutan-ritual-del-volador.html. Acceso en: 25
nov. 2016.
VIDAL, Rodrigo. Totonacos mostraron el esplendor de la ceremonia del permiso,
corte, arrastre y siembra del palo volador y el vuelo final. In: RUY. Blog Zona de
tolerancia: libertad de expresión en movimiento. Veracruz, MEX, 2008b. Disponible
en: http://tolerance-zone.blogspot.mx/2008_09 _01_archive.html. Acceso en: 25
nov. 2016.
WINFIELD CAPITAINE, Fernando. Patrimonio Cultural de Veracruz. México: Editora
de Gobierno del Estado de Veracruz de Ignacio de la Llave, 2005.
152
Iconografia musical na América Latina
Os acervos fotográficos dos arquivos
nacionais dos países de língua
portuguesa
Usos e usuários
Marcelo Nogueira de Siqueira
1 Introdução: a fotografia
A fotografia tornou-se uma das maiores formas de registro
da contemporaneidade, em virtude da facilidade promovida
pelo avanço tecnológico, dos usos cada vez mais variados e da
forma como ela se consolidou socialmente, constituindo-se em
um documento presente em arquivos pessoais e institucionais
e promovendo novas estratégias de organização e recuperação
da informação desses acervos. Os arquivos nacionais são
instituições notadamente normatizadoras em seus âmbitos.
Portanto, compreender como eles agem em relação a esses
acervos pode indicar como as demais instituições de seus
países estão trabalhando. A Comunidade de Países de Língua
Portuguesa (CPLP) é composta por nações que tiveram uma
mesma matriz administrativa e cartorial, porém possuem
realidades demográficas, culturais e econômicas distintas,
153
servindo como um campo empírico que pode oferecer abordagens diversas.
O objetivo deste trabalho é verificar se os arquivos nacionais da CPLP possuem
acervos fotográficos e como eles são disponibilizados ao usuário. A metodologia utilizada será a revisão bibliográfica, a verificação dos sítios eletrônicos e
da base de dados e a observância do uso de redes sociais por essas instituições.
Os resultados evidenciam o distanciamento entre o trabalho desenvolvido e a
necessidade contemporânea de novos usos e usuários de imagens fotográficas.
Surgida na primeira metade do século XIX, a fotografia tornou-se, em poucos
anos elemento presente em nosso cotidiano sociocultural, primeiramente como
arte, depois como artefato afetivo e, em seguida, como objeto de registro,
ganhando aura de documento com as coberturas jornalísticas de guerras e conflitos, no início do século XX, e de fonte histórica, com a Escola dos Annales, em
França, na década de 1920. (BURKE, 2004) Seu valor de prova como fato acontecido passou a ser objeto da crítica histórica e as informações que ela evidenciava
a passaram a ser entendidas como intenção, tanto de quem a registrava como
de quem a observava (MAUAD; LOPES, 2012), transformando a fotografia em
imagem/documento e, ao mesmo tempo, em imagem/monumento. (LE GOFF,
1984) Nas décadas de 1960 e 1970, surge dentre os arquivistas a noção de que a
fotografia, assim como outros documentos não textuais, pudesse integrar fundos
arquivísticos. (ROUSSEAU; COUTURE, 1998) Com o surgimento do universo
digital e suas possibilidades quase infinitas, a fotografia banalizou-se. Nos primeiros anos do século XXI, com a consolidação da web, as novas tecnologias de
comunicação e o advento das redes sociais, a imagem fotográfica multiplicou-se
em quantidade e qualidade, tornando-se onipresente em nossas vidas.
Para Sontag (2004), fotografar é apropriar-se da coisa fotografada, pois fotos
fornecem um testemunho. Dubois (2012) reforça a importância do contexto
de produção quando afirma não ser possível compreender a fotografia fora de
seu ato de produção. Para Flusser (2002), as fotografias significam conceitos
programados que visam passar mensagens específicas a seus receptores. Bauret
(1992) afirma que a vemos por toda parte, sem entendê-la em sua integridade.
Borges (2008) diz que a fotografia introduziu um novo tipo de ver e dar a ver a
diversidade do mundo moderno. Kossoy (2007) propõe uma reflexão sobre a
representação e o fato, o aparente e o oculto, o documento e a memória. Gaskell
(1992) destaca o uso de imagens na pesquisa histórica como forma sofisticada
na contribuição de uma visão do passado.
154
Iconografia musical na América Latina
A fotografia tornou-se uma das maiores formas de registro da contemporaneidade, em virtude da facilidade promovida pelo avanço tecnológico, em que
cada pessoa portadora de um smartphone tornou-se um fotógrafo em potencial,1
do compartilhamento promovido pelas redes sociais, dos usos cada vez mais
variados e da forma como ela se consolidou culturalmente, constituindo-se em
um documento presente em arquivos pessoais e institucionais e promovendo
reflexões sobre as formas de organização, processamento técnico e disponibilização da informação, como estratégias para atender novas e velhas demandas
de um público utilizador cada vez mais amplo e plural.
2 Os arquivos
Enquanto instituições, os arquivos existem desde as primeiras civilizações orientais – sumérios, egípcios, assírios e babilônios –, servindo como local de guarda
de preceitos religiosos, normas e leis. Durante a Antiguidade Clássica (Grécia e
Roma), os arquivos continuaram vinculados ao Estado, mas a nobreza, a alta
burocracia e os cidadãos de posses passaram a usufruir de seus serviços notariais,
sendo que o direito romano, devido à importância do ato escrito, atribuiu maior
relevância ao documento custodiado pelo arquivo, pois é ele que lhe conferia
autenticidade. Após o colapso do Império Romano, a fragmentação da Europa
e a consolidação da Igreja Católica, os arquivos passaram a se limitar às autoridades feudais e à própria Igreja. (BELLOTTO, 2002)
Com o advento do Estado moderno e a centralização do poder, surgiram os
grandes arquivos reais e os notariais passaram a ser mais organizados, sendo o
uso desses arquivos restritos às questões jurídicas e administrativas. No século
XVII, uma série de disputas entre ordens religiosas sobre seus acervos documentais
produziu obras referenciais que deram início à constituição da “diplomática”,
ciência que estuda as características extrínsecas do documento conferindo-lhe
veracidade (TOGNOLI, 2014) e que viria a ser a gênese da arquivologia. Com
a Revolução Francesa de 1789, surge a ideia de um arquivo geral da nação,
como elemento de identidade e unidade nacional e promovendo a reunião da
documentação oficial dispersa para ser organizada segundo critérios de origem
1 Estima-se que, na primeira década do século XXI, o número de aparelhos celulares cresceu de 750
milhões para mais de 5 bilhões. (SCHMIDT; COHEN, 2013)
Os acervos fotográficos dos arquivos nacionais dos países de língua portuguesa
155
(proveniência) e de respeito à ordem original de sua produção (estrutura orgânica e funcional). Além disso, esse novo modelo de arquivo nacional promoveu
certa liberdade para o cidadão na consulta de informações administrativas.
(SILVA, 1999)
Na segunda metade do século XIX, surge, nos arquivos, a pesquisa realizada
por historiadores no contexto da história positivista, em que o valor dado às
informações contidas em documentos de arquivo era a base e praticamente
única referência para análise. (SIQUEIRA, 2017) Somente nesse momento que
surgiram nos arquivos as primeiras salas destinadas à consulta, evidenciando
a natureza hermética e excludente dos arquivos até então. No final daquele
século, foi editado o Manual dos Arquivistas Holandeses, obra que sistematiza o
fazer arquivístico e que é percebida por muitos autores como marco inaugural
da disciplina arquivística.
Durante o século XX, sobretudo no pós-guerra, desenvolveu-se o aperfeiçoamento dos arquivos correntes, ligados à administração pública e privada,
sobretudo pela consolidação do capitalismo e da forte expansão econômica
americana, que provocaram a chamada “explosão documental”. Em paralelo, os
arquivos históricos, ligados à pesquisa e à cultura, ganharam um novo estatuto,
devido às novas formas de se pensar e se fazer história e com a crescente noção
de preservação e salvaguarda da memória, fomentada por organismos como a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)
e o Conselho Internacional de Arquivos (CIA). A partir desse momento e de forma
contínua, outros tipos de documentos, como as fotografias, filmes, registros
sonoros e outros, foram sendo incluídos no rol dos documentos arquivísticos.
No final do século XX e início do XXI, surgiram novas abordagens no pensar
e fazer arquivístico, refletindo a necessidade de compreensão sistêmica da
informação e atribuindo maior importância ao usuário. As novas tecnologias, o
universo digital e a necessidade de gerenciar e otimizar uma crescente e variada
produção documental, bem como de atender a novos e múltiplos usuários,
fizeram com que os arquivos e suas práticas buscassem outras formas e possibilidades de produção, processamento, preservação, acesso, uso e difusão da
informação.
156
Iconografia musical na América Latina
3 O processamento técnico de documentos de
arquivo e da informação arquivística
O processamento técnico pode ser compreendido como o conjunto de atividades de identificação, classificação, arranjo, descrição e conservação de documentos de arquivo e informações arquivísticas, conforme o Dicionário Brasileiro
de Terminologia Arquivística (2005).
As atividades elencadas nessa definição referem-se a funções específicas
dentro do universo arquivístico, promovendo o desenvolvimento de outras atividades sequenciais. A identificação acontece no momento em que o documento
passa a fazer parte do conjunto documental, através de sua criação ou de sua
entrada, através de recebimento ou acumulação. A classificação deriva da função
ou atividade que o documento desempenha em virtude de sua criação, acontecendo após a definição de um plano de classificação, elaborado de acordo com
a estrutura e funções do produtor. É a partir da classificação que o processo
de avaliação do documento se inicia, resultando em sua eliminação ou guarda
permanente.
Os documentos que, por motivos legais ou de valor histórico-cultural, forem
avaliados como de guarda permanente serão organizados na forma de arranjo,
que deveria ter o plano de classificação como referência. Após essa organização,
os documentos e seus conjuntos – fundo, seções, séries e dossiês – serão descritos de forma multinível, para que o usuário possa compreender seu contexto
de produção e suas relações orgânicas com outros documentos e conjuntos.
Na descrição arquivística, se elencam as características de conteúdo e de forma,
mas também as de função e atividade, já explicitadas no quadro de arranjo, se
bem elaborado. Na prática arquivística, a indexação deriva da descrição, sendo
parte de um mesmo processo de recuperação e disponibilização da informação.
A conservação de documentos, apresentada como última etapa sequencial
do processamento técnico, deve ser planejada em todas as outras etapas.
Atualmente, tem – se preferido a utilização do termo “preservação”, que é mais
abrangente e completo.
Os acervos fotográficos dos arquivos nacionais dos países de língua portuguesa
157
4 A fotografia enquanto documento de arquivo
Documento de arquivo, conforme o CIA em sua Norma Geral Internacional
de Descrição Arquivística, é a “informação registrada, independentemente de
forma ou suporte, produzida ou recebida e mantida por uma instituição ou
pessoa no decurso de suas atividades públicas ou privadas”. (CONSELHO
INTERNACIONAL DE ARQUIVOS, 2000)
Tal definição possui duas características que merecem destaque, uma explícita
e outra implícita. A primeira diz respeito à forma e a suporte do documento, que
pode ser de qualquer tipo; e a segunda remete à estrutura orgânico-funcional,
pois o documento de arquivo é aquele que se insere e se enquadra no decurso
das atividades da instituição ou pessoa. Portanto, a fotografia se enquadra perfeitamente na categoria de documento de arquivo caso ela tenha sido produzida
em virtude de atividade específica e inerente de seu produtor e guarde relações
orgânicas com outros documentos desse mesmo produtor. A fotografia de
identificação de um funcionário é um documento de arquivo para a empresa a
que esse funcionário pertence, da mesma forma que a fotografia de um evento
dessa empresa constante de um relatório ou de uma obra que ela está realizando.
Como foi observado, a fotografia só foi percebida como documento de
arquivo há poucas décadas e, mesmo assim, dificilmente a encontramos inserida
em planos de classificação, da mesma forma que são raras as instituições que a
classificam conforme sua função ou atividade. Essa situação levou o Conselho
Nacional de Arquivos, órgão responsável por definir a política nacional de
arquivos no país, conforme a Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991, a criar a
Resolução nº 41, de 9 de dezembro de 2014, que dispõe sobre a inserção do
documento fotográfico e de outros documentos não textuais em programas
de gestão de documentos arquivísticos dos órgãos e entidades integrantes do
Sistema Nacional de Arquivos, visando sua preservação e acesso.
Se, teoricamente, a fotografia já foi entendida como possível documento de
arquivo, sua percepção enquanto tal raramente acontece (SIQUEIRA, 2016),
optando-se, por desconhecimento ou por pretensas facilidades, por um tratamento não arquivístico de sua informação, desmembrando-a de seu conjunto
e promovendo a perda de seu contexto e organicidade.
Todavia, a gigantesca produção atual de fotografias por instituições e pessoas,
o compartilhamento, a difusão e o uso crescente dessas imagens incitaram uma
158
Iconografia musical na América Latina
ampla reflexão de como classificar, descrever, indexar e oferecer a informação
a um usuário cada vez mais dinâmico e plural. A fotografia contém múltiplas
camadas de informação, podendo atender a necessidades distintas de diversos
tipos de usuários. A classificação e a descrição arquivística de documentos
fotográficos podem oferecer ao usuário apenas parte de um amplo espectro
informacional, contido em camadas, perceptíveis ou não, que ultrapassam o
sentido orgânico funcional. Caberá ao arquivista e ao profissional da informação
o entendimento que o usuário contemporâneo é cada vez mais assimétrico e
mutável, tanto em seu perfil como em suas necessidades.
Outras percepções, abordagens complementares e formas interativas e colaborativas de disponibilização da informação possibilitariam novos usos para
novos e antigos usuários.
5 A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
e seus arquivos nacionais
Conforme afirmado anteriormente, por serem os arquivos nacionais instituições normatizadoras em seus âmbitos, a compreensão de como eles agem
pode indicar como as demais instituições de seus países estão desenvolvendo
suas atividades. Além disso, como os arquivos nacionais possuem o caráter de
identidade e pertencimento, podemos entender de que forma tais instituições,
representantes do Estado, valoram a importância de seus acervos e de sua disponibilidade ao cidadão.
A CPLP, criada em 1996, é composta por nações que tiveram uma mesma
matriz administrativa, burocrática e cartorial, porém possuem realidades demográficas, culturais e econômicas distintas, servindo como um campo empírico que
poderá oferecer compreensões diversas, sobretudo por seus contextos históricos
e políticos, colaborando para uma análise da representatividade de um arquivo
nacional e de como a fotografia vem sendo percebida por essas instituições.
Os nove países da CPLP estão situados em quatro continentes diferentes e
correspondem a mais de 7% do espaço terrestre do planeta (COMUNIDADE
DOS PAÍSES DE LINGUA PORTUGUESA, [200-]), com uma população de cerca
de 280 milhões de habitantes. O português é o quinto idioma mais falado
no mundo, o terceiro mais falado no hemisfério ocidental e o mais falado no
Os acervos fotográficos dos arquivos nacionais dos países de língua portuguesa
159
Hemisfério Sul da Terra, sendo um dos idiomas oficiais da União Europeia e do
Mercado Comum do Sul (Mercosul). (LÍNGUA..., [200-]) A seguir, os países que
compõem a CPLP (Quadro 1).
Quadro 1 – Países da CPLP
País
Continente
Constituição vigente
Angola
África
1975
Brasil
América do Sul
1988
Cabo Verde
África
1992
Guiné-Bissau
África
1984
Guiné-Equatorial
África
Não informado
Moçambique
África
1990
Portugal
Europa
1976
São Tomé e Príncipe
África
2003
Timor-Leste
Ásia
2002
Fonte: elaborado pelo autor com base em dados da Comunidade dos Países de lingua Portuguesa
([200-]).
Podemos verificar que todos os países possuem constituições novas, que não
ultrapassam 50 anos de vigência, demonstrando uma adequação político-administrativa recente, oriundas de rupturas institucionais ou de redemocratização.
6 Metodologia
A pesquisa iniciou-se pela revisão de literatura, fornecendo elementos para
uma análise conceitual do tema em questão, bem como dos conceitos que
permeiam esta pesquisa, estabelecendo uma base teórica na qual os resultados
foram fundamentados. Em seguida, foram identificadas as nações da CPLP,
foi verificada a existência de arquivos nacionais nesses países, se eles possuíam
documentos fotográficos em seus acervos e como estes eram processados tecnicamente e disponibilizados ao usuário, sobretudo na possibilidade de visualização e usos on-line. Foram observados seus sítios eletrônicos, bases de dados
e realizada uma pesquisa na web para constatar a existência de redes sociais
desses arquivos nacionais.
160
Iconografia musical na América Latina
7 Resultados
Verificou-se a existência de arquivos nacionais em todos os integrantes da
CPLP, com exceção de Guiné-Equatorial, último país a ingressar na CPLP e que
tem o português como terceiro idioma. Em Guiné-Bissau, não há um arquivo
nacional específico, e sim um conjunto de fundos e coleções documentais
chamados de Arquivos Históricos Nacionais, ligados ao Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas (Inep). Em Portugal, o Arquivo Nacional da Torre do
Tombo é subordinado à Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas, sendo
um dos arquivos de âmbito nacional da rede portuguesa de arquivos, mas, de
acordo com os parâmetros desta pesquisa, por sua história e relevância e por ter
semelhanças como as demais instituições arquivísticas nacionais, foi escolhido
como elemento de comparação.
Foi constatado que, dos oito arquivos nacionais existentes, sete possuem
sítio eletrônicos, pois o Arquivo Nacional de Angola não possui. Os Arquivos
Históricos Nacionais do Inep de Guiné-Bissau possuem suas informações no
portal Casa Comum, pertencente à Fundação Mário Soares, de Portugal, que
almeja a constituição de uma comunidade de arquivos de língua portuguesa.
O Arquivo Nacional de Timor-Leste não possui um sítio eletrônico propriamente dito, mas apenas uma página eletrônica do WordPress.
Quadro 2 – Arquivos Nacionais dos membros da CPLP
País
Instituição
Sítio eletrônico
Sigla
Angola
Arquivo Nacional de Angola
-
ANA
Brasil
Arquivo Nacional
www.arquivonacional.gov.br
AN
Cabo Verde
Arquivo Nacional de Cabo Verde
www.arquivonacional.cv
ANCV
Guiné-Bissau
Arquivos Históricos Nacionais – Inep
www.casacomum.org
AHN
Guiné-Equatorial
–
-
GE
Moçambique
Arquivo Histórico de Moçambique
www.ahm.uem.mz
AHM
Portugal
Arquivo Nacional da Torre do
Tombo
www.antt.dglab.gov.pt
ANTT
São Tomé e Príncipe
Arquivo Histórico de São Tomé e
Príncipe
www.ahstp.org
AHSTP
Timor-Leste
Arquivo Nacional de Timor-Leste
www.arntl.wordpress.com
ANTL
Fonte: elaborado pelo autor.
Os acervos fotográficos dos arquivos nacionais dos países de língua portuguesa
161
Em seguida, foi pesquisado se os referidos arquivos nacionais dispunham
de bases de dados on-line. Os arquivos nacionais de Angola e Timor-Leste não
possuem, enquanto os arquivos de Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe utilizam o portal Casa Comum para suas bases de dados. Os arquivos do Brasil,
Cabo Verde, Moçambique e Portugal possuem bases de dados on-line próprias.
Verificou-se, através de pesquisa pela internet, se os referidos arquivos nacionais possuíam redes sociais, pois se entende que tais meios são importantes
ferramentas de difusão do acervo e contato com o usuário, sobretudo no que
diz respeito aos documentos fotográficos. Os arquivos nacionais de Angola,
Guiné-Bissau e de São Tomé e Príncipe não possuem redes sociais e o Arquivo
Nacional de Timor-Leste possui uma fanpage no Facebook, que é seu principal
canal de comunicação e informação. Os arquivos nacionais de Cabo Verde e
Moçambique também possuem fanpages no Facebook. Os arquivos nacionais
do Brasil e de Portugal possuem suas fanpages no Facebook e disponibilizam
imagens no Pinterest, sendo que o Arquivo Nacional do Brasil também possui
conta no Twitter.
Todos os arquivos nacionais dos membros da CPLP possuem documentos
fotográficos em seus acervos. Entretanto, não foi possível averiguar se o Arquivo
Nacional de Angola possui acervo fotográfico em virtude da não existência de
sítio eletrônico e também porque não foi localizado seu endereço de correio
eletrônico.
Os acervos fotográficos dos arquivos nacionais de Moçambique e do Timor-Leste não estão disponíveis em seus sítios eletrônicos. Estão disponíveis, em
parte, os documentos fotográficos dos arquivos nacionais do Brasil, Cabo Verde,
Guiné-Bissau, Portugal e São Tomé e Príncipe.
Destes países, apenas Brasil e Portugal descrevem suas fotografias de acordo
com a Isad-G, do CIA.2 Os demais países apresentam catalogações de fotografias
selecionadas, sem a devida preocupação com o contexto orgânico. Também
não há a utilização de indexação ou a possibilidade de interação entre usuário
e instituição.
A maior parte do acervo fotográfico dos referidos arquivos nacionais é constituída de fotografias de cunho histórico, retratando solenidades, autoridades e
2 No caso do Brasil, a norma utilizada é a Norma Brasileira de Descrição Arquivística (Nobrade),
que é uma adaptação da Isad-G.
162
Iconografia musical na América Latina
aspectos do país. São fotografias de viés jornalístico e, sobretudo, oficias, sendo
a grande maioria de imagens de algumas décadas atrás. Existem fotografias
de natureza privada e coleções. A disponibilização dessas imagens nos sítios
eletrônicos, bases de dados ou em redes sociais desses arquivos nacionais se
constitui como uma forma de divulgação do acervo, pois quase sempre a imagem
fornecida é apenas uma amostra de um conjunto maior.
Um dado relevante percebido foi a inexistência de outras formas de recuperação da informação dos acervos fotográficos dos referidos arquivos nacionais.
Quadro 3 – Acervos fotográficos e formas de disponibilização
Sigla
Possui acervos
fotográficos
Possui base de
dados on-line
Possui redes sociais
Disponibilização on-line de
acervo fotográfico*
ANA
–
Não
Não
–
AN
Sim
Sim
Sim
Sim
ANCV
Sim
Sim
Sim
Sim
AHN
Sim
Sim**
Não
Sim
GE
–
Não
Não
–
AHM
Sim
Sim
Sim
Não
ANTT
Sim
Sim
Sim
Sim
AHSTP
Sim
Sim**
Não
Sim
ANTL
Sim
Não
Sim
Não
Fonte: elaborado pelo autor.
* Nenhum arquivo nacional pesquisado disponibiliza na íntegra seu acervo fotográfico de forma
on-line, disponibilizando apenas fotografias representativas do acervo.
** Os Arquivos Históricos Nacionais de Guiné-Bissau e o Arquivo Histórico de São Tomé e
Príncipe utilizam a base de dados do portal Casa Comum para disponibilizar as informações de
seus acervos.
8 Conclusão
No século XXI, a imagem fotográfica banalizou-se, sobretudo pelas novas
tecnologias de registro e comunicação, que permitiram o acesso quase universal
aos meios de fotografar, compartilhar e consumir imagens, fazendo com que a
fotografia se tornasse “natural” em nossas relações sociais. Contudo, embora
tão presente em nossas vidas, a fotografia ainda guarda sua aura de espelho, de
fantasia, não daquilo que é real, mas daquilo que almejamos que fosse, através
Os acervos fotográficos dos arquivos nacionais dos países de língua portuguesa
163
da intenção clara do objeto retratado, do cenário escolhido, do momento desejado e do recorte produzido. As palavras “espelho” e “especulação” derivam
de um mesmo ramo etimológico, fazendo-nos repensar a ideia de espelho não
como aquilo que reflete o real, mas aquilo que especulamos que fosse, o que
traça uma interessante analogia com a relação que temos com a fotografia, as
maneiras como a interpretamos.
O usuário do documento fotográfico busca informações por vezes despercebidas pela instituição que a preserva e disponibiliza, pois tais documentos não
possuem apenas a informação administrativa, jurídica, probatória ou histórica.
A fotografia carrega em si elementos afetivos, de memória, culturais, ideológicos
e que até mesmo podem representar diversão e lazer para seu público utilizador.
Quando de sua criação, a fotografia é contexto, pois ela fixa o acontecimento,
paralisando de forma ilusória e intencional a ação registrada. É o momento do
recorte e da parcialidade do produtor, sendo sua criação destinada para seu
usuário específico. Em seguida, a fotografia torna-se representação, repleta de
lembranças, afetividades e sentimentos. É o momento de construção e reconstrução da memória, criando outros contextos para seu produtor e para os usuários. Há ainda uma terceira dimensão, que é a dos usos e reusos, quando novas
abordagens, interpretações e intenções ganham contornos definidos e atribuem
novos valores e significados à fotografia. Panofsky (1979) enumera em três os
níveis a observação de uma fotografia, sendo o primeiro como uma descrição
(pré-iconográfico), o segundo como análise (iconográfico) e o terceiro como
uma interpretação (iconológico).
A fotografia possui diversas camadas de informação, que se sobrepõem, se
interagem, se complementam e não se excluem, podendo atender a demandas
variadas de um público diverso. Entretanto, o tratamento arquivístico dessas
imagens precisa ser planejado para atender a esses múltiplos usos e usuários,
que surgem e se transformam em virtude das possibilidades tecnológicas que
vão modificando e moldando a maneira de se comunicar e de se consumir
informação visual.
Se entende-se que as tecnologias da informação progrediram em uma velocidade sem precedentes, oferecendo oportunidades para que novos usuários
se beneficiem do conteúdo informacional dos arquivos, imagina-se que novas
formas de pensar os arquivos e de oferecer informações além do óbvio devem
estar na agenda das instituições arquivísticas, sobretudo as nacionais.
164
Iconografia musical na América Latina
Pode-se verificar, com esta pesquisa, que, embora a fotografia já faça parte
do cotidiano de nossas instituições arquivísticas, o modelo de tratamento e disponibilização desses acervos ainda está baseado na relação vertical instituição-usuário, deixando este último como um consumidor passivo da informação
visual oferecida.
As instituições arquivísticas pesquisadas são as de maior representatividade
em seus países, servindo como orientador de práticas e modelos a serem adotados pelas outras instituições de suas esferas de competência. Notadamente,
muitos dos arquivos nacionais pesquisados não dispõem de infraestrutura,
pessoal e de apoio governamental para o desenvolvimento e aprimoramento
de seus serviços. Contudo, algumas ações demandam muito mais iniciativas de
cunho operacional e aquelas que dependem de aparato tecnológico não são de
difícil implementação, nem requerem grandes investimentos.
Novas formas de disponibilização da informação e de interação com o usuário
poderão otimizar o acesso, o uso e a difusão desses acervos. O uso de ontologias
e da folksonomia nos arquivos poderá representar uma significativa melhora
nos processos de recuperação da informação e disponibilização das mesmas.
No caso das ontologias, especificação formal, explícita e partilhada de uma
conceituação (SIMÕES, 2008), que se estrutura em domínios do conhecimento,
é possível que elas colaborem na representação do contexto e na estrutura de
um arquivo, além de auxiliar na disseminação da informação arquivística. (LUZ,
2016) A folksonomia é uma forma de indexar informações a partir de palavras
comumente utilizadas pela comunidade, que irá se utilizar dessas informações
e que poderá participar desse processo atribuindo marcadores ou tags. Nesse
processo colaborativo, integrado e interativo, a relação instituição-usuário tende
a ser horizontal e dinâmica, facilitando a recuperação e disponibilização da
informação, para além daquela comumente oferecida.
A utilização de novas formas de organização, recuperação e disponibilização
da informação visual em arquivos, na forma de instrumentos de pesquisa multifacetados, sobretudo os de interface digital, não deve ser pensada como uma
negação aos preceitos arquivísticos ou excludente à sua prática e teoria, e sim
como uma forma de aprimorar seus serviços, que, em última análise, têm no
usuário seu objetivo, sendo que, no caso dos arquivos nacionais, os usuários
são o Estado e a sociedade.
Os acervos fotográficos dos arquivos nacionais dos países de língua portuguesa
165
Referências
BAURET, Gabriel. A fotografia: história, estilos, tendências, aplicações. Lisboa:
Edições 70, 2011.
BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivística: objetos, princípios e rumos. São Paulo:
AARQ-SP, 2002.
BORGES, Maria Eliza Linhares. História & fotografia. Belo Horizonte:
Autêntica, 2008.
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: EdUSC, 2004.
COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LINGUA PORTUGUESA. Estados-Membros.
[S. l.], [200-]. Disponível em: https://www.cplp.org/id-2597.aspx. Acesso em:
28 fev. 2018.
CONSELHO INTERNACIONAL DE ARQUIVOS. ISAD (G): Norma Geral
Internacional de Descrição Arquivística. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2000.
CONSELHO NACIONAL DE ARQUIVOS. Resolução nº 41, de 9 de dezembro
de 2014. Dispõe sobre a inserção dos documentos audiovisuais, iconográficos,
sonoros e musicais em programas de gestão de documentos arquivísticos dos
órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Arquivos - SINAR, visando
a sua preservação e acesso. Diário Oficial da União: seção, n. 240, p. 30, Brasília,
DF, 11 dez. 2014.
DICIONÁRIO brasileiro de terminologia arquivística. Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, 2005.
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 2012.
FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma filosofia da fotografia.
Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002.
GASKELL, Ivan. História das imagens. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história:
novas perspectivas. São Paulo: Ed. UNESP, 1992. p. 237-271.
KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. Cotia: Ateliê
Editorial, 2007.
LE GOFF, Jacques. Enciclopédia Einaudi: volume 1: memória – história. Lisboa:
Imprensa Nacional: Casa da Moeda, 1984.
166
Iconografia musical na América Latina
LÍNGUA portuguesa. In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. [S. l.: s. n.], [200-].
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_portuguesa. Acesso
em: 28 fev. 2018.
LUZ, Charlley dos Santos. Ontologia digital arquivística: interoperabilidade e
preservação da informação arquivística em sistemas informatizados de arquivos
e na web. 2016. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Escola de
Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.
MAUAD, Ana Maria; LOPES, Marcos Felipe de Brum. História e fotografia. In:
CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (org.). Novos domínios da História.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 263-281.
PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 1979.
ROUSSEAU, Jean-Yves; COUTURE, Carol. Os fundamentos da disciplina arquivística.
Lisboa: Dom Quixote, 1998.
SCHMIDT, E.; COHEN, J. A nova era digital. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013.
SILVA, Armando Malheiro da et al. Arquivística: teoria e prática de uma ciência da
informação. Porto: Edições Afrontamento, 1999.
SIMÕES, Maria da Graça. Da abstração à complexidade formal: relações conceptuais
num tesauro. Coimbra: Almedina, 2008.
SIQUEIRA, Marcelo Nogueira de. A fotografia como fonte histórica e documento
arquivístico: a evidência e o registro. In: BRITO, Luciana Souza de (org.). Ensaios
teórico-práticos em Arquivologia. Rio Grande: Editora FURG, 2017. p. 75-96.
SIQUEIRA, Marcelo Nogueira de. Reflexões sobre o fazer e o pensar arquivístico
relativo aos documentos audiovisuais, iconográficos e sonoros. In: SOTUYO
BLANCO, Pablo; SIQUEIRA, Marcelo Nogueira de; VIEIRA, Thiago de Oliveira.
Ampliando a discussão em torno de documentos audiosivisuais, iconográficos, sonoros e
musicais. Salvador: Edufba, 2016. p. 29-45.
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
TOGNOLI, Natália Bolfarini. A construção teórica da diplomática: em busca da
sistematização de seus marcos teóricos como subsídio aos estudos arquivísticos.
São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014.
Os acervos fotográficos dos arquivos nacionais dos países de língua portuguesa
167
O dueto angélico da catedral e a
passagem da Belle Époque
em Aracaju (SE)
Thais Fernanda Vicente Rabelo Maciel
1 A Catedral de Aracaju: breve histórico
A Catedral Metropolitana de Aracaju, em Sergipe (SE), construída no último quartel do século XIX, abriga na parede do
altar central uma pintura expressivamente mariana. As cenas
principais – Assunção e Coroação da Virgem Maria – são ladeadas
por um dueto angélico que, com serenidade, enriquece os
acontecimentos com a dimensão musical. A pintura em
questão exalta também a forte devoção mariana da Diocese
de Aracaju, consagrada à Imaculada Conceição. O ato advém
da Coroa Portuguesa, que, em 25 de março 1646, consagrou
o reino de Portugal e domínios à Imaculada Conceição de
Maria. Séculos depois, quando foi inaugurada a Igreja Matriz
de Aracaju, manteve-se a padroeira da região. (LIVRO..., 1949,
fl. 7) Este estudo é continuação de uma pesquisa anterior1 e,
1 Versão ampliada do texto apresentado no 3º Congresso Brasileiro de
Iconografia Musical, realizado em Salvador, Bahia, no mês de julho de
2015, e que foi merecedor do Prêmio RIdIM-Brasil 2015.
169
para além de apresentar uma análise iconográfica e organológica do dueto
angélico, desta vez, observa também, e mais propriamente, sua relação com a
passagem da Belle Époque, que, na cidade de Aracaju, teve como protagonista
a missão artística italiana.
Aracaju foi projetada com a intenção de substituir a cidade de São Cristóvão
na função de capital de Sergipe. A mudança da capital se deu em 1855.
A construção de um templo católico que suprisse a necessidade do mais novo
centro urbano do Estado fazia-se urgente. O prédio da antiga Matriz de Aracaju
começou a ser erigido em 1856 durante o governo provincial de Joaquim Jacinto
de Mendonça. De acordo com Costa (1968, p. 1): “[...] em virtude da urgência no
levantamento da referida igreja, foi alterada a sua primeira planta, admitindo-se
um plano mais leve e rápido para atender às necessidades religiosas e urgentes
da população da nova Capital”. Por questões políticas, assumindo o governo
da nova capital o então barão de Estância, Antônio Dias Coelho, as obras que
haviam sido suspensas foram retomadas, porém com grandes alterações no
projeto. Sob direção do engenheiro Pedro Pereira de Andrade e tendo passado
nessa segunda fase de construção por grandes dificuldades e várias interrupções e
incidentes, a Matriz de Aracaju foi finalmente inaugurada no dia 22 de dezembro
de 1875 (COSTA, 1968), sob as benções do cônego José Luiz Azevedo, terceiro
vigário da paróquia.
2 Uma nova catedral: processo de modernização de Aracaju
A estrutura da matriz não agradou a todos os aracajuanos e não se estabilizaria no século XIX. Em 1910, por ocasião da criação da Diocese de Aracaju,
a matriz foi elevada à categoria de catedral, conforme se observa na bula papal
Divina disponente clementia:
E por isso, usando do poder a Nós e a Santa Sé Apostólica reservado, em Letras
Apostólicas, seladas com o plúmbico sêlo que tem por início ‘Ad Universas
Orbis Eclesias’, dados no dia 27 de abril, do ano do Senhor de 1892, tendo de
começar livremente a nova circunscrição das dioceses na República Brasileira
enquanto bem poder no Senhor, e suprindo, enquanto necessário, ao consenso
dos a quem interesse ou presumam lhes interessem, com a mesma autoridade
Apostólica, estatuímos que o território do Estado civil chamado Sergipe se deve
desapegar, e determinamos que nesse mesmo território se deve constituir uma
170
Iconografia musical na América Latina
episcopal e própria Séde. Por modo próprio e de ciência certa, e com a plenitude
do poder apostólico, da arquidiocese de S. Salvador da Bahia desmembramos e
desligamos para sempre todo o território que presentemente constitue o Estado
civil de Sergipe e que ora faz parte da mesma arquidiocese de S. Salvador e tem,
segundo o último recenseamento, quatrocentos e cincoenta mil habitantes; e
perpetuamente a erigimos em diocese e erecta a declaramos, devendo-se denominar – Diocese de Aracaju. Além disso, na cidade vulgarmente denominada
Aracaju, e que é a capital do mesmo Estado civil de Sergipe, constituímos a
Séde e Cátedra Episcopal da nova diocese de Aracaju; e a igreja que ali é dedicada à Imaculada Conceição da Bem aventurada Virgem Maria levantamo-la
e elevamo-la à honra e dignidade de Catedral constituímos essa diocese assim
erecta sufragânea da igreja metropolitana de S. Salvador da Bahia e submetemos o seu Bispo e os seus sucessores no ofício ao direito metropolitano do
mencionado Arcebispo de S. Salvador. (LIVRO..., 1949, fl. 19v-20v)
Em princípios da década de 1920, no governo de José Joaquim Pereira Lobo
(1864-1933), a jovem capital passaria por um processo de urbanização, semelhante ao que ocorrera em outras cidades do Nordeste brasileiro no mesmo
período. O projeto de urbanização/modernização de Aracaju, além de ser
consequência das comemorações do Centenário da Emancipação Política de
Sergipe, que se dariam no ano de 1920, reflete a imigração italiana no Nordeste
brasileiro naquele período. (CAPPELLI, 2010)
No aspecto artístico, essa busca pela modernização testemunha a influência
da Belle Époque através do pensamento artenovista. Jeferson da Cruz (2014)
explica que Aracaju também recebera ecos da Belle Époque inspirada pela
capital federal, o Rio de Janeiro. Segundo o autor, o movimento que caracterizou
mudanças no comportamento das grandes cidades tinha como modelo os novos
costumes que se apresentavam na Europa, sobretudo nas classes elitizadas. Esse
movimento de modernização se manifesta no Brasil a partir de meados do século
XIX – sobretudo no reinado de D. Pedro II – e se estende até a década de 1930,
ganhando maior impulso nos primeiros 20 anos do novo século. Esse processo
de modernização tinha a França como principal referência, mas, no Brasil, foram
os italianos os maiores responsáveis por tais transformações arquitetônicas e
artísticas nos principais centros do país.
De acordo com Cenni (2003), a vinda da missão francesa ao Brasil – após
a chegada da Família Real ao país – despertou a vinda de artistas de diversos
centros da Europa. Alguns mais afoitos, inclusive, para cá vieram à procura de
sucesso financeiro ou em busca de aventurar-se. Esses artistas, com tendências
O dueto angélico da catedral e a passagem da Belle Époque em Aracaju (SE)
171
estilísticas diferentes entre si, viriam também a aprimorar o ambiente artístico
no Brasil. A característica desses artistas é também destacada por Cenni quando
explica que, no período em questão – finais do século XIX e início de século XX –,
os pintores que obtiveram maior êxito foram os que trabalhavam com pintura
de parede, decorações de igrejas e de salões, não se investindo tanto pinturas
em tela, por exemplo. Em razão disso, quando a procura pelos pintores “de
cavalete” retornou, os pintores de interiores tentaram a todo custo preencher
essa lacuna, mas sem as devidas condições, salvo exceções como Antonio Rocco,
De Servi, Ferrigno, Alfredo Norfini, Oreste Sercelli e outros poucos. (CENNI,
2003) Sercelli trabalhou também em Aracaju, junto à missão italiana, como
será visto mais adiante.
Segundo Cruz (2016, p. 26), a Belle Époque foi um movimento entre séculos
e seu desenvolvimento se deu em meio a uma época marcada pela dualidade
entre um período degenerado (o pós-Primeira Guerra) e a esperança de prosperidade e recomeço.
Depois do término da guerra tornou-se moda chamar os anos que a precederam de Belle Époque e confundir esse período com fin de siécle, como se os dois
tivessem sido um só. [...] Mas a Belle Époque que só foi assim chamada quando
se olhou em retrospectiva através de cadáveres e ruínas, representa os dez anos
e pouco antes de 1914. Esses também tiveram seus problemas, mas foram anos
relativamente robustos, otimistas e produtivos. O fin de siècle o tinha precedido:
uma época de depressão econômica e moral, recebendo muito menos a alegria
ou esperança. (WEBER, 1988 apud CRUZ, 2016, p. 26, grifo do autor)
É importante destacar que, na primeira década do século XX, Aracaju ainda
não se configurava um centro urbano, pois apresentava ainda muitas carências
e um aspecto geral rudimentar. Nesse sentido, as transformações advindas com
os ventos da Belle Époque seriam muito bem-vindas. (CRUZ, 2014) Esse processo de modernização da jovem capital, como fora chamado, se deu de forma
pontual. Foram remodelados prédios como: catedral metropolitana, palácio do
governo, além da igreja matriz da cidade de Estância. A iniciativa de remodelação
de Aracaju partiu da nobreza local. O governo, em função na administração de
Pereira Lobo, contratou profissionais italianos que se encontravam em Salvador.
Ao tratar da reforma do palácio do governo, atualmente Palácio Museu
Olímpio Campos, o historiador Urbano Lima Neto (1962, p. 92) explica:
172
Iconografia musical na América Latina
Não tendo sido aceita nenhuma proposta [...], a concorrência pública na
administração antecedente, resolveu o Governo trazer a Sergipe uma equipe de
artistas italianos que naquela época se encontrava na Bahia: Belando Belandi,
arquiteto e escultor; Oresti Cercelli, arquiteto e pintor; Bruno Cercelli, pintor;
Oresti Gatti, escultor, fundidor e pintor; Fiori, fundidor e Frederico Gentil, que
trabalhava em serviços de assentamento. Este último, o único sobrevivente
ainda entre nós, a quem devemos essas informações.
Muitos aracajuanos mais abastados aproveitaram a presença dos italianos
contratados pelo governo para a remodelagem dos prédios públicos e remodelaram também suas residências. Assim, a Belle Époque também se evidenciou
na cidade através das casas suntuosas em moldes europeus. De acordo com
Maciel (2012, p. 29):
Nesta segunda década do século XX, por conseguinte, ocorreu um processo
de modernização, a jovem capital ganhou ares de cidade, dotada de infra e
superestrutura e embelezamento urbano e arquitetônico; a equipe da ‘Missão
Italiana’ atualizou a arquitetura de bens públicos e privados, motivando a disseminação do eclético e seus elementos historicistas através de colagens e reapropriações – nas arquiteturas civis de menor porte – do que era moderno, no
sentido de atual à época.
A busca pela modernização revelou “o anseio de fazerem parte de uma
civilização pautada em costumes refinados oriundos da Europa (mais especificadamente na França), no caso de algumas cidades brasileiras, a exemplo
de Manaus, Belém, Fortaleza, Natal, Recife, Salvador, Franca (SP), São Paulo,
Rio de Janeiro e Aracaju”. (CRUZ, 2016, p. 19) No caso específico de Aracaju,
é possível notar esse pensamento de busca pela modernização em meios de
comunicação da época, como no Correio de Aracajú, jornal favorável ao governo:
“‘dia a dia caminha fulgurante na larga estrada do progresso e da civilisação’, ‘A
cidade de Aracajú prospera e florescente capital do futuroso Estado do norte’,
‘Comprehendendo a necessidade de que a civilisação, já em grao tão adiantado
para a sociedade daquelle Estado’”. (CRUZ, 2016, p. 140)
A catedral passaria também por essa remodelação, que muito alteraria em
sua estrutura original. De acordo com Maciel (2012) e com o relatório elaborado
para a mais recente tentativa de restauro do prédio, as produções artísticas que
a Catedral de Aracaju abriga são de autoria do mestre italiano Oreste Gatti e
do seu discípulo Rodolpho Tavares. Deve-se destacar o nome de Oreste Gatti,
O dueto angélico da catedral e a passagem da Belle Époque em Aracaju (SE)
173
cuja assinatura consta nas duas principais cenas representadas na parede do
altar principal, que consistem em objeto deste estudo.
No entanto, as informações sobre Gatti são escassas. Sabe-se que o artista
italiano trabalhou também nas pinturas internas do palácio do governo e da
então Igreja Matriz de Estância – atual Catedral de Estância (SE) – e que tanto
ele quanto Frederico Gentil fixaram residência em Aracaju em razão de a cidade
ter-se mostrado favorável. (CRUZ, 2016, p. 143) Gatti teria permanecido em
Sergipe até sua morte, em 1943, que teria ocorrido antes mesmo da inauguração
de seu último trabalho: a obra da Igreja Matriz de Estância. (BARRETO, 2004)
As obras da Catedral de Aracaju só seriam inauguradas no dia 10 de novembro
de 1946, com grande festa, em missa solene celebrada pelo então bispo diocesano, D. José Tomaz Gomes da Silva – primeiro bispo da Diocese de Aracaju.
(LIVRO..., 1949, fl. 108) A seguir, observamos a construção original no século
XIX (Figura 1) e o edifício remodelado, já no século XX (Figura 2).
Figura 1 – Matriz de Aracaju, século XIX
Fonte: Brito Filho (2009).
174
Iconografia musical na América Latina
Figura 2 – Catedral de Aracaju remodelada, primeiro quartel do século XX
Fonte: Brito Filho (2009).
O novo prédio possui estilo eclético, conservando algumas características do
estilo neoclássico, presente na construção original do século XIX e apresentando
agora também características do neogótico (ARQUIDIOCESE DE ARACAJU,
2011) após a remodelação. No que se refere aos elementos artísticos e ornamentais da catedral já remodelada, observa-se predomínio do estilo neogótico
tanto na arquitetura quanto na pintura parietal. Abóbodas ogivais delineiam
o teto do templo.
O dueto angélico da catedral e a passagem da Belle Époque em Aracaju (SE)
175
3 Iconografia do altar-mor: comunicação do sagrado
Obra do pintor italiano Oreste Gatti,2 o altar-mor da referida catedral apresenta ricas imagens figurativas, bem como elementos decorativos que retratam
o tema mariano. A parede central apresenta um arco em estilo neogótico,
pontiagudo. Detalhes e arabescos contornam e preenchem o templo. Apesar
do predomínio do elemento neogótico na pintura parietal, as cenas representadas na parede central afastam-se do padrão, enfatizam o aspecto eclético da
construção e mostram-se mais características do neoclássico, com formas mais
simples e claras. No centro inferior da parede central, em um declive côncavo,
está representada a Assunção de Maria aos céus. No topo da mesma parede, Oreste
Gatti retratou a coroação da Virgem Maria no céu. As duas cenas encontram-se
assinadas pelo pintor italiano. Em meio a essas cenas, estão retratados os dois
anjos músicos, um à esquerda e outro à direita. Não são iguais. Envolvidos cada
qual em uma moldura circular, cada um deles toca um instrumento musical. Em
volta dessas três cenas distintas, observam-se no teto, também em abóbodas,
vários arabescos. O imaculado coração se repete como elemento decorativo no
teto. Nas paredes laterais, foram pintadas a figura de São Pedro, à esquerda
– segurando uma chave e olhando para o alto –, e a de São Paulo, à direita –
segurando uma pena e uma espada. Ambos estão envoltos em moldura circular
semelhante à dos anjos. Os tons de cinza, azul e marrom se sobressaem na
pintura parietal (Figura 3).
2 As fontes divergem quanto à escrita do nome do pintor italiano. Cenni (2003) e Maciel (2012)
referem-se à Oreste Gatti, mas Lima Neto (1962) escreve Oresti Gatti. Na ausência de autógrafo
do pintor, optamos, neste trabalho, por adotar a grafia como Oreste Gatti.
176
Iconografia musical na América Latina
Figura 3 – Oreste Gatti. Teto da Catedral de Aracaju. Trompe-l’oeil (cerca de 1930)
Fonte: Rabelo (2015 p. 361).
Na cena da Assunção (Figura 4), Maria, olhando para frente, encontra-se
envolta em nuvens. Em torno da Imaculada, estão 13 anjos, como figuras infantis.
Circulam a Imaculada com alegria, sustentando também ramos de flores campestres. Parece encontrar-se em momento lúdico, evocando a ideia de ternura
na cena, mais do que de solenidade. Abaixo, os observadores contemplam o
acontecimento com admiração e espanto. Personagens idosos, adultos, jovens e
uma criança representam a comunidade primitiva de cristãos. Dois dos homens
dirigem toda sua atenção ao que aparenta ser um túmulo – onde a Virgem se
encontrava. Um deles aponta para o túmulo e outro olha com espanto. Os
demais têm seus olhos voltados para cima. Alguns acenam como que em despedida. O cenário é bucólico. O céu é claro, mas torna-se mais escuro do centro
da representação para cima, dando ideia de profundidade à pintura. Essa ideia
de profundidade também é reforçada pela parede côncava que recebe a cena.
Na parte superior da parede central, Gatti pintou a Coroação de Maria (Figura 5),
corroborando com a sequência cronológica dos acontecimentos compreendidos na tradição cristã católica. A Virgem, ao centro, com as mesmas vestes da
pintura anterior – trajes em azul e bege e o manto dourado –, segurando lírios
na mão direita, é coroada pela Trindade Santa. Deus Pai segura com a mão
esquerda o mundo e Deus Filho, com a mão direita, sustenta a cruz, enquanto
o Espírito Santo, figurado como pomba, situa-se acima. Estão sobre as nuvens.
A forma como Maria é representada nessa cena também faz alusão à Imaculada
Conceição, não apenas pelos trajes, mas pelos lírios, que representam a pureza.
A coroa denota sua majestade sobre céu e terra.
O dueto angélico da catedral e a passagem da Belle Époque em Aracaju (SE)
177
Figura 4 – Oreste Gatti. Assunção de Maria. Afresco (cerca de 1930)
Fonte: Rabelo (2015, p. 362).
Figura 5 – Oreste Gatti. Coroação de Maria. Afresco (cerca de 1930)
Fonte: Rabelo (2015, p. 363).
178
Iconografia musical na América Latina
A devoção a Maria como Imaculada Conceição advém dos primeiros séculos
do cristianismo. No entanto, a Imaculada Conceição de Maria só seria definida
como verdade de fé, pelo papa Pio IX, no dia 8 de dezembro de 1854, por meio
da carta apostólica Ineffabilis Deus. (PIO IX, 1854, p. 597-619) Além deste, outro
dogma mariano aparece claramente representado no altar-mor da catedral:
a Assunção de Maria, declarada pelo papa Pio XII na constituição apostólica
Munificentissimus Deus (1950), definindo que a Virgem Maria foi assunta ao céu
de corpo e alma. Essa ideia se havia mantido viva através da tradição da Igreja.
As duas verdades de fé encontram-se interligadas.
De fato esses dois dogmas estão estreitamente conexos entre si [...] Mas Deus
quis excetuar dessa lei geral a bem-aventurada virgem Maria. Por um privilégio
inteiramente singular ela venceu o pecado com a sua concepção imaculada; e
por esse motivo não foi sujeita à lei de permanecer na corrupção do sepulcro,
nem teve de esperar a redenção do corpo até ao fim dos tempos. (PIO XII,
1950)
A ligação entre ambos os dogmas também se observa na pintura da parede
central. Em breve descrição da cena da Assunção de Maria, destacamos a figura
principal, da própria. A figura se mostra em trajes semelhantes ao da Imaculada,
afirmando a tentativa de representar os dois dogmas marianos na mesma cena,
mantendo-se a imagem da padroeira em túnica bege e manto azul claro, com
um manto sobre a cabeça em dourado – indicativo de sua assunção gloriosa.
O detalhe nas vestes segue um padrão já observável em outras pinturas ao longo
da história, a exemplo da Imaculada do Escorial (Figura 6), pintada por Bartolomé
Esteban Murillo (1617-1682). É importante mencionar que, antes da remodelação da Catedral de Aracaju, uma cópia da Imaculada de Murillo ocupava a
parede do altar central. Obra do pintor sergipano Horácio Hora (1853-1890),
a pintura da Imaculada Conceição nunca foi amplamente aprovada pelos fiéis
católicos por ser de tamanho desproporcional ao altar e pouco original. Após
a remodelação do templo, o quadro foi retirado da parede do altar e, desde
então, anexado à parede da sacristia (Figura 7).
No que se refere às cenas do altar-mor, pode-se dizer que, em contraste com
a decoração anterior à remodelação, as cenas retratadas por Gatti apresentam
muito mais detalhes e ênfase, pois reforçam a imagem da padroeira em eventos
O dueto angélico da catedral e a passagem da Belle Époque em Aracaju (SE)
179
muito importantes para a tradição da Igreja. As cenas trazem imponência à
figura da padroeira e, em consequência, ao prédio a ela dedicado.
Figura 6 – Bartolomé Esteban Murillo. Imaculada do Escorial (1660-1665).
Óleo sobre tela, 206 x 144 cm. Museu del Prado, Madrid
Fonte: Imaculada ([20--]).
180
Iconografia musical na América Latina
Figura 7 – Horácio Hora. A Virgem de Murillo. Óleo sobre tela (1877)
Fonte: produzida pela autora (2018).
Ao tratar da arte decorativa nas igrejas ainda na Idade Média, Gombrich
(2000, p. 176) explica que, nesse contexto, a palavra “decorar” é enganadora.
“Tudo o que pertencia à Igreja tinha sua função definida e expressava uma ideia
precisa, relacionada com os ensinamentos da Igreja”. Evidentemente, no período
abordado pelo autor, essa catequese por meio da arte fazia-se necessária à Igreja,
considerando que grande parte dos fiéis não era alfabetizada. Portanto, à arte
sacra se conferia também um valor de evangelização. Voltando às representações marianas da Catedral de Aracaju, podemos afirmar que há também nelas,
ainda que de maneira intrínseca, uma catequese – uma catequese afirmativa do
dogma da Imaculada Concepção de Maria.
O dueto angélico da catedral e a passagem da Belle Époque em Aracaju (SE)
181
4 Os músicos angélicos
Entendidos como seres espirituais segundo a doutrina da Igreja Católica, os
anjos, ou mensageiros de Deus, são figuras muito recorrentes na iconografia
cristã ao longo da história. A forma como foram representados modificou-se ao
longo do tempo. Didron (1886) explica que a representação imaterial dos anjos
nos manuscritos antigos foi, no Ocidente, dando lugar a uma representação
material, de figura humana e real. Na Idade Média, os italianos os representariam
como figuras infantis, enquanto que, posteriormente, seriam representados como
homens crescidos, quase envelhecidos, conforme manuscritos franceses, alemães
e ingleses. Com o passar do tempo, a figura do anjo vai se tornando cada vez
mais humanizada no Ocidente. (DIDRON, 1886) É justamente a humanização
da figura angélica que nos aproxima da relação entre os mensageiros de Deus
e a música.
De maneira discreta, mas não menos importante, estão dois anjos músicos
que ladeiam a cena da Assunção. Ambos apresentam fisionomia infantil. O anjo
à esquerda de quem observa possui uma túnica em tom bege, próximo ao róseo.
Está de pé, com a perna levemente inclinada para melhor apoiar o instrumento
que executa. Seu olhar compenetrado dirige-se unicamente para o braço do instrumento. É necessário ressaltar o cuidado do pintor para com a postura do músico
angélico que graciosamente dedilha seu instrumento de cordas, com braços
bem dispostos sobre o mesmo. O anjo em questão encontra-se encostado em
um longo cortinado verde. Aos pés, muitas flores. Quanto ao ambiente, nota-se
que Gatti se preocupou em detalhá-lo também na representação dos anjos. O
solo é terroso e, ao fundo, há um monte arroxeado. O céu é representado em
tons pastéis roseados, como que no crepúsculo, conforme se observa na Figura 8.
O anjo à direita (Figura 9) está vestido em uma túnica azul, encostado
também em um longo e espesso cortinado verde, no mesmo tom que o anterior.
Ao fundo da imagem, o solo é terroso, os montes arroxeados, como que distantes, e o céu também de crepúsculo. Esse anjo toca também um instrumento
de cordas – neste caso, friccionadas. Seu olhar está voltado para o instrumento.
Está como que sentado. É também relevante notar o cuidado do pintor para
com a postura do músico que cuidadosamente executa seu instrumento. Seus
braços roliços posicionam-se com precisão.
182
Iconografia musical na América Latina
Figura 8 – Oreste Gatti. Anjo músico situado à esquerda do altar-mor. Afresco (cerca de 1930)
Fonte: Rabelo (2015, p. 364).
Figura 9 – Oreste Gatti. Anjo à direita do altar-mor. Afresco (cerca de 1930)
Fonte: Rabelo (2015, p. 365).
Do ponto de vista organológico, a representação iconográfica dos instrumentos não é precisa. No entanto, em estudo anterior, chegou-se à conclusão
de que os instrumentos tocados pelo dueto angélico são um bandolim, tangido
cuidadosamente pelo anjo à esquerda – instrumento de cordas pinçadas, de
pequeno porte, semelhante ao alaúde, com caixa acústica de fundo abaulado, braço reto com inclinação na parte das cravelhas, sem trastes –, e de um
O dueto angélico da catedral e a passagem da Belle Époque em Aracaju (SE)
183
violoncelo, tangido pelo anjo à direita – também com cordas friccionadas, a afinação em quatro cordas presas ao pequenino estandarte e o braço reto, paralelo
às cordas e sem trastes. Com caixa de ressonância estreita, o instrumento possui
também um espigão em madeira. A nível performático, observamos a postura
tradicional de arco para violoncelo, com o arco segurado por cima. Trata-se,
portanto, de dois instrumentos presentes na tradição europeia.
5 Análise do conjunto iconográfico da parede central
A questão central da análise iconográfica sobre a pintura do altar central é
a relação entre o dueto angélico e a cena da Assunção de Maria. Apesar de, em
primeiro momento, não se apresentar claro, ambos integram o mesmo acontecimento. No entanto, os anjos ganham um destaque especial, sendo afastados da
cena central. Para uma melhor visualização, apresentamos as cenas aproximadas
na Figura 10, a seguir. As semelhanças entre a cena da Assunção e as cenas angélicas se expressam nos seguintes elementos: solo terroso, céu em tons pastéis e
montanhas arroxeadas, arranjos florais quase idênticos – aos pés dos anjos à
esquerda e sobre o túmulo, na Assunção –, a cor das vestes dos anjos e da própria
virgem – que podem fazer alusão ao manto da Imaculada – e o cortinado verde,
esclarecendo que os anjos participam da mesma cena.
Percebemos o motivo de ter o artista a preocupação de detalhar os ambientes
no qual estavam os músicos. Separando os anjos músicos da cena principal,
Gatti conseguiu não apenas enfatizar com maior detalhe – mais do que seriam
se estivessem imersos no plano do acontecimento –, mas também destaca elementos pictóricos intrigantes, como o cortinado verde, que, aparentemente, em
nada dialoga com a cena campestre e quase bucólica da Assunção. No âmbito
artístico e musical, é possível conjecturar que se trate de uma menção à ópera
italiana, herança italiana nas terras brasileiras, nesse caso intencionalmente
representada na parede da catedral. Assumindo a ideia de uma representação
dramática e musical, é possível compreender a razão do cortinado e dos anjos
afastados como que integrando o cenário da própria ópera, mas em planos
distintos. Entende-se também a possível razão de praticamente todos os personagens, apesar de indicarem movimento, estarem posicionados de frente para
quem observa. Também a escolha dos instrumentos afasta a ideia de uma solene
184
Iconografia musical na América Latina
sacralidade. Dessa forma, observa-se que a prática musical representada na
parede central se contrapõe aos sóbrios acordes produzidos pelos tubos do órgão
alemão, construído em 1881, instalado no coro da igreja desde que ainda era
matriz (RABELO, 2014, p. 81), mas não perde de vista os elementos europeus.
Figura 10 – Oreste Gatti. Anjos músicos (lado esquerdo e direito do altar)
e cena da Assunção de Maria. Afresco (cerca de 1930)
6 Considerações finais
O estudo sobre a pintura do altar central da catedral de Aracaju ultrapassou
os limites do iconográfico e revelou o encontro entre contexto histórico e social.
O olhar para as harmoniosas pinturas da catedral também ressaltou a passagem
da Belle Époque em Aracaju e a maneira como a cidade buscou, nas três primeiras décadas do século XX, assemelhar-se à cidade luz e aos grandes centros
do Brasil. As cenas retratadas na catedral colocaram em destaque a missão
artística italiana, protagonista da remodelação da cidade.
O dueto angélico da catedral e a passagem da Belle Époque em Aracaju (SE)
185
Os pincéis de Oreste Gatti conferiram ao templo católico maior riqueza de
detalhes e a sua personalidade artística. Apesar da falta de informações acerca
do referido artista, sua obra exprime leveza ao templo, através de semblantes
serenos, mesmo em meio aos acontecimentos grandiosos e também das tonalidades pastéis das cores utilizadas pelo pintor. Dessa maneira, entremeia-se às
pinturas uma sutil catequese mariana: a Imaculada Conceição, padroeira de
Aracaju, foi assunta ao céu e, em glória, foi coroada pela Trindade Santa (cena
culminante). Portanto, remontando a ideia da arte sacra como catequese, ainda
que não fosse sabido sobre a padroeira da cidade, a catequese mariana estaria
ali claramente figurada não apenas nas cenas principais, mas em diversos elementos decorativos espalhados por todas as paredes da igreja.
Na Catedral de Aracaju, os anjos tocam à Maria. Tocam música italiana
e, participando de uma “ópera sagrada”, fazem a Imaculada “subir ao céu”.
Conduzidos pelos contornos melódicos da Belle Époque, sua música exprime,
ainda que apenas simbolicamente, uma sonoridade viva e terna. Compenetrados
em seu fazer musical, testemunham a passagem da missão artística italiana
pelo estado de Sergipe e evidenciam a sensibilidade de um artista ainda pouco
estudado, mas que soube expressar sua arte com grande sutileza e sagacidade
em concordância com a delicadeza da cidade de Aracaju.
Referências
ARQUIDIOCESE DE ARACAJU. Catedral Metropolitana de Aracaju: restauração.
Aracaju: Secult, 2011.
BARRETO, Luís Antônio. Altenesch e Wladimir Preiss. Infonet, Aracaju, 12
nov. 2004. Disponível em: http://www.infonet.com.br/luisantoniobarreto/ler.
asp?id=25727&titulo=Luis_Antonio_Barreto. Acesso em: 17 jul 2015. Acesso em:
8 jul. 2015.
BRITO FILHO, José de Oliveira. Praça Olímpio Campos e Parque Teófilo Dantas.
In: Aracajuantigga. Aracaju, 16 set. 2009. Disponível em: http://aracajuantigga.
blogspot.com.br/2009/09/praca-olimpio-campos-e-parque-teofilo.html. Acesso
em: 26 maio 2015.
CAPPELLI, Vittorio. A Belle Époque Italiana no Rio de Janeiro: aspectos e histórias da
emigração meridional na modernidade carioca. Rio de Janeiro: EdUFF, 2015.
186
Iconografia musical na América Latina
CAPPELLI, Vittorio. La presenza Italiana in Amazzonia e nel Nordest del Brasile
tra Otto e Novecento. Maracanan, Rio de Janeiro, n. 6, p. 123-146, 2010.
CENNI, Franco. Italianos no Brasil: “andiamo in Merica”. 3. ed. São Paulo:
EdUSP, 2003.
COSTA, Carlos. Resenha retrospectiva: matriz de Aracaju. Aracaju, 1968. Arquivo da
Cúria Metropolitana de Aracaju.
CRUZ, Jeferson Augusto da. Uma mão de verniz sobre o Tabuleiro de Pirro: ecos
da Belle Époque em Aracaju (1918-1926). 2016. Dissertação (Mestrado em
História) – Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes, Universidade
Federal de Alagoas, Maceió, 2016.
CRUZ, Jeferson Augusto da. O Rio como exemplo: ecos da Belle Époque em
Aracaju - SE (1920-1926). In: ENCONTRO REGIONAL DE HISTÓRIA DA ANPUH
- RIO: SABERES E PRÁTICAS CIENTÍFICAS, 16., 2014, Rio de Janeiro. Anais [...].
Rio de Janeiro: Anpuh-Rio, 2014. p. 1-12.
DIDRON, Adolphe Napoleon. Christian iconography: the history of christian art in
the Midle Ages. London: William Clowes and Sons. 1886. v. 2.
ENCICLOPEDIA ilustrada de los instrumentos musicales: Todas las épocas y
regiones del mundo. 2. ed. Barcelona: Hf.Ullmann, 2011.
ENJUTO, Clemente Arranz. Cien Rostros de María: para la contemplatión. Madrid:
Paulus, 1998.
GOMBRICH, E. H. A história da arte. Tradução Cristiana de Assis Serra. Rio de
Janeiro: LTC, 2000.
GROUT, Donald J. PALISCA, Claude V. História da música ocidental. Lisboa:
Gradiva, 2007.
IMACULADA. In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. [S. l.: s. n.], [20--]. Disponível
em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Imaculada_-_Murillo.jpg. Acesso em:
20 maio 2015.
LIMA NETO, Urbano. O Palácio Olímpio Campos: 1855-1964. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de Sergipe, Aracaju, v. 26, p. 79-89, 1962.
LIVRO de tombo. Registros Históricos da Arquidiocese de Aracaju. Arquivo
Eclesiástico da Catedral Metropolitana de Aracaju, 1949.
O dueto angélico da catedral e a passagem da Belle Époque em Aracaju (SE)
187
LUPI, João. Porque os anjos são músicos? In: CONGRESSO DA SOCIEDADE
BRASILEIRA DE FILOSOFIA. MEDIEVAL: METAFÍSICA, ARTE E RELIGIÃO NA
IDADE MÉDIA, 13., 2013, Vitória. Anais [...]. Vitória: DLL/UFES, 2013.
MACIEL, Josinaide Silva Martins. Olhar aproximado para as residências Souza Freire E
Hora Oliveira: bens modernistas de interesse cultural. 2012. Dissertação (Mestrado
em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal
da Bahia, Salvador, 2012.
PINTO, Tiago de Oliveira. Som e música: questões de uma antropologia Sonora.
Revista de Antropologia, São Paulo, v. 44, n. 1, p. 222-286, 2001. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ra/v44n1/5345.pdf. Acesso em: 22 fev. 2014.
PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 1976.
PIO IX. Pii IX Pontificis Maximi Acta, Pars prima. Roma: Typographia Bonarum
Artium, 1854. v. 1.
PIO XII. Constituição Apostólica do Papa Pio XII: Munificentissimus Deus:
Sobre A Definição Do Dogma Da Assunção de Nossa Senhora em corpo e alma
ao céu. 1950. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/pius-xii/pt/apost_
constitutions/documents/hf_p-xii_apc_19501101_munificentissimus-deus.html.
Acesso em: 10 jul. 2015.
RABELO, Thais Fernanda Vicente. Os anjos músicos da catedral: estudo
iconográfico musical sobre a pintura do altar mor da Catedral de Aracaju (SE).
2015. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ICONOGRAFIA MUSICAL, 3., 2015,
Salvador. Anais [...]. Salvador: RIdIM-Brasil, 2015. p. 355-372.
RABELO, Thais Fernanda Vicente. Estudo histórico e organológico em torno do órgão
de tubos de Laranjeiras (SE). 2014. Dissertação (Mestrado em Música) – Escola de
Música, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2014.
188
Iconografia musical na América Latina
O ostensório e o coro angélico nos
fragmentos de pintura do teto da
sacristia da antiga Sé Primacial do Brasil1
Belinda Maria de Almeida Neves2
1 Introdução
A presente pesquisa iniciou-se durante as obras de restauração
da Catedral Basílica de São Salvador, antigo templo do colégio
dos religiosos da Companhia de Jesus na Bahia.3
Presentes na igreja em virtude de nossa pesquisa de doutoramento, tivemos acesso a cinco fragmentos de painéis com
pinturas religiosas, guardados nas dependências do templo.
1 O presente texto é uma versão revista e ampliada da comunicação apresentada durante o 4º Congresso Brasileiro de Iconografia Musical –
“Música, Imagem e Documentação na Sociedade da Informação”, que
foi merecedora do Prêmio RIdIM-Brasil 2017.
2 Doutoranda em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes da Universidade
Federal da Bahia (UFBA), sob orientação do Prof. Dr. Luiz Alberto Ribeiro
Freire. Bolsa de pesquisa Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da
Bahia (Fapesb).
3 A restauração ocorre desde 2015, realizada pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan) mediante recursos do Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC) – Cidades Históricas e Marsou
Engenharia.
189
Esses fragmentos foram anteriormente inventariados pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan),4 embora sem informações adicionais que
pudessem revelar a sua origem ou temática religiosa. Fomos, portanto, estimulados pelos profissionais que trabalham na obra de restauração a realizar alguns
estudos sobre o contingente com o intuito de analisar a sua possível origem e
temática, uma vez que os mesmos poderiam pertencer ao programa iconográfico
jesuítico para a igreja do Colégio da Bahia. Procedemos, então, a sua separação
e medição para início da investigação.
Figura 1 – Fragmentos de pintura religiosa nas dependências da Catedral Basílica de Salvador. Óleo
sobre madeira. Autoria desconhecida, [sem data]
Fonte: Neves (2016).
4 Iphan – Inventário Nacional de Bens Móveis e Integrados – Módulo VII – Salvador IV – Volume 88 –
Agosto/2003. O painel objeto de nosso estudo está inventariado com o número BA/03-0170.0499.
190
Iconografia musical na América Latina
2 O ostensório e o coro angélico
Como objeto principal de nosso estudo, evidenciamos o painel cuja pintura
apresenta um ostensório com um crucifixo na parte central, rodeado por seres
celestiais e anjos músicos, indicando a adoração ao Santíssimo Sacramento,
prática adotada pelas irmandades nas igrejas paroquiais após o Concílio de
Trento, com ênfase nos sacramentos da Igreja e na eucaristia.
A pintura foi realizada diretamente no suporte de madeira, em vinhático,5
sem base de preparação. Passou por intervenção anterior, possivelmente entre
1978 e 1995 (LEAL, 2002),6 pois apresenta enxertos na mesma tipologia de
madeira, além de visível reintegração cromática.
O tipo de ostensório retratado na pintura corresponde a uma tipologia utilizada no século XVII; exemplares da época podem ser apreciados no Museu de
Arte Sacra da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o que nos conduz a interpretar, nesse quesito, que a referida pintura seja do mesmo período, embora os
instrumentos musicais ali retratados complementem essa indicação, dos quais
trataremos especificamente adiante.
5 Para a identificação da qualidade de madeira utilizada para elaboração do painel e dos enxertos,
contamos com a colaboração do entalhador Jairson Rocha, no sítio de restauração.
6 A igreja passou por restaurações diversas nesse período.
O ostensório e o coro angélico nos fragmentos de pintura...
191
Figura 2 – Conjunto pictórico composto por um ostensório e anjos músicos. Óleo sobre madeira,
278,4 x 151 cm. Autoria desconhecida, [sem data]
Fonte: Neves (2016).
192
Iconografia musical na América Latina
Sendo o ostensório o motivo central da obra, há indicativo de uma parte
faltante, à direita, possivelmente também com seres celestiais e anjos músicos,
conferindo à pintura equilíbrio e harmonia. Analisando o conjunto, estimamos
que a largura original do painel tivesse uma dimensão aproximada de 221 cm,
conforme demonstramos a seguir:
Figura 3 – Estimativa de composição para o painel completo, durante o processo de investigação,
com projeção espelhada da lateral existente
Fonte: Neves (2016).
O ostensório e o coro angélico nos fragmentos de pintura...
193
Com o avanço nas pesquisas, a hipótese dos elementos faltantes se confirmaria mediante o acesso à obra A Sé Primacial do Brasil – Notícia histórica, de
Manuel Mesquita dos Santos (1933).7 Na publicação, o autor apresenta o referido painel completo nas dependências da sacristia da Irmandade do Santíssimo
Sacramento da antiga Igreja da Sé, demolida em 1933. Na legenda da Figura 17
do livro, há a informação: “Alegoria ao Santíssimo Sacramento. Grande quadro
no tecto da Sacristia da Irmandade”.
Figura 4 – Alegoria ao Santíssimo Sacramento. Pintura no teto da sacristia da Irmandade do
Santíssimo Sacramento da Sé Primacial do Brasil, demolida em 19338
Fonte: Santos (1933).
7 Agradecemos ao Dr. Francisco de Assis Portugal Guimarães pela indicação dessa publicação e,
igualmente, pelo seu empenho em viabilizar o nosso acesso à mesma, o que foi fundamental para
nosso processo de pesquisa.
8 Fotogravura de Marcial Tosca. Reprodução fotográfica de Belinda Neves (2017).
194
Iconografia musical na América Latina
As informações contidas no livro contribuem de forma valorosa para a identificação da procedência da pintura, que ainda sobrevive, embora incompleta.
Uma possível autoria ainda não foi identificada, o que demanda a continuidade
nas investigações. Quanto às dimensões do conjunto, entendemos que não
estariam muito distantes do estimado no início da pesquisa e, com relação às
partes faltantes, não foram identificadas nas instalações da Catedral Basílica
durante as atuais obras de restauração. O contingente complementar pode
ter sido reutilizado anteriormente como aproveitamento de madeira – prática
comum nas obras em igrejas – ou perdido, ou carcomido pelos cupins.
A parte traseira do painel apresenta, igualmente, informações que merecem
atenção e aprofundamento. Observamos a presença da cruz da Ordem de Cristo e
grafismo que pode indicar possível autoria, que, até o presente momento, não foi
identificada. Nota-se que o conjunto apresenta manchas indicativas do contato
com a água, possivelmente oriundas de chuvas e goteiras a que esteve submetido, seja na antiga igreja de origem, seja nas dependências da Catedral Basílica.
Figura 5 – O verso do painel, que apresenta enxertos em madeira. Autoria desconhecida [sem data]
Fonte: Neves (2016).
O ostensório e o coro angélico nos fragmentos de pintura...
195
Figura 6 – À esquerda, a cruz da Ordem de Cristo e, à direita, grafismo com
possível indicação autoral. Imagens do verso do painel
Fonte: Belinda Neves (2016).
Na parte frontal, a pintura apresenta orifício central no ostensório pintado,
o que nos chamou a atenção desde o início da investigação, um indicativo de
painel de forro, com passagem para fiação elétrica.
Figura 7 – Orifício no painel e detalhe
Fonte: Neves (2016).
196
Iconografia musical na América Latina
O acesso às fotografias da antiga Igreja da Sé nos permitiu visualizar a composição de apenas uma parte do forro, mas com luminária pendente, conforme
a Figura 8.
Figura 8 – Sacristia da Irmandade do Santíssimo Sacramento, com luminária pendente no teto,
onde se localiza a pintura do ostensório com os seres celestes e anjos músicos
Fonte: Braga ([1928]).
É notável a ornamentação da sacristia da Irmandade, com pinturas de grande
porte compondo as laterais e o teto do recinto. O grande arcaz ainda sobrevive;
esteve guardado nas dependências da Catedral Basílica até início de 2017, na
mesma sala em que se encontram os fragmentos das pinturas apresentados
na Figura 1, quando de lá foi transferido para as dependências do Palácio
Arquiepiscopal, onde ficará exposto para admiração dos visitantes após a conclusão das obras de restauração naquele edifício. Três das pinturas das paredes
laterais da fotografia, com temas religiosos, podem ser vistas nas instalações
do Museu de Arte Sacra da UFBA.9 Desconhecemos o destino das demais peças
de mobiliário e ornamentos da sacristia após a demolição da igreja em 1933.
9 Conforme informações fornecidas pelo Museu de Arte Sacra da UFBA, as pinturas são: A batalha
de Abraão contra Cordorlaomor (228cm x 202 cm), O sacrifício de Melquisedec (315,5 cm x 194 cm) e
O ostensório e o coro angélico nos fragmentos de pintura...
197
3 A junção e análise das partes do painel
O acesso à imagem na obra de Manuel Mesquita dos Santos (1933)10 nos
permitiu proceder à junção entre o painel atual e a sua parte faltante:
Figura 9 – O painel completo mediante a junção da parte existente com a faltante11
Fonte: Neves (2017).
A junção totaliza 36 seres celestiais e anjos músicos e nos permite analisar o
conjunto de instrumentos musicais presentes na obra. Contamos com o auxílio
do Prof. Dr. Márcio Páscoa12 para essa missão, que contribui igualmente para
Oferenda de Abraão a Melquisedec (320 cm x 192 cm). A autoria das pinturas é desconhecida.
10 Ver Figura 17 na obra do autor.
11 Tendo como base a imagem reproduzida no livro de Manuel Mesquita dos Santos (1933) e fotogravura de Marcial Tosca.
12 Nossos agradecimentos pela disponibilidade em nos auxiliar nessa tarefa.
198
Iconografia musical na América Latina
a estimativa de datação da pintura em virtude da tipologia dos instrumentos
ali presentes e analisados.
Figura 10 – Parte inferior do painel existente, com destaque para os anjos músicos e instrumentos
musicais. Autoria desconhecida, [sem data]
Fonte: Neves (2016).
O ostensório e o coro angélico nos fragmentos de pintura...
199
Todos os instrumentos musicais se encontram na parte inferior do painel,
como destacamos na Figura 10.
O primeiro instrumento à esquerda é um cordofone, instrumento chamado,
no contexto luso-brasileiro, de rabecão.13 Notou Márcio Páscoa que o instrumento tocado na representação iconográfica tem um corpo pequeno, de violoncelo, com as cravelhas em número de quatro, mas um braço muito longo. Para
o pesquisador, é possível que isso tenha ocorrido em virtude de uma intenção de
ilusão de perspectiva por se tratar de pintura de teto, além do fato de que muitos
pintores não reproduziram fielmente todas as características dos instrumentos
musicais em suas obras.
Ao lado do rabecão está a harpa, com base incompleta pela terminação
da pintura, instrumento frequente na iconografia cristã até o século XVII.
Complementa Márcio Páscoa que “o instrumento foi muito praticado, sobretudo na Igreja Católica, após o Concílio de Trento, especialmente onde não havia
órgãos de grandes dimensões”. Acrescenta Páscoa (2017) que:
Os instrumentos harmônicos ou polifônicos (que tocam mais de uma nota ao
mesmo tempo) serviam para apoiar a afinação das demais vozes e instrumentos
na execução do serviço litúrgico. Temos na nossa literatura memorialista no eixo
luso-brasileiro muito exemplos de padres que tocavam harpa. A prática não
parece ter se estendido além da primeira década do século XVIII por questões de
gosto, quando outros instrumentos, como o cravo e o pianoforte (piano) viriam
a substituir. A harpa também tem uma forte simbologia cristã que apoiava sua
prática por causa do Rei Davi. Ela aparece bastante na iconografia européia
de fins da Idade média até século XVII e no nosso caso ibero-americano parece
concentrar-se mais no XVI-XVII, embora haja relato de muitas harpas nas missões jesuítas do Paraguay quando do inventário da saída desta ordem religiosa
do espaço de domínio espanhol. Ou seja, mais uma vez é de se supor que em
determinadas regiões houvesse uso e costume mais tradicional.
À direita do harpista e em segundo plano está outro ser celestial tocando um
instrumento de sopro, que sugere ser uma flauta, embora a extensão completa
do mesmo esteja ocultada pelos tubos do órgão. Informa Márcio Páscoa que
13 “Havia o rabecão grande (contrabaixo ou baixo de viola e assemelhados) e o rabecão pequeno
(violoncelo). Há duas famílias de cordofones friccionados por arco em grande uso no período
dos séculos XVI-XVIII na Europa, que são as violas de gamba (perna, em italiano) e o das violas
da braccio (braço, em italiano). As violas de gamba foram comuns na Itália até o século XVI e
mal chegado o século XVII pareciam ter caído de uso”. (PÁSCOA, 2017)
200
Iconografia musical na América Latina
“se trata de uma flauta doce, sendo o tipo de bocal e do tubo um fator determinante, mais antigo que os modelos em uso no período posterior a 1680/90.
Ou seja, a pintura nos remete a um instrumento de época anterior”.
O conjunto ao redor do órgão apresenta, em segundo plano, um anjo cantor
que carrega em suas mãos um livro e parece seguir a canção. O órgão, da mesma
forma que a harpa, não se completa em virtude da extensão pictórica e apresenta
um organista com as duas mãos sobre o teclado.
Observou Márcio Páscoa que o anjo que se encontra em primeiro plano no
conjunto movimenta o fole que bombeará o ar para passar pelos tubos do órgão;
complementa que “esses pequenos órgãos eram chamados entre os séculos XIII
e XV de portativos (portáteis) e depois, nos séculos seguintes até o XVIII, adquiriram maior dimensão e passaram a ser chamados de positivo”.14 Nota-se que o
referido órgão possui apenas uma fileira de tubos e, por essa razão, sua natureza
é portátil, conforme identifica o pesquisador. Por não haver continuidade do
instrumento na parte inferior da pintura, não é possível identificar se o mesmo
se encontra sobreposto ou acoplado a uma mesa.
É relevante informar que, nesse painel, há marcas de antiga moldura – na
base, parte superior e lado esquerdo –, com cerca de dois centímetros. Isso nos
permite concluir que os instrumentos musicais que estão incompletos na sua
base (harpa e órgão) foram dessa forma concebidos pelo pintor, pois a moldura
confirma o dimensionamento da malha pictórica nos fragmentos existentes.
A parte que apresentamos em preto e branco, complementando o painel na
Figura 9, também sugere a presença de instrumentos musicais, embora a sua
identificação seja desafiante em virtude da qualidade da imagem impressa no
livro, na qual nos baseamos para compor o conjunto.
Os anjos e os instrumentos musicais se encontram na base do painel faltante, da mesma forma que no painel existente. A qualidade da imagem nos
conduz a interpretar o rol de instrumentos ali existente com uma larga faixa de
possibilidades. Entretanto, não temos a pretensão de indicar instrumentos com
precisão, nem esgotar as possíveis vias de análise e interpretação neste artigo.
14 “Em italiano, de ponere, que significa colocar; podiam ser levados para se colocar em algum lugar
da igreja ou casa, sobrepostos sobre mesas ou suportes”. (PÁSCOA, 2017)
O ostensório e o coro angélico nos fragmentos de pintura...
201
Com o avanço das pesquisas e a utilização de novos recursos para tratamento da fotografia do livro de Manoel Mesquita dos Santos (1933), novas
proposições poderão surgir.
O conjunto formado pelos músicos do painel faltante é desafiador, como
antes mencionamos, e contamos igualmente com o auxílio do pesquisador
Márcio Páscoa.
Sinalizado à direita, temos um instrumento cordofone com um arco em
meia-lua, possivelmente outro rabecão, conferindo a esse instrumento as duas
extremidades do painel.
Figura 11 – Os músicos da parte faltante do painel15
Fonte: Neves (2017).
Os instrumentos de sopro presentes na imagem parecem ser flautas e, como
notou Márcio Páscoa, é possível que o conjunto apresente o terno de flautas,
15 Tendo como base a imagem reproduzida no livro de Manuel Mesquita dos Santos (1933) e fotogravura de Marcial Tosca, sinalização nossa.
202
Iconografia musical na América Latina
ou seja, um trio de flautistas.16 Nesse caso, estima-se que o instrumento não
identificado seja uma flauta fagote, ou uma dulciana,17 ou ainda uma flauta
tenor, ou flauta baixo. São instrumentos que, pela sonoridade grave, se complementam com o rabecão nesse conjunto, estando nas duas extremidades da
pintura, como esclarece o pesquisador na entrevista.
4 O estudo dos demais fragmentos de pintura
A continuidade analítica do conjunto de cinco fragmentos de pintura religiosa
apresentado na Figura 1 nos conduz ao segundo painel, com dimensões maiores,
mas com a mesma estrutura e tipologia de madeira como suporte, cromatismo
e profundidade (2 cm), características semelhantes às que foram encontradas
no painel anterior, o objeto principal de nossa análise, o ostensório e anjos
músicos. É possível que esse segundo conjunto, que também apresenta uma
parte faltante à esquerda, também fosse parte integrante do teto da sacristia
da Irmandade do Santíssimo Sacramento da antiga Igreja da Sé.
16 “Há relatos na literatura de termos de compra e venda, relatos de viajantes, entre outros documentos do Brasil dos séculos XVI e XVII, e mesmo do XVIII que se utilizam do termo ‘terno de
flautas’ quando se referem à venda, prática ou uso deste instrumento, referindo-se ao trio de
flautas”. (PÁSCOA, 2017)
17 “A dulciana e o fagote são da família dos sopros de palhetas duplas, instrumentos muito praticados em Portugal e no Brasil, com o nome genérico de baixão”. (PÁSCOA, 2017)
O ostensório e o coro angélico nos fragmentos de pintura...
203
Figura 12 – Segundo painel com temática religiosa.18 Dimensões 370 x 100,8 cm.
Autoria desconhecida, sem data
Fonte: Neves (2016).
O painel pode ser dividido em duas partes: a parte superior é composta por
anjos e uma vasta gama de flores; e a parte inferior, que apresenta quatro religiosos sobre nuvens, sendo que um deles está incompleto pela tábua faltante
à esquerda. Nota-se que o fundo dos dois painéis é ocre, e os motivos florais e
angélicos são bem semelhantes, o que estreita a possibilidade de serem componentes do mesmo conjunto, conforme Figura 13.
As composições com motivos florais foram muito comuns nos séculos XVII
e XVIII. Camélias, rosas, lírios, jasmins e anêmonas, entremeados com anjos e
também santos católicos, são alguns dos tipos presentes nas pinturas das igrejas
baianas, em tetos e painéis de parede, em suportes de madeira e em tela. Na
igreja do Colégio da Bahia, antigo templo dos religiosos jesuítas e atual Catedral
18 Inventariado pelo Iphan sob nº BA/03-0170.0498.
204
Iconografia musical na América Latina
Basílica de São Salvador, é possível visualizar os exemplos agora mencionados.19
Nos séculos XVII e XVIII, também há a moralização de flores e frutas.20
Figura 13 – Comparação entre os dois painéis na temática e no cromatismo
Fonte: Neves (2016).
Composições iconográficas envolvendo anjos, seres celestiais e motivos fitomorfos também se referem à emblemática mariana, tema amplamente abordado
por Silva Filho (2014) em sua pesquisa de doutoramento.
A observância na estrutura do teto da sacristia da Irmandade do Santíssimo
Sacramento da antiga Sé, visível parcialmente na Figura 8, nos permitiu fazer
19 Motivos semelhantes estão nas quatro pinturas em tela da capela da Senhora Santa Ana, nas
portas do camarim da capela-mor e nas pinturas do teto da antiga livraria dos jesuítas. Sobre o
camarim da capela-mor, ver Hora (2011).
20 Sobre esse assunto, consultar Barreira (1622) e também Rosario (2008).
O ostensório e o coro angélico nos fragmentos de pintura...
205
alguns ensaios e proposições com a junção das duas pinturas. Ressaltamos que
não utilizamos escala e medições para este artigo; assim, as corretas proporções
para a inclusão das duas pinturas no forro da sacristia daquela igreja somente
serão possíveis mediante o acesso à planta baixa do templo, na continuidade
das pesquisas, em que será mais bem apurada essa hipótese em virtude das
dimensões dos painéis e suas molduras.
Figuras 14 – À esquerda, a junção das duas pinturas com o segundo painel na parte superior do
teto. À direita, a mesma junção com o segundo painel na parte inferior
Fonte: Neves (2017).
Nas duas propostas de junção, espelhamos e invertemos a segunda pintura,
da mesma forma como demonstramos o painel com o ostensório na Figura 3.
Seja a segunda pintura colocada na parte superior ou inferior, sugere que ali
poderia estar retratado um grande número de religiosos, como Moisés, Aarão,
apóstolos e doutores da Igreja.
Esse contingente deve ter sido bem ilustrado, caso algum dia se confirme
essa hipótese, e estimamos ter sido inspirado no grande afresco do Museu do
Vaticano, intitulado A disputa do Santíssimo Sacramento, obra do pintor Rafael
Sanzio (1483-1520). Na Figura 12, observamos, ao lado direito da pintura, um
indivíduo com um livro na mão. Padre Geraldo Coelho de Almeida21 identifica
21 Nossos agradecimentos pela disponibilidade em nos auxiliar nessa tarefa.
206
Iconografia musical na América Latina
ser ele o apóstolo Paulo, pois assim é normalmente representado na iconografia.
Esclarece Padre Geraldo a relação do apóstolo Paulo com a eucaristia:
Seu relato constante da Primeira Carta aos Coríntios (1Cor 11, 23-26) constitui
a referência mais antiga sobre a instituição da Eucaristia, uma vez que os evangelhos que tratam do assunto, ainda não tinham sido escritos, quando Paulo
foi martirizado. A Carta aos Coríntios teria sido escrita em Éfeso (anos 54 – 56).
Já sua morte teria ocorrido em Roma, entre os anos 64 e 68. Os evangelhos
mais antigos, Marcos e Mateus teriam sido escritos a partir dessa última data.
(ALMEIDA, 2018)
No afresco existente no Museu do Vaticano, o apóstolo Paulo também está
localizado à direita no grande painel de Rafael.22 Não temos como afirmar a
existência da mesma sequência de religiosos nos dois painéis. Apenas uma investigação iconográfica mais abrangente apontaria as semelhanças e novas hipóteses.
Na continuidade, as três pinturas restantes do contingente analisado apresentam igualmente as mesmas características pictóricas entre si, além de estrutura
de forro do tipo macho e fêmea, suporte em vinhático com pintura realizada
diretamente na madeira, sem base de preparação, e dimensões aproximadas.
Os três últimos painéis com fragmentos de pintura retratam cenas relacionadas ao “Livro do êxodo”,23 no Antigo Testamento, quando os hebreus saíram
do Egito, onde eram escravizados. A numeração dos painéis segue a sequência
cronológica da narrativa bíblica, e estimamos que cada uma das referidas
pinturas tivesse, originalmente, a largura entre 120 e 140 centímetros,24 pela
composição iconográfica da cena narrada.
O painel 3 (Figura 15)25 refere-se ao maná, o pão enviado por Deus para
saciar a fome da comunidade de Israel, que caminhava pelo deserto de Sin após
a saída do Egito e reclamava a Moisés e a seu irmão Aarão a falta de comida:
22 Para conhecer os integrantes nomeados nessa pintura, acesse: http://www.museivaticani.va/
content/ museivaticani/es/collezioni/musei/stanze-di-raffaello/stanza-della-segnatura/disputa-del-ss--sacramento.html
23 Êxodo (Ex 16, 1-35) na Bíblia Sagrada (1990, p. 68-115).
24 No estudo sobre as dimensões das pinturas religiosas com suporte em madeira realizadas entre
os séculos XVII e XVIII, verificamos que as mesmas não são idênticas, mesmo quando presentes
na mesma capela ou recinto, fazendo parte de mesma composição temática. Portanto, é comum
que as dimensões sejam aproximadas.
25 Inventariado pelo Iphan sob nº BA/03-0170.1920, juntamente com o painel 4.
O ostensório e o coro angélico nos fragmentos de pintura...
207
Toda a comunidade de Israel murmurou contra Moisés e Aarão no deserto
dizendo: Era melhor termos sido mortos pela mão de Javé na terra do Egito,
onde estávamos sentados junto à panela de carne, comendo pão com fartura.
Vocês nos trouxeram a esse deserto para fazer toda essa multidão morrer de
fome. (ÊXODO, 1990, 16, 2-3)
Então, Javé, ouvindo os murmúrios do povo de Israel, disse a Moisés: “Diga-lhes
que comerão carne à tarde e, pela manhã, se fartarão de pão. Assim ficarão
sabendo que eu sou Javé, seu Deus”. (ÊXODO, 1990, 16, 10-12)
A pintura retrata na parte superior o rosto de Deus e, abaixo, pequenos
flocos que caem e são recolhidos pela população. Aos pequenos flocos, “a Casa
de Israel deu-lhe o nome de maná: era branco como a semente de coentro, e
seu sabor era como um bolo de mel”. (ÊXODO, 1990, 16, 31) Complementa
a sagrada escritura que “os filhos de Israel comeram maná durante quarenta
anos, até chegarem à terra habitada. Comeram maná até chegarem à fronteira
de Canaã”. (ÊXODO, 1990, 16, 35)
208
Iconografia musical na América Latina
Figura 15 – Fragmentos de pintura religiosa com a temática bíblica do “Livro do êxodo”, nas
dependências da Catedral Basílica. Autoria desconhecida
Fonte: Neves (2016).
O fragmento da pintura sugere o complemento de uma tábua à direita e
outra à esquerda, completando as figuras ali retratadas. Estimamos a largura
original dessa pintura em aproximadamente 120 centímetros.
O painel 4 (Figura 16)26 é composto por apenas uma tábua e apresenta a
imagem de Moisés com a vara na mão e, na parte inferior, um jato de água.
Refere-se, a cena retratada, a Moisés, que fez jorrar a água do rochedo, matando
26 Inventariado pelo Iphan sob no. BA/03-0170.1920, juntamente com o painel 3.
O ostensório e o coro angélico nos fragmentos de pintura...
209
a sede do povo de Israel e dos animais. O episódio é narrado no “Livro do êxodo”
(ÊXODO, 1990, 17, 2-7) e no “Livro dos números”. (NÚMEROS, 1990, 20, 1-13)
A sagrada escritura apresenta a narrativa de que novamente o povo de Israel,
com sede, se amotinava contra Moisés e Aarão:
Quem dera tivéssemos morrido quando nossos irmãos morreram diante de
Javé! Por que você trouxe a comunidade de Javé a este deserto, para morrermos
aqui junto com nossos animais? Por que nos fez sair do Egito, para nos trazer a
este lugar deserto, onde não se pode semear, sem figueiras, vinhas e romãzeiras,
e até sem água para beber? (NÚMERO, 1990, 20, 2-5)
Moisés e Aarão afastaram-se do grupo. Foi então que Javé apareceu a Moisés
e disse: “Pegue a vara, junto com seu irmão Aarão, e reúna a comunidade. Em
seguida, na presença deles, ordene que a rocha dê água. Você tirará água da
rocha para dar de beber a comunidade e aos animais”. (NÚMERO, 1990, 20,
7-8) Assim foi feito: a água jorrou em abundância na fonte de Meriba, na qual
homens e animais puderam saciar a sua sede.
Nesse painel, podemos identificar uma tábua faltante à esquerda, completando o rochedo com a água que ali surge. À direita, duas tábuas completariam
a cena, com Aarão atrás de Moisés e o povo de Israel assistindo ao fenômeno.
Estimamos a largura original dessa pintura também em aproximadamente 120
centímetros.
O painel 5 (Figura 19)27 é composto por duas tábuas e a cena retratada
demonstra uma pessoa caída no chão, com parte de uma serpente sobre sua
roupa. Outros componentes, com fisionomia apreensiva, olham para cima, e
uma moça estica os braços na mesma direção.
O tema reflete a continuidade da saída do Egito, narrado no “Livro dos
números” (NÚMERO, 1990, 21, 4-9) sob o título de “O sinal da salvação”, mais
conhecido como o episódio da serpente de bronze.
Conforme a narrativa bíblica, o povo de Israel continuaria a caminhada,
tomando a direção do Mar Vermelho. Não suportando a viagem, começou a
murmurar novamente contra Deus e contra Moisés: “Por que nos tiraste do
Egito? Foi para morrermos neste deserto? Não temos pão nem água, e estamos
enjoados desse pão de miséria”. (NÚMEROS, 1990, 21, 5)
27 Inventariado pelo Iphan sob no BA/03-0170.1919.
210
Iconografia musical na América Latina
O “pão de miséria” a que o povo se referia era o maná. “Então Javé mandou
contra o povo serpentes venenosas que os picavam, e muita gente de Israel
morreu. O povo disse a Moises: Pecamos, falando contra Javé e contra você.
Suplique a Javé que afaste de nós essas serpentes”. (NÚMEROS, 1990, 21, 6-7)
Javé, no entanto, ordenou a Moisés que fizesse uma serpente venenosa e a
colocasse sobre um poste. Aqueles que fossem mordidos e para ela olhassem
ficariam curados.
A cena retratada no painel é complexa e ainda faltam elementos importantes
na sua composição. À direita, estimamos uma tábua faltante com o intuito de
completar as pessoas do povo de Israel. À esquerda, entre uma e duas tábuas
faltantes, pois deveriam estar presentes a serpente de bronze no poste e também
Moisés, habitualmente juntos na iconografia da cena bíblica, em pinturas e
estampas da época e em períodos posteriores.
Em virtude da composição da narrativa religiosa, é possível que a largura
aproximada desse painel, originalmente, variasse entre 120 e 140 centímetros,
ligeiramente maior que os painéis 3 e 4.
A análise e a interpretação dos fragmentos dos cinco painéis nos permitiram
dividir e classificar o contingente em dois grupos distintos. O primeiro grupo é
formado pelos painéis 1 e 2. Sobre o primeiro deles, se tem a confirmação de
origem na antiga Igreja da Sé. O segundo painel, pelas características físicas
e iconográficas, é possível que fizesse parte do conjunto do teto da sacristia
da Irmandade do Santíssimo Sacramento, na mesma igreja. Entretanto, ainda
abordaremos o tema como uma hipótese a ser ou não confirmada mediante
avanço nas investigações.
O segundo grupo, formado pelos painéis 3 a 5, possui as mesmas características iconográficas e físicas, distinguindo-se do primeiro grupo também por
essas características. Não há, até o momento, informações que identifiquem
a procedência desses fragmentos pictóricos. Entretanto, vale ressaltar que a
temática bíblica do êxodo é associada aos bispos, por serem esses os condutores do rebanho da Igreja Católica – que orientam o povo para um ideal de
sociedade, fé e dignidade –, assim como foram Moisés e Aarão os condutores
do povo de Israel. Podem, portanto, ter relação com a antiga Igreja da Sé, mas
possivelmente em outro recinto.
O ostensório e o coro angélico nos fragmentos de pintura...
211
5 Dos porões da catedral à restauração dos painéis
Até o presente, momento apresentamos as etapas do processo de investigação
e a identificação dos painéis com as cenas religiosas. Relembrando a Figura 1,
estavam esses painéis já restaurados e guardados em uma antiga cela da igreja,
contígua ao extinto colégio da Companhia de Jesus em Salvador, hoje Faculdade
de Medicina da UFBA.
Com o avanço nas investigações, foi possível a identificação dos restauradores
daqueles painéis, as etapas da intervenção e o acesso a imagens do período.
Portanto, essa etapa é a que antecede o nosso acesso a essas pinturas e contribui
para o entendimento do processo na sua totalidade.
As informações sobre a restauração daqueles painéis nos foram fornecidas
por Túlio Vasconcelos, que coordenou uma “equipe de funcionários do IPAC –
Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, locados no CERBA – Centro
de Restauração, e à disposição das obras da Catedral Basílica de Salvador”.28
(ALMEIDA, 2018) Essa equipe era composta por um coordenador, seis auxiliares
técnicos e três marceneiros.
Conforme informamos anteriormente, a Catedral Basílica passou por intervenções em diversos recintos entre 1978 e 1995, e a restauração das referidas
pinturas ocorreu entre 1986 e 1988, em etapas, pela equipe. Túlio Vasconcelos
relata como ocorreu a “descoberta” daquelas pinturas:
Neste mesmo período, fragmentos de altares da Igreja da Sé estavam abandonados nos porões da Catedral, quando no dia 19 de maio de 1986, identifiquei
junto aos materiais da carpintaria da construção civil, algumas tábuas com
fragmentos de pintura que seriam utilizadas nas recomposições das madeiras
dos pisos dos corredores. Essas tábuas, de diversas dimensões, foram recolhidas e armazenadas no atelier de restauração de bens móveis, e, após limpeza
superficial e prospecção da camada pictórica, ficaram identificadas como elementos pertencentes ao forro da Sacristia da Irmandade e as maiores como
Forro da Nave da Igreja da Sé. (ALMEIDA, 2018)
A reutilização de madeiras foi fato rotineiro nos templos religiosos, como
tivemos a oportunidade de mencionar anteriormente. Não foi exceção nas
obras realizadas na Catedral Basílica. Nota-se, entretanto, que as tábuas seriam
28 Nossos agradecimentos pela colaboração e cessão de imagens para ilustração deste artigo.
212
Iconografia musical na América Latina
reutilizadas nas composições dos pisos em madeira nas obras da igreja, quando
foram identificadas por Túlio e separadas do conjunto da carpintaria. De fato,
esse episódio foi crucial para a sobrevivência do contingente histórico, salvo da
destruição por Túlio Vasconcelos e, posteriormente, restaurado.
Figura 16 – Os fragmentos de madeira contendo as pinturas da antiga Igreja da Sé. Autoria
desconhecida, sem data. Fotografia de Elias Mascarenhas em 29 de maio de 1986
Fonte: acervo pessoal de Túlio Vasconcelos. Reprodução de Belinda Neves mediante projeção de
slides, junho de 2018.
O ostensório e o coro angélico nos fragmentos de pintura...
213
Na imagem, é possível verificar como foram encontrados os painéis. Os 53
anos entre a demolição da antiga Igreja da Sé e a localização das tábuas pintadas
nos porões da catedral minimizam a chance de que a pintura do ostensório seja
futuramente recomposta, assim como os demais painéis temáticos. Podem ter
sido utilizados como matéria-prima em obras anteriores na igreja, principalmente
pelas condições em que se encontravam.
Nota-se também na imagem que o painel à esquerda está repintado por tinta
azul clara, em conformidade com o relato de Túlio Vasconcelos. Na restauração,
essa camada pictórica subjacente foi removida.
O painel com o ostensório e anjos músicos, além dos enxertos, passou por
uma limpeza e a retirada do verniz oxidado. A pintura a óleo de qualidade foi
submetida a pouca reintegração cromática. As etapas são descritas a seguir
pelo restaurador:
Após a limpeza superficial do painel, foram desenvolvidas as seguintes etapas:
1. consolidação do suporte, com injeções de resina de Paraloid B 72, em áreas
com degradação hidrolítica; 2. remoção do verniz oxidado com solvente à base
de acetona e álcool etílico, auxiliado por ações mecânicas de bisturi. 3. pequenas
reintegrações cromáticas, com aquarela. (ALMEIDA, 2018)
A limpeza da pintura pode ser observada na comparação das imagens.
Sobre os procedimentos adotados com as pinturas dos painéis, informa Túlio
Vasconcelos que “como se tratava de fragmentos de um monumento religioso
demolido, resolvemos então desenvolver serviços de conservação, tendo em
vista uma ação ‘minimalista’, com pouca reintegração no campo pictórico”.
(ALMEIDA, 2018)
Repintado com tinta azul também estava o segundo painel do conjunto,
apresentado na Figura 12. Nas imagens a seguir, vemos o referido painel coberto
de tinta e com a remoção em andamento, aparecendo a imagem do apóstolo
Paulo (Figura 17).
Perguntamos ao restaurador se o mesmo era da opinião de que o contingente repintado de azul também pertencia à antiga Igreja da Sé: “[...] acredito
que sim. Devido às dimensões, forma construtiva das tábuas e a excelente qualidade da pintura a óleo. São remanescentes do forro da nave, que apresentava
repintura azul, possivelmente oriunda da ‘Reforma Neoclássica da Bahia’”.
(ALMEIDA, 2018)
214
Iconografia musical na América Latina
Refere-se nosso entrevistado a uma grande mudança conceitual e estilística
originada pelos ideais iluministas, em que as pinturas barrocas são substituídas
pela cor branca e tons pastéis em vários templos, com a intenção de proporcionar
maior leveza e luminosidade, tema amplamente abordado pelo pesquisador Luiz
Alberto Ribeiro Freire (2006).
Túlio Vasconcelos estima que as pinturas encontradas com o painel do ostensório e anjos músicos sejam remanescentes do forro da nave, na ocasião pintado
de azul claro. É uma proposição realmente possível, embora nossa proposta ainda
caminhe na hipótese de que o painel 2 (Figura 11) fosse parte integrante do teto
da sacristia da Irmandade do Santíssimo Sacramento, conforme demonstramos
na Figura 14. Novas hipóteses poderão surgir com um aprofundamento nas
pesquisas e acesso a novas imagens do templo, uma pesquisa que não se esgota.
O ostensório e o coro angélico nos fragmentos de pintura...
215
Figura 17 - Em preto em branco, a limpeza do painel com pintura oxidada durante
a restauração, e a revelação da pintura na parte mais clara
Fonte Neves (2016).29
29 Fotografia do acervo fotográfico do Ipac [s.a/s.d na fonte]. Reprodução fotográfica de Belinda
Neves a partir de contato fotográfico, em junho de 2016. Em cores, o painel na atualidade, para
efeito comparativo.
216
Iconografia musical na América Latina
Figura 18 – À esquerda, o painel repintado com tinta azul e, à direita, parte da camada subjacente
já removida, aparecendo o livro e a mão do apóstolo Paulo. Autoria desconhecida. Fotografias de
Elias Mascarenhas, entre 1986 e 1988
Fonte: acervo pessoal de Túlio Vasconcelos. Reprodução de Belinda Neves mediante projeção de
slides, junho de 2018.
6 A Sé Primacial do Brasil
Faremos aqui um breve histórico da Igreja da Sé, concentrando nossa narrativa na sua fundação, destino das irmandades e elementos históricos mais
relevantes até a sua demolição.
A história da Igreja da Sé antecede à sua criação física. Conforme Afrânio
Peixoto (1945, p. 30), “Dom João III dirige, em julho de 1550, ao Pontífice,
pedindo seja levantada em igreja-catedral a igreja do título do Salvador, na
cidade outrossim chamada do Salvador”.
O ostensório e o coro angélico nos fragmentos de pintura...
217
A igreja ainda não existia, como frisa o autor, mas a primitiva Igreja da Ajuda,
construída pelos jesuítas, seria a futura Igreja da Sé. Complementa Afrânio
Peixoto (1945, p. 30): “Quando, em agosto de 49 [1649], chegou o vigário
Manuel Lourenço, não encontra Sé nenhuma onde exercer o seu ministério e é,
na Conceição da Praia, que celebra e onde assiste, como o Bispo, chegado em
junho de 52 [1652], prefere a Ajuda, chamada por isso Sé de palha”.
A Sé, de taipa e palha, também teria sua nova construção em pedra e cal,
com reformas e ampliações ao longo dos séculos, como boa parte das igrejas
edificadas no período. Sua entrada principal era voltada para o mar da Baía de
Todos os Santos. Teve duas torres sineiras, configuração modificada nas reformas
ocorridas. Tornou-se um templo sólido, robusto, com ornamentação de altares
em ouro e prata, imaginária rica e variada, adornada com pedras preciosas. Seus
púlpitos testemunharam os sermões de grandes oradores sacros, como Antônio
Vieira (1608-1697), Alexandre de Gusmão (1629-1674) e Eusébio da Soledade
(1629-1692), entre muitos outros.
Figura 19 – Fachada da Igreja da Sé. Álbum A Sé Primacial do Brasil, Bahia 1553-1928.
Fotografia de Eduardo Braga
Fonte: Neves (2017).
218
Iconografia musical na América Latina
Como todo templo colonial, a Igreja da Sé possuía um rol de irmandades,
as quais se encarregavam da organização de festas, ornamentação do templo,
auxílio aos irmãos e enterramentos. Manuel Mesquita cita algumas das existentes
na antiga igreja: Nossa Senhora das Maravilhas, Nossa Senhora da Fé, Nossa
Senhora de Guadalupe, Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora do Amparo
e Santíssimo Sacramento. (SANTOS, 1933)
Entre todas as irmandades existentes na antiga Sé, a do Santíssimo Sacramento
merece destaque: sua capela e sacristia foram ricamente ornamentadas pelos
seus integrantes com pinturas, frontal e sacrário em prata lavrada. “A riqueza da
capela é completada por uma custódia de ouro com pedras preciosas formando
uma cruz – e por uma antiga estante e respectivo missal com encadernação de
prata lavrada”. (SANTOS, 1933, p. 51) Ainda, o autor complementa que:
A Capela do Santíssimo foi construída em 1648, oferta do Capitão D. Felipe de
Moura e de João Peixoto Viegas. Os ricos doadores da ornamentação de prata
da majestosa Capela do Santíssimo Sacramento pertencem à história brasileira,
como troncos de famílias nobres portuguesas estabelecidas no Brasil, nos primeiros anos da sua povoação racional. (SANTOS, 1933, p. 51)
A Irmandade do Santíssimo Sacramento promoveu inúmeras melhorias no
templo, às suas próprias custas, ao longo da existência da igreja, o que contribui
para a compreensão da sua importância e do papel social desempenhado pelas
irmandades no período colonial. Conforme Maria Helena Flexor (2010, p. 48):
Por meio dessas irmandades ou ordens, o leigo desempenhava um papel preponderante nas funções religiosas, desde a construção de uma igreja até a ornamentação das procissões ou celebração de Te Deum. É preciso ainda salientar a
atração social, o significado mundano das irmandades e ordens terceiras. Vistas
sob esse aspecto, elas tiveram um papel bastante importante, permitindo inclusive a participação de mulheres, possibilitando sua ação efetiva na sua administração, além de deixar entrever o status social de seus componentes.
Era comum o cidadão pertencer a várias irmandades, mesmo em igrejas
diferentes, e o ingresso nestas era considerado um fator de prestígio social, além
da garantia do recebimento de indulgência plenária e a remissão dos pecados.
Complementa a autora que:
O ostensório e o coro angélico nos fragmentos de pintura...
219
Na prática, as irmandades e ordens terceiras proporcionavam assistência social,
tinham caráter mutualista, ofereciam ajuda financeira e dotes para as moças
pobres, socorriam as viúvas, órfãos e desempregados, davam auxílio aos velhos,
ofereciam hospitalização, faziam visitas a enfermos e prisioneiros, acompanhavam enterros de forma decente, davam hábito como mortalha e sepultura
aos mortos, além de orações regulares por sua alma. (FLEXOR, 2010, p. 44)
Eis a importância das irmandades e confrarias para a sociedade colonial e,
em especial, a Irmandade do Santíssimo Sacramento da Igreja da Sé, associação
de prestígio e renome para a sociedade baiana.
A história da antiga Igreja da Sé começaria a mudar após a expulsão da
Companhia de Jesus, em 1759. Em 1765, o cabido optou pela transferência
para a antiga igreja do colégio dos jesuítas, que estava vaga desde a expulsão
daqueles religiosos, uma vez que a Igreja da Sé se encontrava em obras. A nova
locação também passou por obras ligeiras30 para abrigar o cabido e, a partir de
então, passou a ser a nova catedral da cidade.31
Conforme Luiz Freire (2006, p. 38), após a transferência para a igreja dos
jesuítas, “a Irmandade do Santíssimo Sacramento recusou-se a deixar o antigo
templo e passou a ser responsável por sua custosa manutenção, empreendendo
a reforma da talha e da ornamentação no século XIX”. Em 1870, a capela-mor
foi totalmente reformada pela Irmandade do Santíssimo Sacramento.
7 A demolição da Sé
Os habitantes da Cidade do Salvador presenciaram, no início do século XX,
uma grande reforma urbana e demolição de igrejas em nome do progresso.
A mudança no traçado de bondes, de ruas e a abertura de novas e grandes
avenidas fizeram tombar os alicerces da antiga Igreja da Ajuda, da antiga Igreja
de São Pedro e também da antiga Sé. Manuel Mesquita dos Santos (1933, p.
9) inicia o texto de sua obra da seguinte forma:
30 As obras foram coordenadas pelos engenheiros José Antonio Caldas e Manuel Cardoso de
Saldanha.
31 Em 1923, foi a Catedral da Bahia elevada à categoria de Basílica Maior.
220
Iconografia musical na América Latina
O actual Prefeito da Cidade do Salvador, Capital do Estado da Bahia – Dr. José
Americano da Costa e Sua Excia. Revdma. o Snr. D. Augusto Álvaro da Silva,
Arcebispo da Bahia e Primaz da Bahia, acabam de assinar um contracto para a
expropriação da Sé, afim de efectuarem a sua demolição.
O compromisso firmado entre o Arcebispado da Bahia – também denominado como a Mitra em referência ao típico chapéu que identifica a função
e poder espiritual –, a Prefeitura Municipal e a Companhia Linha Circular de
Carris da Bahia tinha como justificativa um novo traçado de bondes e remodelações na Praça da Sé. Estava a Sé Primacial do Brasil no meio do caminho
do novo traçado. A quantia paga pela Companhia Linha Circular à Mitra foi
300:000$000 – 300 contos de réis – em moeda corrente destinada a auxiliar a
desapropriação e demolição, dando o município a sua plena, geral e irrevogável
quitação. (SANTOS, 1933, p. 9) Não havia, portanto, retrocesso à demolição
da antiga Igreja da Sé.
Manuel Mesquita dos Santos não escreve um livro, mas um documentário
histórico, um manifesto sensível com o intuito de evitar a demolição do templo.
Não foi o único na Bahia e no Brasil. A demolição da Sé era fato em andamento,
apesar de intensos protestos da população, manifestos sucessivos publicados em
jornais, missivas trocadas entre autoridades, e múltiplas iniciativas da sociedade
para reverter o que já havia sido confirmado.
Em 1928, a família Martins Catharino teve a iniciativa de registrar em fotografias a nave, altares e dependências da Igreja da Sé, originando o álbum A Sé
Primacial do Brasil, Bahia 1553-1928, com fotografias de Eduardo Braga ([1928]).
Esse álbum foi ofertado ao Museu de Arte Sacra da UFBA pela família de Alberto
Martins Catharino em 18 de novembro de 1964 e constitui um relevante registro
histórico e iconográfico da antiga igreja, juntamente com a obra de Manuel
Mesquita dos Santos.
Registros fotográficos da antiga Sé ainda estão presentes nos arquivos de
jornais e em algumas instituições baianas.32 O artista Presciliano Silva (18831965)33 registrou também, através de sua pintura, a antiga igreja e a capela do
Santíssimo Sacramento.
32 Arquivo Público Municipal – Fundação Gregório de Mattos e Instituto Geográfico e Histórico da
Bahia.
33 Presciliano Atanagildo Isidoro Rodrigues da Silva.
O ostensório e o coro angélico nos fragmentos de pintura...
221
A demolição da igreja teve início em 1933, após a transferência das imagens,
em procissão, para a Catedral Basílica. Com esse acervo, a imaginária e outras
peças da Sé, foi criado o Museu da Catedral e, posteriormente, parte das alfaias
e pinturas que ornamentaram o antigo templo foi transferida e está exposta no
Museu de Arte Sacra da UFBA, com destaque para o frontal e sacrário em prata
lavrada, que pertenceram à capela do Santíssimo Sacramento.
Em 1973, Fernando da Rocha Peres escrevia Memória da Sé, fruto de uma
pesquisa ampla e meticulosa em fontes históricas, incluindo em seu trabalho
informações e fotos sobre a demolição da antiga igreja. Tornou-se fonte obrigatória de pesquisa e fundamentação, juntamente com a obra de Manuel Mesquita
dos Santos (1933) e o álbum com fotografias de Eduardo Braga ([1928]).
Embora se tenha notícias da maioria das imagens religiosas da antiga igreja,
pouco se sabe sobre o destino da talha dos altares, forros, azulejos. Sabe-se que,
na demolição, muitas coisas se perderam e outras foram vendidas a particulares,
o que torna a pesquisa sobre o templo uma investigação contínua e desafiadora.
Após a demolição da antiga Sé, vários foram os destinos das irmandades que
ali funcionavam. Em 1935, a Irmandade do Santíssimo Sacramento solicitou ao
cabido a sua transferência para a Igreja de São Raimundo, onde estava instalada
a Adoração Perpétua ao Santíssimo Sacramento.34 O cabido, em 12 de novembro
do mesmo ano, responderia que, “depois de discutido o assumpto, dá o seu
parecer contrário a tal transferência, uma vez que a finalidade da Irmandade do
S.S. Sacramento é justamente manter e incentivar o culto de Jesus Sacramentado
na Sé da Bahia, donde vem o seu título”.35
Posteriormente, em novembro de 1938, o Relatório das irmandades, confrarias e
devoções existentes na antiga Igreja da Sé,36 escrito pelo cônego Appio Silva, confirmaria
a transferência daquela irmandade para a Catedral Basílica, pela autoridade
34 O título de Adoração Perpétua ao Santíssimo Sacramento foi conferido pelo arcebispo D.
Augusto Álvaro da Silva em 1933, na ocasião do Congresso Eucarístico.
35 Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador. Laboratório Eugênio Veiga (LEV) da Universidade
Católica do Salvador (UCSal). Freguesia de São Salvador – Caixa 01 – Documento GA/CHAN/
IOPM/COR/41(Manuscrito). 12/11/1935. 1 fl.
36 Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador. LEV/UCSal. Arquivo da Freguesia São Salvador da
Sé – Caixa 01 – Relatório das irmandades, confrarias e devoções existentes na antiga Igreja da Sé. Bahia,
1938. Documento GA/CHAN/IOPM/REL/01 – (datilografado) 8 fls.
222
Iconografia musical na América Latina
diocesana, com todas as suas imagens e alfaias. Entretanto, desde então, havia
realizado somente duas festas.
No início de 2018, os painéis com o ostensório e os demais fragmentos de
pintura foram transferidos das instalações da Catedral Basílica para o Palácio
Arquiepiscopal, onde serão expostos ao público juntamente com o antigo
arcaz que aparece na Figura 9, após a conclusão das obras de restauração
daquele edifício.
As investigações sobre o conjunto remanescente da Sé Primacial do Brasil
jamais serão finalizadas, aos olhares dos historiadores da arte e dos restauradores. Este artigo aborda algumas hipóteses que poderão contribuir para
futuros estudos e sinaliza a importância da análise seletiva sobre a reutilização
de materiais nas intervenções ocorridas nos templos religiosos.
Salvo das mãos do carpinteiro por Túlio Vasconcelos, um pequeno conjunto
de fragmentos pictóricos dos forros da antiga Igreja da Sé ainda sobrevive,
embora com muitos elementos faltantes. E saem do anonimato para relembrar,
novamente, a importância da Sé Primacial do Brasil.
Referências
ALMEIDA, Geraldo Coelho de, SJ. Identificação dos religiosos no painel. [Mensagem
pessoal]. Mensagem recebida por e-mail do destinatário, 1 abr. 2018.
ALMEIDA, Tulio Vasconcelos Cordeiro de. Acervo fotográfico da Restauração das
pinturas da igreja da Sé. Bahia. 1986-1988. 1 álbum (25 fotos) color. 10x15 cm.
Fotografias de Elias Mascarenhas.
ALMEIDA, Tulio Vasconcelos Cordeiro de. Restauração dos painéis da antiga Sé.
[Mensagem pessoal]. Mensagem recebida por e-mail do destinatário, 13
jun. 2018.
ARQUIVO DA CÚRIA METROPOLITANA DE SALVADOR. LABORATÓRIO
EUGÊNIO VEIGA – LEV – UCSAL. Freguesia de São Salvador da Sé – Caixa 01 –
Documento GA/CHAN/IOPM/COR/41 [Manuscrito]. 12 nov. 1935. 1 fl.
ARQUIVO DA CÚRIA METROPOLITANA DE SALVADOR. LABORATÓRIO
EUGÊNIO VEIGA – LEV – UCSAL. Freguesia São Salvador da Sé – Caixa 01 –
Relatório das Irmandades, Confrarias e Devoções existentes na antiga Igreja da Sé. Bahia,
1938. Documento GA/CHAN/IOPM/REL/01 – [Datilografado] 8 fls.
O ostensório e o coro angélico nos fragmentos de pintura...
223
BARREIRA, Isidoro de. Tractado das significacoens das plantas, flores e fructos que se
referem na sagrada escriptura. Lisboa: Pedro Craesbeeck, 1622.
BÍBLIA SAGRADA. São Paulo: Paulus, 1990. Edição pastoral.
BRAGA, Eduardo (org.). A Sé Primacial do Brasil, Bahia 1553-1928. Salvador,
[1928]. 1 álbum (33 fotos): p&b; 35 x 27 cm. Acervo da biblioteca do Museu de
Arte Sacra da UFBA.
CONGRESSO BRASILEIRO DE ICONOGRAFIA MUSICAL, 4., CONGRESSO
BRASILEIRO DE PESQUISA E SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM MÚSICA, 2.,
2017, Salvador. Anais [...]. Salvador: RIdIM-Brasil, 2017.
ÊXODO. In: BÍBLIA Sagrada. São Paulo: Paulus, 1990. p. 68-115.
Edição pastoral.
FLEXOR, Maria Helena Ochi. Igrejas e conventos da Bahia. Brasília, DF, IPHAN,
2010. v. 1.
FREIRE, Luiz Alberto R. A talha neoclássica na Bahia. Rio de Janeiro: Versal, 2006.
HORA, Edmundo. O portal da reverência eucarística no altar-mor da Catedral Basílica de
Salvador: uma revelação pictórica. In: INTERNATIONAL RIDIM CONFERENCE, 13.,
CONGRESSO BRASILEIRO DE ICONOGRAFIA MUSICAL, 1., 2011, Salvador.
Anais […]. Salvador: UFBA, 2011. p. 178-188.
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Inventário
de Bens Móveis e Integrados – Módulo VII – Salvador IV – Volume 88. Salvador: IPHAN,
2003.
INTERNATIONAL RIDIM CONFERENCE, 13.; CONGRESSO BRASILEIRO DE
ICONOGRAFIA MUSICAL, 1., 2011, Salvador. Anais […]. Salvador: UFBA, 2011.
LEAL, Fernando Machado. Catedral Basílica de São Salvador da Bahia. Salvador:
IPAC, 2002.
MASCARENHAS, Elias. Restauração das pinturas da igreja da Sé. Salvador, Bahia.
1986-1988. 1 álbum (25 fotos) color. 10x15 cm.
NEVES, Belinda M. A. Fragmentos de pintura religiosa na Catedral Basílica de Salvador.
Salvador, 2016. 1 álbum (26 fotos) color. 10x15 cm.
NEVES, Belinda M. A. O ostensório e o coro angélico nos fragmentos de
pintura do teto da sacristia da antiga Sé Primacial do Brasil. In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE ICONOGRAFIA MUSICAL, 4., CONGRESSO BRASILEIRO DE
224
Iconografia musical na América Latina
PESQUISA E SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM MÚSICA, 2., 2017, Salvador.
Anais [...]. Salvador: RIdIM-Brasil, 2017. p. 627-655.
NÚMEROS. In: BÍBLIA Sagrada. São Paulo: Paulus, 1990, p. 148-192.
Edição pastoral.
PÁSCOA, Márcio. Identificação dos instrumentos musicais [Mensagem pessoal].
Mensagem recebida por e-mail do destinatário 10ago. 2017.
PEIXOTO, Afrânio. Breviário da Bahia. Rio de Janeiro: Agir, 1945.
PERES, Fernando da Rocha. Memória da Sé. Salvador: Secretaria de Cultura e
Turismo do Estado, 1999.
ROSARIO, Antonio do. Frutas do Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca
Nacional, 2008. Fac-símile da edição de 1702.
SANTOS, Manuel Mesquita dos. A Sé Primacial do Brasil – Notícia histórica por Manuel
Mesquita dos Santos. Professor do Colégio Antonio Vieira S. J. Fotogravuras de Marcial
Tosca. Bahia: Cia. Editora e Gráfica da Bahia S.A., 1933.
SILVA FILHO, Wellington Mendes. A iconografia musical da Sala do capítulo do Convento
da Ordem Primeira de São Francisco em Salvador – Bahia. 2014. Tese (Doutorado em
Música) – Escola de Música, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2014.
O ostensório e o coro angélico nos fragmentos de pintura...
225
A trajetória do tenor Giovanni
Badaracco através da crítica e da
iconografia musical entre 1899 e 1901
Luciane Viana Barros Páscoa
A Companhia Lírica Italiana de José Fernandes de Carvalho
foi a primeira em seu gênero, no século XX, a figurar no palco
do Teatro Amazonas. Dentre os integrantes do elenco, destacou-se o tenor Giovanni Badaracco, que despontou entre
os demais por suas qualidades vocais e cênicas, fato que evidenciou a boa recepção pelo público e pela crítica. Naquele
segundo semestre de 1901, a referida companhia seguiria a
Belém, apresentando-se no palco do Theatro da Paz.
Durante pesquisa realizada para ampliar conjunto fotográfico referente aos artistas em trânsito no teatro musical de
Manaus e Belém durante o Período da Borracha (1850-1910),
foram recolhidas nove fotografias de Giovanni Badaracco.
Dentre elas, sete imagens tiveram a autoria identificada e
possuem a assinatura de Charles William Alisky (1866-1946)
e Theodore Christopher Marceau (1859-1922), fotógrafos
norte-americanos, o que remete à presença do cantor em
Los Angeles e São Francisco entre 1899 e 1900, datas em que
esteve engajado na Lambardi Italian Opera Company. Este
texto discorrerá sobre essas imagens sobreviventes, na tentativa de recuperar a trajetória e a crítica sobre o tenor Giovanni
227
Badaracco entre os anos de 1899 e 1901, quando a circulação dessas imagens
e a recepção crítica atestam uma mesma etapa de sua vida artística.
Nascido em Roma em 1865, Giovanni Badaracco foi considerado um tenor
de “[...] excelentes notas, cheias, redondas, especialmente no registro alto, que
emite sem esforço e lhe permite chegar sem esforço aos sobreagudos”. (PÁSCOA,
2006, p. 242) Foi bastante elogiado nos anos da virada do século XIX para o
XX e sempre era chamado a repetir as árias agudas em cena aberta, tais suas
qualidades de spinto.
Os registros históricos mostram que iniciou sua carreira em 1893 no Teatro
Quirino, de Roma, com Ernani, la Forza del destino e La traviata. Na cronologia da
ópera em Manaus, realizada por Márcio Páscoa (2006, p. 242-243), verifica-se
que Badaracco esteve em Sofia, no Teatro Luxembourg, em 1895; em Catania,
no Teatro Nazionale, em 1896; em Lima, no Teatro Politeama, em 1897, e Teatro
Principal, em 1898; em Ancona, no Teatro Vittorio Emanuele, em Verona, no
Teatro Ristori, em Manaus, no Teatro Amazonas, e em Belém, no Theatro da
Paz, em 1901.
Deve ter se integrado à Lambardi Italian Opera Company na altura em que
esse grupo desenvolveu uma turnê mexicana, pois, antes, em janeiro de 1899,
Badaracco esteve no Teatro Nacional da Cidade do México com a citada companhia cantando ao lado de Bianca Barducci e Pedro Bugamelli, interpretando
La bohème, parceiros comuns nos palcos californianos nos meses seguintes. Nessa
digressão mexicana, Badaracco alternou os papéis de tenor do repertório com
Giuseppe Agostini, que logo em seguida iria para Belém, onde se apresentou
em temporada em 1900. (MAURIZI, 2007, p. 46) No México, Badaracco já
destacara-se no papel de Don José, em Carmen, como foi registrado pela crítica
em Los Angeles, na sua chegada: “O senhor Juan Badaracco possui uma voz
esplêndida e fará um Dom José ideal. Esse é um papel no qual tem aparecido
com grande sucesso ao longo da sua turnê mexicana e, certamente, atenderá
todas as expectativas daqueles que assistirem à apresentação esta noite”.1
A partir de 1904, as notícias indicam atuação mais frequente na América
do Sul, especificamente na Argentina, em Buenos Aires, no Teatro Marconi,
1 Los Angeles Herald, n. 315, 11 ago. 1899. Original: “Signor Juan Badaracco is in splendid voice,
and will, make an ideal Don Jose. It is a role in which he appeared with great success throughout
their Mexican tour, and will certainly fulfill all the expectations of those who will hear the performance this evening”.
228
Iconografia musical na América Latina
(1904-1905); e em Rosário, nos Teatros Colón (1905 e 1907) e Nuevo Politeama
(1906). Em 1906, esteve cantando no Teatro Parque Fluminense, no Rio de
Janeiro, pela companhia lírica de Michele Tornese, e, em seguida, no ano de
1907, registrou-se sua passagem por São Paulo, no Teatro Santana. A partir de
1908, os dados encontrados remetem à sua fixação em Buenos Aires, com participação nas temporadas do Teatro Coliseu e Teatro Marconi, nas temporadas
de 1911, 1917, 1920 e 1921, devendo ter circulado por outras cidades do cone
sul nesses intervalos.
O repertório desenvolvido por Giovanni Badaracco foi vasto e significativo:
Carmem, La Gioconda, Un ballo in maschera, La forza del destino, La traviata, I Pagliacci,
Cavalleria rusticana, Manon, Aida, Il trovatore, Ernani, Manon Lescaut, Il Guarany,
Rigoletto, Norma, Gli ugonotti, Lucrezia Borgia, L’africana, La bohème, Tosca, Íris, Jone,
Lucia di Lammermoor, Fra diavolo, Il barbiere di Siviglia, I puritani. Nas temporadas
de Manaus e Belém (1901), Giovanni Badaracco encarregou-se da maioria dos
papéis. De Rigoletto a I Pagliacci, o tenor dominou quase todas as peças de Verdi
e mais as de Ponchielli e Gomes. (PÁSCOA, 2006, p. 231)
A Lambardi Italian Opera Company foi uma companhia itinerante dirigida
pelo empresário Mário Lambardi, ativa no Caribe e nos Estados Unidos desde
o fim de 1896 até 1913 ou 1914. Sua primeira turnê começou na pequena
cidade portuária Puerto Cabello, Venezuela, em dezembro de 1896 e eventualmente seguiu para outros países da região, pois incluiu paradas em San José,
Curaçao, Maracaibo, Barranquilla, Cartagena, Cidade do Panamá, Quito e Lima.
Nessa ocasião, a companhia rodou por pelo menos um ano ininterruptamente.
Entre 1899 e 1901, excursionou pelo México, Estados Unidos, Cuba, Jamaica
e novamente o Peru. Durante os anos seguintes, retornaram a América Latina,
chegando a Valparaíso, no Chile, em 1904. Retornaram aos Estados Unidos em
1906-1907, fazendo apresentações principalmente na Costa Oeste. Seguiram-se
muitas turnês nos mesmos modelos, durante as quais frequentemente combinavam destinos nos Estados Unidos com outros da América Central e Caribe. Em
março de 1913, apresentaram-se no Havaí, com 14 obras em uma temporada
de três semanas. (KAUFMAN, 2002)
A chegada da Lambardi Italian Opera Company em Los Angeles foi anunciada em 7 de maio de 1899, após três meses percorrendo o México com críticas
positivas, estabelecendo-se no Los Angeles Theater como a grande atração da
cidade entre os meses seguintes, de maio a agosto de 1899. O elenco da Lambardi
A trajetória do tenor Giovanni Badaracco...
229
Italian Opera Company em Los Angeles estava assim distribuído: Bianca Barducci,
Beatriz Franco, Lola Überto, Amelia Sostegni, Ernestina Marchetti e Eliza Nerozzi,
dentre sopranos e contraltos. Os baixos, barítonos e tenores contavam com
Pedro Bugamelli, Ubaldo Travaglina, Fernando Avedona, G. Salassa, Carlos
Vizzardelli, G. Passatto, Domenico Russo, Giuseppe Ferrari e Giovanni Badaracco.
A orquestra era dirigida pelo maestro Ugo Barducci e o coro era dirigido por
Francesco Murine. A direção de cena era de Luigi Bergami, cantor e diretor com
passagem pelo teatro Alla Scala de Milão.2 No repertório da turnê, estariam
presentes as óperas Un ballo in maschera, La Gioconda, I Pagliacci, Cavalleria rusticana,
La bohème, Il trovatore, Ernani, Otello, Rigoletto, Fausto, Romeo e Giulietta, Aida, La
traviata, La favorita, Carmen, L’af ’ricana e La forza del destino, dentre outros títulos
que surgiriam depois, como Lucia di Lammermoor e Ruy Blas, por exemplo.
Figura 1 – Anúncio da Lambardi Italian Opera Company
Fonte: Los Angeles Herald (7 maio 1899).
Vale mencionar que, no periódico pesquisado, muitos nomes dos cantores
italianos aparecem traduzidos para o espanhol e que há generalizada confusão
entre os títulos em italiano e francês de muitas óperas. No primeiro caso, isso se
deve à passagem da companhia pelo México e pela recepção da crítica de periódicos mexicanos publicada pela imprensa norte-americana. Giovanni Badaracco
integrou nessa temporada os elencos de Carmen, Cavalleria rusticana – principais
sucessos do tenor na turnê mexicana –, I Pagliacci, Il trovatore, Ernani, Ruy Blas, Il
barbiere di Siviglia, Lucia di Lammermoor, I puritani e Rigoletto.
2 Los Angeles Herald, n. 219, 7 maio 1899.
230
Iconografia musical na América Latina
Figura 2 – Giovanni Badaracco como Cânio em I Pagliacci, de Leoncavallo. Foto: Charles William
Alisky, São Francisco, cerca de 1899
Fonte: Wikimedia Commons (2018).3
Essa primeira fotografia representa o tenor no papel de Cânio em I Pagliacci
(Figura 2). A composição cênica remete à fotografia de estúdio com traje de
cena e gestual dramático, com cenário naturalista ao fundo. Na inscrição da
fotografia, aparece: “Alisky – Foto – S.F.”. Charles William Alisky nasceu em 1º
de junho de 1866 na Califórnia e posteriormente mudou-se com sua família
para Portland, onde seu pai se tornou um proeminente homem de negócios.
Estudou arte em Munique e Dresden durante os anos de 1890 e 1891. Após
o retorno da Europa, abriu um estúdio de arte em Portland com sua esposa,
Charlotte Duncan, entre 1892 e 1893. Após o divórcio, em 1898, Charles Alisky
retornou à Califórnia e trabalhou como pintor, daguerrotipista e, depois, como
proprietário de um negócio teatral até sua morte em San Francisco, em 12 de
dezembro de 1946. (HUGUES, 2002)
3 Disponível em: http://commons.wikimedia.org.wiki/file:badaracco_giovanni.
A trajetória do tenor Giovanni Badaracco...
231
Essa imagem obedece aos princípios estéticos da fotografia oitocentista, principalmente a que registra e divulga artistas com trajes de cena. Essa e as demais
composições a serem vistas aqui foram feitas em estúdio e seguiram padrões da
arte pictórica tradicional. As divisões e dissensões entre a fotografia artística,
científica e comercial se aprofundaram nas últimas décadas do século XIX. A
fotografia comercial se expandiu para o mercado internacional, juntamente com
o recém-popular cartão postal. Além disso, a câmera Kodak, projetada para uso
de amadores, chegou ao mercado em 1888 e seu sucesso produziu um aumento
de produção desse tipo de equipamento. O impacto mais profundo ocorreu na
década de 1890, quando novas técnicas permitiram que as fotografias fossem
impressas diretamente ao lado de jornais e revistas, criando um público novo
e acentuando o papel social dos fotógrafos que ficaram conhecidos como
fotojornalistas.
Os dispositivos de criação de imagens, a química e os princípios oferecidos ao público a partir de 1839 fomentaram o que poderia ser chamado de
segunda grande invenção da fotografia em meados do século XIX, quando vários
experimentos foram realizados por parte de cientistas, na indústria, governo e
também nas artes. De fato, em seus primeiros anos, a fotografia era chamada de
“arte-ciência”, um termo que reconhecia a aproximação entre os conceitos. Na
segunda metade do século XIX, já eram acessíveis ao público várias publicações
sobre o progresso da fotografia em periódicos e manuais.
Além disso, à medida que a fotografia se espalhava pelo mundo, novos usos
e interpretações se multiplicavam rapidamente. Logo a fotografia entrou no
universo da crítica de arte, no qual sua estética foi definida e debatida juntamente com o valor de suas influências na sociedade. (WARD; MARIEN; WARD,
2003) Uma prática social semelhante começou com o daguerreótipo, em que
as imagens eram frequentemente superpostas para adicionar cor e definição
ao trabalho. Fotógrafos como Félix Nadar e Etienne Carjat, em Paris, fizeram
estudos de retrato de artistas plásticos, escritores e músicos que pertenciam aos
seus círculos sociais. A princípio, os fotógrafos tentaram difundir suas obras,
que muitas vezes retratavam celebridades, para a reprodução mecânica na mídia
impressa. O debate sobre fotografia e arte foi constante no século XIX, tanto no
emergente gênero de crítica fotográfica quanto no trabalho de praticantes que
tentavam usar o equipamento para fins artísticos. Entre os primeiros fotógrafos
de arte estavam membros de clubes europeus de intercâmbio fotográfico, que
232
Iconografia musical na América Latina
trocavam seus esforços uns com os outros, mas não tentavam ganhar dinheiro
com suas imagens, pois entendiam que a fotografia artística tinha um caráter
experimental, diferente da fotografia comercial, na medida em que esta última
procurava agradar a um público amplo. (WARD; MARIEN; WARD, 2003)
Desse modo, muitos fotógrafos que produziram comercialmente na virada
do século XIX para o XX ficaram esquecidos. Suas imagens, entretanto, não
estavam destituídas de senso estético associado ao objetivo propagandístico. As
fotografias de Badaracco acentuam alguns aspectos da crítica recolhida durante
a temporada norte-americana, em que se exaltou o fato de que o tenor sempre
causou boa impressão pelo porte e beleza física, pelo carisma, pelas qualidades
cênicas e vocais.
Em sua primeira aparição em Rigoletto, mesmo estando indisposto, seu
desempenho foi bastante elogiado:
No papel do Duque [de Mântua] mostrou possuir uma voz magnífica que está
bem de acordo com a sua fina aparência. [...] O dueto com Gilda no segundo
ato foi tão comovente, com a paixão e ternura que exigiu, mas foi realmente
no último ato que Badaracco conquistou seu público. Sua interpretação de ‘La
donna è mobile’ provocou uma tormenta de aplausos e foi forçado a repetir
a cativante ária. E no grande quarteto do mesmo ato, sua voz soou com um
poder sustentado que era simplesmente maravilhoso.4, 5
Em 22 de maio de 1899, foi levada à cena La traviata e, na crítica publicada
no dia seguinte, ficou registrado que Badaracco não teve um bom desempenho,
pois estava doente da garganta: cantou bem em algumas partes e, em outras, a
voz parecia desfocada, na opinião do crítico, dando espaço à soprano, que se
destacou no espetáculo, sobressaindo-se aos demais.
Em 30 de maio seguinte, cantou em Fausto e o crítico do Los Angeles Herald disse
que a voz robusta do cantor não se adequava ao papel, mas que o tenor cativou
4 “In the role of the Duke [of Mantua] he displayed the possession of a magnificent voice which
well accorded with his fine appearance. [...] The duet with Gilda in the second act was such with
all the fire, passion and tenderness it demanded, but it was really in the last act that Badaracco
thoroughly captured his audience. His singing of ‘La donna e mobile’ brought down a storm of
applause and he was forced to repeat the captivating air. And in the great quartet of the same act
his voice rang out with a sustained power that was simply marvelous”.
5 G. A. Dobinson. “At the Theatre, Los Angeles Herald, 20 maio 1899, p. 5.
A trajetória do tenor Giovanni Badaracco...
233
o público pelo seu estilo de voz ao sustentar muitas notas.6 Badaracco cantou
mais tarde em Carmen, em 11 e 14 de agosto e, antecipando mais uma récita, o
crítico ressaltava que seria uma excelente exibição pela voz esplêndida do tenor,
que havia criado um Dom José ideal.7 Integrou ainda o elenco de Il trovatore em
21 de julho e 17 de agosto, recebendo da crítica os trechos transcritos a seguir:
[...] tudo e todos pareciam estar em sintonia, e apesar da veia de tristeza que
permeia a ópera [...] o Manrico de Badaracco foi pictoricamente bom e seu
canto do papel, por melhor que seja, ainda se destaca por algumas falhas que
parecem fazer tanta parte de seu método que provavelmente sempre existirão.
Suas notas altas são boas e ele é evidentemente popular.8, 9
Sobre Ernani, cantada em 24 de julho, foi mencionado que o papel estava em
mãos eficientes, mas, quando cantou I puritani no dia 25, a crítica asseverou que
a ópera estava em tonalidades altas e que Badaracco não sabiamente forçou a
voz em detrimento do efeito artístico para fazer seu papel, mas que, ainda assim,
foi aplaudido veementemente várias vezes.10
Em 30 de julho, ao lado de Bianca Barducci e do maestro Ugo Barducci ao
piano, Badaracco fez uma récita benemerente para os alunos da Whittler State
School, a convite do advogado e financista John W. Mitchell, no hall da assembleia. Mitchell proferiu uma palestra sobre arte italiana e os mestres italianos e
uma comparação da velha Itália com a Califórnia, a Itália na América.11
Badaracco cantou Un ballo in maschera em 4 de agosto e a crítica do Los Angeles
Herald apenas mencionou ter sido uma excelente apresentação, semelhantes
termos que o jornal usou para falar sobre a a récita de La favorita em 29 de agosto
6 Los Angeles Herald, 31 maio 1899.
7 Los Angeles Herald, 19 ago. 1899.
8 [Sem autor] At the theatre. Los Angeles Herald, 22 julho 1899, p. 5.
9 “[...] everything and everybody seemed to be in tune, and in spite of the vein of sadness that runs
through the opera [...] Badaracco’s Manrico was pictorially fine and his singing of the role, good
as it is, is yet distinguished by some faults that seem to be so much a part of his method that they
will probably always exist. His high notes are good and he is evidently popular”.
10 Los Angeles Herald, 26 jul. 1899.
11 Los Angeles Herald, 11 ago. 1899.
234
Iconografia musical na América Latina
de 1899, em que elogiou o espetáculo e mencionou que Badaracco foi obrigado
a bisar a famosa passagem Spirto gentil.12
Quase ao mesmo tempo, Badaracco e a companhia lírica estiveram em San
Francisco no Teatro Alhambra, onde o tenor apareceu em Il trovatore, Un ballo
in maschera e Rigoletto, e nos dias 16, 17 e 18 de junho respectivamente, ao lado
de Bianca Barducci e Luigi Bergami nos demais papéis principais. Nessa cidade,
houve uma decisão por estender os espetáculos por mais uma semana, devido ao
grande sucesso.13 A récita de Il trovatore havia sido tão boa que o público pediu
mais duas récitas extras antes de encenarem outros títulos.14
Ainda em San Francisco, o tenor foi convidado para a inaguração de uma
nova sala de concertos, a Sala Fischer, que aconteceu em 25 de março de 1900,
onde Badaracco cantou ao lado de Bianca Barducci o 4º ato de Il trovatore.
A crítica em San Francisco menciona os mesmos atributos lidos no Los Angeles
Herald, destacando que Badaracco era um tenor robusto e que possuía todas
as qualificações necessárias que o faziam tão querido “ao coração das garotas
das matinês. Um gigante em estatura com um esplêndido rosto e uma voz melodiosa e bem treinada. Fez um Manrico ideal”.15 Em 29 de junho de 1900, outra
notícia registrava a presença do tenor em San Francisco, ocasião em que realizou
concertos ao lado de Bianca Barducci, Ugo Barducci e outros, enquanto uma
parte da companhia lírica de Mário Lambardi estava em Cuba.16 A partir, daqui
o tenor começou a se deslocar novamente e, em breve, chegaria à Amazônia.
Na fotografia de autoria de Charles Alisky, foram percebidos os atributos
cênicos e o traje que pertencem à iconografia usual para personagens heroicos
da Idade Média tardia nas óperas oitocentistas, como é o Manrico em Il trovatore
(Figura 3). O tenor utiliza um casaco curto com cinto sobreposto, um calção
curto com meia semelhante ao tecido de helanca escura, botas curtas, capa, uma
espada pequena na cintura. Acima do paletó, vê-se uma gola de renda aplicada.
A postura do cantor, com os braços cruzados, e a expressão de tensão
evocam uma cena em ambiente com referências tardo-medievais e renascentistas.
12 Los Angeles Herald, 30 ago. 1899.
13 San Francisco Call, v. 86, 17 jun. 1899.
14 San Francisco Call, v. 86, n. 20, 17 jun. 1899.
15 San Francisco Call, v. 87, n. 125, 25 mar. 1900.
16 San Francisco Call, n. 29, 29 jun. 1900.
A trajetória do tenor Giovanni Badaracco...
235
Il trovatore, como se viu, foi um dos grandes sucessos do cantor, inclusive sendo
escolhida para a récita de seu benefício artístico já em Manaus no ano de 1901.
Figura 3 – Giovanni Badaracco como Manrico em Il trovatore, de Verdi.
Foto: Charles William Alisky, São Francisco, cerca de 1899
Fonte: Wikimedia Commons (2018).17
Na terceira imagem desse conjunto, vê-se o tenor com uma soprano não
identificada, provavelmente Bianca Barducci, da Lambardi Opera Company, com
o figurino evocativo de I Pagliacci (Figura 4). Destacam-se aqui a composição de
orientação diagonal, a harmonia do figurino leve dos personagens e a presente
alegria emanada através do registro fotográfico, que enfatiza o carisma do tenor,
descrito em crítica de periódico amazonense em 1901:
17 Disponível em: http://commons.wikimedia.org.wiki/file:badaracco_giovanni.
236
Iconografia musical na América Latina
No seu rosto de atleta romano sobressai a expressão penetrante dos olhos, a
quem a fronte larga e branca imprime um cunho particular de refletida energia.
Suas mãos esguias e bem talhadas acentuam-lhe a propriedade do gesto magistral, que o distingue nas suas belas atitudes de artista. A sua boca, que tem uma
dolorosa expressão de antiga amargura, nem parece o órgão gerador de sua voz
prodigiosa.18
Figura 4 – Giovanni Badaracco e soprano em I Pagliacci, de Leoncavallo.
Foto: Charles William Alisky, São Francisco, cerca de 1899
Fonte: Wikimedia Commons (2018).19
18 A Federação, 25 jul. 1901.
19 Disponível em: http://commons.wikimedia.org.wiki/file:badaracco_giovanni.
A trajetória do tenor Giovanni Badaracco...
237
O desempenho do tenor nessa ópera de Leoncavallo foi muito aplaudido na
temporada lírica de 1901, em Manaus, pela Companhia Lírica Italiana de José
Fernandes de Carvalho – conhecido como Juca Carvalho –, no Teatro Amazonas.
Nessa ocasião, também integrou o elenco de La Gioconda, Il trovatore, Manon Lescaut
e Il Guarany, sob a direção do maestro Giorgio Polacco.
Na fotografia em que Badaracco personifica Enzo Grimaldo, da ópera La
Gioconda, a ênfase na composição diagonal é acentuada pelo cantor, que está
sentado numa simulação de tronco de árvore no estúdio, com saia plissada,
camisa de mangas bufantes, colete e sapato com polainas de couro, usando
um anel na mão direita e um punhal na faixa na cintura.
Figura 5 – Giovanni Badaracco como Enzo Grimaldo em La Gioconda, de Amilcare Ponchielli.
Foto: Charles William Alisky, São Francisco, cerca de 1899
Fonte: Wikimedia Commons (2018).20
20 Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Badaracco_Giovanni7.jpg.
238
Iconografia musical na América Latina
Essa composição iconográfica reúne os atributos de figurino do personagem,
príncipe que se disfarça como marinheiro, conforme se percebe de outras fotografias de cantores na pele do personagem, como é o caso de Beniamino Gigli
e Giacinto Prandelli representando Enzo Grimaldo (Figuras 6 e 7). Badaracco
interpretou esse papel nas temporadas líricas de Manaus e Belém, em 1901.
Figura 6 – Beniamino Gigli como Enzo Grimaldo, em La Gioconda, 1914
Fonte: Wikipedia (2018).21
21 Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:GigliGioconda1914.jpg.
A trajetória do tenor Giovanni Badaracco...
239
Figura 7 – Giacinto Prandelli como Enzo Grimaldo, em La Gioconda
Fonte: Giacinto Prandelli (2018).
Outro sucesso de Badaracco foi o papel de Turiddu em Cavalleria rusticana,
de Mascagni (Figura 8). A criação desse papel nas temporadas do México e
na Califórnia foi bastante elogiada pela crítica. Na fotografia, o tenor está no
estúdio, em pé, evidenciando o traje típico siciliano, com calça presa por uma
faixa, paletó curto aberto, gravata larga e panejada e, na cabeça, um barrete
típico. Levanta com a mão direita um copo de vinho, outra menção ao personagem Turiddu. Na imagem, consta a inscrição de Alisky.
240
Iconografia musical na América Latina
Figura 8 – Giovanni Badaracco como Turiddu em Cavalleria Rusticana, de Pietro Mascagni.
Foto: Charles William Alisky, São Francisco, cerca de 1899
Fonte: Wikimedia Commons (2018).22
É muito provável que as fotografias aqui apresentadas tenham circulado na
Amazônia nesse período, como difusão e apresentação profissional do artista,
ao lado de restante material publicitário, como foi o caso da crítica mexicana
publicada no Herald de Los Angeles, material que geralmente antecedia e anunciava a vinda de uma companhia lírica. Tais imagens pontuam ainda a digressão
do cantor pelo lugar onde realizou carreira.
22 Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Badaracco_Giovanni4.jpg.
A trajetória do tenor Giovanni Badaracco...
241
Visão mais alargada sobre a recepção da atuação de Badaracco nas cidades
de Manaus e Belém consta nos estudos de Márcio Páscoa (2000, 2006, 2009a,
2009b), em que foram recolhidas críticas dos espetáculos das temporadas líricas
nessas cidades. Algumas das fontes primárias citadas por Páscoa (2000, p. 225),
como os jornais Amazonas e A Federação, eram forças políticas antagônicas e,
muitas vezes, a rivalidade entre os periódicos afetava o teor da crítica ou crônica lírica. A Companhia Lírica de Juca Carvalho reuniu nomes significativos e
valores individuais, a começar pelo maestro Giorgio Polacco,23 uma das maiores
notoriedades artísticas a reger no Teatro Amazonas naquele tempo.
Figura 9 – Anúncio da Companhia Lírica Italiana de José Fernandes de Carvalho em Manaus, 1901
Fonte: Páscoa (2000).
23 Nascido em Veneza, em 12 de abril de 1875, lá iniciou seus estudos, seguindo para o Conservatório
de Milão e, depois, para São Petesburgo. Foi maestro-assistente no Convent Garden (Londres)
em 1890, fazendo seu début ao reger Orpheo ed Euridice, de Gluck, no Shaftesbury Theatre.
Trabalhou como regente em diversas cidades europeias e na América do Sul. Em 1912, estreou
no Metropolitan Opera House sucedendo Toscanini, permanecendo ali até 1917. Depois trabalhou em Chicago, na Chicago Civic Opera, de 1922 a 1930, quando se retirou por motivos de
saúde. Foi regente de inúmeras premières líricas de óperas de compositores. Seu prestígio promoveu o début de vários cantores em diversos teatros e cidades, e possivelmente todos os grandes
cantores da época foram regidos por ele. (PÁSCOA, 2000, p. 226-227)
242
Iconografia musical na América Latina
O elenco estava composto pelas sopranos Carlota Zucchi-Ferrigno, Cleonice
Campagnolli, Elvira Miotti, Ada Patalano e Mabel Nelma. Os tenores eram
Giovanni Badaracco, Giorgio Quirolli, Michele Sigaldi e o comprimário Giuseppe
de Marco. Os barítonos eram Enrico de Francheschi, Franco Polimeni e Simeone
Mongelli. Os baixos eram Michele Fiore, Salvatore di Giulio e Alceste Mori.
(PÁSCOA, 2000, p. 226)
Na crítica feita ao ensaio geral de Il Guarany, o crítico observou que “o tenor
Badaracco, Pery, por algumas vezes foi aplaudido em algumas passagens por
causa da sua voz extensa e bem afinada, mas não por estar bem conhecedor do
papel, o diapasão de sua voz por vezes esteve em desacordo com a orquestra”.24
O sucesso da companhia rendeu vários elogios ao tenor, como se pode ver
na crônica do jornal A Federação,25 na coluna “Perfis a carvão”:
Badaracco é, a nosso ver, o rival da Zucchi, no desempenho da arte em que são
profissionais. O nosso criticado é um cavalheiro no seu trato íntimo, se bem que
pouco expansivo e extremamente cortês. De uma inteligência pronta e lúcida, o
artista que o público tem admirado mantém as mesmas atitudes nobres e linha
esbelta do palco nas suas palestras poderosas, sempre sustentadas com certa
elevação intelectual, rara de ordinário, em gente de teatro, habituada a enredos
medíocres de bastidores.
[...]
Badaracco não é somente o tenor poderoso, cuja voz melodiosa pode enfeitiçar
o mais indiferente auditório. Se ele possuísse apenas esse dom precioso, que é
puramente mecânico e que por isso encontra mais poderosa concorrência no
gorjeio evocativo das flautas e no sentido soturno e comovente dos órgãos não
mereceria o qualificativo nobre de artista, de que se pode orgulhar.
A expressão de sua frase musical, a eloquência extraordinária de sua mímica
superior, suas atitudes perfeitas, riscando-lhe em relevo a mais acentuada psicologia de artista emocional, que se funde com sua ária transmitindo-lhe toda
a requintada energia dos próprios sentimentos.
Nós que temos a bossa fechada às seduções da música, já nos temos por vezes
extasiado ante o poder fascinante do talento desse artista.
Mas achamo-lo inexcedível, assombroso e formidável interpretando Os Palhaços,
com tamanha intensidade mental, com uma tão fiel identificação psicológica,
que o seu papel mais parecia uma criação de momento, dessas que nascem da
inconsciência de um cérebro predestinado, que a reprodução de um tipo engenhosamente gerado pelo gênio de um escritor.
Jayme Aroldo26
24 Amazonas, 23 jul. 1901.
25 A Federação, 25. jul. 1901.
26 A Federação, 25. jul. 1901.
A trajetória do tenor Giovanni Badaracco...
243
A posição do crítico do periódico Amazonas sobre a atuação de Badaracco
em Manon Lescaut, parece, entretanto, de uma subjetividade discordante:
Não é possível que uma empresa organizada para uma tournée no estrangeiro,
composta de elementos heterogêneos contratados aqui e acolá possa obter
um ensemble homogêneo. Cousa alguma preocupa a empresa para bem servir
o público. Partes são distribuídas a artistas que se sacrificam fazendo-as, visto
não estarem de acordo com seu registro de voz, e haja nisto o haverem confiado
o ‘roule’ de Des Grieux na Manon Lescaut ao signor Badaracco.27
Para Páscoa (2000), essa colocação do crítico com relação ao papel de Des
Grieux, realizado por Badaracco, poderia ser interpretada mais como uma impertinência ou mesmo gosto pessoal, pois ele era o tenor principal da companhia e
as exigências vocais da ópera de Massenet seriam parecidas com as dos papéis
realizados em I Pagliacci e Il Guarany. Vê-se que, na opinião do crítico do periódico
A Federação, o desempenho do tenor foi satisfatório:
Há muita gente que supõe que Juca Carvalho, empresário da Companhia Lyrica
que está trabalhando no Teatro Amazonas, trouxe um só Badaracco e uma só
Miotti; e eu, como toda gente, estava na mesma persuasão. Hoje, porém, eu sei
que os Badaraccos são dois, como duas são a Miotti. O que cantou a Gioconda,
Trovatore, Aida e outras, é um; o que cantou Os Palhaços, e a Manon Lescaut, é
outro [...]. O primeiro dos Badaracco não me desagradou, mas também não
me deixou ficar impressão nenhuma favorável a seu respeito, como cantor,
entenda-se. O contrário disto aconteceu com o segundo, que embora não
sendo artista consumado, interpretou e executou inteligentemente o papel de
palhaço, cantando com grande expressão a dificílima romanza do 1º ato: ‘Ridi,
Pagliaccio’, romanza tanto mais difícil quanto mais facílima é cair no ridículo se
não for bem cantada. Na Manon Lescaut, o seu trabalho é mais completo, especialmente no 3º ato, onde revelou estudos mais sérios, tornando bem distintas
a parte do canto e a parte dramática. No decorrer da ópera apresenta algumas
incorreções que, fáceis de todas de remediar; podem elas passar despercebibas
aos olhos do público em geral, mas de modo algum não escapam ao do verdadeiro crítico. Ora, como um artista e que tem por escopo subir sempre na
opinião do público, as ligeiras observações que aqui deixo escritas, longe de
incomodar, só podem ser bem acolhidas por Badaracco a quem faço reconhecer artista de mérito.28
27 Amazonas, 5 ago.1901.
28 A Federação, 11 ago. 1901.
244
Iconografia musical na América Latina
A imagem a seguir trata da divulgação de um concerto de Badaracco, convidando para uma apresentação à comunidade italiana em Manaus. Nesse
carte-de-visite,29 consta uma inscrição manual que registra a data de 19 de junho
de 1901. Porém, não há, até o presente momento, fontes que corroborem que
esse concerto tenha ocorrido antes da estreia da Companhia Lírica Italiana,
anunciada para 30 de junho do mesmo ano. Segundo o convite, o tenor cantaria
uma ária de Luiza Miller e a récita no Teatro Amazonas seria dedicada à colônia
italiana de Manaus. Esse cartão de visita é muito significativo por ter a referência
à estação lírica do Teatro Amazonas, como uma antecipação ao público dos
valores artísticos da companhia.
A fotografia utilizada nesse cartão teve a sua autoria identificada através
da inscrição “Marceau”. Trata-se do fotógrafo norte-americano Theodore
Christopher Marceau (1859-1922),30 pioneiro na criação de uma cadeia nacional
de estúdios fotográficos nos Estados Unidos na década de 1880. Fundou o
Marceau Studios em Manhattan, Nova York, Filadélfia e Boston e rapidamente se
tornou um dos fotógrafos mais conhecidos do país. Marceau propôs uma ideia
que funciona até hoje: o símbolo dos direitos autorais. A carreira de Marceau
como fotógrafo começou quando tinha 22 anos, servindo como fotógrafo oficial
da expedição astronômica do governo dos Estados Unidos para a América do
Sul para observar o trânsito de Vênus. Serviu na equipe do governador de Ohio
29 A fotografia no formato carte-de-visite foi patenteada pelo fotógrafo francês André-Adolphe-Eugène Disdéri, em 1854, e era igualmente popular no mercado internacional, mas não tão
duradoura quanto o estereógrafo. Uma câmera especialmente projetada permitia a criação de
até oito imagens diferentes, aproximadamente do tamanho de um cartão de visita padrão (2,5
× 4 polegadas). Estúdios fotográficos forneciam adereços e roupas, junto com orientações sobre
como posar. O carte-de-visite era barato e podia ser negociado ou coletado. Pessoas famosas
usavam o carte-de-visite para relações públicas. Milhões de cartes foram produzidos em uma moda
mundial que durou cerca de uma década. (WARD; MARIEN; WARD, 2003)
30 Em 1900, fundou a Marceau Studios em Nova York e contratou Edgar A. Caffey como fotógrafo
e operador. Ele também comprou o estúdio Sarony e, durante grande parte da primeira década
do século XX, também o gerenciou. Em 1905, Marceau organizou a Professional Photographers
Society of New York State e atuou como seu primeiro vice-presidente. Ele também organizou a
Liga dos Direitos Autorais, que pressionava o Congresso dos Estados Unidos por proteções de
direitos para os fotógrafos, contra a apropriação de suas imagens pelos jornais. Foi Marceau
quem recomendou o ícone que simboliza que a imagem era protegida por direitos autorais.
Marceau tornou-se um homem muito bem conectado e rico, tornando-se colecionador e proprietário de imóveis. Morreu devido a uma insuficiência cardíaca em sua casa em Premium Point,
New Rochelle, em 22 de junho de 1922. Seu filho, Theodore Marceau Jr., rapidamente assumiu
os negócios do estúdio antes de vender a marca. (STANSKA, 2017)
A trajetória do tenor Giovanni Badaracco...
245
e do governador da Califórnia. Com o tempo, Marceau diversificou os estúdios
fotográficos, que faziam retratos, fotografias científicas e fotojornalismo ocasional. Esse fotógrafo teve muito interesse em retratos teatrais de encenação,
pois usou muitos adereços, cortinas e cenários pintados em suas composições.
Marceau também se especializou no retrato oficial, imagens de viagem e fotografia publicitária. Muitas pessoas famosas foram fotografadas por ele, que teve
diversas lojas de fotografia de serviços locais, como fotografias de casas, fotos
da sociedade e imagens de funções oficiais.
Figura 10 – Carte-de visite de Giovanni Badaracco para a apresentação à comunidade italiana em
Manaus. Inscrição: 19 de junho de 1901. Foto do centro: Theodore Marceau, cerca de 1899
Fonte: Wikimedia Commons (2018).31
A fotografia de Giovanni Badaracco feita por Theodore Marceau em seu
estúdio em Los Angeles32 evidencia a formalidade do traje, com camisa de gola
31 Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Badaracco_Giovanni2.JPG.
32 No detalhe da inscrição do nome de Marceau na fotografia que representa Giovanni Badaracco,
consta logo abaixo do nome do fotógrafo a referência à cidade do estúdio.
246
Iconografia musical na América Latina
ligeiramente levantada, gravata de tecido adamascado, lenço menor no bolso
do casaco, cabelo curto e bigode, tal como a moda do período permitia vestir
os homens mais jovens. A imagem retoma a composição do busto-retrato
neoclássico, possui nitidez no primeiro plano e um segundo plano ligeiramente
desfocado, comum ao pictorialismo fotográfico do período. Sua cabeça está
virada para a esquerda, com olhar direcionado a um ponto fora do espaço
composicional. Na Figura 10, percebe-se uma diferença sutil no retrato de
perfil utilizado no carte-de-visite, confirmando que se trata de duas fotografias
da mesma sessão, mas com direção de arte diferente. Na Figura 10, o tenor está
com a cabeça em perfil oblíquo e, na Figura 11, em postura mais altiva, com a
cabeça mais elevada e em perfil completo.
Figura 11 – Retrato de Giovanni Badaracco. Foto: Theodore Marceau, cerca de 1899
Fonte: Wikimedia Commons (2018).33
33 Disponível em: http://commons.wikimedia.org.wiki/file:badaracco_giovanni.
A trajetória do tenor Giovanni Badaracco...
247
Antes do término da temporada lírica, houve um sarau na casa do governador
do estado do Amazonas, Silverio Nery, promovido pela esposa dele. Nessa ocasião, foi registrada pela crítica a participação de Badaracco:
Fez-se ouvir em primeiro lugar o tenor cuja voz possante e bem moldada conquistou inteiramente o público desta capital em interpretações que a crítica já
consagrou, por admiravelmente belas, com os mais justos encômios e merecidos
elogios. Badaracco esteve em um de seus dias felizes, e com aquela expressão
que só por si faria dele um artista dos mais completos, soube encher toda a sala
com as cordas sonoras de sua voz melodicamente timbrada e própria para traduzir os mais sutis movimentos da alma. Executando trechos de Andrea Chenier
de Giordano, do Pagliacci de Leoncavallo, da Gioconda de Ponchielli, mais uma vez
se confirmou brilhantemente os seus foros e privilégios de consumado cantor.34
Certamente, Giovanni Badaracco foi um dos baluartes da temporada do
Teatro Amazonas. A crítica não o considerava somente um tenor poderoso, cuja
voz melodiosa poderia “enfeitiçar o mais indiferente auditório”, mas um cantor
inteligente, que detinha a expressão de sua frase musical, da dramaticidade e
das atitudes perfeitas na cena. (PÁSCOA, 2009b, p. 125)
Logo após a digressão em Manaus, a Companhia Lírica Italiana esteve em
Belém, no Theatro da Paz. Lá, Badaracco cantou em Il trovatore, I Pagliacci, Aida,
Ernani, Un ballo in maschera, Il Guarany, Manon Lescaut, La Gioconda e Rigoletto.
O elenco que se anunciou no Pará foi o mesmo que atuou em Manaus.
A primeira menção à passagem de Badaracco em Belém foi feita na récita
de Il trovatore:
Encarregado da parte de Manrico, procurou o tenor sr. Badaracco vencer a
natural comoção da estréia, não conseguindo totalmente, em consequência
de um certo ‘baixamento’ da voz, com que teve de lutar no correr dos dois primeiros atos. Entretanto, reanimou-se no 3º, chegando a cantar com bastante
correção e segurança o último dueto com ‘Leonor’, no derradeiro ato. É um
artista sóbrio e discreto.35
Badaracco continuou apreciado pela crítica paraense em I Pagliacci:
34 A Federação, Manaus, 9 ago. 1901.
35 Folha do Norte, Belém, 31 ago. 1901.
248
Iconografia musical na América Latina
Canio, distribuído ao sr. Badaracco, esteve irrepreensível. Aplaudímo-lo calorosamente no ‘Ridi, Pagliaccio’ É para lastimar que, artista da velha escola
dramática, não tivesse procurado tirar todo o partido da frase fina da ópera:
‘La comedia e finita’.36
Na apresentação de Aida, quarta récita livre da temporada, Badaracco teve
um desempenho considerado regular:
Regular no primeiro ato, correto em quase todo o segundo, tendo-nos agradado no concertante final deste ato; pareceu-nos um pouco inexpressivo no
dueto e terceto do terceiro ato. No quarto ato, no dueto com Amneris, pareceu-nos um tanto hesitante, apesar da pequena responsabilidade da sua parte.
No dueto final com Aida agradou-nos sem restrições e não lhe regateamos os
nossos aplausos.37
Figura 12 – Giovanni Badaracco como Radamés em Aida, de Verdi. Estúdio fotográfico não
identificado, cerca de 1899
Fonte: Wikimedia Commons (2018).38
36 Folha do Norte, Belém, 31 ago. 1901.
37 Folha do Norte, Belém, 31 ago. 1901.
38 Disponível em: http://commons.wikimedia.org.wiki/file:badaracco_giovanni.
A trajetória do tenor Giovanni Badaracco...
249
Essa imagem sem identificação do fotógrafo ou estúdio representa Badaracco
em personagem de ópera que pode ser atribuído como Radamés, em Aida, pelo
exotismo do traje do cantor e do cenário, que remete ao mundo de herança
clássica, com arcos e balaustradas, coluna em ruínas rodeada de folhas e flores.
A postura do cantor, apoiado com o braço na coluna, confere uma similaridade à estatuária clássica, com o apoio necessário em um suporte e o ligeiro
afastamento das pernas, para proporcionar equilíbrio e movimento. O traje
é inusual, uma espécie de túnica curta com aplicações metálicas, em sentido
geométrico – circulos e triângulos – e uma base de fundo, calça e camisa interior
de tecido mais claro ranhurado. O sapato apresenta o mesmo tecido da calça,
sem interrupção. Sua expressão é altiva e serena.
No dia 5 de setembro de 1901, ainda na temporada em Belém, o par verdiano – Zucchi-Ferrigno e Badaracco – retornava ao palco do Theatro da Paz
para interpretar Ernani:
Fez o papel de Ernani o tenor Badaracco. Elegante allure desembaraço na
parte dramática, cantou aceitavelmente toda a serata, se excetuarmos a falta
de pureza como emitiu certos agudos e para os quais se socorre por vezes do
efeito nasal, pouco artístico, mas perdoável. Estimaríamos vê-lo prolongar
menos algumas notas em que se mostra seguro, mas que são boas apenas para
‘espantar o burguês’. Assim parece-nos de mesmo efeito, igualmente, a maneira
impetuosa com que retoma o fôlego para emitir outras notas, emprestando-lhes
uma expressão apaixonada, mas desagradável. Foi bem nos dois primeiros atos,
contribuindo para o bom efeito do ‘pezzo concertante’ do terceiro, e preencheu
agradavelmente o quarto ato é a cena final da morte, em que se nos afigurou
sacrificar um pouco a parte dramática à vocalização.39
Segundo Páscoa (2006, p. 167), “nada escapava ao temível cronista do
periódico paraense”, que se destacava pelos conhecimentos musicais do gênero
operístico. Para o autor, de nada adiantaria saber o nome do articulista, pois
naquele tempo estavam todos protegidos por pseudônimos, o que lhes garantia
maior liberdade de escrita e crítica.
A imagem a seguir provavelmente representa Giovanni Badaracco como
Duque de Mântua, em Rigoletto (Figura 13). A fotografía evidencia uma composição de estúdio organizada, na qual o personagem representado está sentado
39 Folha do Norte, Belém, 7 set. 1901.
250
Iconografia musical na América Latina
numa cadeira, com um modelo de traje utilizado na iconografia usual, como
também pode ser observado na fotografía de Nancy Sorensen, retratando Richard
Tucker como Duque de Mântua (Figura 14): roupa em estilo pré-renascentista
ou renascentista, possível uso de listras, elementos bufos e acessórios, tais como
anéis e colar com medalhão, ou outras representações do poder ducal, a que se
pode acrescer uma cadeira senhorial. A referência ao cenário é de um ambiente
palaciano interno, com uma cadeira entalhada, rodeada de tecidos nobres, na
toalha da mesa e no cortinado.
Figura 13 – Giovanni Badaracco como Duque de Mântua em Rigoletto, de Verdi.
Estúdio fotográfico não identificado, cerca de 1899
Fonte: Wikimedia Commons (2018).40
40 Disponível em: http://commons.wikimedia.org.wiki/file:badaracco_giovanni.
A trajetória do tenor Giovanni Badaracco...
251
Figura 14 – Richard Tucker como Duque de Mântua em Rigoletto, de Verdi. Foto de Nancy Sorensen
Fonte: Lyric Opera de Chicago ([2018]).
Sempre uma estreia aguardada na estação lírica paraense era a cultuada
partitura de Carlos Gomes, Il Guarany, efetivamente apresentada dos dias 21
e 22 de setembro, caracterizando-se como uma récita a preços mais baixos e
anunciada como popular.41
Pery, o generoso e apaixonado guarany, foi interpretado pelo sr. Badaracco,
que se não nos arranca francos aplausos, merece-nos contudo muito boas
referências pela estudiosa maneira com que cantou a ópera, especialmente
depois da conhecida ária ‘Sento una forza indomita’ que sublinhou com muita
expressão. Sentimo-lo um tanto fraco e talvez pouco estudado na entrada do
primeiro ato, que tem o ouvido mais fortemente acentuada por diversos intérpretes, bem como pareceu estar mal compreendido o seu papel na cena com o
41 Folha do Norte, Belém, 22 set. 1901. Frisas de primeira ordem a 40$000 e camarotes de segunda
ordem a 25$000 citado por Páscoa (2006, p. 168).
252
Iconografia musical na América Latina
cacique, que temos visto mais altiva, mais ‘bene mercatta’ [sic] Em todo o caso
o sr. Badaracco não deixou de agradar-nos, como já dissemos acima, e estamos
certos de que este artista, assim como a sra. Quiroli, uma vez livre da impressão
do receio que pareceu-nos estar possuído, nos dará um melhor Pery, em outra
audição do Guarany.42
Pecebe-se, no discurso do crítico, a preocupação com a execução de uma
ópera brasileira pela companhia italiana, e ele enfatiza que os cantores, apesar
de terem estudado os papéis com afinco, ainda precisariam compreender melhor
os personagens. O que se pode verificar é que o ritmo e a frequência dos espetáculos na temporada lírica eram frenéticos, e certamente isso afetou a qualidade
vocal dos cantores.
Acrescenta-se nesta cronologia do tenor a notícia de uma temporada lírica
entre dezembro de 1906 e janeiro de 1907, no Rio de Janeiro, no Teatro Parque
Fluminense e Teatro São Pedro de Alcântara. Giovanni Badaracco integrou os
elencos de Aida (13 de dezembro), La Gioconda (18 de dezembro), Carmen (27 de
dezembro) e Rigoletto (31 de dezembro ou 1º de janeiro). A Companhia Lírica
tinha como diretor artístico o tenor Giorgio Quirolli, que esteve em Manaus
em 1901 e 1902. A companhia fez outras óperas com outro tenor, Michele
Tornesi, que era o empresário do grupo, ou mesmo sem especificar quem foi o
intérprete: Tosca, La bohème, Iris, I Pagliacci, Cavalleria rusticana, Il trovatore, Fausto
e Manon Lescaut. Badaracco poderia ainda ter cantado em Il trovatore, Cavalleria
rusticana ou I Pagliacci, seu repertório habitual.43
Os comentários críticos encontrados no periódico carioca apontam para
um cansaço vocal do cantor, sugerindo que poderia também não estar bem de
saúde. Provavelmente, o processo de decadência deveu-se aos esforços típicos
da época, em que as exigências artísticas e econômicas empurravam o cantor
a um limite, o que, no caso de Badaracco, significa que chegou a cantar até
mesmo cinco títulos diferentes por semana.
Em dezembro de 1908, foi registrada sua participação na temporada no
Teatro Coliseu, em Buenos Aires, no elenco de Aida e La forza del destino. Entre
março e abril de 1911, figurou no elenco de Norma e Jone, no Teatro Marconi,
em Buenos Aires. Nesse mesmo teatro, esteve nos anos de 1917, 1920 e 1921,
42 Folha do Norte, Belém, 23 de set. 1901.
43 Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, dez. 1906 e jan. 1907.
A trajetória do tenor Giovanni Badaracco...
253
que são seus últimos registros conhecidos, nas montagens de La traviata, Fra
diavolo e Madama Butterfly, já atuando como comprimário. Faleceu em Buenos
Aires, em 1940.
Quadro 1 – Repertório operístico realizado por Giovanni Badaracco nas turnês dos Estados Unidos
(Los Angeles e San Francisco, 1899-1900) e Brasil (Manaus e Belém, 1901)
Lambardi Italian Opera
Company, Los Angeles e San
Francisco, 1899
Companhia Lírica Italiana de
José Fernandes de Carvalho,
Manaus, 1901
Companhia Lírica Italiana de
José Fernandes de Carvalho,
Belém, 1901
Carmen
La Gioconda
Il trovatore
Cavalleria rusticana
Il trovatore
I Pagliacci
I Pagliacci
Manon Lescaut
Ainda
Il trovatore
Il Guarany
Ernani
Ruy Blas
I Pagliacci
Un ballo in maschera
Ernani
Ainda
Il Guarany
Il barbiere di Siviglia
Manon Lescaut
Lucia di Lammermoor
La Gioconda
I puritani
Rigoletto
Rigoletto
Fontes: Páscoa (2000, 2006) e Los Angeles Heral (1899).
Mesmo com a ausência de registros que documentem a sua atividade lírica
entre 1902 e 1903, percebe-se que o profícuo período entre 1899 e 1901,
referente às temporadas no México, Califórnia e Norte do Brasil, teria sido o
auge da carreira de Giovanni Badaracco, pois as críticas e as imagens atestam
esse momento.
Referências
A FEDERAÇÃO. Manaus: [s. n.], 1901.
AMAZONAS. Manaus: [s. n.], 1901.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1995.
(Obras Escolhidas).
CASTELNUOVO, Enrico. Retrato e sociedade na arte italiana. São Paulo. Companhia
das Letras, 2006.
254
Iconografia musical na América Latina
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. 9. ed. Campinas: Papirus, 2009.
FABRIS, Annateresa. A fotografia oitocentista ou a ilusão da objetividade. Revista
de Artes Visuais, Porto Alegre, v. 5, n. 8, p. 7-16, 1993.
FOLHA DO NORTE. Belém: [s. n.], 1901.
FONTCUBERTA, Joan. O beijo de Judas: fotografia e verdade. Barcelona: Editorial
Gustavo Gili, 2010.
FRANCASTEL, Pierre. A realidade figurativa. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1991.
GAZETA DE NOTICIAS. Rio de Janeiro: [s. n.], dez..1906/jan. 1907.
GIACINTO PRANDELLI. Disponível em: http://www.giacintoprandelli.com/index.
php/it/multimedia/le-fotografie/gli-spettacoli/. Acesso em: 23 abr. 2018.
HUGUES, Edan Milton. Artists in California, 1786-1940. 3rd. ed. Sacramento:
Crocker Art Museum, 2002.
KAUFMAN, T. Lambardi, Mario. In: OXFORD UNIVERSITY PRESS. Grove Music
Online. Oxford: Oxford University Press 2002. http:////www.oxfordmusiconline.
com/grovemusic/view/10.1093/gmo/9781561592630.001.0001/omo9781561592630-e-5000004260. Acesso em: 26 jul. 2018.
KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. 3. ed. Cotia: Ateliê
Editorial, 2014.
LE GOFF, Jacques. Reflexões sobre a história. Lisboa: Edições 70, 1986.
LOS ANGELES HERALD. Los Angeles: [s. n.], maio/ago. 1899.
LYRIC OPERA DE CHICAGO. Richard Tucker: tenor. Chicago, [2018]. Disponível
em: www.lyricopera.org/about/legendsoflyric/richardtucker. Acesso em: 15
abr. 2018.
MAURIZI, Paola. Ettore Patrizi, Ada negri e la musica. Perúgia: Morlacchi, 2007.
PANOFSKY, Erwin. Significado nas Artes Visuais. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 2014.
PÁSCOA, Márcio. Cronologia Lírica de Manaus. Manaus: Valer: Governo do Estado
do Amazonas, 2000.
PÁSCOA, Márcio. Cronologia Lírica de Belém. Belém: Associação de Amigos do
Theatro da Paz, 2006.
PÁSCOA, Márcio. Ópera em Belém. Manaus: Valer, 2009a. (Série Ópera na
Amazônia - 1850-1910).
A trajetória do tenor Giovanni Badaracco...
255
PÁSCOA, Márcio. Ópera em Manaus. Manaus: Valer, 2009b. (Série Ópera na
Amazônia -1850-1910).
SAN FRANCISCO CALL. San Francisco: [s. n.], n. 29, 29 jun. 1900.
SAN FRANCISCO CALL. San Francisco: [s. n.], v. 86, n. 20, 17 jun. 1899.
SAN FRANCISCO CALL. San Francisco: [s. n.], v. 87, n. 125, 25 mar. 1900.
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
STANSKA, Zuzana. Theodore Marceau: The Pioneer of Photographic
Studios. Daily Art Magazine, [s. l.] 3 July 2017. Disponível em: https://www.
dailyartmagazine.com/theodore-marceau/. Acesso em: 27 jul. 2018.
WARD, J. P., MARIEN, Mary Warner; WARD, Gerald W. R. Photography. In:
OXFORD UNIVERSITY PRESS. Grove Art Online. Oxford: Oxford University Press,
2003. Disponível em: http:////www.oxfordartonline.com/groveart/view/10.1093/
gao/9781884446054.001.0001/oao-9781884446054-e-7000067117. Acesso
em: 13 mar. 2018.
256
Iconografia musical na América Latina
O músico vestido de preto
Representações e interpretações possíveis
na obra de Anton Domenico Gabbiani
(1652-1726) sobre os músicos do grand
príncipe Ferdinando da Toscana
Márcio Páscoa
Ao final do século XVII, não eram francamente comuns os
lugares onde um músico vivesse exclusivamente da atividade
musical performática profissional. Até pouco tempo e por
muitos lugares, o músico acumulou funções diferentes da
artística quanto ao serviço da senhoria que o empregou e
o mais certo é que tenha buscado afazeres variados ou, na
melhor das hipóteses e para casos e lugares estritos, acordos
diversos para tocar em ocasiões e para comitentes diferentes.
Essa exclusividade de função está relacionada à formação de
agrupamentos perenes e da exigência de um serviço de música
constante, para finalidades religiosas, muitas vezes, mas ainda
para a movimentação de festejos profanos e, sobretudo a
partir do século XVII, para o teatro musical.
Foi justamente ao marcar posição como profissional exclusivamente musical que se verificou um conjunto de usos particularmente próprios que os músicos passaram a praticar.
257
A indumentária utilizada pode marcar tanto a posição social do músico no corpo
comunitário mais alargado em que se insere, o que remete à vida citadina, como
pode também identificar as corporações aí inseridas, religiosas, por exemplo,
mas também civis e militares e, com isso, um distintivo de classe.
Nesse sentido, um dos contextos mais interessantes que a iconografia musical
proporciona é o que deixou registrado o artista florentino Anton Domenico
Gabbiani (1652-1726), a serviço da corte dos Médici, ao ter pintado quadros
com músicos que ficaram conhecidos como relacionados ao grand príncipe
Ferdinando (1663-1713), dos quais alguns interessam aqui.
Ferdinando de Médici (1663-1713) foi comumente chamado grand príncipe
por ser o primogênito de Cosimo III (1642-1723), grão-duque da Toscana, e
nascido do casamento deste, em 1661, com Marguerite Louise de Orleans (16451721), ela mesma sobrinha de Luís XIII da França e neta de Maria de Médici.
O rápido desgaste do casamento dos pais, culminando na volta da mãe para a
França em 1675, parece ter ajudado muito a contaminar o relacionamento do
príncipe com o pai, de quem vivia apartado e em igual conflito, gerando, assim,
simpatia pelo lado materno. Dedicado ao mecenato das artes, já tradicional em
sua família, passou a se valer da música mais como identidade pessoal do que
prestígio político (ROSSI ROGNONI, 2014, p. 39), haja vista que não apenas
contratou músicos, como seus antecessores, mas dominava com destreza alguns
instrumentos, especialmente o cravo.
Em 1679, o príncipe Ferdinando e seu tio Francesco Maria de Médici (16601711), que mais tarde se tornaria cardeal, deram início às temporadas de ópera
na Villa de Pratolino, uma das residências suburbanas da família ducal. Até 1710,
houve contínuas apresentações anuais, acontecidas quase invariavelmente no
mês de setembro. Todas as óperas tomavam lugar no Grande Salão da residência
e só em 1696 passaram a ser acomodadas num pequeno teatro que Ferdinando
fez construir no terceiro andar do edifício. Francesco era só três anos mais velho
que Ferdinando, já possuía vida de espetáculos e festas em sua vila de Lappeggi
e foi, na ausência da mãe do grand príncipe, a figura de ascendência sobre a
vida deste – quando as óperas do Pratolino começaram, eles tinham 19 e 16
anos, respectivamente. Valendo-se em parte de músicos empregados pelo pai,
Cosimo III, ou a serviço dos tios, Ferdinando foi arrolando uma equipe muito
particular, que incluía alguns músicos que não eram pagos pelos caminhos
normais do estado toscano.
258
Iconografia musical na América Latina
Um dos protegidos de seu pai, que viria a se tornar seu amigo e também
protegido, era o pintor Anton Domenico Gabbiani (1652-1726). O pai do pintor
era Giovanni Gabbiani, provveditore del tinello do grão-duque Ferdinando II (16101670), e permaneceu até o tempo de seu sucessor Cosimo III. (HUGFORD, 1762,
p. 2) A função era uma das provisões do guardaroba, fragmentado no século XVII
em muitas repartições de acordo com a natureza dos objetos guardados e dos
seus usos – aqui, no caso, uma provedoria das salas de estar/jantar ou copa, ou
seja, dos objetos inúmeros que a constituíam. Também o tio do artista estava
empregado próximo do grão-duque, sendo ajudante de câmara do príncipe
Giovan Carlo di Médici (1611-1663), mais tarde cardeal. (HUGFORD, 1762,
p. 2) O irmão mais velho de Anton Domenico gozou de instrução superior, se
doutorando em Leis, tornando-se eclesiástico e subindo ao prestigioso posto
dos giudici criminali degli otto, que era uma corte superior e tradicional de Florença
criada em 1378 e que teve inicialmente um caráter de polícia judiciária, evoluindo
para a competência de um juízo técnico, administrativo e penal – decaindo de
poder até o fim da era Médici –, em face do juízo de convicção, político e de
total alcance, exercido pelo soberano grão-duque. Anton Domenico pintou um
retrato deste irmão ainda em condição secular, que esteve em posse de Ignazio
Hugford, biógrafo do pintor. (HUGFORD, 1762, p. 3)
O talento de Anton Domenico Gabbiani revelado na infância não passou
despercebido na escola dos padres jesuítas em que estudou no início da adolescência, onde o mestre Valerio Spada (1613-1688) o demandou no desenho de
letras capitulares e de figuração dos livros que ali se copiavam, para daí aconselhar o pai a investir em estudos mais sérios. Foi sob a avaliação do pintor Giusto
(Justus) Sustermans (1597-1681), afamado retratista que entrou ao serviço do
grão-duque Ferdinando II, que Gabbiani seguiu estudos com Vincenzo Dandini
(1609-1675), discípulo de Pietro da Cortona (1596-1669), que o introduziu na
estética deste afamado mestre. (HUGFORD, 1762, p. 2) Em 1673, foi mandado
por Cosimo III, já grão-duque reinante, para a Accademia Fiorentina, em Roma,
sob Ciro Ferri (1634-1689), onde passou três anos estudando e trabalhando.
Esteve de volta em Florença, de passagem para Veneza, onde se aperfeiçoaria no
ateliê de Sebastiano Bombelli (1635-1719) no período de 1678 e 1679.
Restabelecido em Florença em 1680, começou a trabalhar como pintor
independente, ao mesmo tempo que se aproximava do herdeiro ducal e “rouba
O músico vestido de preto
259
o coração do Grande Príncipe Ferdinando”1 (HUGFORD, 1762, p. 6), sendo,
além de admirador, um dos seus mais constantes mecenas, vindo algumas vezes
a apreciar o artista trabalhando em seu ateliê por longos minutos. Ferdinando
de imediato lhe encomendou muitos retratos para seus apartamentos do Palácio
Pitti e das vilas onde costumava estar. (HUGFORD, 1762, p. 6) Foi nesse contexto que foram elaborados os quadros com músicos a serviço de Ferdinando,
que podem ser datados do período entre 1684 a 1687, segundo registros da
Depositeria, que pagou despesas em nome do pintor (HILL, 1990, p. 561),
existindo mesmo registro específico de pagamento feito a Gabbiani em julho
de 1685 para vários retratos destinados à Villa de Pratolino (CHIARINI, 1976,
p. 333), para onde se destinariam os quadros com os músicos. Destes, o mais
enigmático é o item nº 2.802 do inventário nº 1.890.
Figura 1 – Trio de músicos do grand príncipe Ferdinando com escravo mouro. Óleo sobre tela, 141 x
208 cm. Galleria Palatina, Palazzo Pitti, Inventário nº 1.890, nº 2.802, atualmente na Galleria
dell’Accademia, Museo degli Strumenti Musicali
Fonte: foto produzida pelo autor (2018).
1 “ruba il cuore al Grand Príncipe Ferdinando”.
260
Iconografia musical na América Latina
A obra é francamente idealizada sob as influências mais candentes na formação de Gabbiani. Está presente o intenso e sólido colorido de primeiro plano
sobre fundo escurecido e monocromático, com saída lateral para um horizonte
semicrepuscular, que se observa em Carlo Maratta (1625-1713), outro pintor
cortonesco com quem Gabbiani teve contato em Roma. Também se vê claramente a busca por maior expressão dos retratados a partir do jogo da cor, como
em Bombelli, que reacendeu para o florentino a tradição veneziana, uma vez
que já tomara conhecimento da impressionante coleção de pintura veneziana
do cardeal Leopoldo de Médici (1617-1675), irmão de Ferdinando II. Afinal,
tinham sido essas as intenções de Gabbiani quando se dirigiu à república
lagunar: “tomar posse do colorido veneziano das excelentes obras dos antigos
mestres, ou seja, Ticiano, Paolo [Veronese] e Tintoretto, que foram as maiores
luminárias daquela grande escola, copiando um número escolhido, do qual ele
sempre mantinha ornando o seu quarto na própria casa onde ele pintava”.2
(HUGFORD, 1762, p. 6)
Entretanto, há muito mais na obra de Gabbiani aqui em causa. O erudito
historiador de arte e carmelita Pellegrino Orlandi (1660-1727) já havia destacado
em seu Abecedario pittorico que Gabbiani “obteve sucesso com bom colorido, com
melhores invenções e com o máximo de design em contos, países, arquitetura e
em animais”.3 (ORLANDI, 1719, p. 78) A invenção a que se refere Orlandi é a
inventio retórica, a argumentação do discurso da obra. A base desse argumento,
por assim dizer, é uma espécie de sacra conversazione, termo que se aplicou para
um tipo de pintura religiosa em que a Virgem e o Menino Jesus aparecem flanqueados por figuras de santos, coexistindo todos em iguais dimensões físicas,
num mesmo espaço e luz, que muitas vezes é diferente do plano restante da
obra, para ressaltar a conexão espiritual dos personagens, a partilha de uma
emoção comum e, sobretudo, flagrar um processo dialético em construção.
(GAUK-ROGER, 2003)
2 “impossessarsi del colorito veneziano dall’opere eccelentissime di quelli antiche Maestri, cioé,
Tiziano, Paolo [Veronese] e Tintoretto, chi sono stati i maggiori luminari di quella gran scuola,
copiando uno scelto numero, di cui principalmente tenne sempre adorna la sua stanza nella própria casa ove dipingeva”.
3 “riusci con buono colorito, con migliori invenzioni, e con massimo disegno in istorie, in paesi, in
architettura, ed in animali”.
O músico vestido de preto
261
Nessa elaboração de Gabbiani, os personagens da conversa que os conecta
em torno de um tema próprio são três músicos – cravista, violinista e cantor
–, flagrados em meio a ensaios para a interpretação de alguma obra musical
de cunho operístico. Ao menos dois deles são hipoteticamente reconhecíveis.
O cantor deve se tratar de Francesco de Castris (cerca de 1650-1724), também
conhecido como Cecchino – Checchino, Checco – de Massimi, por causa de
um mais antigo mecenas seu, o cardeal Camillo Massimi (1620-1677), a quem
ele serviu até a morte deste. Por volta de 1679, Checco passou a Ferrara sob
proteção do marquês Ippolito Bentivoglio d’Aragone (1611-1685), ocasião
em que se apresentou em óperas produzidas em Bolonha e Veneza. Nesse
momento, desenvolveu proximidade pessoal e profissional com o compositor
Giovanni Legrenzi (1626-1690), para quem cantou muitas óperas. (VITALI,
2002a) Apareceu pela primeira em Florença para cantar na produção local de
Caligula delirante, de Giovanni Maria Pagliardi (1637-1702), com um elevado
cachê de 142,6 scudi – fora despesas de traslado –, tanto quanto ganharia o
autor da ópera. (KIRKENDALE, 1993, p. 438) Entretanto, só em fins de 1686
seu nome apareceu arrolado nas despesas de Estado, quando deve ter passado
definitivamente a integrar os serviços do grão-ducado (KIRKENDALE, 1993,
p. 437), uma vez que estava morto o marquês, seu mecenas. A atribuição de
identidade desse cantor no quadro de Gabbiani é feita por Hill (1990, p. 546),
argumentando que os outros três cantores castrados em atividade na corte já
estão retratados num segundo quadro conhecido pelo título de Três músicos do
grand príncipe Ferdinando.
Os nomes dos cantores neste outro quadro (Figura 2) estão visíveis nas
partituras que trazem diante de si. Da esquerda para direita, veem-se Vincenzo
Olivicciani (1646/1647-1726), Antonio Rivani (1629-1686) e Giulio Maria
Cavalletti (1668-1755).
262
Iconografia musical na América Latina
Figura 2 – Inventário nº 1890, nº 2.807. Trio de músicos do grand príncipe Ferdinando. Retrato de Vincenzo
Olivicciani, Antonio Rivani e Giulio Cavalletti. Óleo sobre tela, 144 x 153 cm. Galleria Palatina, Palazzo
Pitti, atualmente na Galleria dell’Accademia, Museo degli Strumenti Musicali
Fonte: foto produzida pelo autor (2018).
Figura 3 – Inventário nº 1.890, nº 2.807. Trio de músicos do grand príncipe Ferdinando.
Retrato de Vincenzo Olivicciani, Antonio Rivani e Giulio Cavalletti. Detalhe das partituras com
o nome de Vincenzo Olivicciani e Antonio Rivani
Fonte: foto produzida pelo autor (2018).
O músico vestido de preto
263
A pintura em questão pode ser relacionada ao mesmo contrato com Gabbiani
de 1685 e não pode ser muito posterior a 1687, vez que Rivani faleceu em Florença
em 1686, enquanto Cavalletti se transferiu para Bolonha em 1687-1688.
Figura 4 – Inventário nº 1.890, nº 2.807. Trio de músicos do grand príncipe Ferdinando.
Retrato de Vincenzo Olivicciani, Antonio Rivani e Giulio Cavalletti. Detalhe da partitura com o nome
de Giulio Maria Cavalletti
Fonte: foto produzida pelo autor (2018).
Ao lado de Castris (Figura 1), está o violinista Martino Bitti (1655/16561723), também trazido à corte toscana naquele ano de 1685 (KIRKENDALE,
1993, p. 432) e igualmente registrado pela primeira vez na produção de Caligula
delirante, de Pagliardi, com o pagamento de 25 scudi. A hipótese de ser Bitti se
deve à idade do retratado e à comparação com os demais instrumentistas de
arco constantes nas demais pinturas a óleo desta série produzida por Gabbiani
(Figura 5), em face ainda dos registros de pagamento que não permitem supor
outro violinista para além desses.
264
Iconografia musical na América Latina
Figura 5 – Inventário nº 1.890, nº 2.805. Músicos do grand príncipe Ferdinando. Óleo sobre tela, 140
x 233 cm. Galleria Palatina, Palazzo Pitti, atualmente na Galleria dell’Accademia, Museo degli
Strumenti Musicali. Identificação provável, da esquerda para direita: Pietro Salvetti, Federigo
Meccoli, Giovanni Battista Gigli, G. Asolani, músico não identificado (provavelmente, da família
Veracini ou Asolani), Antonio Veracini e Francesco Veracini
Fonte: foto produzida pelo autor, 2018.
Parece ainda menos provável saber quem seria o músico sentado ao cravo,
diante da documentação existente. A princípio, seria lícito pensar que se tratasse
do próprio compositor Giovanni Maria Pagliardi, uma vez que Bitti e Castris
teriam se integrado ao grupo de Ferdinando por causa da representação de
Caligula delirante; especialmente Bitti, genovês como Pagliardi, foi quase certamente uma indicação do compositor ao grand príncipe. (KIRKENDALE, 1993,
p. 432) Pagliardi poderia, então, estar aí retratado por vários motivos. Entre eles,
está o fato de ter sido o professor de cravo e contraponto trazido por Cosimo III
para a educação musical de Ferdinando e o príncipe sempre ter demonstrado
deferência com o mestre, fosse na escolha de suas obras ou nos presentes que
lhe enviava. (KIRKENDALE, 1993, p. 418) Mestre de capela dal Gesú de Gênova,
Pagliardi deve ter entrado ao serviço dos Médici entre 1668 e 1670, pois, já em
1672, no libreto da supracitada ópera, que foi seu trabalho de estreia nesse
campo, era mencionado como “maestro di capella del sereniss. Gran Duca di
Toscana”. (KIRKENDALE, 1993, p. 418)
O músico vestido de preto
265
Entretanto, ao menos duas constatações levantam dúvida sobre tal representação pictórica. A primeira é o retrato do músico feito a pastel, de cerca de 1690,
por Domenico Tempesti (1652-1718) e hoje conservado no citado inventário nº
1.890, sob a cota nº 2.537 – onde também estão esses quadros de Gabbiani –,
que mostram uma pessoa totalmente diferente do cravista ao lado de Bitti e
Castris (Figura 1). Dela se percebe que Pagliardi não só era, como parecia muito
mais velho que Bitti e Castris, conservando a imagem e vestes de religioso, como
Olivicciani (Figura 2). Por fim, uma sugestão do próprio quadro de Gabbiani:
a partitura ao cravo não é obra de Pagliardi e, portanto, não poderia se relacionar ao músico à sua frente, como se fazia comumente com a representação
de compositores.
Figura 6 – Trio de músicos do grand príncipe Ferdinando com escravo mouro. Inventário nº 1.890, nº 2.802.
Detalhe da partitura: incipit do dueto É destino ch’io siegua infedele, de Bernardo Pasquini
Fonte: foto produzida pelo autor (2018).
Identificada como o dueto E destino ch’io siegua infedele (HILL, 1990, p. 546), de
Bernardo Pasquini (1637-1710), sobrevive em duas cópias manuscritas bastante
tardias, na British Library, sob as cotas de localização Gb-Lbl 31.492, datável
de 1786, e Gb-Lbl 5.056, datável de cerca de 1760. Ambas aparecem dentro
de cadernos de coletâneas de duetos de autores italianos do mesmo período, a
primeira com 20 árias e a segunda com 42 itens, sendo que, em ambos os casos,
é a única obra de Pasquini nas compilações. Isso aponta para uma relativa fama
da peça, a despeito de sua composição aparentemente avulsa e fora de inserção
em qualquer ópera do seu autor. As duas coletâneas são manuscritos ingleses,
266
Iconografia musical na América Latina
um deles inclusive esteve na posse do presidente da Academy of Ancient Music
londrina de fins de 700, Peter Stapel, mas copiada pelo organista Edmund Olive,
segundo se lê na ficha de catalogação dos espécimes. Seriam, portanto, peças de
interesse já histórico àquela altura, talvez compiladas de fontes italianas anteriores, quase certamente advindas de cantores ou dos autores, quando da forte
presença italiana em Londres em começos do século XVIII. O próprio Handel
estaria a serviço de Ferdinando em Florença nos primeiros anos do século XVIII
e depois seguiria para a Inglaterra.
Deve-se também logo afastar aqui a hipótese de o retratado ao cravo ser
Pasquini. Sabe-se que, aos 50 anos, não seria essa sua aparência por causa de
uma pintura feita por Andrea Pozzo (1642-1709) em cerca de 1690, que hoje
integra o mesmo inventário nº 1.890 do Polo Museal Fiorentino (nº 8.483), em
que se encontra a obra de Gabbiani aqui em discussão. O quadro, entretanto,
deu entrada nesse acervo somente em 1924, adquirido à família Ricordati, de
Bugiano, muito próxima do compositor e que conservava a obra de longa data.
(PANCHERI, 2010, p. 53-54)
Entretanto, Pagliardi pode estar mencionado de outra maneira na obra de
Gabbiani (Figura 1) e a partitura de Pasquini aí representada pode até mesmo
reforçar a ideia. O quadro conta com alguns elementos simbólicos da presença
de Ferdinando, como a esfinge que se vê ao fundo à esquerda, objeto de arte que
remete à magnífica coleção que o grand príncipe cultivou até o fim de sua vida.
Também há uma efígie em pedra no plinto pintado na parte de baixo, à direita
do quadro. Ela não parece retratar nenhum dos Médici em particular e também
não encontra semelhanças inquestionáveis com nenhum dos retratados por
Gabbiani, pertencentes ao círculo de Ferdinando. A imagem do cantor Olivicciani
é a referência mais próxima (Figura 2). Pode, entretanto, ser a representação de
um dos grandes do Império Romano – Júlio Cesar e Galba são as mais próximas
referências iconográficas dessa imagem, mas sem semelhança conclusiva –,
uma vez que a Vila de Pratolino estava profusamente decorada com bustos
e efígies de imperadores romanos, como alegoria de poder e tradição que os
Médici cultivavam.
Igualmente enigmática é a figura do schiavo moro, alheio à conversação musical.
Ele aparece num outro quadro de Gabbiani com serviçais da corte e é, portanto,
um personagem histórico também.
O músico vestido de preto
267
Figura 7 – Anton Domenico Gabbiani. Ritrato di quatro servitori dela corte medicea
(cerca de 1684-1687). Óleo sobre tela. 215 x 140 cm.
Galleria Palatina ed Appartamenti Reali. Inventário nº 1.890, nº 3.827
Fonte: foto produzida pelo autor (2013).
Nessa obra datável do mesmo período das que retratam os músicos, o
escravo mouro veste-se – como na Figura 1 – de um rico traje de seda em tons de
marfim com brocados, tafetá adamascado, de cara fatura, em nítido contraste
de tratamento com os demais; sobretudo os anões, considerados às vezes por
268
Iconografia musical na América Latina
algum tipo de habilidade, mas quase sempre perto da presuntiva animalitas, haja
vista que compartilhavam da invisibilidade social dos animais de estimação e,
portanto, podiam estar presentes até nos espaços e eventos secretos dos nobres
e consanguíneos. (FERRARO, 2017, p. 203-214) O escravo mouro também está
muito melhor vestido que o presumível bufão ao seu lado, certamente porque
sua origem ou o que ela representa compunha uma representação maior, desejável pela corte dos Médici. Os pajens de qualquer origem precisavam estar
vestidos de maneira condizente com a posição social de sua ascendência, bem
como o lugar que ocupavam na corte – ou que se pretendia que ocupassem –,
sendo respeitáveis por sua profissão. Era parte da doutrina da honra desde o
cinquecento, agora evoluída para um disciplinamento comportamental e espiritual
da sociedade toscana e outras cortes de seu relacionamento, que se estendeu
também a uma disciplina econômica, criando a noção de que tudo e todos sob
a gestão da casa granducal, célula fundamental e exemplar das demais famílias
de qualquer dignidade, estavam sob o cuidado, a proteção e o regramento da
senhoria. (CONT, 2012, p. 142-143)
Deve-se ressalvar que a presença de negros na corte medicea não era uma
novidade, assim como a escravidão não foi prerrogativa de raça – a região do
Mediterrâneo já tinha seu comércio de escravos estabelecido antes das navegações. Cosimo I Médici (1389-1464) teve um filho com sua escrava Maddalena,
destinando-o à Igreja, enquanto Alessandro di Médici (1510-1537), o primeiro
duque de Florença e o primeiro da família a governar por hereditariedade, tinha
a alcunha pública de Il Moro, por causa de seus traços e cor da pele, uma vez
que era filho bastardo de Lorenzo II (1492-1519) com a serva negra Simonetta
da Collevecchio. (FLETCHER, 2016)
Assim, para além de histórica, o escravo mouro pintado por Gabbiani na
conversa musical (Figura 1) parece ter uma função alegórica. Ele é o único personagem que não olha o expectador e contempla ao alto à sua direita, apoiado
no plinto sob a efígie à romana. Segura cordões azuis amarrados ao pé de um
papagaio. Seu plano posterior também é diferente do que está pintado para
os músicos. Estes residem dentro do espaço arquitetônico pintado – o espaço
da cultura, o espaço de Ferdinando –, enquanto o jovem tem por trás de si o
horizonte aberto, composto pelo arvoredo e o céu – símbolos da natureza e de
pretensa liberdade. O papagaio simboliza bem mais que o exotismo e a consequente ideia de que o Ocidente civilizado compreendeu e dominou espaços e
O músico vestido de preto
269
culturas fora dele. Ele é um símbolo de alteridade e conflitos de valores. Desde
a Antiguidade Clássica, papagaios eram entendidos de maneira antropomorfizada, quer para Aristóteles ou Plínio, o Velho, e as suas muitas habilidades,
inclusive a da imitação da fala humana, eram entendidas como um tipo de baixa
inteligência – acima de outros animais – e comparáveis a pessoas subordinadas
ou estrangeiros. (BOEHRER, 2004)
Ficava implícito nessa elaboração conceitual que a natureza se subordinava à
cultura, pois os papagaios podiam aprender a falar, pegar coisas, repetir gestos
e reagir a certos movimentos e expressões estimulados pelo ser humano. Essas
habilidades eram entendidas não como meramente imitativas, mas cognitivas,
conforme a ciência em tempos modernos veio a comprovar. (PEPPERBERG,
2004, 2016) A apropriação dos papagaios na arte também vem desde a Idade
Antiga e era sempre um símbolo de virtude ou habilidade do ser humano
representado ao seu lado ou do meio em que se inseria. Na Idade Moderna, foi
reforçada essa noção de algum tipo de alter ego do ser humano com quem está
relacionado ou a projeção de sua condição. Assim, as várias representações de
papagaios presos em gaiolas ou ao lado delas estavam conectadas à condição
de seus donos, também reclusos devido a alguma ordem social opressora, por
razões de gênero, de raça, de origem etc. (BOEHRER, 2004)
As referências pictóricas mais próximas de Gabbiani para a iconografia do
papagaio estão na profusão de representação da ave na pintura dos Países Baixos
durante o século XVII e sua compreensão muda conforme o tema. Podem estar
associados a outros animais e representar a natureza luxuriante e a exuberância
da criação divina; podem estar pintados junto a homens, mulheres e grupos
familiares, significando a fidelidade ou a confiança – o papagaio como símbolo
do confidente é comum também fora desse ambiente –; podem ainda estar
associados à Virgem Maria, e as faculdades cognitivas e o exótico se juntam aí
como maneira de explicar os muitos milagres que Deus opera – a Virgem que
teve um filho e continuou virgem, o pássaro que fala etc. –; ou ainda o papagaio
solto da gaiola, que pode significar a liberdade sexual ou a intenção amorosa;
sem falar na sua associação com instrumentos musicais e, portanto, significar
ele mesmo mais um recurso sonoro, o canto ou a música em si. (GONZALEZ,
2017; VAN DE VELDE, 2014)
O papagaio na pintura de Gabbiani representa a situação do jovem que o
traz amarrado aos cordões azuis, ou seja, ele mesmo sob controle de um ente
270
Iconografia musical na América Latina
superior em uma proposta metafísica. Resta saber por que essa representação
acompanha a conversa musical mais ao centro do quadro. A busca por essa
resposta não pode deixar de lado as razões pelas quais os retratados estão
ali a ensaiar ou por que foram reunidos sob vontade de Ferdinando. A ópera
Caligula delirante fala de servidão, submissão, além de loucura e amor. O libreto
de Domenico Gisberti (1635-1677) é pouco fiel aos fatos históricos que envolveram os personagens, embora ele afirme, no prefácio de seu libreto, que se
baseou em Suetônio (69-c. 141) e Juvenal (cerca de 55/60-127), que de sua
parte já parecem ter distorcido a imagem do Calígula histórico como louco e
devasso. O seu argumento é a ascensão e a loucura de Calígula, que chega a se
apaixonar pela Lua, diz falar com Júpiter diretamente e pretende banir a esposa
Cesónia. Juntam-se aí alguns episódios embaralhados, que Gisberti chama de
os “Amores de Tigrane”, rei da Mauritânia que, feito escravo por Artabano,
rei dos partas, esconde sua condição em hábito e aspecto de mouro e vive em
Roma fingindo-se pintor.
O Tigrane histórico, ao tempo de Calígula, já era o sexto deste nome e não
foi rei da Mauritânia, que era a terra que os romanos chamavam aos atuais
espaços da Argélia, Marrocos e redondezas. Tigrane VI (antes de 25 d.C. – depois
de 68 d.C.) cresceu em Roma – chamava-se Gaius Julius Tigranes – e sendo descendente do trono da Armênia, reino cliente de Roma, veio a ser coroado por
Nero, após os romanos derrotarem as forças resistentes, em 58 d.C. Tigrane
se bateu contra os partas e enfrentou muitos conflitos até renunciar a coroa
em 63 d.C., sendo que nada dele se soube depois disso. Nenhum dos quatro
monarcas partas com o nome de Artabano viveu nessa época. No libreto de
Gisberti, Tigrane reencontra sua mulher Teosena em Roma, agora desejada por
Artabano para esposa e igualmente cortejada por Calígula, a quem ela parece
corresponder. As idas e vindas amorosas do enredo que envolvem todos eles
mostram a constância de Tigrane – de origem e essência nobres, embora sob o
artifício de outra identidade e aparência –, os excessos, inclusive amorosos, de
Calígula – representação dos excessos do poder –, o voluntarioso Artabano e a
infidelidade relativa de Teosena, vítima das circunstâncias e, portanto, moralmente flexível por conveniência, como talvez devessem ser no século XVII os
cortesãos com responsabilidades ambivalentes às suas vontades e seus senhores
entendidos como voluntariosos, devassos e excêntricos.
O músico vestido de preto
271
A alegoria do escravo mouro como o Tigrane de Gisberti/Pagliardi relaciona-se
à narrativa de cunho amoroso e, no contexto esboçado, há pela menos um
paralelo de realidade que se relaciona ao quadro. Francesco de Castris foi,
muito provavelmente, amante do grand príncipe Ferdinando, conforme relatos de
diversas fontes. (KIRKENDALE, 1993, p. 440-446) Sua ascendência foi tal que
se dizia que o herdeiro da Toscana nada resolvia sem participar a ele, condição
que sobreviveu ao casamento de Ferdinando com Violante da Baviera, em 1689.
(KIRKENDALE, 1993, p. 446) Essa situação durou até Ferdinando trocar Castris
– do mesmo modo que já havia trocado o castrato Petrillo, amante anterior –
pela soprano Vittoria Tarquini, apelidada de La Bambagia ou La Bambace (a
bomba!), que também cantou sob o mecenato dos Médici.
Formalmente contratada em 1699 a serviço de Gian Gastone (KIRKENDALE,
1993, p. 652), o futuro e último grão-duque da Toscana – filho mais novo de
Cosimo III –, Ferdinando deve tê-la conhecido muito antes disso. Ainda na
sua primeira digressão a Veneza, ele havia sido convidado pelo abade Grimani
para ir ao Teatro San Giovanni Grisostomo ouvir uma brava cantatrice na ópera
Orazio –com texto e música atribuídos respectivamente a Grimani e a Tosi – em
24 de janeiro de 1688, e sua satisfação foi tal que presenteou a soprano com
um diamante de 100 scudi. (SELFRIDGE-FIELD, 2007, p. 184-185) Tarquini, que
estreara em Veneza nessa ópera, retornou à cidade aparentemente para só mais
uma ocasião, para cantar em La forza della virtú, de Carlo Pollarolo (1653-1723),
em fins de 1692 e início de 1693, enquanto Ferdinando também retornaria
apenas mais uma vez à mesma cidade, mas em 1696. (SELFRIDGE-FIELD, 2007,
p. 205) Assim, se tudo decorreu de modo avassalador como aparentemente
sucedia com Ferdinando, o envolvimento dele com Tarquini coincide com uma
das datas possíveis (cerca de 1684-1687) de contrato, acabamento e entrega
do quadro em que Castris figura. Deve-se ainda ressaltar que Gabbiani deve ter
testemunhado o início do caso do seu amigo e mecenas com a soprano, pois
acompanhou o príncipe a Veneza nessa primeira viagem. (HUGFORD, 1762,
p. 8) Isso explicaria Gabbiani ter pintado expressão preocupada e tristonha no
cantor, diferente das descrições de época, que mencionam as qualidades físicas
e intelectuais de Castris. (KIRKENDALE, 1993, p. 439-444)
Castris foi o maior salário de todos os músicos na corte dos Médici em
sua história de mecenato (KIRKENDALE, 1993, p. 437) e suas habilidades
diplomáticas puseram-no na condição de intermediário de interesses da corte
272
Iconografia musical na América Latina
com outros artistas, empresários e autoridades, também entre artistas e contratantes, assim como era ele quem intermediava assuntos de Ferdinando a
Cosimo III. (KIRKENDALE, 1993, p. 437-446) Castris tentou difamar Tarquini,
que, não sendo menos talentosa e precedida de grandes atuações em teatros
dos maiores centros musicais italianos da época, tampouco era menos inteligente. (KIRKENDALE, 1993, p. 438) Cosimo III aproveitou a oportunidade para
afastar ambos de Ferdinando, impondo a Castris um serviço diplomático em
Roma, mediante uma boa pensão e o abrigo do Palácio Médici naquela capital.
(KIRKENDALE, 1993, p. 437-446) Pelo outro lado, a carreira de Tarquini e o
assédio de outros pretendentes operaram a favor dos planos do grão-duque.
O texto da ária de Pasquini – É destin ch’io segua infedel –, então, parece bastante
adaptável ao caso real entre Castris e Ferdinando, assim como pode perfeitamente ter servido de real enxerto a Caligula delirante. Protótipo desse libreto, ou
versão prévia, fora usado pela primeira vez na produção de uma peça intitulada
La pazzia in trono, ovvero Caligola delirante (1660), com apenas o prólogo e algumas
árias postos em música por Francesco Cavalli (1602-1676), resultando em
insucesso. (SELFRIDGE-FIELD, 2007, p. 105) Pagliardi o aproveitou e sua ópera
estreou-se em 26 de dezembro de 1671 no Teatro de SS Giovanni e Paolo, em
Veneza. A publicação do libreto em 1672 – provável erro tipográfico – já mostrava
mudanças de texto, e a ópera foi retomada na temporada seguinte, em fins de
1672, mediante plateia recheada de estrangeiros, nobres de Milão e Gênova
e até mesmo o príncipe de Mônaco. (SELFRIDGE-FIELD, 2007, p. 105-106)
Só em Veneza foi retomada em 13 temporadas até 1696, a maioria delas durante
a década de 1680, constituindo-se num fenômeno para os padrões da época.
(SELFRIDGE-FIELD, 2007, p. 106) Apenas no ano de 1675 chegou a ser montada em cinco cidades diferentes. (KIRKENDALE, 1993, p. 419) Montagens
em Nápoles, no Teatro San Bartolomeo em 1673; Roma, no Teatro Tordinona
em 1674, assistida aqui pela rainha Cristina da Suécia; Bologna, no Teatro
Formagliari em 1674; Ferrara, em Santo Stefano em 1675; Milão, no Teatro Regio
em 1675; Pesaro, no Teatro del Sole em 1675; Vicenza, no Teatro di Piazza em
1675; Palermo, no Teatro della Cittá em 1678; Verona, em Temperati em 1680;
Florença, em Pratolino em 1685; Gênova, Teatro Falcone em 1688; Crema, em
1689; e ao menos duas produções de Veneza (1680) atestam, pelos libretos
publicados e a sobrevivência de alguns manuscritos musicais, muitas mudanças
em que material textual e musical foi retirado e acrescido, inclusive personagens,
O músico vestido de preto
273
especialmente bufos. (KIRKENDALE, 1993, p. 422-423) Não só se percebe
nisso a prática do pastiche disseminada em larga escala no ambiente operístico,
mas como nessa obra de Pagliardi ela foi muito útil para a sobrevivência da
ópera, o que torna absolutamente plausível que o dueto de Pasquini possa ter
sido inserido na montagem de Florença ou em outras. O exame do libreto da
ópera para a produção de 1680 no Teatro di SS Giovanni e Paolo, conservado
em Milão (MUS0025046),4 em comparação à grade orquestral conservada na
Biblioteca Marciana de Veneza (ARM0007282), possivelmente usada numa das
representações da cidade, mostra muitas diferenças. Mas em ambos há mais de
um ponto em que caberia o dueto de Pasquini com o mencionado texto, pois
sobretudo passagens a solo foram suprimidas e duetos foram inseridos no lugar.
Mas continua anônimo o acompanhante do dueto ao lado de Bitti e Castris.
O cravista Federigo Meccoli (1635-1710), contratado como tal durante o tempo
de Cosimo III, já parece estar devidamente retratado (Figura 5), sobretudo na
pintura em que acompanha um quinteto de cordas, e tem a seu lado no baixo
contínuo o alaudista e teorbista Giovanni Battista Gigli (?-1703). A função de
Meccoli pode ser entendida como acompanhante do grupo de músicos que fazia
as récitas operísticas do Pratolino, cuja produção entre instrumentistas e cantores
não ultrapassava 15 ou 17 pessoas, conforme listas de pagamento e libretos.
(KIRKENDALE, 1993) Assim, como nas óperas havia sempre em torno de sete
a dez cantores – a depender da presença de personagens bufos –, a orquestra
podia variar entre os sete retratados e um número que não chegaria ao dobro
disso. Entretanto, assim como os cantores poderiam ser contratados avulsos,
ou oriundos dos serviços particulares de outros membros da Casa Médici, ou
ainda requisitados dos teatros, igrejas e congregações de Florença e cercanias,
os instrumentistas também poderiam advir de semelhante origem.
As melhores chances de resposta para identificação estão, entretanto, nos
trajes e restantes cuidados com que Gabbiani os representou.
Os músicos da orquestra (Figura 5) possuem roupas coloridas, de cor lisa,
exceto Gigli, que usa um casaco estampado de grandes motivos florais; Meccoli,
que está com um casaco preto; e o violoncelista Pietro Salvetti (1636-1697), que
usa um casaco acinzentado escuro ou preto. Ele se encontra no primeiro plano
de luz que Gabbiani elaborou vindo da esquerda para a direita. Apenas Salvetti
4 Códigos de localização dos libretos na Biblioteca Nazionale Braidense na Itália.
274
Iconografia musical na América Latina
e os violinistas usam uma gravata borboleta, fechando o jabot e escondendo
as voltas que normalmente a tradicional cravat dava no pescoço do homem,
como se vê nos demais personagens. Os violinistas devem ser Antonio (em pé)
e Francesco Veracini. (HILL, 1990, p. 545) Eles estiveram envolvidos nas produções operísticas do Pratolino desde 1677 até a chegada de Bitti, que se tornaria
o preferido de Ferdinando. (HILL, 1990, p. 546)
O quadro, então, pode ser o mais antigo da série, feito ainda em 1684-1685,
ocasião em que Francesco Veracini (1638-1720) e seu filho Antonio Veracini
(1659-1733) teriam por volta de 47 e 26 anos respectivamente. Enquanto o pai
adquiria cidadania florentina em 1685 – à altura da chegada de Bitti –, o mais
novo gozava de algum apoio e encorajamento de Ferdinando e sua avó, a grã-duquesa Vittoria della Rovere (1622-1694), que ficara nas responsabilidades
maternas do grand príncipe quando a mãe deste voltou para a França.
Antonio Veracini foi colecionador e provavelmente negociante de instrumentos musicais, não somente violinos, atividades que ele pode ter continuado
a partir de seu pai, cujo testamento já registrava muitos instrumentos e quadros.
(HILL, 1990, p. 546) Este foi músico regular na catedral e nas apresentações
semanais de oratórios sob o estipêndio da Congregação de San Filippo Neri. Sua
aposentadoria, em 1708, deve ter repassado as posições a Antônio, que já era
maestro di capella dos teatinos de San Michele, onde ficou por 30 anos. Antonio
Veracini pode ter alcançado posição mais privilegiada que o pai, uma vez que,
como violinista e compositor, providenciou e tocou música para apresentação
de oratórios, sob contrato regular ou ocasional, com metade das confraternidades religiosas laicas de Florença, atividade de grande visibilidade e prestígio.
(HILL, 1990, p. 554)
Aparentemente mais discretos ao lado deles no quadro de Gabbiani, os
violistas devem ser membros da família Asolani, pois quatro deles estiveram a
serviço dos Médici, sendo que, destes, à época do quadro, somente Giovanni
Francesco estava em atividade. (KIRKENDALE, 1993, p. 394, 399-400) Seus
encômios não passavam de oito scudi, mesmo acumulando as funções de um
irmão seu falecido – os 2/3 do que Bitti ganhou em seu contrato regular, de 12
scudi – e ainda que tivessem os Asolani servido aos balli ou concerto dei franzesi ou
franzosini, como se chamava esse grupo. (KIRKENDALE, 1993, p. 394) Não se
descarta ainda que um dos violistas (sentado) pudesse ser mais um membro
da família Veracini, em vista de alguma similaridade de traço – ele aparece
O músico vestido de preto
275
também em outro quadro do grupo instrumental em que está presente o príncipe
Ferdinando. A aparente junção de dois ou três gostos de vestir, que se observa
nos músicos da orquestra de Ferdinando, pode se referir a costumes e extratos
sociais da sociedade florentina do momento.
Extratos altos e médios de Florença passaram a dar muito apreço à moda
desde o fim da Idade Média. Sendo a indústria têxtil um dos principais recursos
econômicos da Toscana, tecidos foram desenvolvidos ou obtidos nas trocas
comerciais a tal ponto que a exuberância das vestes chegou a provocar a edição
da Prammatica sopra il vestire, um conjunto de sete fascículos contendo normatização com força de lei concernente ao vestir, editada entre 1384 e 1467, cuja
intenção era censurar o luxo das roupas, considerado exibicionista e não decoroso com a vida pública. Destinada diretamente às mulheres, uma vez que os
homens se impunham o uso do lucco, uma toga solta de cor escura, normalmente
preta, a Prammatica refletia na verdade um tipo de ética de orientação religiosa,
emanada de códigos de conduta seguidos por irmandades religiosas e congregações – às vezes laicas – que consideravam o luxo um pecado, concepção por
demais disseminada no mundo católico durante a Idade Moderna, embora nem
sempre seguida.
A própria pintura do trecento em diante atesta que tais normas de decoro,
mesmo que associadas às narrativas de tragédias pessoais e comunitárias que
apareciam com o tempo para amedrontar usuários, foram deixadas de lado
por grande parte da sociedade, e não só mulheres. Cosimo I (1519-1574),
por exemplo, gostava de cores vivas e mesmo do amarelo, cor associada em
outros lugares da Itália a grupos marginalizados, como judeus ou prostitutas.
(CURRIE, 2016, p. 93) Assim, o desejo pela indumentária se deu a tal ponto
que o ato de ir às compras para obter adereços, tecidos e peças de roupas
prontas se tornou realidade relativamente comum em começos do século XVII
na sociedade florentina. (CURRIE, 2016 p. 59) O mais comum, entretanto, seria
o comprador adquirir o tecido e os acessórios, contratar um artesão – alfaiate,
costureiro etc. – e supervisionar a confecção do traje. Mesmo que as mulheres
em Florença tenham sido responsáveis por certas despesas com roupas suas ou
de seus filhos e marido, conforme atestam recibos e fontes similares (CURRIE,
2016, p. 60), a tarefa de percorrer lojas para a grande maioria dos florentinos
era, por prática social, uma tarefa mais masculina; aparentemente, pessoas de
ambos os sexos tinham desenvolvido em cidades comerciais, como Florença,
276
Iconografia musical na América Latina
uma noção perspicaz de negócios e sabiam distinguir bons produtos e sua
relação com bons preços, a ponto de ser natural que muitos homens cuidassem
da compra do enxoval – inclusive roupas intimas – de irmãs e filhas. (CURRIE,
2016, p. 60) Florentinos abastados podiam comprar seda, lã, linho, couro e
tecidos adamascados – tafetá e cetim, inclusive – com facilidade durante o
seicento e tinham grande número de fornecedores na cidade e em muitos outros
lugares. (CURRIE, 2016, p. 66) A preferência masculina entre os séculos XVI e
XVII era por tecidos leves – raramente aparecia o veludo –, seda lisa, sobretudo,
como parecem estar usando os Veracini, ou com motivos pequenos de estampa,
costurados ou bordados, ficando os motivos cada vez maiores, como o casaco
de Gigli, perto do fim do século e numa perspectiva de novidades de fabricação
e tendências de consumo.
O grande consumo por materiais de dentro e de fora de Florença já indicava
consumismo de larga escala, mas uma das mais eloquentes evidências foi a
avassaladora adoção de modelos culturais vindos da França na segunda metade
do século XVII (CONT, 2012, p. 142), impulsionado talvez pelo casamento de
Cosimo III, a consequente proximidade política e parental com Paris – outros
Médici se relacionaram à corte francesa –, ou ainda a projeção que Luís XIV
alcançava para além da França, sem falar na relação sentimental do príncipe
Ferdinando. O gosto francês repercutiu, então, na sociedade florentina em muitos
aspectos, inclusive na moda, que já dava sinais de influência contínua em inícios do século XVII. (CURRIE, 2016, p. 114) Tecidos e roupas mais elaborados,
combinações de laços, gravatas e jabots, como os Veracini e Salvetti (Figura 5),
mas também Castris, Bitti e o não identificado cravista – usam o mesmo arranjo
de gravata e jabot –, foram evidências do auge de tais influências. Sobretudo os
trajes de Castris e o cravista, assim como Cavalletti e Rivani (Figura 3) adotam
ao exagero a moda das mangas de casaco e camisa: a camisa branca interna
começou a aparecer décadas antes, com os punhos bufantes, mas, em meados
de 1680, a manga do casaco estava exuberantemente virada para fora, algo
que já se usava de modo mais discreto anteriormente, aumentou de tamanho
e passou a ser tão grande que era, na verdade, um novo acessório do casaco,
sendo abotoada a este e em tecido diferente, por vezes de cor diferente e em
contraste de padronagem.
O mais desconcertante é que, embora se perceba o cuidado em muitos
casos como esses abordados aqui, do retratado em suas escolhas de traje com
O músico vestido de preto
277
que seria imortalizado em pintura, muito pouco se sabe documentalmente a
respeito desse processo de escolha e sobre a inclusão de particulares tipos de
roupas. (CURRIE, 2016, p. 94; RIBEIRO, 1995, p. 7) Algumas escolhas podem
ser também do pintor.
Nos dois quadros com trios de músicos, há sempre a presença curiosa de
um personagem de preto. No caso de Olivicciani, é bastante fácil constatar
que são suas vestes sacerdotais. Pintado ali com menos de 40 anos, ele nada
deixa perceber a fama que granjeou. Nascido em Pescia, ele já aparecia na lista
de pagamentos da Depositeria estatal florentina sob contrato com a corte aos
18 anos de idade. Sua fama se espalhou rápido e, em 1669-1670, já cantava
também para a Congregação dell’Oratorio de Florença, enquanto os Médici
aumentavam seu salário para 23,5 scudi. (KIRKENDALE, 1993, p. 409)
As tentativas que empresários e intermediários fizeram ao longo da década
de 1660 para contratá-lo para as produções líricas nos teatros de Veneza envolveram trocas de carta e abordagens as mais diversas, de modo quase incessante.
(GLIXON, 2006, p. 183-184) Mas o soprano só cantaria em Veneza na produção local de Ercole in Tebe, em dezembro de 1670, no Teatro San Salvatore.
(SELFRIDGE-FIELD, 2007, p. 102-103) Essa ópera, com libreto de Giovani
Moniglia (1625-1700) e música de Jacopo Melani (1623-1676), foi estreada em
Florença nas festas de casamento de Cosimo III e Marguerite d’Orleans, em 12
de julho de 1661, e retomada em Veneza com adaptações de libreto por Aurelio
Aureli (1652-1708) e música por Giovanni Antonio Boretti (1640-1672).
Vincenzino, como era conhecido, foi chamado em seguida para a corte de
Leopoldo I em Viena – registros em 1668 e 1674 –, onde esteve bastante tempo
e em períodos intercalados com retornos a Florença. Em 1676, voltou à Toscana
por estar muito doente e necessitar fazer um tratamento médico, mas logo
retomaria a carreira, cantando para a Compagnia dell’Arcangelo Rafaello e se
engajando nas produções do Pratolino. Cantou em Greco in Troia, de Pagliardi,
estreada no casamento do príncipe Ferdinando com Violante da Baviera em
1689. Esteve ainda mais uma vez em Veneza em 1683, numa aclamada produção de Il re infante, com música de Carlo Pallavicino e libreto de Mateo Norris
(SELFRIDGE-FIELD, 2007, p. 156-157), oportunidade provavelmente aproveitada por estar de regresso de Viena, onde estivera mais uma vez em 1682, sempre
engajado em ópera.
278
Iconografia musical na América Latina
No primeiro semestre de 1699, esteve cantando no Palácio Laxenburg,
da corte austríaca, frequentando continuamente a folha de pagamentos dos
Habsburgos, de 1700 a 1711, quando obteve pensão: 600 gulden quando na
ativa, reduzido a 400 depois de 1715. Florença também lhe pagou todos os
salários, mesmo durante sua ausência. (KIRKENDALE, 1993, p. 411) Ele era o
segundo artista mais bem pago da história da corte toscana. Seu testamento
revela acúmulo substancial de bens: uma casa na Piazza Santo Spirto, 1006;
uma villa e duas fazendas na diocese de Florença, onde montou duas capelas,
gado, prataria, joias e outros bens, sem mencionar o que obteve em Viena. Parte
do que deixou foi para dotes de oneste fanciulle. (KIRKENDALE, 1993, p. 411)
Então, a opção pelas vestes negras de seu compromisso sacerdotal, que
possivelmente nunca exerceu profissionalmente, diz muito mais respeito a uma
vida de moderação, sem luxos – hospedava-se frequentemente em casas conventuais –, propensa a um naturalismo estético e ético, conforme a tradição de
austeridade desejada por parte da sociedade florentina e, portanto, mais fiel a
seus princípios morais e sociais do que necessariamente pela profissão religiosa.
Os dois cantores, igualmente castrados e na tessitura de soprano, que estão
ao seu lado no quadro aqui reproduzido, foram igualmente bem-sucedidos.
Antonio Rivani, conhecido à época como Tonino, Ciccolino e, sobretudo,
Ciecolino (1629-1686), foi talvez o mais famoso na altura em que Gabbiani
pintou o quadro e, portanto, o colocou ao centro, além de ser também o mais
velho dos três. Nascido em Pistoia, irmão de outro cantor castrado, o padre
Giulio Rivani, foi instruído em canto pelo padre Felice Cancellieri, que havia
estado por 20 anos empregado como cantor na corte dos Habsburgos, em
Viena. Rivani começou sua carreira muito cedo, pois em 1638 já tomava parte
da ópera Erminia sul Giordano, de Michelangelo Rossi, e a partir do ano seguinte
já estava engajado na capela da Catedral de Pistoia. (FANELLI, 2001)
Em meados dos anos 1640, deixou sua cidade natal para entrar a serviço
de Gian Carlo di Médici, para quem já trabalhava um dos membros da família
Cancellieri como camareiro do nobre. Terá cantado o papel titular de La Datira
(REARDON, 2016, p. 11), libreto de Salvetti (1645), em Siena, nessa altura.
Mas, com a nomeação de Gian Carlo para a posição de cardeal, mudou-se para
Roma, onde foi novamente emprestado para produções operísticas. Gian Carlo
foi mandado de volta a Florença pelo papa Alexandre VII e, assim, Rivani integrou
muitas produções do Teatro della Pergola por anos consecutivos, sobretudo de
O músico vestido de preto
279
1657 a 1663, especialmente em óperas de Jacopo Melani (1623-1676), como,
por exemplo, nos citados festejos de casamento de Cosimo III com Marguerite
d’Orleans, em 1661, na ópera Ercole in Tebe. (BESUTTI, 2002) A partir de 1660,
essa atividade se intercalou com diversas viagens a Paris para cantar em entretenimentos na corte francesa, inclusive festejos do casamento real, balés e óperas,
destacando-se a estreia de Ercole Amante, de Francesco Cavalli, no papel de Juno.
O sucesso levou-o a aceitar proposta de generoso salário da rainha Cristina
da Suécia, então vivendo em Roma desde muitos anos. Ela já devia conhecer
o cantor desde que travou contato próximo com Giovan Carlo em sua estada
romana. A rainha cedeu os serviços do cantor à corte de Turim, onde Rivani se
demorou mais que o permitido para retornar, mas reassumindo o serviço de
Cristina da Suécia em 1669. Voltou a ser dispensado para se apresentar em várias
cidades italianas, incluindo-se Bolonha (1673) e Mantua (1682). (FANELLI,
2001) A partir desses últimos anos, deve ter se reaproximado da corte medicea
e entrado a serviço de Ferdinando para as produções do Pratolino.
Devia ter amealhado um considerável patrimônio, pois possuía propriedade
rural junto a Pistoia. Faleceu, ao que tudo indica, repentinamente em Florença,
sendo velado sob comoção em Santo Stefano. Gabbiani o representou com um
casaco ajustado ao corpo inteiramente de vermelho liso, uma representação que
se tornaria muito comum no século XVIII nos quadros de músicos virtuoses ou
em posição proeminente de maestro al cembalo. As imagens conhecidas popularmente de intérpretes-compositores virtuoses, como as de Vivaldi e Mozart,
mas ainda de grandes operistas, como Jommelli e Handel, majoritariamente
vestidos em vermelho vivo ou mais escurecido pelo uso de veludo, são apenas
alguns exemplos facilmente acessíveis para comparação, que se estendem a um
infindável número de representações de músicos.
Completando o quadro está Giulio Maria Cavalletti, também conhecido
como Giulietto. Em 1683, já era um dos membros da Congregazione dei Musici
di Roma, seguindo para a temporada de 1683/1684 do Teatro San Bartolomeo
de Nápoles. No ano de 1684, já estava na Capela de São Marcos, em Veneza.
Deve ter ficado em Florença a partir de 1685, antes de ir estudar em Bolonha
com Giovanni Paolo Colonna (1637-1695) e talvez Francesco Antonio Pistocchi
(1659-1726), havendo entrado na Accademia Filarmonica e na capela de San
Petronio em 1688. Tomou parte em produções romanas da obra do bolonhês
280
Iconografia musical na América Latina
Giacomo Perti, em 1696, antes de mais um biênio de trabalhos para os Médici
em Florença e Pratolino.
Cavalletti tinha se mantido na lista de pagamento de Santa Maria Maggiore,
em Roma, desde 1683 até 1692, época em que passou possivelmente à proteção
de Francesco Maria de Médici, e de 1698 a 1703, empregado como virtuoso di
camera da duquesa de Laurenzano. Nenhum desses vínculos o impediu de cantar
frequentemente nas mais diferentes cidades, como Siena, Nápoles, Milão, Turim
(REARDON, 2016, p. 238) e Barcelona, para onde se transferiu ainda em 1707,
ao lado de vários cantores, instrumentistas e compositores, como Caldara,
Chelleri, Astorga e Porsile. (STEIN; LEZA, 2009, p. 254)
Em Barcelona, ele se tornou primo musico di camera – entre 1707 e 1713,
arrolado como soprano e contralto – e vice-maestro de capela do rei Carlos III,
tendo ficado encarregado de supervisionar temporadas do Teatro de La Lonja.
Aparentemente, as conexões vienenses que o levaram à Espanha o trouxeram
para a Áustria em 1720 e de volta a Roma em 1723, já beneficiário de uma
pensão. Seu vínculo com o grand príncipe Ferdinando pode ter acontecido na
altura em que Gabbiani o pintou ao lado dos colegas cantores, mas foi retomado
em 1705-1707, quando criou o papel título de Amleto, de Gasparini, e Spiridate
em Artaserse, de Perti. Somam-se em seus currículos várias estreias de óperas de
Alessandro Scarlatti em Nápoles. Parte da sua fama se deveu a sua extensão
superior a duas oitavas, o que lhe permitia cantar papéis de dois registros; sua
graça e delicadeza de traços o candidatavam costumeiramente a partes femininas. (VITALI; RIEPE, 2002)
A riqueza que o jovem castrato adquiriu ao tempo do quadro é presumível
de suas vestes, embora se deva ter em conta que a posição proeminente que
precisou sustentar deve tê-lo levado a optar por roupas de cara e elaborada
fabricação, dentro das tendências mais fortes do gosto francês que se impunha
e da superexposição pública do cantor. Ele usa um casaco negro ou de tom
escuro muito próximo, com motivos florais pequenos, com manga dupla, de
cor vermelha e tecido firme na parte superior e uma fazenda branca e cheia de
movimento do panejamento antes de um punho rendado ou brocado. A camisa
ou um segundo casaco mais leve é vermelho e de botões pequenos, peça comum
a partir de 1670 na indumentária masculina. (HART; NORTH, 1998)
Por analogia, se vê que, no quadro dos músicos com o schiavo moro, se conforma situação semelhante. Castris, talvez o mais jovem dos três retratados,
O músico vestido de preto
281
veste um casaco azul de padrão misturado entre a parte superior lisa e a inferior
estampada por motivos fitomórficos. Gravatas – a branca em volta do pescoço e
a borboleta de cor por fora –, jabot à francesa, grandes mangas em duas partes,
a de cima abotoada ao casaco e a debaixo em tecido mais mole se misturando
ao punho, em um padrão semelhante ao de Rivani e Cavalletti, são usos semelhantes ao do cravista.
Afinal, o cravista pode não ser efetivamente um compositor ou virtuose do
instrumento, contratado para a função, mas ele também mais um dos cantores
castrados atuantes em Florença. No quadro, a face imberbe do músico, como
a dos colegas cantores Castris, Rivani, Cavalletti e Olivicciani, o denuncia nesse
sentido. Além dos já citados, há registro de pelo menos um cantor que pode se
encaixar no perfil: Carlo Antonio Zanardi (1657-1704) está entre os músicos
pagos por Ferdinando desde 1685 (KIRKENDALE, 1993, p. 652), podendo ter
começado carreira em Florença (1684), mas cantou em Roma, Veneza, Livorno,
Reggio Emilia e Gênova como virtuoso del principe di Toscana (ADEMOLO, 1888,
p. 193) e amealhou recursos suficientes para comprar bens caros, como instrumentos de tecla de Cristofori (BADURA-SKODA, 2017, p. 46), sendo o pouco
que se sabe dele, além de ter começado carreira em Bolonha. (VITALI, 2002b)
A posição desse personagem ao cravo é provavelmente a mesma que a de
Rivani no outro quadro: está a conduzir o ensaio das recentes e queridas aquisições de Ferdinando: Bitti e Castris. A indumentária na moda mais atual do tempo,
cara e exuberante, também aponta para um castrato de condição enriquecida
ou assim desejando parecer: seu casaco vermelho chega a ser mais rico que o
usado por Rivani no outro quadro, porque tem padrões em dourado delineando
braços, ombros, peito e uma larga barra da peça de roupa, evidenciando um
excelente trabalho manual.
Mas não é só a face imberbe que esconde a idade difícil de presumir. Há um
grande cuidado com a maquiagem, subterfúgio, aliás, que se tornaria comum no
século XVII. O exemplo evidente aqui é o fato de Rivani parecer mais novo que
Olivicciani, mesmo sendo quase 20 anos mais velho que o clérigo (Figura 2). As
perucas também atuam nesse sentido dissimulatório, uma vez que o volume e a
cor do cabelo natural não podem ser vistos. Essa maquiagem e todo o conjunto
de artes e atos do ornamento, como o vestuário, o enfeite, a decoração, aplicadas
ao rosto e ao corpo, pretendem simular virtuosismo nas aparências e conforma-se
na ideia de Platão – e o século XVII é um século de moral platônica sob fogo de
282
Iconografia musical na América Latina
ataques antiplatônicos – de que a toalete é superficial, enganadora, indigna,
ilude as pessoas quando empresta as roupagens de uma beleza outra que não a
original. (LICHTENSTEIN, 1994, p. 46, 50) Isso não se aplica exclusivamente à
kosmetiké, o conjunto dos disfarces proporcionados pela toalete, mas é o que a
teoria platônica pensa da pintura como um todo. O ato de pintar é, por si só, um
ato de disfarçar, segundo Platão, uma lacuna ou um defeito, pois desnaturaliza
a aparência, como que corrompendo a verdade da natureza. A pintura seria,
então, uma forma de corrigir os defeitos desta. (LICHTENSTEIN, 1994, p. 51)
O problema na toalete dos indivíduos, assim como na pintura da realidade,
que é modificada pelas cores, é que essa invenção constitui um outro indivíduo
ou uma outra realidade. Assim, tal como a ilusão faz desaparecer as referências
do sujeito, permite um novo sujeito, ou mesmo uma ampliação do existente,
impossivelmente distinto entre o seu essencial e suas representações. E quem
na condição desses castrados não recorreria à toalete? Comumente de infância
pobre ou obscura, criados na casa de muitos irmãos ou de pais ausentes, em uma
vila igualmente pobre ou um arrabalde perdido no interior das províncias, sob o
forte interesse de lucro monetário ou institucional dos adultos que os castraram,
eles eram fortemente treinados para um desempenho, sempre numa espécie de
contrato de risco, para alcançar o que, em termos de virtude artística, poucos
poderiam alcançar e, com isso, frequentar, integrar e sobreviver em um meio
social de outros requisitos, exigências, decoro e comportamento, com pessoas
de origens diversas as quais sempre estariam em descompasso – de origem, em
relação aos senhores; de posses e atenção, em relação aos demais empregados.
Assim, a toalete não apenas ornamenta o corpo e suas vidas, como essa reprovável atitude aos olhos dos platônicos os resgata de uma realidade insípida e os
transporta a um mundo em que proporcionam também eles a fantasia a quem
os assiste. Seriam eles a solução aristotélica da existência de modelo platônico.
Mas esse é também o ofício do pintor. E este, desde o momento em que
pinta, já sabe que não estará nunca de conformidade moral com a obediência
à verdade essencial. Uma vez feito isso, ele sabe que seu ato não é o do filósofo, ao tempo de Gabbiani, então, a filosofia moral de orientação platônica.
O pintor sabe, como Gabbiani devia saber, que a ilusão e a fantasia são a fonte
do prazer e do desejo, que, como já dizia Quintiliano – um dos poucos retóricos
da Antiguidade Clássica lidos no século XVII –: “outros também se deixam levar
pelas aparências, por rostos depilados e polidos, por cabelos ondulados presos
O músico vestido de preto
283
com grampos, brilhando com uma cor artificial, estes descobrem mais beleza do
que poderia oferecer a natureza não alterada...”. (LICHTENSTEIN, 1994, p. 111)
Nesse sentido, Gabbiani parecia consciente do poder da cor, da sua eloquência, num sentido amplamente retórico. Se assim o for, nosso cravista/cantor
parece uma antítese da figura de Castris, mas que com ele se completa numa
representação geral: este tem casaco de base azul, a cor da espiritualidade –
quiçá para representar o que sentiam os que experimentaram sua musicalidade e
desempenho –, com detalhes brancos – da pureza, complementar de uma beleza
metafísica –, enquanto sua gravata borboleta e as mangas de suas vestes são
vermelhas como os laços de sua partitura em que ensaia o dueto da infidelidade
– e aqui se entenda a infidelidade também como o ato de iludir a verdade – do
seu personagem (um dos muitos) mediante uma aparência frágil e preocupada.
O presumível cantor ao cravo está de casaco vermelho, a cor quente dos
assuntos terrenos, das atitudes dos que tem sangue a correr nas veias – e o cartesianismo vigente no século XVII já teorizava cientificamente que os sentimentos,
as emoções e a expressão dependem desse fluxo de sangue para existir –, o vermelho da “senhoria, de reis, cardeais e grandes personagens”. (DOLCI, [1565],
p. 24) Esse casaco tem detalhes amarelos, talvez símbolo do ouro e da riqueza,
do sucesso profissional e material, mas com gravata e mangas azuis, a preparar
o outro cantor ao pé de si, em tom de confiança e calma que só a serenidade
da experiência ou o conhecimento dos meandros da corte lhe podia ter dado,
a melodia e a harmonia daquele dueto, alegoria do real, pouco digerível para o
jovem Checco. O equilíbrio entre ambas as figuras é precisamente a mediação
entre a verdade, desejada, mas insossa, e a ilusão, necessária e prazerosa, ainda
que por vezes dolorida. É uma alegoria da maturidade/experiência e a juventude/
aprendizado entre os que sabem que a toalete cria outros personagens para além
do real, ao invés de submeter e aprisionar o sujeito essencial.
Resta saber que lugar ocupa o violinista Martino Bitti nessa representação.
Não era padre, mas, como Meccoli e Salvetti, está vestido em preto, com o mesmo
detalhe de gravata e jabot a que o cravista e o violoncelista se permitiram. De
Meccoli pouco se sabe, sendo o mais relevante aqui que foi muito requisitado
e ainda, por ser compositor, aparece em alguns elogios literários da época.
(KIRKENDALE, 1993, p. 407-409) Salvetti, por sua vez, foi filho de um escultor
com trabalhos diversos para Florença e os Médici. Isso deve ter facilitado seu
284
Iconografia musical na América Latina
acesso ao guardaroba ducal, do qual obteve autorização de copiar instrumentos já
aos 19 anos de idade, o que ele repetiu outras vezes até o ano em que morreria.
Sabe-se que tocava outros instrumentos de arco, além do violoncelo, com o
qual parece ter sido mais habilidoso, situação que o levou a ser também um tutor
musical do príncipe Ferdinando, a quem mais tarde serviu exclusivamente (1691)
como músico. Acostumado com a cena dramática e sendo também compositor,
esteve, entre 1658 e 1661, na orquestra de ópera da florentina Accademia del
Sorgenti, no Teatro del Cocomero, e compôs belissime sinfonie – música orquestral
– para a Congregação dell’Oratorio em 1663, aparecendo aí nos anos seguintes
em oratórios, com intervalo obtido em 1664 para estar a serviço do arquiduque
Ferdinand Karl em Innsbruck. Seus interesses e formação excederam a música
e o perfil comum do músico, pois dedicou-se à matemática, ótica e acústica
com profundidade científica, lhe afamando não só na Itália, mas na França e
Inglaterra. (KIRKENDALE, 1993, p. 402-406)
Bitti, por fim, foi, segundo documentação da época (1693), contratado
para virtuoso del violino del sr. Prencipe di Toscana, mas esteve envolvido em muitas
apresentações por toda a Florença, sendo sempre considerado um virtuose
do instrumento, muito elogiado por suas performances, sempre dadas em
posição destacada ao lado de músicos, e ocasiões importantes. Eventualmente,
também se envolveu com composição musical, incluindo um pastiche ao lado
de Francesco de Castris e Alessandro Scarlatti, além de árias, atos ou trabalhos
líricos integrais – ópera, oratório etc. – e sonatas, das quais algumas foram
publicadas em Londres, atestando a larga fama que ostentou. (KIRKENDALE,
1993, p. 432-437)
Vestir-se de preto emprestava dignidade e gravidade ao usuário (CURRIE,
2016, p. 99) e, diante da mudança abrupta das modas desde o trecento, como se
viu, o uso da roupa preta era uma moda antimoda, um pouco a recusa de ceder
às variações que foram se tornando constantes e sofisticadas. Ao menos 9 de
14 autores conhecidos e estudados sobre o estudo da cor em Itália nos séculos
XV e XVI defendem a permanência do preto (GAVEL, 1979, p. 138) como parte
de composição colorística em obras e elaborações decorativas. Dentre estes,
destaca-se Lodovico Dolci, humanista, homem de letras – tradutor de Cícero – e
teórico de arte que argumenta que a cor negra é a dos togados, como os advogados, procuradores, notários, médicos, filósofos, frades, dentre outras condições pessoais, porque denota virilidade, temperança e firmeza, não podendo ser
O músico vestido de preto
285
essa cor confundida ou transformada em outra. (DOLCI, [1565], p. 25) A isso
se pode deduzir e acrescer que é a cor dos sábios, estudados e dignos do alto
respeito no seu ofício, como o violinista virtuoso Bitti; o oposto dos cantores,
que, embora sobre base azul ou vermelha, congregam mais cores, indicativo de
mentes bizarras e cheias de apetites diferentes. (DOLCI, [1565], p. 25)
O preto como sinal de moderação foi popularmente usado desde os tempos
de Baldassare Castiglione (1965, p. 126), posto que o seu personagem Federico
Fregoso já recomendava o uso comum do preto no ambiente da corte, ou ao
menos o tom mais escuro, por considerar grave e repousado, e ainda elogia o uso
frequente que os espanhóis faziam da indumentária em negro. Claro estava que o
uso de roupas masculinas pretas já passara a certo grau de popularidade quando
o cinquecento chegou a termo e mesmo depois disso. Uma vez que essa cor em
roupa era obtida por procedimentos diversos, embora não custosos, um grande
número de usuários de diversas profissões usou roupas negras na Toscânia.
Livros de contas de alfaiates de fora de Florença revelam que os clientes
comuns a comprar regularmente roupas pretas incluíam oficiais militares, proprietários de albergues, barbeiros, marinheiros, sapateiros e construtores, alguns
deles pagando menos por materiais baratos. (CURRIE, 2016, p. 100) Vários
tecidos de outras cores custavam realmente muito caro, como o carmim, o violeta profundo, o verde escuro, o púrpura, os azuis claros, as cores rebaixadas e
os tons acinzentados. (CURRIE, 2016, p. 100) Mas os tons diversos de preto,
determinados pela variedade e qualidade dos materiais empregados, estiveram
em larga demanda também, e isso podia indicar, pela carestia e raridade do
traje, a estatura socioeconômica do usuário.
Só dessa maneira seria possível ter ideia das posses dos usuários: uma vez
padronizados pelo uso das vestes negras, os comerciantes e diversas outras classes
profissionais de Florença, mas também do norte da Itália, recorriam ao preto
como um disfarce, uma maneira de mascarar desejos, de controlar vaidade e
excessos de masculinidade, como pré-requisito de sobrevivência nos negócios e
na própria corte. (CURRIE, 2016, p. 107) Se a estratégia de não aparentar sua
riqueza e seus gostos funcionava nos negócios e no trato público, o ambiente da
corte retornou ao preto com ainda mais força do que usara antes, na medida em
que também servia aos negócios de Estado e da diplomacia. Embora existisse
uma atribuição das vestes pretas como parte de um decoro seguido e influenciado
pela corte espanhola, está suficientemente provado que o uso ibérico começou
286
Iconografia musical na América Latina
praticamente ao mesmo tempo que no norte italiano (CURRIE, 2016, p. 107),
sendo um dos precedentes mais interessantes para o uso do preto como símbolo
de manifestação político-estético-diplomática a já sabida adesão a roupas negras
por Filipe de Burgúndia, o Bom, para protestar contra o assassínio de seu pai,
João Sem Medo, em 1419. Os cortesãos fiéis a Filipe adotaram a mesma moda
a partir daí, e o uso teria se espalhado e normalizado o hábito.
No final do século XVII, no círculo de Ferdinando ou no ambiente do Pratolino,
usar o preto poderia ser uma desculpa dos votos feitos por Olivicciani, Pagliardi
e do castrato Filippo Melani (KIRKENDALE, 1993, p. 412-413), ou ainda por
causa do vínculo acadêmico e científico, que pode ser o caso de Salvetti, ou
ainda o decoro do organista eventual que era Meccoli. Mas o fato novo parece
ser o virtuoso violinista, preferido do seu mecenas – e é verdade também que
os mecenas usaram preto pelos mesmos motivos acima – e uma das estrelas da
corte florentina, Martino Bitti, ser assim retratado.
Não se pode saber ao certo se foi Bitti quem escolheu ser assim representado
ou se a escolha foi de Gabbiani em seu projeto retórico para o quadro, afinal o
preto serve perfeitamente para equilibrar a obra na polarização oferecida entre
os outros dois músicos. De qualquer forma, a vida de Bitti está longe do que as
muitas cartas que envolvem Checco, Vittoria Tarquini e Ferdinando mostram
de rumoroso e discutível na trajetória desses cortesãos e no meio profissional
que muito extrapola a cidade. A vida de Bitti – Martinello, para os íntimos –
está modestamente descrita apenas pelas muitas participações públicas de sua
atividade musical e alguma militância discreta com associações de músicos por
necessidade estrita de socialização, sobretudo numa cidade onde as classes e os
gêneros se fortaleceram recorrendo ao aspecto institucional de seus coletivos.
Bitti pode perfeitamente ter sido um dos muitos adeptos do paramento em
negro para preservar sua posição de spalla, violino primo, ensaiador – como se
vê no quadro – dos principais cantores da corte, e de notoriedade – uma vez
que sobreviveu a Antonio Veracini e Francesco Maria Veracini imigrara. Assim, se
tornou uma força de influência para que também mais essa classe de profissionais em processo de consolidação no Ocidente europeu passasse a usar o negro
com os mesmos propósitos de visibilidade invisível dos demais acima citados,
em busca de ser respeitada pela estabilidade, gravidade, decoro, temperança
e seriedade que precisavam e que se pensava de um homem vestido de preto.
O músico vestido de preto
287
Referências
ADEMOLO, Alessandro. I Teatri di Roma nel secolo decimosetimo. Roma: Pasqualucci
ed., 1888.
BADURA-SKODA, Eva. The eighteenth-century fortepiano grand and its patrons from
Scarlatti to Beethoven. Bloomington: Indiana University Press, 2017.
BESUTTI, P. Rivani, Antonio (opera). In: OXFORD UNIVERSITY PRESS.
Grove Music Online. Oxford: Oxford University Press, 2002. Disponível
em: http:////www.oxfordmusiconline.com/grovemusic/view/10.1093/
gmo/9781561592630.001.0001/omo-9781561592630-e-5000904334. Acesso
em: 11 jul. 2018.
BOEHRER, Bruce Thomas. Parrot Culture: Our 2500-Year-Long Fascination
with the World’s Most Talkative Bird. Philadelphia: University of Pennsylvania
Press, 2004.
CASTIGLIONE, Baldassare. Il libro del Cortegiano. Torino: Einaudi, 1965.
CHIARINI, Marco. Antonio Domenico Gabbiani e I Medici. In: KUNST der
Barock in der Toskana: Kunst der Barock in der Toskana. Munich: Verlag F.
Bruckmann, 1976.
CONT, Alessandro. I Paggi nele Corte Italiani del Seicento. Firenze: Leo Olschki
ed., 2012.
CURRIE, Elizabeth. Fashion and masculinity in Renaissance Florence. London:
Bloomsbury, 2016.
DOLCI, Lodovico. Dialogo di M. Lodovico Dolci, nel quale se ragiona dele qualitá, diversitá,
e proprietá dei colori. Veneza: Sessa e fratelli, [1565].
FANELLI, J. Rivani, Antonio. In: OXFORD UNIVERSITY PRESS. Grove
Music Online. Oxford: Oxford University Press, 2001. Disponível em:
http://www.oxfordmusiconline.com/grovemusic/view/10.1093/
gmo/9781561592630.001.0001/omo-9781561592630-e-00000456477. Acesso
em: 11 jul. 2018.
FERRARO, Eleonora. Ventura e sventura dei nanni nelle corti de Seicento. Rivista
Internazionale di Filosofia Online, [s. l.], ano 12I, n. 23, p. 201-214, magg. 2017.
FLETCHER, Catherine. The Black Prince of Florence: The Spectacular Life and
Treacherous World of Alessandro de’ Medici. London: Bodley Head, 2016.
288
Iconografia musical na América Latina
GAUK-ROGER, Nigel. Sacra Conversazione. In: OXFORD UNIVERSITY
PRESS. Grove Art Online. Oxford: Oxford University Press, 2003. Disponível
em: http://www.oxfordartonline.com/groveart/view/10.1093/gao/
9781884446054.001.0001/oao-9781884446054-e-7000074882. Acesso em:
8 jul. 2018.
GAVEL, Jonas. Color: A study of its Position in the Art Theory of the Quattro &
Cinquecento. Stockholm: Almqvist & Wiksell International, 1979.
GLIXON, Beth; GLIXON, Jonathan. Inventing the business of opera: the empresario
and his world in seventeenth-century Venice. Oxford: Oxford University
Press, 2006.
GONZALEZ, Kristen H. More than Mimicry: The Parrot in Dutch Genre Painting.
3 Nov. 2017. Disponível em: https://purl.org/nga/documents/literature/essays/
more-than-mimicry-the-parrot-in-dutch-genre-painting. Acesso em: 13 jul. 2018.
HART, Avril e North, Susan. Historical fashion in detail: the 17th and 18th centuries.
Londres: Victoria & Albert Publications, 1998.
HARVEY, John. Men in black. London: Reaktion books, 1995.
HILL, John Walter. Antonio Veracini in context: new perspectives from
documents, analysis and style. Early Music, Oxford, v. 18, n. 4, p. 545-562, 1990.
HOLMES, William. Opera observed: views of a Florentine impresario in the early
eighteenth century. Chicago and London, Chicago University Press, 1993.
HUGFORD, Ignazio Enrico. Vita di Antonio Domenico Gabbiani, pittor fiorentino.
Firenze: Francesco Moucke, 1762.
KIRKENDALE, Warren. The Court Musicians in Florence during the Principate of the
Medici. Florença: Casa Editrice Leo S. Olschki, 1993.
LICHTENSTEIN, Jacqueline. A cor eloquente. São Paulo: Siciliano, 1994.
ORLANDI, Pellegrino Antonio. Abecedario pittorico. 2a ed. Bologna: Constantino
Pifarri, 1719.
PANCHERI, Roberto. Contributo all’iconografia di Bernardo Pasquini.
Quaderni Trentino Cultura 17, Cultura per il territorio. Atti. Pasquini Symposium 2010,
a cura di Armando Carideo. Trento, Provincia Autonoma di Trento: Giunta della
Provincia autonoma di Trento; Assessorato alla Cultura, Rapporti europei e
Cooperazione, 2010.
O músico vestido de preto
289
PEPPERBERG, Irene M. Cognitive and communicative abilities of Grey Parrots:
Implications for the enrichment of many species. Animal Welfare, [s. l.], v. 13,
p. 203-208, 2004.
PEPPERBERG, Irene M.; NAKAYAMA, Ken. Robust representation of shape in a
Grey parrot (Psittacus erithacus). Cognition, Amsterdam, v. 153, p. 146-160, 2016.
REARDON, Colleen. A sociable moment: opera and festive culture in baroque Siena.
New York, Oxford University Press, 2016.
RIBEIRO, Aileen. The art of dress: fashion in England and France, 1750-1820. New
Haven: Yale University Press, 1995.
ROSSI ROGNONI, Gabriele V. Il Gran Principe Ferdinando e la Musica. In:
SPINELLI, Riccardo (ed.). Il Gran Principe Ferdinando de’ Medici (1663-1713):
collezionista e mecenate. Florence: Giunti, 2013. p. 115-125.
SELFRIDGE-FIELD, Eleanor. A New Chronology of Venetian Opera and Related Genres:
1660-1760. Stanford: Stanford University Press, 2007.
STATUTI DEI COMUNE DI FIRENZE. Disponível em: http://www.archiviodistato.
firenze.it/ inventari/s/statuti/dati/prammatica.html. Acesso em: 19 jul. 2018.
STEIN, Lousie K.; LEZA, José Máximo. Opera, genre and context in Spain and its
American colonies. In: DELDONNA, Anthony R.; POLZONETTI, Pierpaolo (ed.).
Cambridge Companion to Eighteenth century opera. Cambridge University Press, 2009.
p. 244-269.
VAN DE VELDE, Hildegard. The Parrot: the decorative beauty of its plumage (guia
do visitante à exposição homônima ocorrida na Rockox House, Antuérpia, 20142015). Antwerp: KMSKA/ROCOKHUIS/HETGULDENCABINET, 2014.
VITALI, Carlo. De Castris [De’ Massimi], Francesco. In: OXFORD UNIVERSITY
PRESS. Grove Music Online. Oxford: Oxford University Press, 2002a. Disponível
em: http:////www.oxfordmusiconline.com/grovemusic/view/10.1093/
gmo/9781561592630.001.0001/omo-9781561592630-e-5000901271. Acesso
em: 8 jul. 2018.
VITALI, Carlo. Zanardi, Carlo Antonio. In: OXFORD UNIVERSITY PRESS.
Grove Music Online. Oxford: Oxford University Press, 2002b. Disponível
em: http:////www.oxfordmusiconline.com/grovemusic/view/10.1093/
gmo/9781561592630.001.0001/omo-9781561592630-e-5000907802. Acesso
em: 18 jul. 2018.
290
Iconografia musical na América Latina
VITALI, Carlo; RIEPE, Juliane. Cavalletti, Giulio Maria. In: OXFORD UNIVERSITY
PRESS. Grove Music Online. Oxford: Oxford University Press, 2002. Disponível
em: http://www.oxfordmusiconline.com/grovemusic/view/10.1093/
gmo/9781561592630.001.0001/omo-9781561592630-e-5000901026. Acesso
em: 5 jul. 2018.
O músico vestido de preto
291
Using our own voices,
telling our own herstories
Reflections about sound creation
based on voice and technology1
Isabel Nogueira
1 Introduction
This paper presents a reflection about women sound artists
who use technology and their own voices, discussing how
they develop relationships between the use of these tools, the
use of their own voices and the images they use to represent
themselves publicly.
The method chosen is within the scope of the most radical
qualitative methodology and is based on feminist epistemologies, which are, therefore, a path and vision, respectively.
1 This chapter is a revised and enhanced version of the paper presented
on The First International Conference on Women’s Work in Music, celebrated in Bangor University in September 2017.
293
This work aims to be collaborative, radically qualitative, polyphonic and conceived in a collective feminist practice, where initial reflections can be brought
from the voices of different women.
The sound artists that we analyze here are Brazilian women, active in Brazil
and in other countries, who are involved in feminist networks and artivisms,
create and perform their own music using voice – singing, spoken words, abstract
sounds or modified voice – as an important element in their sound creation, but
distant from the model traditionally associated with the singers. They are: Bella,
Leandra Lambert, Isabel Nogueira and Marcela Lucatelli.
We consider the activity of these sound artists as a way of challenging historical and contemporary cultural assumptions about both women’s voices and
the normative male in sound arts practice.
We will present here some results of this project, with the report of three
women about how they use technology and their own voices as well as their
images and the relationship they establish between them, their artistic trajectories
and their gender condition.
2 The studies that come before this paper
I am a woman composer and performer, I work as a full professor at Federal
University of Rio Grande do Sul, and I coordinate a Research Group in Gender
Studies, Body and Music. I am part of Medula Collective of Sound Experiments
and I create songs using voices, soundscape, traditional instruments and synthesizers, in a feminist concept.
This paper is part of an ongoing research project that is being developed to
construct a Cartography of Brazilian Women in the Experimental Music and Sound Art.
First, I would like to talk about my place of speech concerning to the music
and sound field, that I use to consider as also my place of listening. (NOGUEIRA,
2017) My first contact with music was at eight years old, in Pelotas city, south of
Brazil. While I started studying piano, I also used to write small tales, stories and
poetry, besides developed my classical ballet studies. After my piano graduate
studies, I got a PhD in musicology.
Therefore, my place of speech is the one of a white, middle-class woman from
the south of Brazil, who had the opportunity to do formal studies of music on
294
Iconografia musical na América Latina
elementary, undergraduate and graduate levels, and acts as a researcher, teacher,
mother, performer and sound creator.
My research work started in 2001, studying photographs of women composers and performers that have been carrying out concerts in Brazil and South
America in the first half of the 20th century, observing the visual constructions
they decide to do. I notice very strong patterns being used throughout time, such
as not looking straight at the camera, not smiling, and the preference of looking
at the horizon, emulating a distance from reality, according to the romantic idea.
The absence of these performers and composers in the Brazilian musical
historiography and in the records made me think about the silence, choices
and power games; but at the same time, it brought to me the relevance of these
documents as traces, testimonies, notes for the reading of a story that perhaps
had no other way of being told.
During my doctorate, and later, in my career as a musicologist, researcher and
teacher, I studied the feminist theories and the theories about gender and music
that have been devoting attention to the deconstruction of the socially imposed
concept of what it is “to be a woman”, also questioning that single, monolithic
“being a woman” in the fields of music and musical practice.
As for the musical practice specifically, Lucy Green (2001, p. 24) notes that
“according to their musical involvement, women have different social considerations, tracing different levels of acceptance and threat to a supposed and
imposed concept of femininity”. Women who sing would be affirming such
concept of femininity: the social imagery associates the body exposure to a
detachment from the intellectual capacities. Women who teach music are also
considered affirmative of their ideal femininity: they care for other people, which
can be seen as an extension of maternal activities – an activity also considered
as detached from the development of an autonomous intellectual work. In this
author’s perspective, there is an intermediary place, occupied by instrumentalist
women, partially transgressive of this conventional ideal of femininity. Women
composers and improvisers would transgress this concept, through the development of an autonomous intellectualized work.
I have developed this work from the feminist epistemologies, and Margareth
Rago highlights the importance of the feminist epistemologies as a lens to view
the world, noting that they do not seek just the inclusion of gender relations,
but questioning the very process of producing knowledge, built from relations
Using our own voices, telling our own herstories
295
of power, privileging the rational processes instead of the subjectivity, considering certain actors, environments, and documents as more valid than others.
The possibilities feminist studies open are not limited to the inclusion of female
subjects, but seek to offer a new vision, by inserting the notion of subjectivity
and situated knowledge. Therefore, proposing a thought that thinks of itself as
postcolonial, situated, and feminist requires not only an effort to include new
characters in a story told in the same way, but implies finding new visions, a new
focus, new lenses to tell the story. It is necessary to consider aspects such as the
historicity of the concepts, cultural relativity and the co-existence of multiple
temporalities. (RAGO, 1998, p. 10-12)
3 The research
Taking as my starting point the feminist epistemologies and the need for
new lenses to see and construct history, as Rago points out, and considering
the questioning of hegemonic narratives and the understanding of difference
markers as determinants of places of speech and listening, I am concerned about
the methodological organization of this paper.
Inspired by this, I seek to reflect, in a mediation carried out by discussion
networks, by dialogues between women in the field of music and sound creation,
about how women perceive their image, the use of voices in their sound creation
and the relationship between it and their artistic production.
I seek to reflect on the discourses and the narratives of themselves so that
they lead us to construct knowledge about the invisible-visibility route of women
in music from discourses and narratives in the first person.
To this end, I have proposed to the female interpreters and/or composers to
share photographic images used to publicize their artistic works. Along with the
choice and sending of these photographic images, I asked them to describe and
attribute meanings to what they think about their images in that photograph,
seeking to listen to what the artists themselves think about them, in a relation
between self-image and their artistic trajectories, their convergences, divergences,
consensuses and dissent. In this first interpretive synthesis resulting from the
project, I want the report about three artists with different forms of sound
296
Iconografia musical na América Latina
production, objecting what they want to say, in their own words, how they consider that personal image they use publicly is related to their artistic proposal.
I would like to present an artist-based research that is related to an idea of
musicology about our present time.
Accordingly, I propose that the view of the musicologist or the qualitative
researcher be not the fundamental axes of the analysis of the images, but I propose here that the senses attributed to them be given in the first person, by the
artists themselves, built in close relation with their histories and trajectories.
I also propose the emergence of meanings that the artists themselves attribute
to their image constructs and are constructed by their gender condition.
4 Methodology
Supported by feminist epistemologies and clearly directed by the necessity
of horizontalization of the relations between researchers and artists, I decided
to use the method of qualitative investigation, named as radical qualitative or
critical qualitative.
According to Norman Denzin (2001), the radical qualitative research and its
related practices emerge from a moment when criticism of the cultural issues
involving researchers and their methodological practices needed to be criticized
and questioned.
The researches and the academic writing itself are not innocent practices, free
from ethical commitments. Women and men write in very different ways about
cultures, and this, especially in the 1980s and 1990s, led cultural researchers,
anthropologists, and sociologists to question each other and identify that “narrative turn” was needed to ensure that the narrative was done by the people
investigated. And this should be done not only in the way of developing research
itself, but in the ways of writing the papers. In this kind of research, the research
results are interpretative themselves.
In the article written in 2001, Norman Denzin called this the seventh moment
of qualitative research, in which the essence of research could be understood
as the attempt to express the aspirations of a free, just and democratic society.
The bases of interpretation that are the main task of this type of investigation
are the political, ethical and aesthetic positions of the researcher, the groups or
Using our own voices, telling our own herstories
297
persons investigated and the awareness that the interpretations of the research
activities will bring up these questions.
Certain that the epistemological basis for my investigation will be focused
there, I try to organize the steps of the investigation, inviting, initially, thirty
women participants of networks of discussion on music and gender, in different
levels of theoretical familiarity with the subject. I made a first contact by email
stating my intentions.
The proposal was:
You need to choose a photograph of you that you consider representative of the image you use
publicly (as you wish or are usually represented); think about how you perceive the artistic
concept of your work, pointing out if you observe clear connections between this concept and
that image; record an audio speaking freely on the following questions:
How do you perceive your music/sound production?
What is your artist statement?
Choose an image that you think represents you and comment on how this image relates to
your wishes and intentions as an artist.
Of the thirty women who collaborated with us, we have already presented a
paper about five of them at the 4th Brazilian Conference on Music Iconography,
organized by RIdIM-Brasil, which was celebrated in Brazil, on July 2017.
In this paper, I will present the work, ideas and voices of three of these
composers/performers.
All of them were informed about all steps of the investigation and their publication and agreed to the dissemination of their images and testimonials. The
discourses constructed by these artists were read entirely. They thrilled me. They
impacted me.
In the initial proposal of this investigation I heard the women’s narratives
and looking at their images, tracing the lines that would later help me to form
the meshes between their narratives and their images.
Listening and looking, looking and seeing... There was a time when I needed
to get away.
I referred papers that I had already read. One of them, the first chapter of the
book “Lines, a brief history” from the anthropologist Tim Ingold (2007) provoked
me in the first sentences of the text. There was something beyond narratives and
descriptions that did not materialize in the two-dimensionality of paper.
298
Iconografia musical na América Latina
I know these women, we participate of some networks together and we usually talk of music and sound art issues...
I knew something was missing.
The chapter “Language, music and notation” led me to reflect: the notation of
singing closed the voices and their musicality became standardized. In the same
way, the writing of the speech standardized its musicality. Orality is musical. Oral
language is essentially music in all cultures. Making music out of these women’s
speeches is a form of interpretation, it would be returning to the essence, to a
kind of essential interpretation.
So, I decided to use the Arts Based Research – a kind of critical Qualitative
Inquiry – as a method and decided to create music using these women’s voices
describing themselves, and their discourse would be mediated by their images.
Arts Based Research is about converting something that is not necessarily
artistic in an artistic way, and, in this case, I was investigating self-narratives of
women composers and creators in sound art. Their production is in the artistic
field, and I could say it is in a hybrid way because they use different kinds of
art expression, and in this case, I propose to create a sound piece using their
speaking voices.
Otherwise, their sound work includes voices, in different ways – spoken words,
singing or processed voices – and their speaking voices can be considered as part
of their potential sound creation.
Historically, Cathy Lane points out that women’s voices have been compared
to all that is animal, lowly, or related to sexual temptation and seduction, death
and corruption. Women’s voices are also related to the tradition of singing, which
has been an accepted place for the female musical practice, far from the composition or the use of technologies, related to a supposed normative male universe.
So, it was important for me, after hearing their voices on the interviews and
seeing the images they send to this project, to create a sound work using their
voices, because I am part of this network, and, besides all, I was looking for a
research based on arts and in feminist epistemologies.
Using our own voices, telling our own herstories
299
5 The sound artists
Figure 1 – Leandra Lambert (28/05/74)
Source: Leandra Lambert selfportrait.
Composer-performer and multimedia artist. Doctor in Arts UERJ/ Paris 1, with
a scholarship Capes PDSE. She participated in exhibitions, events, concerts, radio
programs, and performances in Brazil, USA, UK, France, Chile, Cuba, Norway
and Russia, among them Festival Novas Frequências 2016 and Documenta
2017 radio. First place in the III Latin American Competition of Electro-Acoustic
Composition Gustavo Becerra-Schmidt. She held two individual exhibits, published books, articles, and phonographic records. She practices soundwalks,
researches free and forced transits, impediments, absences and disappearances,
relating experience, memory and environment, history, imagination and myths of
each place, with a poetic and political approach. As a composer-performer her
focus is in the use of voice, electronics, experimental methods, free improvisation, altered field recordings and small everyday objects. She came from projects
that mixed electronic, experimental and punk/post-punk since the early 1990’s,
being among the local pioneers of that sound. Now she has two solo projects,
Cut-up Tragedy, and Lori, that will release an album this year; and two duos,
Strana Lektiri (with Isabel Nogueira) and Terra Incognita (with Alex Mandarino).
300
Iconografia musical na América Latina
In Leandra’s words:
I do sound experiences, art works and performance. I practice unruly walks in the city and out
of the urban area. Search for free and forced transits, impediments, absences, traces and disappearances. I relate experience, memory and environments, stories, imagination and myths
of each place with a poetic and political approach. As a composer and performer, I use some
voices and electronics cut-up techniques, experimental methods, free improvisation, mixed
diverse technologies, altered field recordings, and everyday objects. I have dealt very much
with the idea of the unfathomable – insondável in Brazilian Portuguese: unfathomable is
what one does not probe, depths of impossible access. The ethological origin of insondável
refers to going under the wave – onda. From the Latin subundare – unda – wave – also
present in flood.
Sounds are made in waves: it consists of waves and moves in waves. In the same way as the
sound, sea is defined by physics as disturbances that flow in some medium, in space and time.
We are always under these troubles.
Figure 2 – Bella (08/07/1988)
Source: Bella.
Bella is Brazilian and was born in Rio de Janeiro. She lives in São Paulo.
Composer, performer, sound and visual artist. Bella often works with interdisciplinary fields and collaborative works. She takes part of Meteoro, a group formed
by her, Anais-Karenin and Juliana Borzino. Her work is to erase the boundaries
between sound and space from a performance focused on the imperceptible
movements of reality. She operates with improvisation, field recordings, physicochemical experiences and visualities. Bella has performed at MAM-RJ, Festival
Using our own voices, telling our own herstories
301
Novas Frequências-RJ, Festival Música Estranha – SP, FIME-SP, Acéfalo Festival
(Valparaiso), Acker Stadt Palast (Berlin), Lo Spazio (Poschiavo), Rumor-Ciclo
de Arte Sonora (Recife), and many others.
In Bella’s words:
I had a varied background and I already lived creative processes working with song, with
music, studied visual arts, dance, theatre, and when I started to think of my work alone,
it started from many inspirations. One of my inspirations was mythology, as an imaginary
starting point, of fantasy, I study a lot of mythology, so this worked as a basis for inspiration
where I was creating connections with colour, with the sound itself. I have been practicing
improvisation a lot, and I have been researching pure sound, I am researching the sonority
of objects, recordings, material relations, what sound can cause or manifest materially.
I practice the use of elements: how can a magnet interact with a stone, wood, water? If I put
the sound in a certain space, inside a box, or a corridor, what happens, how do we listen to
it? I am interested in how we listen, how listening can be transformed, varied. I study the
feedback, I use cassette tapes, I think of producing installations, specific sites, and I can say
that what I study in practice is the symbology, the symbol.
Figure 3 – Marcela Lucatelli (13/04/1988)
Source: Marcela Lucatelli selfportrait.
Marcela Lucatelli can already be hailed as one of the most innovative vocalists
and composers of her generation. Lucatelli has earned international recognition
for her extremely original, sensuous and politically charged performance works.
Born in Brazil and based in Denmark, her pieces have been performed by some
302
Iconografia musical na América Latina
of the most edgy ensembles in the world such as Apartment House (England),
Mocrep (USA), Hidden Mother (Sweden) and herself, at diverse festivals and
international events such as Nordic Music Days, Darmstadt Internationale
Ferienkurse fur Neue Musik, Copenhagen Jazz Festival, Festival Internacional de
Linguagem Eletronica (File), WOMEX, Áudio Insurgência, Waverly Festival NYU,
among other events worldwide. Her critically acclaimed first album PHEW! – The
Last Guide for a Western Obituary shows her notorious vocal skills and conceptual irony synthesized in groundbreaking contrasts and unclassifiable grooves.
In Marcela Lucatelli’s words:
I perceive my music and sound production as inevitable, it’s not something I really chose to
do, it’s a survival for me, a survival method. It is directly related to my personal experiences
as a human being, as an existent one, as a person who was also born in this body, with these
genitalia, and I realize that in my production, technically it has a very strong visual aspect,
theatrical intermedia, multimedia, post whatever this use of various media may be called,
various aesthetic elements to create a notion of time use. My artist statement is a very strong
expression of a voice that is not only mine, which began with the study of singing, the word
melody, timbre, a communication of a depth of the word, the language that exploded in it,
which is like a splinter of the corner that has exploded for several media, for the video, the
instrument, the object, the body, the visuality, the image that is formed with these media all,
that is made over time.
The three artists chose images that do not obey the traditional way the artists present their images, either by the large shadow on one side of the face, in
the case of Leandra, or using blurring, in the case of Bella, or by the everyday
mood, in the case of Marcela.
I asked them to choose photographs that represented them at this moment
of their lives, and these images are their choices.
At the same time, their performances in the field of experimental music,
developing hybrid roles, can demonstrate an experimental attitude, that goes
beyond a music genre definition only by its sonic aspects.
Their attitude, that includes performance, sound creation and political proposals, configure an artivist aproach, combining art and life and bringing a
creative perspective to the images that represent them.
In the field of electronic music, and I could extend this to the experimental
music that uses electronic devices, there are mostly men, and the women must
negotiate their ways of being part of this.
Using our own voices, telling our own herstories
303
As Freida Abtan (2016, p. 3) points out:
None of the girls I knew as a teenager taught each other how to do technical
things. We read books and discussed the world, watched movies, talked about
our families, our feelings, our thoughts, but we weren’t really involved in skills-sharing unless it was related to school. When I wanted to participate in my
friends’ musical experimentation, I was joining a skills-sharing network that for
them had always been male.
We could say that a processed voice is a bodyless voice, but we also could
think that these hybrid voices comes from hybrid bodies, that creates new ways
of existing in this world.
I want to bring here Ingold’s concept about web, to consider how it works
to connect women in the specific field I am concerned:
Unlike communication networks, for example, the threads of a spider’s web do
not connect points or attach things. They are woven from materials exuded by
the body of the spider and are arranged according to their movements. In that
sense, they are extensions of the spider’s own being as it trails the environment.
(INGOLD, 2012, p. 40)
So, I feel myself as part of this network, and I can consider my sound work as a
possible research about these artists voices, in a process mediated by the dialogue.
According to Marilia Velardi (2018, p. 51-52):
Artists know about the richness of the processes, how they involve order followed
by chaos, followed by order [...] and chaos. They are about flow, fluency, stagnation, stops, discards and incorporations. How they are changed on the way
and how often these ways is more interesting than the final results. To take care
of the routes, to value the processes and narrate them in detail, errors and hits:
this is perhaps the most important premise of those who thinks that research
within and outside Arts can be inspired by artists in their processes, and not only
by consecrated epistemologies or theory a priori. Especially if the proposal is to
investigate living experiences put into the moving world. And doing a narrative
that can be consistent with all this - and bring it to the Academy – looks more
like a task, an urgency. To the Arts, but also for science and technology.
304
Iconografia musical na América Latina
6 Plots of sounds, images and voices
2016, May: Renata Roman and Natacha Maurer develop the Dissonantes
project in São Paulo, Brazil, for visibility of the production of women composers:
Isabel participates in the project with Leandra, with the Strana Lektiri duo.
Leandra lives in Rio de Janeiro, Isabel lives in Porto Alegre, they work through
online sound exchanges.
On the same day, Sanannda Acacia played, she has a musical project in
partnership with Bella, who also plays in the Dissonant Project, on another day.
Marcela Lucatelli was also there and wrote a text for the Linda Review
of Electroacoustic Culture about the participation of women in the
Dissonantes project.
Isabel makes a cut up from Marcela Lucatelli’s text and produced the song
“Mar of dissonant alchemists”. Isabel begins writing a column for Linda Review
of Electroacoustic Culture.
The editors of the Linda Review of Electroacoustic Culture are Flora
Holderbaum and Alessa Camarinha, who also work with sound creation and
belong to the Sonora Music and Feminism Network, as well as Bella, Marcela,
Isabel and Leandra.
Marcela, Leandra, Bella and Isabel work with voice, technology and transformed sounds in their creations, using diverse artistic manifestations and think
their images and trajectories as multimedia and intertextual.
I am in this field, I participate in this movement, I use to create experimental
music, to think and to write about that, there is no neutrality possible.
During this work, I noticed a few things: as a first point, I notice that the
reports were made for me, that people recorded their audios thinking and
attending an invitation made by a named person, who knows them and participates in the same networks, the same environments, and shares interests. I
understand that this generated reports that would be different if the author or
the author of the proposal were someone else.
When speaking, one speaks to someone, who sought to generate a kind of
listening, by all the elements involved in this relationship. So, what I bring here
does not come from this work alone, but from a built path, and that engages
these people in themes and environments that are important not only to me,
but to them as well.
Using our own voices, telling our own herstories
305
An important and consciously chosen element was the email text of the invitation, which was intended to provide as much information as possible about
the project, so that further clarification was not necessary to avoid influencing
the narratives.
At first, I was extremely happy with the number of positive responses, about
thirty women answered affirmatively about the proposal to participate in the
project, some of them commenting that they had never thought about this, those
who felt instigated by the questions asked.
I was interested in being careful not to interfere with the way of speaking,
attempting to create a nice environment for their expression, in the way that could
be the most appropriate, convenient and comfortable for them, to deconstruct
the idea that only some forms of expression would be accepted, once this is an
unexplained but recurrent message in musical circles.
At the same time, I tried to deconstruct, as I could, and it seemed possible, my
place as a researcher and university professor, seeking to demonstrate that there
would be no wrong answers or inadequate settings, but that all their opinions
and manifestations would be considered.
It seemed to me that this meant applying the questions posed by feminist
epistemologies about the importance of the horizontality of processes and the
value of the speaking place of each of the interviewees.
At the same time, the importance of the evidence of mobile subjectivities was
put to me, as Margaret Rago puts it.
For this reason, I notice that my place of speech is not only about the physical
body and their performative crossings (BUTLER, 2000), but an expanded body,
which encompasses the theoretical and documentary corpus I use in my productions, and how this production is read.
306
Iconografia musical na América Latina
Figure 4 – Isabel Nogueira (02/05/1972)
Source: Isabel Nogueira.
7 Final considerations
The process of speaking about oneself is a challenge, since it implies a dive
in their motivations and subjectivities, making choices about their own narrative forms.
These diverse and nomadic elements point to the mobile subjectivities Margaret
Rago speaks about, going beyond an essential feminine but considering the different forms of construction that cross the condition of gender.
Not a single way to be a woman, not a choice of an image or a voice considering its beauty or seeking to please other people.
The purpose of bringing musicology closer to artistic practices, involving creation and performance, is in the wake of the feminist epistemologies themselves,
since we believe that music and gender research acquire their most significant
Using our own voices, telling our own herstories
307
bias when articulated, defined and re-dimensioned with the practices, the artivisms (arts+ activism) and their links with different realities.
We believe that the trajectories and projects, both artistic and academic,
developed by the women participating in this research are at the same time
demonstrations and examples of how spaces are articulated, symbolically and
practically, for the development of feminine protagonism, for the questioning
of traditionally generated places in the field of music, contemplating other repertoires and practices.
I would like to bring Gloria Anzaldua’s words, that reflects the same purpose
I have tried with this paper, to offer a way to think about gender and music
through art- based research and feminist epistemologies:
However, it is not enough to stand on the opposite bank of the river, shouting
questions, defying patriarchal, white conventions. An opposing point of view
binds us in a duel between oppressor and oppressed; closed in deadly combat,
as police and thug, both are reduced to a common denominator of violence.
‘Counterpositioning’ refutes the views and beliefs of the dominant culture and
is therefore proudly challenging. Every reaction is limited by, and subordinated
to, that against which it is reacting. Because ‘counterpositioning’ springs from a
problem with authority – both external and internal - it represents a step toward
the liberation of cultural domination. However, it is not a way of life. At a certain point, on our way to a new consciousness, we will have to leave the opposite bank, with the cut between the two mortal combatants healed in some
way, so that we are on both sides at the same time and at the same time, to
see everything with snake and eagle eyes. Or perhaps we decide to disengage
from the dominant culture, to erase it altogether as a lost cause, and to cross
the frontier into new, separate territory. Or we can take another route. The
possibilities are numerous, once we have decided to act instead of just reacting.
(ANZALDÚA, 2005, p. 706)
Creating new ways to develop research, combining musicological and iconography studies, and at the same time understanding they are always interpretative
and there is no possible neutrality is, in my way of thinking, our challenge.
On the way to a qualitative research that can include a feminist perspective,
I would like to remember Freida Abtan’s words, when she says:
Now when people ask me how to get more women involved in electronic music
culture, I have two answers: share your skills with them, but also: share your
friends with them. Remember that culture is something that we build together,
308
Iconografia musical na América Latina
by doing, and teaching each other how to do. Host a workshop. Throw some
shows. Promote each other’s work. Open up your files and show each other
what you’re making, and more importantly, show each other how you’re making
it. Help each other to get your art out into the world. Don’t worry if they don’t
already know how to be involved, we are all going to build the future of music
together. (ABTAN, 2016, p. 6)
References
ABTAN, Freida. Where is she? Finding the women in electronic music culture.
Contemporary Music Review, Oxfordshire, v. 35, n. 1, p. 53-60, 2016.
ANZALDÚA, Gloria. La conciencia mestiza/ Rumo a uma nova conciencia. Revista
Estudos Feministas, Florianópolis, v. 13, n. 3, p. 704-719, set-dez. 2005. Translation
of Ana Cecília Acioli Lima.
BUTLER, Judith. Corpos que pesam. In: LOURO, Guacira Lopes. O corpo educado:
pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 153-172.
DENZIN, Norman K. The seventh moment: qualitative inquiry and the practices
of a more radical consumer research. Journal of Consumer Research, Oxford, v. 28,
n. 2, p. 324-330, 2001.
GREEN, Lucy. Música, género y educación. Madrid: Ediciones Morata, 2001.
INGOLD, Tim. Lines: a brief history. Londres: Routledge, 2007.
INGOLD, Tim. Trazendo as coisas de volta à vida: Emaranhados criativos num
mundo de materiais. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 18, n. 37,
p. 25-44, 2012.
NOGUEIRA, Isabel. Lugar de fala, lugar de escuta: criação sonora e performance
em diálogo com a pesquisa artística e com as epistemologias feministas. Revista
Vórtex, Curitiba, v. 5, n. 2, p. 1-20, 2017.
RAGO, Margareth. Feminismo e subjetividade em tempos pós-modernos. In:
COSTA, Claudia de Lima; SCHMIT, Simone Pereira (org.). Poéticas políticas
feministas. Florianópolis: Editora das Mulheres, 2004. p. 31-41.
VELARDI, Marília. Questionamentos e propostas sobre corpos de emergência:
reflexões sobre investigação artística radicalmente qualitativa. Revista Moringa Artes
do Espetáculo: João Pessoa, v. 9, n. 1, p. 43-54, jan./jun. 2018.
Using our own voices, telling our own herstories
309
Iconografia musical oculta
Estudo de caso em marcas d’água1
Pablo Sotuyo Blanco
1 Levantando a questão
Tem sido um longo caminho a partir das fichas originais
de catalogação – em formato de cartões – utilizadas pelo
Répertoire International d’Iconographie Musical (RIdIM) até
o presente banco de dados on-line. Dois conjuntos de campos
de dados distantes separados por 40 anos, com apenas um
objetivo em comum: a catalogação descritiva de iconografia
musical em nível mundial e a recuperação da sua informação.
Como podemos ver nas fichas catalográficas – originalmente concebidas pelo Comitê Central em janeiro de 1973 –,
a catalogação da iconografia musical era, então, focada na
busca (e recuperação) de informações relativas ao autor – em
seu primeiro nível –, à obra – incluindo seu título, locais correlatos e suas características em seu segundo nível – e a descrição
1 Versão traduzida, revisada e ampliada do texto apresentado com apoio da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),
durante a sessão RIdIM no congresso da IAML, realizado em Viena, no
ano de 2013.
311
do “material visual com conteúdo ou conotação musical” 2 (CALDERISI, 1974,
p. 23, tradução nossa) em seu terceiro nível, dentre outros detalhes (Figura 1).
Figura 1 – Ficha original para catalogação RIdIM
Frente
Verso
Fonte: Calderisi (1974, p. 25).
2 “visual material with musical content or connotation”.
312
Iconografia musical na América Latina
A inclusão de uma pequena fotografia do item descrito na ficha de catalogação foi, certamente, um compromisso tecnológico entre o que a Ciência e
Tecnologia da Informação foram capazes de fornecer naquele tempo e o que era
realmente desejado. Talvez, como Alan Green brilhantemente expôs durante a
sessão do painel RIdIM, na Conferência da International Musicological Society
(IMS), em Roma, em 2012, o estado atual da tecnologia de computadores multimídia seria o que Barry Brook teria imaginado como a ferramenta “definitiva” na
recuperação de informação para iconografia musical. (GREEN, 2012) Segundo
Green (2012) explica, em seu relatório sobre a 9ª reunião do RIdIM em 1978,
Barry Brook, claramente “antecipando a era da World Wide Web”, resumiu o
painel de discussão sobre aplicação das novas tecnologias de informática para
catalogação e recuperação de informação visual, como segue:
Idealmente, os dados armazenados e computadorizados do RIdIM devem ter
duas facetas: a) a informação catalogada deveria estar disponível para a recuperação via conexão telefônica, e b) a imagem em si deveria ser armazenada,
talvez através de um método semelhante ao da televisão, produzindo uma
reprodução imperfeita na tela para identificação [...] o aspecto catalográfico
de informatização já foi testada; o verdadeiro problema está na sua junção com
a exibição dos materiais visuais armazenados.3 (BROOK; CALDERISI, 1979,
p. 127, tradução nossa)
Enquanto ganhamos em especificidade e complexidade, poderíamos ter
perdido um pouco da simplicidade e adaptabilidade que todo o processo de
catalogação descritiva teve originalmente. Em algum momento deste processo
histórico de 40 anos, aparentemente a informação relevante para iniciar a catalogação sofreu grandes transformações, relocando o tipo de objeto – ou item,
como se denomina atualmente – como uma preocupação de primeiro nível para
todo o processo. Isso pode ser interpretado sem rodeios, como se a questão “o
que é” fosse mais importante do que aquelas que dizem respeito ao autor ou
3 “Ideally, computerized and stored RIdIM data should have two facets: a) the catalogued information should be available for retrieval on a dial-up basis, and b) the picture itself should be stored,
perhaps through a method similar to that of television, producing an imperfect reproduction on
the screen for identification. A better copy can be made, if desired, from microform files. Through
the latter approach, materials could be made available in areas that do not have sophisticated
computer facilities. The cataloguing aspect of computerization has already been tested; the real
problem is in joining it to the display of stored visual materials”. Também citado em Green e
Ferguson (2013, p. 3).
Iconografia musical oculta
313
seu título, dentre as informações necessárias para tornar público um registro
catalogado no banco de dados on-line do RIdIM (Figura 2).
Assim, o tipo de item parece ter ganhado uma relevância tal que, aparentemente, nenhum registro deveria ser publicado pelo Corpo Editorial central do
Association RIdIM, sem primeiro determiná-lo no registro, mesmo que isso possa
distorcer a natureza do item devido a uma incompleta – ou taxonomicamente
questionável – lista de tipos de item disponível.
Figura 2 – Primeiro nível do formulário de catalogação da base
de dados on-line do Association RIdIM
Fonte: base de dados on-line do RIdIM (2018).4
Talvez essa redefinição conceitual ao longo do tempo responda a uma cadeia
sutil de condições concatenadas na relação entre termos tais como item, material e meio (dentre outros) que, muito provavelmente, começou com a fusão
conceitual entre obra/objeto na versão anterior do banco de dados on-line do
4 Disponível em: https://db.ridim.org/item_form.php.
314
Iconografia musical na América Latina
RIdIM, assim modelando a presente situação da natureza aparentemente “objetificante” do item. Segundo já discutimos oportunamente (SOTUYO BLANCO,
2017; SOTUYO BLANCO; ARAÚJO, 2016), no intuito de acomodar as demandas
científicas relativas à iconografia musical, essa noção de item – e a lista de possibilidades a ela atrelada – precisou ser discutida taxonomicamente, depois de
breves considerações ontológicas, para poder chegar a suas tipologias de forma
mais firme e segura.5
2 De Rerum et Imago Naturae: considerações sobre ontologia
e taxonomia de tipos de item
Tendo em vista que qualquer sistema de classificação deveria refletir uma
estrutura taxonômica que responda a uma organização de tipo árvore hierarquicamente definida, em termos gerais, pode-se dizer que os tipos de itens nas
fontes visuais carecem de uma certa construção taxonômica lógica, refletindo
aparentemente uma falta de consenso acerca do “quê” as fontes visuais são ou
“do quê” elas podem ser feitas – isto é, buscando uma definição de fronteiras
por meios ontológicos – e, então, a partir daí, discutir como organizar todo o
conjunto, assim definindo uma espécie de hierarquia de relações entre ambos
conteúdos informacionais.
Como um exemplo claro do que se quer dizer aqui, pode-se usar o sistema
de classificação para instrumento musicais de Hornbostel-Sachs. Mesmo com
seus problemas internos, está ainda em uso generalizado entre os estudiosos –
superando os seus principais críticos –,6 porque ela foi construída e organizada
de acordo com uma estrutura muito clara, que começou com uma simples
pergunta: o que é comum a todos os instrumentos de música? Eles produzem
som sob demanda, principalmente de acordo com:
a) os seus materiais de vibração;
b) como são modelados e produzidos; e
c) como eles são utilizados.
5 Para melhor entendimento dos conceitos de “taxonomia” e “tipologia” utilizados na nossa produção cf. Meyer; Tsui e Hinnings (1993).
6 Para uma exaustiva revisão de literatura relativa ao Sistema H-S, cf. Araújo e Sotuyo Blanco
(2017).
Iconografia musical oculta
315
Essa ordem organizada de quesitos, como galhos de árvores, sustenta – em
termos gerais – toda a taxonomia organológica do sistema de classificação de
instrumentos musicais desenvolvido por Hornbostel e Sachs.
Agora, com relação à iconografia musical, mesmo sendo capazes de iniciarmos uma taxonomia de tipos de itens em formato de árvore que seja elegante, hierárquica, includente e abrangente, pedindo emprestadas ferramentas
de disciplinas como a biologia, por exemplo, incluindo o uso de nomenclaturas
latinas únicas para cada uma de todas as combinações possíveis de obra/
objeto, meios, materiais e técnicas, assim permitindo incluir tantas ramificações
segundo fossem necessárias, dito esforço constituiria um tour-de-force altamente
contraproducente para o momento presente. Principalmente porque um dos
erros mais comuns é assumir que a iconografia precisa ter um tipo de matéria
tangível, que pode ser utilizada para definir e organizar o seu primeiro nível de
classificação e, consequentemente, catalogá-la. Talvez isso fosse verdade antes
da era digital, quando a realidade virtual e outros elementos ou aspectos digitais,
eram apenas um sonho dos escritores de ficção científica e seus fãs.
Assim, entender a iconografia musical em nível documental, como o conjunto
de fontes visuais relativas à cultura música – sejam ornamentais, decorativas e/ou
ilustrativas –, em duas ou três dimensões, fixas ou móveis, independentemente de
seus meios, fabricação e/ou exposição/visão é, para dizer o mínimo, uma ideia
bastante conservadora. Certamente, essa definição precisa de melhorias para
alargar suas fronteiras. O website oficial da Association RIdIM diz claramente:
[RIdIM] se ocupa da catalogação de fontes visuais com temática musical e, em
segundo lugar, funciona como um marco de referência para a sua interpretação.
Assim, o objetivo principal do RIdIM é o desenvolvimento de métodos, meios e
centros de pesquisa para a classificação, catalogação e estudo das fontes iconográficas relacionadas à música. (ASSOCIATION RIDIM, [201-], grifo nosso)
A iconografia musical é, em primeiro lugar e sem lugar a dúvidas, visual, sem
necessidade de qualquer outra consideração relativa à natureza do seu material, seu suporte ou os meios utilizados na sua realização. Aquilo que vemos
contendo assunto relacionado à música é o que chamamos de iconografia
musical. No entanto, essa afirmação tem dois aspectos entrelaçados: um físico
e outro cultural.
316
Iconografia musical na América Latina
No aspecto físico, sendo a iconografia musical uma fonte visual relativa à
música, ela precisa ser vista por algum dos meios disponíveis ao observador.
Nesse mesmo sentido da visibilidade, da mesma forma que uma vez precisamos
expandir os limites do campo da iconografia musical a fim de incluir fontes
visuais que precisam de intermediação tecnológica para serem vistas com clareza – como negativos de fotos, slides e fotogramas de filmes –, somos obrigados
a fazê-lo mais uma vez para incluir as imagens relativas à cultura musical que
parecem estar escondidas ao olho nu pela própria natureza de sua produção,
precisando de atitudes especiais para identificá-las e expô-las, assim divergindo
da atitude geralmente esperada.
Seguidamente, uma outra questão precisa ser levantada. Aquilo que define
a relação temática da fonte visual com a música pode ser algo que esteja frequentemente incorporado em cada discussão específica, contudo, geralmente
assumido como conhecida: a nossa própria carga ou matriz cultural – única ou
múltipla. Essa carga parece estar incorporada na definição da lista de tipos de
itens, embora não se restrinja a ela.
Qualquer iconografia musical, independentemente do seu material ou meios
de realização e/ou percepção, tem um peso cultural: a sua própria maneira de
funcionar na cultura e na sociedade. Parafraseando a discussão tradicional de
Merriam (1964, p. 209-227) sobre os usos e funções da música na sociedade, a
iconografia musical tem usos e funções que ainda precisam ser melhor definidos
e discutidos, pois eles são uma parte importante delas.
Apesar de que o grande uso social e/ou cultural da iconografia música seja
ornamental, decorativo e/ou ilustrativo, ela também pode funcionar dentro
dos mesmos parâmetros discutidos por Merriam porque opera na cultura e na
sociedade comunicando valores e ideias, mantendo (ou desafiando) tradições
e definindo sentidos de propriedade – e por extensão, de alteridade –; ou seja,
ativando diversos tipos de mecanismos culturais e/ou sociais, por assim dizer.
A partir daí, é preciso agora definir a inclusão da iconografia musical não visível
a olho nu: as marcas d’água relativas à música.
Iconografia musical oculta
317
3 O que dizer acerca das marcas d’água relativas à música?
De acordo com Stanley Boorman ([200-], tradução nossa), as marcas
d’água são
Os vestígios deixados no papel pela utilização de desenhos nos moldes ou correias (‘fios’) utilizadas para a sua fabricação. Estes geralmente aparecem como
um afinamento da textura do papel quando a folha é observada a contraluz.
As marcas têm uma história de mais de 700 anos no Ocidente, e continuam a
ser utilizadas até os dias atuais (especialmente em papel moeda). Desde que
as marcas foram usadas como identificadores do papel, e uma vez que eles
variam consideravelmente ao longo do tempo e segundo o local, eles são de
grande valia para o estudioso na tentativa de datar ou localizar manuscritos.
[...] As marcas d’água são uteis para o estudioso, por três razões. O usuário
do papel raramente ou nunca se importou com a folha de papel específica
ou com a marca d’água que continha; assim, em primeiro lugar, as marcas
podem ser tomadas para representar algo específico sobre o documento, sem
as distrações de quaisquer influências sociais ou culturais externas que poderiam afetar estilos de caligrafia e decoração. A segunda razão reside na grande
variedade de desenhos de marca d’água e o vasto território em que elas podem
ser localizadas; e a terceira razão depende da maneira pela qual cada molde
era único, deixando uma marca d’água que não seria exatamente duplicada e
de relativamente curta duração, se deteriorando sob o peso de sequências sem
fim de polpa de papel ensopado em água. Cada molde tem uma vida útil que
vai depender das circunstâncias, mas moldes parecem ter tido uma vida útil
máxima de cerca de três ou quatro anos antes de serem substituídos. Da mesma
forma, o estoque de papel mantido por um papeleiro teria se esgotado com a
maior frequência possível (por simples motivos comerciais), de modo que o
papel feito com um molde particular normalmente deixaria o moinho de papel
e a papelaria a poucos anos da sua fabricação.7
7 “The traces left in paper by the use of designs in the moulds or belts (‘wires’) used for its manufacture. These usually show as a thinning of the paper’s texture when a sheet is held up to the light.
Marks have a history of over 700 years in the West, and continue to be used to the present day
(especially in currency). Since marks were used as identifiers of the paper, and since they vary considerably over time and place, they are of great value to the scholar attempting to date or localize
manuscripts. […] Watermarks are of use to the scholar for three reasons. The user of the paper
rarely if ever cared about the specific sheet of paper or the watermark it contained; so, first, the
marks can be taken to represent something specific about the document, without the distractions
of any outside social or cultural influences that could affect styles of handwriting and decoration.
A second reason lies in the vast range of watermark designs and the extent to which they can
be localized; and the third depends on the manner in which each mould was unique, leaving a
watermark that would not be exactly duplicated, and relatively short-lived, deteriorating under
the weight of endless sequences of water-sodden paper-pulp. The individual mould has a lifespan
that will depend on circumstance, but moulds seem to have had a maximum life of about three or
318
Iconografia musical na América Latina
Embora haja um consenso geral em torno da definição de marca d’água descrita por Boorman, assim como do seu uso e proveito históricos, o uso acadêmico
de marcas d’água não pode ser reduzido a esses três motivos. Em primeiro lugar
porque, como em qualquer processo humano de produção-consumo no espaço
sociocultural, as assim chamadas “influências sociais ou culturais externas”
já estavam incorporadas na textura do papel e no desenho da marca d’água
do seu produtor. Em segundo lugar, porque esses mesmos aspectos – textura
de papel e marca d’água – podem certamente afetar o seu uso por escritores,
músicos, artistas ou qualquer outra pessoa, em função das suas preferências
por um tipo de papel ou de outro. O papel não é um mero portador ou suporte
vazio. Mesmo a Associação Internacional de Historiadores do Papel, do inglês
International Association of Paper Historian (IPH) começou a discutir marcas
d’água como arte decorativa durante o seu 31º Congresso em 2012.8 O “Índice
de classes e subclasses de marcas d’água” do IPH, empregando 25 categorias
ligadas a um código alfabético (de A à Z, sem a letra I), inclui não apenas instrumentos musicais (sob a letra-código O), mas também muitas outras classes
que eventualmente podem incluir motivos relativos à música, como se mostra
(em negrito) na Tabela 1.
De acordo com Harris (2017, p. 59, tradução nossa), “O sistema do IPH
tem sido aplicado em alguns projetos de pequena escala, [...] mas, de todos os
modos, não parece ter ganhado uma aceitação em larga escala”.9
four years before they were replaced. In the same manner, the stock of paper held by a stationer
would have turned over as frequently as possible (for simple commercial reasons), so that paper
made with a particular mould would normally have left the papermill and the stationer’s shop
within a very few years of its manufacture”.
8 Congresso realizado de 17 a 19 de setembro de 2012 nas cidades de Bade-Vurtemberga
(Alemanha), Basileia (Suíça) e Alsácia (França). Mais informação disponível em: http://www.
paperhistory.org/news.ht.
9 “The IPH system has been applied in some small-scale projects, […], but otherwise has not
gained wide-spread acceptance”.
Iconografia musical oculta
319
Tabela 1 – Lista do código alfabético do IPH e categorias das marcas d’água correspondentes
Código alfabético
Categorias
A
Figuras humanas; homens; partes do corpo
B
Mulheres
C
Mamíferos
D
Pássaros
E
Peixes; répteis; insetos; moluscos
F
Figuras míticas
G
Plantas (em geral); flores; grama
H
Árvores; arbustos; trepadeiras
J
Céu; terra; água
K
Construções; partes de construções
L
Transportes; veículos
M
Defensa e armas
N
Ferramentas; equipamento; roupa
O
Instrumentos musicais
P
Containers
Q
Miscelânea de objetos
R
Insígnia de patente; maça, cetro, joias
S
Símbolos e sinais religiosos ou mágicos
T
Heráldica; brasão de armas; marcas de construtor; marcas de
comerciante
U
Figuras geométricas
V
Números; numerais
W
Letras individuais
X
Monogramas; abreviaturas com letras
Y
Nomes; palavras
Z
Marcas d’água não classificáveis
Fonte: adaptado de Harris (2017, p. 58).
À primeira vista, a estrutura do sistema do IPH assemelha-se mais ou menos
ao sistema de classificação de iconografia denominado Iconclass, principalmente devido aos seus rótulos de estrutura do primeiro nível, como se mostra
na Tabela 2.
320
Iconografia musical na América Latina
Tabela 2 – Distribuição do primeiro nível do sistema de classificação Iconclass
Código numérico
Conteúdo de primeiro nível
0
Abstrato, Arte não-representacional
1
Religião e magia
2
Natureza
3
Ser humano, homem em geral
4
Sociedade, Civilização, Cultura
5
Ideias e conceitos abstratos
6
História
7
Bíblia
8
Literatura
9
Mitologia clássica e História Antiga
Fonte: adaptado de Iconclass (c2012).
Mesmo que o sistema de classificação Iconclass pareça estar melhor desenvolvido e estruturado do que o do IPH para marcas d’água – sem mencionar a sua
maior aceitação –, nenhum dos dois pode ser considerado, strictu sensu, taxonomicamente preciso, porque a divisão categórica não responde a uma estrutura
hierárquica clara. Por que História Antiga está separada de História? Por que
Bíblia não está incluída em Literatura ou em Religião e Magia? Assim, sem uma
“coluna vertebral” no primeiro nível – assim definindo os subníveis posteriores –,
o máximo que pode ser dito sobre esses dois sistemas classificatórios é que ambos
definem uma série de categorias arbitrárias que são carregadas culturalmente.
Assim, qualquer compreensão dos objetivos de reunir e recuperar informação
iconográfica em nível mundial por parte do RIdIM precisa resolver este desafio
de forma inter ou mesmo multi-cultural.
Outro exemplo desse tipo de tendência taxonômica é o projeto “Bernstein
– Memória do papel”, que apresenta o seu conteúdo organizado numa estrutura do tipo árvore, cujo primeiro nível – desprovido de qualquer codificação
alfanumérica visível (Figura 3) – é tão arbitrário e culturalmente tendencioso
como os casos anteriores (Tabela 3), espécie de divisão estrutural semelhante.
Esse projeto, desenhado como portal na web que vincula diversas iniciativas
institucionais dedicados ao papel, conhecimentos relativos a ele e à sua história,
em diversos países (THE BERNSTEIN CONSORTIUM, 2018), oferece uma interface de busca on-line que vincula, atualmente, 38 bancos de dados relativos a
Iconografia musical oculta
321
marcas d’água,10 disponibilizando um conteúdo com mais de 248 mil exemplos
– em torno de 12 mil registros menos que os mais de 260 mil disponíveis em
2013. Essa aparente redução no número de registros pode ser eventualmente
explicada quando consideradas as possíveis falhas de consistência na administração dos registros entre as diversas bases de dados, devido a divergências
na arquitetura da classificação. Segundo informa a interface: “[a ferramenta]
Procurar motivo só funciona corretamente para as bases de dados de marcas de
água que utilizem a classificação Bernstein modificada por WZIS (WZIS, WZMA,
WIGB, IVC+R)”.11 (THE BERNSTEIN CONSORTIUM, 2018, grifo do autor) Ao
observar o montante de registros que o WZIS compartilha no projeto Bernstein
– mais de 54% do total – se entende porque é ele quem define a sistemática a
ser utilizada pelos demais bancos de dados.
Tabela 3 – Distribuição do primeiro nível da organização do projeto Bernstein
Ordem
1
Conteúdo de primeiro nível
Figuras, antropomórficas
2
Fauna
3
Figuras mitológicas
4
Flora
5
Montanhas/astros
6
Objetos
7
Símbolos/insígnias
8
Figuras geométricas
9
Brasões
10
Marcas
11
Letras/algarismo
12
Marca indefinida
Fonte: adaptada de The Bernstein Consortium (2018).
10 Completando assim 25 a mais que as 13 disponíveis na versão apresentada no congresso da
IAML em 2013.
11 As siglas WZIS, WZMA, WIGB, IVC+R representam, respectivamente, ás bases de dados do
Wasserzeichen Informationsystem, Wasserzeichen des Mittelalters, Watermarks in Incunabula
printed in Great Britain, e Institut Valencià de Conservació i Restauració.
322
Iconografia musical na América Latina
No entanto, ao observar a sistemática utilizada, segundo foi dito anteriormente, os princípios estruturantes não parecem ter critérios consistentes de
organização temática, permitindo assim um importante grau de superposição
de categorias e subcategorias e, consequentemente, de equívoca localização
das marcas d’água e, finalmente, de controle da informação a ser recuperada.
Como exemplo, observemos as duas subcategorias relativas à música, ambas
inseridas na categoria de objetos (ou realities – identificadas com o número 6):
os instrumentos musicais (nível 6.6) e os sinos (nível 6.9) (Figura 4).
Fora a questão inicial de se ter separado os sinos dos restantes instrumentos
musicais – o que denota uma visão preconcebida e sem fundamento de ambos
conjuntos –, quando observamos em detalhe cada um deles, detectamos que
os instrumentos musicais compreendem dez subcategorias de terceiro nível,
incluindo os guizos no seu nível 6.6.9 (Figura 4). O problema aparece quando o
usuário realiza buscas usando termos controlados unicamente em inglês e, nesse
caso, ambos tipos de marcas d’água são denominados com o mesmo termo
“bell”, gerando assim problemas na informação recuperada e inconsistências nos
volumes de registros em cada nível. Por não mencionar os problemas de ruído de
informação gerados ao buscar trompas (horn) e recuperar trompas misturadas
com chifres de diversos animais. Ainda, algumas das suas tipologias retornam
registros que poderiam estar incluídos no nível 1 – Figuras antropomórficas,
como nos casos das harpas, os trompetes e os guizos, incluídos na Tabela 4.
Iconografia musical oculta
323
Figura 3 – Vista geral das categorias de primeiro nível do projeto Bernstein
Fonte: adaptada de The Bernstein Consortium (2018).
Figura 4 – Detalhe da subclasse “Instrumentos Musicais” no segundo nível do projeto Bernstein
Fonte: adaptada de The Bernstein Consortium (2018).
324
Iconografia musical na América Latina
4 O que podem dizer as marcas d’água relativas à música
sobre a produção em papel de um artista?
Embora se possa argumentar que a simples representação de marcas d’água
de instrumentos musicais, sem quaisquer outros elementos – ou contextos –
dificilmente poderia ser usada como evidência visual relacionada à música em
qualquer pesquisa musicológica séria, é exatamente ali onde se faz necessária
uma percepção mais abrangente da questão como um todo: afinal, a simples
representação não é tão simples quanto parece.
Por um lado, isso acontece porque ainda precisa ser desenvolvido um estudo
comparativo profundo sobre como e por que os fabricantes de papel escolhiam
ou definiam seus identificadores não visíveis. Por que foram os sinos ou trompas
– sozinhos ou combinados com outros elementos – tão amplamente difundidos
como marcas d’água? O que era que seus proprietários acreditaram ou gostariam
que eles pudessem representar ou significar para os outros – além da propriedade
comercial –? Por outro lado, a identificação de marcas d’água na produção
cultural de qualquer tipo baseada no papel pode não apenas reforçar a ideia de
um mercado internacional do papel, mas também das relações socioeconômicas
entre pessoas, cidades, regiões e até mesmo países, cortes e reinos.
Entre os muitos exemplos bem documentados, A obra religiosa de Marcos
António Portugal, 1762-1830, pesquisa brilhantemente realizada por António
Jorge Marques em 2012, inclui – entre muitos outros aspectos relevantes – um
estudo aprofundado das marcas d’água encontradas em toda a sua produção
musical sacra. O que fica claro através de sua leitura é que de modo algum pode
a sua escolha sobre os tipos e qualidades de papel – mesmo mudando ou se
adaptando a cada momento da vida ou local em que morou – ser considerado
insignificante. Um par de exemplos pode lançar alguma luz sobre esse assunto.
A preferência de Marcos Antonio Portugal pelo papel italiano – como foi o
produzido por Giorgio Magnani (Figura 5) ou pelo britânico – sobretudo aquele
identificado como sendo produzido por J. Budgen (Figura 6) diz muito sobre
o seu status social e os recursos financeiros à disposição, incluindo o contexto
social, político e econômico (cultural) nos quais esteve imerso. Também pode
mostrar o quanto ele estimava sua própria produção musical assim como sua
rede social e de patronos. As marcas d’água são testemunhas silenciosas dessas
escolhas sutis que, ao mesmo tempo, funcionam como “cartões de apresentação”
Iconografia musical oculta
325
pela qualidade que transferem ao registro neles fixado. Na qualidade do papel,
se apoia uma apresentação escrita diferenciada devido a uma relação sutil entre
as qualidades de origem e fabricação dos bicos de pena, dos tipos de tinta e das
formas e cuidados no uso do papel.
Figura 5 – Trompa dentro de brasão coroado / marca d’água GM
(contramarca AL MASSO) Itália, Giorgio Magnani [?]; c.1806-1822; ≈Wolfe 22
Fonte: Marques (2012).
326
Iconografia musical na América Latina
Figura 6 – Trompa dentro de brasão coroado com três flores de lis / marca d’água JB
(J BUDGEN / 1813 contramarca) Inglaterra, desde 1813 ≈Shorter 18
Fonte: Marques (2012).
Uma discussão relativa à análise iconográfica/iconológica das marcas d’água
relativas à música em papel pode levar a sua melhor compreensão incluindo em
quais termos isso poderia acontecer.
5 O que a análise iconográfica/iconológica pode dizer sobre
marcas d’água relativas à música?
Além de instrumentos musicais isolados, as marcas d’água também contêm
representação de figuras cuja descrição disponível através do projeto Bernstein
Iconografia musical oculta
327
pode ser discutida e, portanto, reforçada por uma minuciosa análise iconográfica musical e, eventualmente, iconológica musical. Para além dos exemplos
incluídos na Tabela 4 – homem tocando harpa, sereia tocando trompete, ou
bufão com guizos no seu chapéu –, selecionamos um exemplo cujo estudo de
caso, esperamos, nos ajudará a responder à questão aqui colocada.
Embora o exemplo analisado na apresentação realizada em 2013, representando uma sereia segurando o que os catalogadores então descreveram como
uma esfera, tenha atualmente a sua descrição modificada, reinterpretando a
outrora menção da esfera como sendo (agora) um espelho (Figura 7),12 não
faltam exemplos semelhantes no projeto Bernstein, ainda referindo objetos
tridimensionais esféricos.13
Figura 7 – Sereia com nadadeiras e espelho na sua mão
Fonte: Wasserzeichen des Mittelalters (2018).
Lembrando que sereias são seres mitológicos com corpo de mulher – da
cintura para cima – e cauda de peixe,14 as suas representações visuais podem ser
12 Marca d’água localizada no Universitäts- und Landesbibliothek Tirol de Innsbruck, Áustria, identificada como Cod. 738.
13 Gostamos de pensar que o nosso trabalho teve, por mínimo que fosse, algo a ver com a mudança
na descrição da marca d’água reproduzida na Figura 7.
14 Diferentes das mitológicas sirenes, que possuem cabeça de mulher e corpo de pássaro, semelhantes às harpias.
328
Iconografia musical na América Latina
rastreadas até o tempo das antigas moedas gregas (Figura 8). Desde então elas
evoluíram em símbolo intercultural cujos atributos variam através do tempo e
do espaço geográfico. Como veremos, um longo caminho desde as suas origens
mediterrâneas.
Figura 8 – Moeda cunhada por Demetrius III Eucaerus (?-88 AC - esq.), com a deusa assíria
Atargatis (dir.) como peixe com cabeça humana, com véu, segurando flores e com talos de cevada
em cada ombro. A legenda aos lados diz: “Rei Demétrio, Deus, Pai amoroso e Salvador”15
Fonte: Wikimedia Commons.16
Entre os 319 exemplos de sereias encontrados em 15 diferentes bancos de
dados ligados ao projeto Bernstein,17 existem dez exemplos – na base de dados
identificada como WIGB18 – nos quais o círculo presente na marca d’água aparece descrito como globo (globe), junto a outros 11 exemplos – na base de dados
identificada como Wittek19 – nos quais o círculo é descrito como bola (ball).
Enquanto as catalogadas na base dados de Wittek – identificadas com os
números de referência 1847 a 1855, e 2395 a 2396 – foram utilizadas entre 1464
a 1482, em Troyes, as incluídas no projeto WIGB – identificadas com os números
de referência 7, 57, 408 a 410, 682, 972, e 1261 a 1263 –, foram produzidas por
15 “ΒΑΣΙΛΕΩΣ ΔΗΜΗΤΡΙΟΥ ΘΕΟΥ ΦΙΛΟΠΑΤΟΡΟΣ ΣΩΤΗΡΟΣ”. Transliteração: “Basileos
Dimitriou Theou filopatoros sotiros”.
16 Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:DemetriusIIICoin.png.
17 Dados conferidos até a data da última revisão deste texto.
18 Sigla referente ao projeto Watermarks in Incunabula printed in Great Britain (WIGB).
19 Sigla referente ao projeto Martin Wittek: Inventaire des manuscrits de papier du XVe siècle conservés à la Bibliothèque Royale de Belgique et de leurs filigranes. KB Brussels.
Iconografia musical oculta
329
John Lettou e utilizadas entre 1480 e 1486 em Londres, Westminster e Oxford. Em
resumo, falamos de marcas d’água produzidas e utilizadas na segunda metade
do século XV em cidades da França e da Inglaterra. Sendo todas elas cidades
ribeirinhas de importantes vias fluviais20 não parece estranho os fabricantes terem
escolhido o motivo geral da sereia para identificar a produção local de papel.
Observando-se novamente as marcas d’água selecionadas – Figuras 9 e 10
intencionalmente semelhantes à da Figura 7 – o que ainda nos intriga é entender
como os catalogadores puderam identificar especificamente como uma esfera
– seja nomeada como globo ou bola – o que aparece como uma simples figura
bidimensional, sobretudo se considerados os meios de produção da marca
d’agua (fios de arame).
Figura 9 – Exemplos de sereias com nadadeiras, segurando uma bola (?) na sua mão (apud Wittek)
Fonte: Projeto Bernstein.21
Figura 10 – Exemplos de sereias com nadadeiras, segurando um globo (?) na sua mão (apud WIGB)
Fonte: Projeto Bernstein.22
20 Troyes se conecta com Paris – e com o mar aberto – pelo Rio Sena, enquanto Oxford se conecta
com Westminster e Londres pelo Rio Tamisa.
21 Disponível em: http://www.memoryofpaper.eu/BernsteinPortal/appl_start.disp.
22 Disponível em: http://www.memoryofpaper.eu/BernsteinPortal/appl_start.disp.
330
Iconografia musical na América Latina
À primeira vista, poderíamos dizer que a bola (ou globo) que parece segurar
em sua mão poderia ser reinterpretado como uma espécie de espelho, atributo
muito comum na iconografia de sereias, sendo acompanhada (ou não) por
um pente, ambos (espelho e pente) como símbolos usuais da vaidade e ilusão
(Figuras 11 e 12).
Figura 11 – Representação de sereia com espelho e pente
Fonte: Psalterius Davidicus (1325-1340, fl. 70v).
Figura 12 – Sereia penteando seu cabelo e se admirando num espelho
Fonte: GKS 1633 4º: Bestiarius (séc. XV, fl. 60r).
Sua tradicional natureza sedutora e fatal, sobretudo com relação aos marinheiros que se deixariam levar pelo seu canto – “natureza” historicamente construída para simbolizar o perigo de afogamento nas águas profundas e escuras
da emoção, da paixão e da luxúria –, a fez permanecer entre os párias da Arca de
Noé (Figura 13). Mesmo na cultura religiosa afro-brasileira, Iemanjá, a divindade
Iconografia musical oculta
331
do mar no candomblé, é geralmente representada como uma sereia com um
espelho em suas mãos (Figuras 14 e 15).
Figura 13 – Sereia com espelho fora da Arca de Noé
Fonte: Bíblia (1483, Gen. 6,1-8,22).
Figura 14 – “Iemanjá” (1969). Manuel do Bonfim (1928-2016).
Casa do Peso, Rio Vermelho, Salvador (Bahia, Brasil)
Fonte: Ramos (2013).
332
Iconografia musical na América Latina
Figura 15 – “Iemanjá”. Tati Moreno. Praia do Rio Vermelho, Salvador (Bahia, Brasil)
Fonte: El-Bainy (2016).
No entanto, os espelhos e pentes não são os únicos objetos que as sereias
costumam segurar em suas mãos nas representações iconográficas. Há uma
vasta gama de itens que pode ser encontrada nas mãos das sereias ao longo da
cultura visual ocidental, quando se observa a iconografia correlata, incluindo a
própria cauda (Figura 16), um peixe (Figura 17), um livro (Figura 18) e, dentre
outras e diversas coisas, instrumentos musicais inclusive (Figuras 19).
Iconografia musical oculta
333
Figura 16 – Sereia segurando sua cauda dupla
Fonte: Ortus Sanitatis (1491, Tractatus de Piscibus, cap. LXXXIII, fl. dd iiii recto).
Figura 17 – Tritão vestido como monge segurando um peixe
Fonte: Liber de naturis bestiarum ([meados do séc. XIII], fl. 26r).
334
Iconografia musical na América Latina
Figura 18 – Sereia com um pequeno livro. Artista desconhecido, alto relevo, Catedral de Clonfert
(Condado de Galway, Irlanda)
Fonte: Wikimedia.org.
Figura 19 – Sereias com shawm [corneto?] (esq.), rebec (centro) e harpa (dir.).
Artista desconhecido. Madeira pintada, 1109-1114
Fonte: Teto da Igreja Românica de St. Martin, Zillis-Reischen, Grisons, Suiça.23
Essas sereias musicistas, pintadas sobre madeira no teto da Igreja Românica
de St. Martin, a inícios do século XII, certamente não são a exceção à tendência
cultural ocidental de representar uma crescente diversidade de instrumentos
23 Ver imagens em: http://www.flickr.com/groups/1102568@N24/pool/28433765@N07/?view=lg:
(esq.), http: //www.flickr.com/photos/28433765@N07/3336874653/in/faves-kimipryor/
(centro), e http://www.flickr.com/photos/ 28433765@N07/3337703662/in/photostream/
(dir.).
Iconografia musical oculta
335
musicais aparentemente sendo executados por criaturas mitológicas ao longo
do tempo. A lista de instrumentos musicais que os artistas representaram nas
mãos das sereias é tão grande que poderiam ser agrupados em classes, com
predominância de cordofones – como a viola, o violino e a harpa (Figuras 20), o
alaúde [ou vihuela?]24 (Figura 21), e mesmo o charango (Figuras 22)25 e aerofones,
tanto isolados (como as trombetas na Figura 23) ou a concertina (Figura 24),
quanto fazendo parte de pequeno conjunto instrumental – como o integrado
pelo shawm e a lira da Figura 25 –, assim como também compondo – e até mesmo
aparentemente regendo – uma espécie de banda de sopros marinha (Figura
26), todos eles carregados do simbolismo e viés cultural (moral e religioso)
que autores tais como Jewitt (1878) e Leclerc-Marx (1997), dentre outros, já
discutiram suficientemente.
Figura 20 – Azulejos de sereias com viola (esq.), violino (centro) e harpa (dir.)
Artista desconhecido. Delft, ca.1630-1660
Fonte: Artista desconhecido, Delft, séc. XVII 26
24 Vistarini e Cull (1999, p. 728) denominam o instrumento representado como “vihuela”.
25 Turino (2005) desenvolve um trabalho importante sobre a aparição da sereia no Peru pré-colombiano e sua associação com os cordofones nessa região.
26 Ver imagens em: https://www.antiquetileshop.com/antique-dutch-delft-tile-with-a-mermaid-playing-the-violin-17th-century.html;https://www.antiquetileshop.com/antique-dutch-delft-tile-with-a-merman-playing-on-a-violin-17th-century.html; e https://www.antiquetileshop.
com/antique-delft-tile-in-blue-with-a-mermaid-playing-on-a-harp-17th-century.html.
336
Iconografia musical na América Latina
Figura 21 – Sereia com alaúde [vihuela?]
Fonte: Romaguera, Emblema XII - Pectora Mulcet (1681, p. 117). 27
Figura 22 – Sereias com charangos. Simon de Asto, talha em pedra (1757). Catedral de Puno (Peru)
Fonte: Cornejo (2007).
27 Também referido em Reza Vázquez (2008, p. 1334).
Iconografia musical oculta
337
Figura 23 – Azulejo de sereia com trombetas (Delft, ca.1650)
Fonte: Artista desconhecido, Delft, séc. XVII.28
Figura 24 – Sereia com concertina sentada sobre peixe. Josefina Aguilar
(cerâmica, policromia, 1988), Ocotlan, México
Fonte: Wasserspring (2000, p. 81) e Folk Art Oaxaca (2018).
28 Ver imagem em: https://www.antiquetileshop.com/antique-dutch-delft-tile-depicting-a-mermaid-with-two-trumpets.html.
338
Iconografia musical na América Latina
Figura 25 – Sereias com um shawm, uma lira e aparentemente
cantando para Ulisses amarrado ao mastro
Fonte: Alciato (1584, p. 160, 1591, p. 139).
Figura 26 – Sereia com rebec e shawm (frente-esquerda), aparentemente comandando
uma “banda de sopros” integrada por criaturas marinas junto a uma
segunda sereia (fundo-direita) com Netuno (centro)
Fonte: Conty (ca. 1496-1498, fol. 130v).
Iconografia musical oculta
339
Embora com frequência menor, membranofones e idiofones foram também
representados nas mãos das sereias. Assim aparecem durante o século XIII, na
Catedral de Exeter, na Inglaterra (Figura 27), o século XIV, seja em local desconhecido da França (Figura 28) ou no palácio episcopal de Beauvais (Figuras
29 a 31) e, mais tarde, na Sala das Sereias no Palácio Nacional de Sintra, em
Portugal, a finais do século XVII (Figuras 32 a 34). Assim, triângulo, tamborins
e pandeiros podem ser adicionados à nossa lista, a fim de ampliar o alcance
da diversidade instrumental e cultural musical das sereias musicistas desde os
tempos medievais.
Figura 27 – Duas sereias com um tambor sobre uma máscara ou cabeça. Artista desconhecido
(alto-relevo, 3º quartel do séc. XIII), Catedral de Exeter, Inglaterra
Fonte: Bond (1910, p. 7).
340
Iconografia musical na América Latina
Figura 28 – Sereia com tamborim (Escultura em calcário, séc. XIV), [s.l.], França
Fonte: Centre de Monuments Nationaux. Regard. Banque d’Images des monuments.29
Figura 29 – Sereias musicistas. Artista desconhecido (Teto de madeira pintado, ca. 1313),
Palácio Episcopal, Beauvais, Oise, França
Fonte: Cordier (2015).
29 Ver em: http://www.regards.monuments-nationaux.fr/en; https://www.reproductions.regards.
monuments-nationaux.fr/web_gallery.jsp?tag=true&search=entablement&page=3.
Iconografia musical oculta
341
Figuras 30 – Sereias com tromba marina (esq.) e com flauta e tambor (dir.). Artista desconhecido
(Teto de madeira pintado, ca. 1313), Palácio Episcopal, Beauvais, Oise, França
Fonte: Cordier (2015).
Figuras 31 – Sereias com viela (esq.) e com gaita de fole (dir.). Artista desconhecido
(Teto de madeira pintado, ca. 1313), Palácio Episcopal, Beauvais, Oise, França
Fonte: Cordier (2015).
342
Iconografia musical na América Latina
Figura 32 – Sereias musicistas. Artista desconhecido (Teto de madeira pintado, fim do séc. XVII).
Sala das Sereias. Palácio Nacional de Sintra, Portugal
Fonte: Wikimedia Commons.30
Figura 33 – Sereias com harpa e alaúde [ou bandurra]. Artista desconhecido (Teto de madeira
pintado, fim do séc. XVII), Sala das sereias. Palácio Nacional de Sintra, Portugal
Fonte: Parques de Sintra (2013).
30 Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/Category: Sala_das_Sereias.
Iconografia musical oculta
343
Figura 34 – Sereias com triângulo e pandeiro. Artista desconhecido (Teto de madeira pintado, fim
do séc. XVII), Sala das sereias. Palácio Nacional de Sintra, Portugal
Fonte: Wikimedia Commons.31
Considerando agora o formato circular dos tamborins representados frontalmente nas Figuras 27 e 28, assim como o seu tamanho em comparação aos
das sereias que os seguram –ou que aparentemente os tocam –, isso aunado à
postura corporal das sereias, incluindo a disposição dos braços que seguram e
aparentemente percutem os tamborins, parecem antecipar as características da
sereia com pandeiro do Palácio Nacional de Sintra (Figura 35). Leiautes quase
idênticos embora quatro séculos distantes: do século XIII na Inglaterra, passando
pelo século XIV na França, até o século XVII em Portugal.
Agora, se compararmos esse mesmo leiaute com os exemplos das marcas
d’água incluídas nas Figuras 9 e 10, respectivamente produzidas na Inglaterra
e na França na segunda metade do século XV (entre 1464 e 1486), poder-se-ia
interpretar que tanto o círculo que seguram em uma das suas mãos seria um
tamborim quanto que a outra mão pareceria estar percutindo nele.
31 Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/Category: Sala_das_Sereias.
344
Iconografia musical na América Latina
Figura 35 – Sereia com pandeiro. Artista desconhecido (Teto de madeira pintado, fim do séc. XVII),
Sala das sereias. Palácio Nacional de Sintra, Portugal
Fonte: Magnusson (2015).
6 Considerações finais
Depois de discutir as principais características dos tipos de itens considerados
pela Association RIdIM, incluindo o viés cultural embutido nos diversos sistemas
de classificação de imagens atualmente em uso – incluido o Iconclass –, chamamos
à atenção para a natureza intercultural eventualmente necessária a empreendimentos de alcance mundial, segundo pretendido pelo Association RIdIM.
Iconografia musical oculta
345
Esse viés cultural, segundo detectado no estudo das marcas d’água, não
apenas condiciona a sua inclusão na BD do Association RIdIM, como também
parece ainda interferir na descrição dos conteúdos visuais de alguns dos itens
iconográficos, segundo ficou exposto nas observações e análises comparativas
relativas ao desenho das sereias aqui discutidas. Dizer que as figuras esquemáticas contidas nas marcas d’água aqui analisadas seguram – e aparentemente
tocam – tamborins, resulta tão acertado e válido quanto quaisquer das demais
descrições disponíveis nas bases de dados para itens com desenho bidimensional
semelhante.
No entanto, a discussão desse tipo específico de item, não idealizado para
funcionar como fonte visual evidente a olho nu, parece ter auxiliado na melhoria
e ampliação da lista de tipos de itens considerados válidos pela Association
RIdIM. Seja o tipo de item um campo de dados obrigatório de primeiro nível
ou não, pode não ser a questão central subjacente, mas sim o quão restrito e
fechado – e demorado – é o controle central sobre ele. Em outras palavras, a
questão mais relevante que surge por trás disso tudo é o quão simples e célere
– ou complexo e demorado – deveria ser adicionar uma nova classe ou um novo
tipo de item no processo de catalogação pelos usuários.
Se, como exposto aqui, as fontes visuais relativas à música não forem simples
objetos mas fontes visuais, independente dos meios necessários para a sua visualização e seu grau de (in)tangibilidade, talvez possamos firmar o termo “item”
para denominar tais fontes, assim considerando mais seriamente a relação entre
taxonomia e tipologia no intuito da sua definição, segundo o RIdIM-Brasil já
definiu na sua BD. (SOTUYO BLANCO; ARAÚJO, 2016) Por sua vez, a classificação de assuntos ainda suscita uma presumivelmente longa discussão, em
virtude dos possíveis vieses (inter)culturais embutidos e as possíveis maneiras
de organizá-los.
Association RIdIM deveria separar o controle lexicográfico de vocabulário do
controle conceitual. Um possível exemplo nesse sentido poderia ser a solução
adotada pelo RIdIM-Brasil para a mesma questão, que parece tê-la resolvido
de maneira adequada ao Brasil, pelo menos. Ao considerar o viés multicultural
imanente na produção iconográfica constante no Brasil, decidiu-se separar o
controle terminológico daquele relativo às tipologias, exigindo apenas do usuário
a seleção do grupo taxonômico-tipológico ao qual o item catalogado pertence,
dispondo também de uma série de ferramentas de controle interno – inseridas
346
Iconografia musical na América Latina
no código de programação – que limitam substancialmente o desnecessário
acúmulo de variantes lexicográficas e ambiguidades terminológicas. Certamente
não é uma decisão fácil de tomar. No entanto, da perspectiva da comunidade
envolvida na identificação e catalogação de fontes visuais relativas às culturas musicais pelo mundo afora, ela parece surgir como realmente necessária.
Destarte poder-se-ia estimular adequada e consideradamente a participação da
comunidade internacional em torno de metas do RIdIM internacional, de forma
claramente cooperativa.
Finalmente, no caso que nos ocupou largamente neste trabalho, podemos
dizer que as marcas d’água em papel, parafraseando a definição de Boorman,
seriam os vestígios deixados no suporte papel pelo uso de desenhos em moldes ou
cintos – fios, arames – utilizados para a sua fabricação, detectáveis apenas como
afinamentos da textura do papel quando se projeta luz através dele. Pelo menos
é o que se pode dizer de nossa perspectiva cultural material. Se marcas d’água
digitais (intangíveis) venham ser consideradas, então teremos de considerar que
existe um tipo denominado marca d’água, presente em duas categorias: marcas
d’água em papel e digitais. Ainda, os assuntos que possam vir a ser detectados
nelas – e no restante do patrimônio iconográfico musical – a sua organização
deverá incluir alguma forma de mensura dos aspectos culturais detectáveis.
Referências
ALCIATO, Andrea. Emblemata. tradução Francesa Claude Mignault. Paris: Jean
Richer, 1584.
ALCIATO, Andrea. Emblemata. Leyden: Officina Plantiniana, 1591.
ARAÚJO, Pedro Ivo; SOTUYO BLANCO, Pablo. O SICIM: uma aplicação
tecnológica para uma melhor classificação organológica. In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE ICONOGRAFIA MUSICAL, 4.; CONGRESSO BRASILEIRO DE
PESQUISA E SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM MÚSICA, 2., 2017, Salvador.
Anais [...]. Salvador: RIdIM-Brasil, 2017. p. 533-550.
ASSOCIATION RIDIM. About Association RIdIM – Mission Statement. Zurich, [201-].
Disponível em: http://www.ridim.org/association_pt.php. Acesso em:
1 ago. 2017.
Iconografia musical oculta
347
BÍBLIA. Nürnberg: Anton Koberger 1483. Universitätsbibliothek Salzburg. W III
330. Disponível em: http://www.ubs.sbg.ac.at/sosa/inkunabeln/WIII330.htm.
Acesso em: 15 Jun. 2018.
BOND, Francis. Wood carvings in english churches: misericords. Oxford: Oxford
University Press, 1910. (Series: Church Art in England).
BOORMAN, Stanley. Watermarks. In: OXFORD UNIVERSITY PRESS. Grove Music
Online. Oxford: Oxford University Press, [200-]. Disponível em: http://www.
oxfordmusiconline.com/subscriber/article/grove/music/29943. Acesso em: 3
fev. 2018.
BROOK, Barry S.; CALDERISI, Maria. RIdIM. Fontes Artis Musicae, Kassel, v. 26, n.
1, p. 125-127, 1979.
CALDERISI, Maria. Report of the RIDIM Committee. CAML Review / Revue de
l’ACBM, [Ottawa], v. 3, n. 2, p. 23-25, 1974. Disponível em: https://pi.library.
yorku.ca/ojs/index.php/caml/article/view/4131/3330. Acesso em: 15 Jun. 2018.
CONTY, Evrart de. Le livre des échecs amoureux moralisés. [Paris], ca. 1496-1498.
Bibliothèque Nationale de France, 2205. Fr. 143. Disponível em: https://gallica.
bnf.fr/ark:/12148/ btv1b8426258c. Acesso em: 15 Jul. 2018.
CORDIER, Jean-Yves. Les quatre sirènes musiciennes de Beauvais. In: CORDIER,
Jean-Yves Le blog de jean-yves cordier. [s. l.], 28 out. 2015. Disponível em: http://
www.lavieb-aile.com/2015/10/les-quatre-sirenes-musiciennes-de-beauvais.html.
Acesso em: 15 Jun. 2018.
CORNEJO, Marcela. Los charangos peruanos. In: CORNEJO, Marcela. Cantera
de sonidos. Arequipa, 18 sept. 2007. Disponível em: http://canteradesonidos.
blogspot.com/2007/09/el-charango-peruano-los-charangos.html. Acesso em: 15
jun. 2018.
EL-BAINY, Estenio Iriart. A Arte... As esculturas urbanas. In: EL-BAINY, Estenio
Iriart. A Jurubeba Cultural, Salvador, 18 fev. 2016. Disponível em: https://
estenioelbainy.blogspot.com/2016/02/arte_18.html. Acesso em: 15 Jul. 2018.
FOLK ART OAXACA. Mermaid on fish with accordion. [s. l.], 2018. Disponível em:
http://folkartoaxaca.com/product/mermaid-on-fish-with-accordian/. Acesso em:
25 jul. 2018.
FRAUENKNECHT, Erwin; RÜCKERT, Peter; STIEGLECKER, Maria. Bernstein
Systematics. [S. l.], 13 Feb. 2012. Bernstein – The memory of paper. Disponível em:
348
Iconografia musical na América Latina
http://www.memoryofpaper.eu/products/Bernstein_systematics.pdf. Acesso em:
15 jul. 2018.
FRAUENKNECHT, Erwin; KÄMMERER, Carmen; RÜCKERT, Peter et al.
Watermark-Terms: Vocabulary for Watermark Description, apr. 2018. Bernstein –
The memory of paper. Disponível em: http://www.memoryofpaper.eu/products/
watermark_terms_v11.0_pt.pdf. Acesso em: 15 jul. 2018.
GAIUS PLINIUS SECUNDUS (dt. Plinius der Ältere). Naturalis Historia. Frankfurt:
[s.n.], 1565.
GKS 1633 4º: BESTIARIUS. Det Kongelige Bibliotek, Gl. kgl. S. 1633 4º,
Pergaminho, 77 ff.; 21 x 13,5 cm. Inglaterra, séc. XV. Disponível em: http://www.
kb.dk/permalink/2006/manus/221/eng/. Acesso em: 15 jul. 2018.
GREEN, Alan. Presentation of the new database of the Répertoire International
d’Iconographie Musicale (RIdIM). 2012. Trabalho apresentado ao19th Congress
of the International Musicological Society, “Musics, Cultures, Identities, Rome, 5
July 2012, Auditorium Parco della Musica, Studio 1.
GREEN, Alan; FERGUSON, Sean. RIdIM: Cataloguing Music Iconography Since
1971, Fontes Artis Musicae, Kassel, v. 60, n. 1, p. 1-8, 2013.
HARRIS, Neil. Paper and watermarks as bibliographical evidence. Lyon: Institut
d’Histoire du Livre, 2017. Disponível em: http://ihl.enssib.fr/sites/ihl.enssib.
fr/files/documents/Harris_Paper%20and%20Watermarks.pdf. Acesso em: 10
fev. 2018.
ICONCLASS. Contents of Iconclass. The Hague, c2012. Disponível em: http://www.
iconclass.nl/contents-of-iconclass. Acesso em: 10 mar. 2018.
JEWITT, Llewellynn. The mermaid, and the symbolism of the fish, in art, literature,
and legendary lore. The Reliquary, Quarterly Archaeological Journal and Review, [s. l.], v.
19, 1878. Disponível em:
http://alternatewars.com /Mythology/Reliquary/Reliquary_Mermaid_Symbolism.
htm. Acesso em: 20 jul. 2018.
LECLERCQ-MARX, Jacqueline. La Sirène dans la pensée et dans l’art de l’Antiquité et du
Moyen Âge. Du mythe païen au symbole chrétien. Bruxelas: Académie Royale de
Belgique, 1997.
LIBER DE NATURIS BESTIARUM. [Inglaterra, meados séc. XIII]. Biblioteca
Bodleiana, MS. Bodley 533. Disponível em: http://bodley30.bodley.ox.ac.
Iconografia musical oculta
349
uk:8180/luna/servlet/view/search/what/MS.+Bodl.+533/. Acesso em: 10
mar. 2018.
MAGNUSSON, Sauce. Sintra National Palace of Portugal. 2015. Disponível em:
http://www.saucemagnusson.com/2015/03/the-portuguese-national-palace-insintra.html. Acesso em: 20 jul. 2018.
MARQUES, António Jorge. A obra religiosa de Marcos António Portugal (1762-1830).
Salvador: Edufba, 2012.
MERRIAM, Alan P. The anthropology of music. Evanston, IL: Northwestern University
Press, 1964.
MEYER, A. D.; TSUI, A. S.; HINNINGS C. R. Configurational approaches to
organizational analysis. Academy of Management Journal, Ohio, v. 36, n. 6, p. 11751195, 1993.
ORTUS SANITATIS. [Mainz: Jacob Meydenbach, 1491]. Disponível em: https://
cudl.lib.cam.ac.uk/view/PR-INC-00003-A-00001-00008-00037/1. Acesso em:
10 mar. 2018.
PARQUES DE SINTRA – Monte da Lua. Os tetos do Palácio Nacional de Sintra. 2013.
Disponível em: https://www.parquesdesintra.pt/pontos-de-atracao/os-tetos-dopalacio-nacional-de-sintra/. Acesso em: 10 jul. 2018.
PSALTERIUS DAVIDICUS (1325-1340). British Library, Additional MS 42130.
Disponível em: http://www.bl.uk/manuscripts/Viewer.aspx?ref=add_ms_42130_
fs001ar. Acesso em: 10 mar. 2018.
RAMOS, Cleidiana. Rastros festivos: festas populares no acervo de imagens do
Jornal A Tarde. Studium 35, [s. l.], Nov. 2013. Disponível em: http://www.studium.
iar.unicamp.br/35/06/. Acesso em: 18 jul. 2018.
REZA VÁZQUEZ, Alma Linda. Atheneo de grandesa (1681): un ejemplo de
literatura emblemática catalana. In: GARCÍA MAHÍQUES, Rafael; ZURIAGA
SENENT, Vicent Francesc (ed.). Imagen y cultura: la interpretación de las
imágenes como Historia cultural. Valencia: Generalitat Valenciana, 2008. p.
1325-1336. v. 2
ROMAGUERA, Josep. Atheneo de Grandesa. Barcelona: Joan Jolis, 1681.
SOTUYO BLANCO, Pablo. Iconografía musical Chilena: iconografía musical o
fuentes visuales referentes a la cultura musical? Un estudio de caso. Cuadernos de
Iconografía Musical, México, v. 4, p. 30-68, 2017.
350
Iconografia musical na América Latina
SOTUYO BLANCO, Pablo; ARAÚJO, Pedro Ivo. Acciones estructurantes para la
musicología en Brasil: el banco de datos RIdIM-Brasil para fuentes documentales
visuales relativas a la cultura musical. Cuadernos de Iconografía Musical, México, v. 3,
p. 9-32, 2016.
THE BERNSTEIN CONSORTIUM. Bernstein – The Memory of Paper. Vienna,
Disponível em: http://www.memoryofpaper.eu/BernsteinPortal/appl_start.disp.
Acesso em: 13 jul. 2018.
TURINO, Thomas. The Charango and the Sirena: Music, Magic, and the Power of
Love. Latin American Music Reviewm = Revista de Música Latino Americana, Austin, v. 4,
n. 1, p. 81-119, Spring-Summer 1983.
VISTARINI, Antonio Bernat; CULL, John T. Enciclopedia Akal de Emblemas Españoles
Ilustrados. Madri: Ediciones Akal, 1999.
WASSERSPRING, Lois. Oaxacan ceramics: traditional folk art by oaxacan women.
San Francisco: Chronicle Books, 2000.
WASSERZEICHEN DES MITTELALTERS. Disponível em: http://www.wzma.
at/2015. Acesso em: 18 jul. 2018.
WIKIMEDIA.ORG. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/
commons/5/5c/Clonfert_mermaid_crop.jpg. Acesso em: 18 jul. 2018
WIKIMEDIA COMMONS. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/
Category: Sala_das_Sereias. Acesso em: 18 jul. 2018.
Iconografia musical oculta
351
Arthur Napoleão, Carlos Gomes,
Camille Saint-Saens e Jean-Henry Ravina
reunidos em um leque de autógrafos
Mary Angela Biason
1 Introdução
A complexidade da existência humana está inexoravelmente
ligada à nossa noção de finitude. Ao longo da vida, a maioria
de nós vai acumulando memórias que em grande medida dão
sentido e perspectiva a essa nossa trajetória. Pode ser uma
caixa de fotografias, um pacote de cartas de amor, lembranças
da infância ou conquistas profissionais. Mas imagine o quão
instigante seria viver na companhia dos maiores ícones de
seu próprio tempo: grandes escritores, pintores, cientistas,
atores aclamados, governantes e ainda poder guardar um
testemunho desses encontros. Pois bem, Amélia Machado
de Coelho e Castro (Viscondessa di Cavalcanti) sendo casada
com um dos mais influentes personagens do Segundo Reinado
teve essa oportunidade. Acompanhou e participou de muitas
atividades nos campos da política e da cultura, na Europa e
no Brasil. E durante 55 anos, em seu leque, como se fora um
álbum de recordações agregou pequenas porções desse seu
convívio social exuberante.
353
Hoje como parte do acervo do Museu Mariano Procópio em Juiz de Fora,
Minas Gerais, o leque soma 68 lembranças das personalidades daquela época.
Cada registro diz um pouco de seu autor, por vezes, um desenho, um poema ou
uma dedicatória. Naquele universo de personalidades havia músicos de renome
que usaram a linguagem musical para se manifestar. Este trabalho tratará das
citações musicais autografadas por Arthur Napoleão, Carlos Gomes, Camille
Saint-Saëns e Jean-Henry Ravina, como também do ambiente intelectual e artístico por onde o leque da Viscondessa foi agitado.
2 Os Viscondes
Amélia Machado Coelho nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 1853 em
um meio aristocrático. Sua ascendência paterna e materna conta com nomes de
relevo no cenário político, social e econômico da época. Cresceu em ambiente
influente e muito culto, viajando para a Europa com frequência. No século XIX,
em muitas famílias abastadas se desenvolveu a prática do colecionismo. Seu
primo-irmão, Alfredo Ferreira Lage, também colecionista, foi um dos fundadores
do Museu Mariano Procópio.
No ano de 1871, casou-se com Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque e
dessa união teve dois filhos: Stella e Fernando. Nascido na Paraíba e formado
em Direto pela Escola de Recife, Diogo Velho trilhou a carreira política até chegar
a senador do Império e Conselheiro de Estado.1 Em 1888, recebeu título nobiliárquico do Imperador D. Pedro II e o casal passou a ser reconhecido como os
Viscondes de Cavalcanti (Figuras 1 e 2).
1 Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque (1829-1899) esteve à frente dos Ministérios da
Agricultura, da Justiça e dos Negócios Estrangeiros e foi presidente das Províncias do Piauí,
Ceará e Pernambuco. Além do título de Visconde, foi agraciado com as comendas da Ordem de
Cristo, Grão Cruz da Vila de Viçosa de Portugal e da Coroa Real da Prússia. Ver mais em: https://
www25.senado.leg.br/web/senadores/senador/-/perfil/1576.
354
Iconografia musical na América Latina
Figura 1 – Retrato de Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque, Visconde de Cavalcanti, feito sobre o
leque, autoria de Leon Bonnat, 1899
Fonte: acervo do Museu Mariano Procópio.
Arthur Napoleão, Carlos Gomes, Camille Saint-Saens e Jean-Henry Ravina...
355
Figura 2 – Retrato feito sobre o leque - Amélia Machado Coelho, Viscondessa de Cavalcanti, autoria
de Louis Humbert, 1901
Fonte: acervo do Museu Mariano Procópio.
O círculo já influente de seu convívio aumenta depois de casada e somado ao
seu espírito vivo, transforma a Viscondessa numa das mulheres mais prestigiadas
de sua época. Conhecida por falar várias línguas, era visitante assídua de museus,
exposições universais, ateliês e salões de belas artes na Europa. E nesse contexto
acompanhava e colecionava avidamente trabalhos artísticos e souvenires como
pinturas, fotografias, livros, moedas, leques, minerais, flores tumulares, pinturas
em miniatura, objetos da História Antiga e da realeza brasileira.
Os Cavalcanti possuíam um palacete no Rio de Janeiro, na Rua Vergueiro,
que às quintas e aos domingos costumava reunir a intelectualidade presente
na cidade para animados bailes e calorosas discussões sobre política, arte e
literatura. Diziam que os “landaus, cupês e as berlindas” estacionados faziam
filas intermináveis. Não só as figuras importantes do Império, mas todo o corpo
356
Iconografia musical na América Latina
diplomático estrangeiro que vivia ou passava pela capital era recebido pelos
Cavalcanti e a Viscondessa era enaltecida por sua beleza, simpatia e inteligência.2
(EDMUNDO, 1935)
Em 1889, D. Pedro II nomeou Diogo Velho para ser o comissário do Brasil
junto à Exposição Universal de Paris. A escolha do imperador não podia ser
mais fortuita, uma vez que os Viscondes estavam acostumados a se relacionar
com artistas, literatos, políticos e altas autoridades. Com sua personalidade
magnética a Viscondessa assenhoreava-se das reuniões sociais cativando, inclusive, a atenção do então presidente da França, Marie François Sadi Carnot.
(TOLEDO, 2011)
Com o advento da República, Diogo Velho Cavalcanti encerrou sua carreira
política e os Viscondes rumaram para a Europa, para sua morada em Paris, que
permaneceria tão movimentada quanto o palacete da rua Vergueiro. (GAZETA
DE NOTÍCIAS, 1926a, p. 2) Na Europa, mantiveram contato com a família
Imperial e o Visconde ainda escreveu um livro sobre as leis do Brasil.3
Muito doente, o Visconde pede para retornar ao Brasil e vem a falecer na
cidade de Juiz de Fora - MG. Viúva, a Viscondessa decide ir para a Europa para
viver entre Paris e Lausanne, na Suíça. (ÚLTIMA HORA, 1912, p. 1)
3 O Leque
O numeroso acervo dos Cavalcanti contava com obras de artistas renomados,
dentre eles, uma tela de Frans Post (1612-1680), um pequeno trabalho de JeanHonore Fragonard (1732-1806), e telas de Alexandre Cabanel (1823-1889) e
Alphonse de Neuville (1835/6-1885). Também encomendou trabalhos de Leon
Bonnat (1833-1922) que pintou o retrato da Viscondessa, e um retrato de sua
filha Stella aos 18 anos, pintado por Raimundo Madrazo (1841-1920). No
entanto, nenhuma peça traduz com tanta propriedade a efervescência cultural
daquela época como seu leque de autógrafos (Figuras 3 e 4).
2 Sobre a vida social da aristocracia, dos tempos coloniais ao fim do Império.
3 Aperçu Politique-Droit Administration. Paris: Librairie Collillon. 1896. O trabalho aborda as leis
publicadas no Brasil entre os anos de 1891 a 1896.
Arthur Napoleão, Carlos Gomes, Camille Saint-Saens e Jean-Henry Ravina...
357
Um leque tipo Pericon,4 medindo 103 cm de abertura por 35 cm de raio,
montado em papel com douramento nas bordas e varetas de madeira, das quais
a primeira e última são entalhadas. Um objeto sem maiores atrativos, mas que
tomado como suporte se eleva em importância pelas impressões deixadas pelas
pessoas que a Viscondessa conheceu e conviveu.
Figura 3 – Leque de autógrafos, face 1
Fonte: acervo Museu Mariano Procópio.
Figura 4 – Leque de autógrafos, face 2
Fonte: acervo do Museu Mariano Procópio.
4 Leques Pericon possuem grandes dimensões. Aparecem com grande frequência no século XIX e
são utilizados na dança flamenca e no teatro. Pericón também é o nome de uma dança folclórica
no Uruguai.
358
Iconografia musical na América Latina
Estão presentes no leque as assinaturas de Getúlio Vargas, Alexandre Dumas
Filho, Afrânio Peixoto, Barão de Coubertin, Santos Dumont, Pierre Loti, Joaquim
Nabuco, Machado de Assis, Eça de Queirós, Carolus Durant, Jules Worms,
Salvador Sanches Barbudo-Morales, Oliveira Martins, Antero de Quental, BenoitConstant Coquelin, Ramalho Urtigão, Victor Cherbulliez e Gabriel Lippmann,
somente para citar alguns. Conta também com desenhos de Charles Olivier de
Penne, os irmãos Henrique e Rodolfo Bernardelli, Jean Beraud, Jean Gérôme,
Léon Bonnat, Louis Eugene Lambert, Louis Humbert, Louis Marie Schryver,
Raimundo Madrazo, Pedro Weingartner e alguns não identificados. A primeira
assinatura é da família Imperial no exílio, datado em 1890 na cidade de Cannes.
Originário do Oriente, o leque foi um dos objetos que junto com a seda e
especiarias acompanhou as primeiras trocas comerciais com a Europa. Além
da sua utilidade mais evidente, aquela que é amenizar a sensação de calor ou
espantar um inseto indesejado, o leque podia se adequar a vários ambientes.
Objetos de uso pessoal carregam consigo muito da personalidade e posição
social de seus donos. Leques eram feitos segundo modelos diversos – fixos, dobráveis, plissados, de mão ou de teto –, em geral, se diferenciavam pelos detalhes
e materiais, tornando-se objetos marcadores de status social. Leques finamente
ornamentados com materiais nobres, pintados pelos melhores artistas da época,
manuseados em igrejas, espaços de poder ou nos salões da corte reinante, eram
obviamente símbolos de distinção.
No século XVIII, os leques foram usados para se comunicar à distância. A
linguagem gestual extremamente refinada foi muito difundida no século XIX, no
entanto, essa função não foi empregada somente nos salões. No Japão antigo, os
leques foram utilizados para transmitir comandos durante a batalha e também
como arma de extremidades afiadas. Curiosamente, instrumentos musicais
também foram usados como comunicação militar.
Em especial, o leque da Viscondessa não era para alívio nos dias abafados,
tampouco tinha funções bélicas ou inseticidas, mas sim um instrumento de
agregação social. Ele servia como um canal facilitador de sociabilidades armazenando lembranças de amigos e pessoas importantes e respeitadas pela sua
posição e pela sua arte.
No século XIX, não era incomum que leques fossem usados como suporte para
colher assinaturas. Guy de Maupassant (1850-1893), escritor francês, deixou um
poema assinado no leque da Condessa Potocka. O leque de Marguerite Dreyfus,
Arthur Napoleão, Carlos Gomes, Camille Saint-Saens e Jean-Henry Ravina...
359
jornalista feminista, foi assinado por Madalena Godard e contém citações musicais assinadas por Benjamin Godard, Georges Pfeiffer e muitos outros. Um leque
datado em 1880 em Viena, traz citações musicais de 21 compositores, dentre
eles Arrigo Boito, Léo Delibes, Charles Gounod, Jules Massenet, Giuseppe Verdi
e Charles-Marie Widor. Essa prática não se extinguiu totalmente. Na Espanha,
por exemplo, onde as mulheres ainda carregam seus leques nas bolsas, ele serve
como suporte para assinaturas de celebridades.
O leque da Viscondessa de Cavalcanti transcende a natural admiração do fã
pelo artista e de certa forma inverte essa lógica. Ele funciona em muitos casos
para demonstrar o afeto do artista pela dona do leque. Poemas e citações são
expressamente endereçados a ela bem como desenhos que a retrataram e ao seu
esposo. Outra dimensão que pode ser observada são as miniaturas das pinturas
que consagraram os artistas e que coloridas dão um toque todo especial ao
leque quando totalmente aberto. A despeito da plasticidade das intervenções
pictóricas, não podemos deixar de lado a importância dos exemplos musicais
ali expressos. Dessa forma, vamos nos ater às quatro citações musicais, correspondendo a Arthur Napoleão, Antonio Carlos Gomes, Camille Saint-Saens, e
Jean-Henri Ravina, respectivamente.
4 Arthur Napoleão (1843-1925)
Iniciaremos com Arthur Napoleão, que deixou os primeiros compassos da
valsa intitulada Ricordati op. 66, datados no Rio de Janeiro, em novembro 1891.
360
Iconografia musical na América Latina
Figura 5 – Retrato de Arthur Napoleão. Photographia da Caza Real,
Estúdio Emílio Biel & Ca – Porto (datada pelo próprio em 1889)
Fonte: https://i.pinimg.com/originals/d7/d0/83/d7d08364989c5cdc833d64e8eddc4141.jpg.
Figura 6 – Detalhe do leque, pauta de Arthur Napoleão
Fonte: acervo do Museu Mariano Procópio.
Pianista e compositor português, Arthur Napoleão dos Santos (1843-1925)
nasceu na cidade do Porto e logo revelado como um prodígio musical. Após
Arthur Napoleão, Carlos Gomes, Camille Saint-Saens e Jean-Henry Ravina...
361
algumas apresentações na sua cidade natal, foi levado a Lisboa onde teve o
talento reconhecido pela elite local. A partir de 1852, apresentou-se em diversos
palcos da Europa e Américas até se fixar no Brasil em 1868.
Em terras brasileiras, além de pianista e compositor, tornou-se um atuante
homem de negócios no campo das artes, em especial naqueles ligados à publicação e comercialização de partituras musicais. Primeiro se associou a Narciso
José Pinto Braga, e fundou a Narciso, Arthur Napoleão & Cia, e em 1880, após
a saída de Narciso, Arthur Napoleão se associou a Leopoldo Miguez fundando
a Casa Arthur Napoleão & Miguez. (CAZARRÉ, 2006, p. 294; MEDEIROS, 2010,
p. 3) Nessa nova sociedade, ele manteve o trabalho de edição de partituras e
montou um pequeno salão destinado a apresentações públicas.
Sua relação com a Viscondessa era estreita. Cronistas dizem que costumava
frequentar sua casa e juntos tocar piano a quatro mãos. (EDMUNDO, 1935)
Entre suas obras, encontra-se uma Gavota integrante das Soirées de Rio op. 67,
composta em 1887, e a Ballade Romantique op. 63, a quatro mãos composta em
1885, ambas dedicadas à Viscondessa.
Arthur Napoleão foi preponderante elo entre o mundo social da Viscondessa
e o ambiente musical, sua seara. Dono de uma casa editorial e um salão musical
e também em suas viagens e apresentações virtuosísticas, Napoleão uniu esses
dois mundos no leque da Viscondessa como veremos a seguir.
5 Antônio Carlos Gomes (1836-1896)
Carlos Gomes deixou no leque os primeiros compassos do solo de oboé da
Alvorada, Prelúdio orquestral da Cena IV, ato IV da ópera Lo Schiavo, datado no
Rio de Janeiro em novembro de 1891 (Figuras 7 e 8).
362
Iconografia musical na América Latina
Figura 7 – Retrato de Antônio Carlos Gomes: cartões postais comemorativos do centenário de
nascimento de Carlos Gomes, São Paulo: Livraria da Sé, 1936
Fonte: Centro de Ciências, Letras e Artes (CCLA) – Museu Carlos Gomes/Arquivo.
Arthur Napoleão, Carlos Gomes, Camille Saint-Saens e Jean-Henry Ravina...
363
Figura 8 – Detalhe do leque, pauta de Lo Schiavo. Ass: Carlos Gomes.
Rio de Janeiro, Novembro: 1891
Fonte: acervo Museu Mariano Procópio.
Nascido em Campinas em 1836, Antônio Carlos Gomes era filho de Manoel
José Gomes, mestre de capela, responsável pela música na Matriz da vila e como
era comum na época também atendia às encomendas para as celebrações
oficiais demandas pelo poder público. As atividades de Manoel José Gomes
propiciaram que seus filhos, Antônio Carlos e José Pedro, crescessem em um
ambiente musical sólido.
Carlos Gomes seguiu para São Paulo no ano de 1859, sendo adotado
pelos estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. No mesmo
ano, provido de cartas de apresentação escritas pelos amigos aos grandes do
Império, Carlos foi estudar no Conservatório Imperial no Rio de Janeiro. Viveu
a efervescência da ópera nacional, compôs A noite do Castelo e Joana de Flandres
e vai estudar em Milão. Sua capacidade composicional aumenta e se verifica
amadurecimento entre o iniciante A noite do Castelo (1861), primando em sua
última ópera, Condor (1891).5 (VIRMOND, 2007)
Após o sucesso de suas óperas na Europa, entre os anos de 1880 e 1889,
Carlos Gomes intensificou suas vindas ao Brasil para montar o Guarani, Salvador
Rosa e Fosca, sendo bem recebido pelo público e pela crítica. No entanto, quando
veio ao Rio em junho de 1889, o empresário que dirigia o Teatro Imperial
apresentou dificuldades para montar Lo Schiavo, que só foi possível com a intervenção do Imperador e ajuda financeira de admiradores. A ópera estreou em
27 de setembro de 1889 com regência do próprio compositor sendo aclamada.
(COELHO, 2002)
5 As informações colhidas neste trabalho foram complementadas com as conversas mantidas por
e-mail com o autor, quem estimo e agradeço pela disponibilidade.
364
Iconografia musical na América Latina
Em 1891, quando Carlos Gomes retornou ao Brasil com a ópera Condor, o
país e a sociedade brasileira passavam por um momento delicado com a instalação do regime republicano e as tentativas de promulgar a nova Constituição.
Nesse contexto, sua vinda não chamou a atenção como anteriormente. Isso não
tinha a ver somente com a sua ligação estreita ao regime imperial. A figura de um
homem com problemas pessoais e dificuldades financeiras devido a constantes
batalhas travadas com os editores de suas obras, acrescidas ao fato da ópera
vir com uma nova proposta estética, todas essas condicionantes fizeram com
que Condor fosse recebida com certa frieza pelo público no Brasil.6
Antes da estreia da ópera em fevereiro de 1891 no Teatro La Scala de Milão,
Carlos Gomes vem ao Rio para preparar a montagem e retorna em agosto para
a execução. No mês de novembro, ele assina o leque da Viscondessa.
Arthur Napoleão e Carlos Gomes eram próximos. Sendo editor, Napoleão
não se furtou em preparar e colocar no mercado peças para piano com as récitas
mais famosas das suas óperas. Em 1870, publicou Grande Fantasia de Concerto,
versão para um e dois pianos do Guarani op. 50, e por volta de 1889, transcreve
Lo Schiavo op. 72. Napoleão ainda visita Carlos Gomes na Itália e aproveita para
publicar obras de sua autoria pela Casa Lucca de Milão.
Em 26 e 27 de setembro de 1896, poucos dias após a morte de Carlos
Gomes, Arthur Napoleão e os músicos portugueses Vianna da Mota e Moreira
de Sá estavam em Belém para duas apresentações no Teatro da Paz. Naquela
ocasião, tocaram no piano que pertenceu ao Maestro,7 que foi transportado
para o teatro. (CAZARRÉ, 2006, p. 101, 293, 303, 306, 354-355)
6 Camille Saint-Saëns (1835-1921)
Saint-Saëns foi pianista e compositor precoce. Com apenas 10 anos, já havia
executado concertos para piano com elevado nível de dificuldade e composto
algumas peças. Estudou no Conservatório de Paris e aos 25 anos já era considerado grande virtuose do piano e do órgão, assim como compositor respeitado.
6 Para entender melhor o universo que ronda Carlos Gomes com o advento da República, ver
Virmond (2007, p. 313 e seguintes).
7 Atualmente, o piano está no Museu Carlos Gomes em Campinas.
Arthur Napoleão, Carlos Gomes, Camille Saint-Saens e Jean-Henry Ravina...
365
Sua disposição para viajar o levou a tocar em praticamente todos os continentes. Esteve no Brasil em 1899 para concertos em São Paulo e no Rio de
Janeiro. Na capital paulista, executou Variações sobre um tema de Beethoven e um
Scherzo para dois pianos com Henrique Oswald,8 que voltariam a tocar no Rio
de Janeiro em 1904.
No Rio de Janeiro, os concertos de 1899 ocorreram nos dias 18 de junho
e 2 e 3 de julho tendo a participação de Arthur Napoleão. Tal como em São
Paulo, Saint-Saëns tocou as Variações e o Scherzo para dois pianos, dessa vez com
Napoleão. No leque, Saint-Saëns indicou somente o ano do autógrafo, mas tudo
indica que ele assinou nessa ocasião9 (Figuras 9 e 10).
Figura 9 – Retrato de Camile Saint-Saëns. Fotografia
Fonte: Wikimedia Commons (2018).
8 Nessa ocasião, na casa de Luigi Chiafarelli, Saint-Saens toma contato com a obra de Oswald e o
elogia bastante. Esse concerto contou ainda com apresentação de Luigi Chiafarelli no harmônio
e regência de Vicenzo Cernicchiaro. Mais tarde, em 1902, Oswald se inscreve num dos concursos
mais importantes para composição, patrocinado pelo jornal “Le Figaro” e Saint-Saens era o presidente do júri. (MARTINS, 1995, p. 59, 69)
9 Peço encarecidamente aos leitores que identificarem a obra, que entrem em contato. Eu somente
tive oportunidade de pesquisar o primeiro volume do catálogo organizado por Sabina Ratner
(2002), cujas imagens foram gentilmente cedidas por Paulo Gomes, estudante na Universidade
de Huston, EUA. A obra citada no leque pode estar no segundo volume.
366
Iconografia musical na América Latina
Figura 10 – Detalhe do leque, pauta Nocturne op. 13. Ass. C. Saint-Saëns / 1899
Fonte: acervo Museu Mariano Procópio.
Entre 1903 a 1914, Napoleão executou obras do compositor francês em
várias ocasiões no Rio de Janeiro e uma em Campinas. Ele também compôs e
dedicou a Saint-Saëns o estudo Course au Clocher, obra que integra o livro Etudes
pour virtuoses, publicado na Europa em 1910 e no Brasil, pela sua casa editorial,
entre 1913 e 1915. (RATNER, 2002, p. 24, 48, 50, 77, 82, 102, 119, 121, 289,
308, 317, 320, 376, 394, 498)
7 Jean-Henri Ravina (1818-1906)
Jean-Henri Ravina fez sua primeira aparição como concertista com a idade
de oito anos. Foi encorajado a continuar os seus estudos musicais e em seguida
seguiu para Paris para estudar no Conservatório. Lá tornou-se professor assistente, mas logo deixou o cargo para se dedicar à sua carreira de virtuoso. Fez
apresentações na França, Espanha e Rússia e suas composições eram imensamente populares. Ao mesmo tempo, adquiriu uma excelente reputação como
professor de música.
Não temos notícia da vinda desse músico ao Brasil, mas suas obras fazem
parte dos programas de concerto nos salões de música do país nos séculos XIX
e XX. A obra Noturno Op. 13, presente no leque, foi editada na Europa em 1882.
Existe informação de que Arthur Napoleão o havia conhecido numa de suas
apresentações em Paris em 1852 (Figuras 11 e 12). (CAZARRÉ, 2006, p. 290)
Arthur Napoleão, Carlos Gomes, Camille Saint-Saens e Jean-Henry Ravina...
367
Figura 11 – Retrato de Jean-Henri Ravina. [photographie, tirage de démonstration] / [Atelier Nadar,
2ª metade do século XIX]
Fonte: Biblioteca Nacional da França.
Figura 12 – Detalhe do leque, pauta de Nocturne, J.H.Ravina
Fonte: acervo Museu Mariano Procópio/Acervo.
Sabido que a Viscondessa fazia várias viagens a Paris, indo para lá morar durante
muitos anos, é aceitável que ela tenha mantido algum contato com o músico.
368
Iconografia musical na América Latina
8 O Acervo
Após a morte do esposo, a Viscondessa passa mais tempo na Europa. Vem
ao Brasil esporadicamente e aproveita para distribuir seu acervo entre várias
instituições.
Em 1926, ela fez a doação de algumas obras para duas instituições no Rio de
Janeiro. Para a Escola de Belas Artes10 entrega seu retrato, feito por Leon Bonnat
em 1889, quando ela acompanhava o marido na Exposição Universal de Paris, o
de sua filha Stella pintado por Raimundo Madrazzo, outro de Alexandre Cabanel
intitulado O Árabe e um desenho a lápis de cor de Alphonse de Neuville intitulado
Zuavo. Para o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) doa o quadro
de Franz Post, Ruínas da Catedral de Olinda. (GAZETA DE NOTÍCIAS, 1926b)
Em 1928, entrega ao Museu Histórico Nacional alguns objetos da maçonaria
pertencentes a Pedro I, o modelo da medalha de Duque de Caxias, um biscuit com
busto de D. Pedro I, peças da baixela da Casa Imperial, duas cadeiras antigas e
um álbum. (GAZETA DE NOTÍCIAS, 1928)
Para o Museu Mariano Procópio, fundado por seu parente em 1915, doa
boa parte de suas coleções, inclusive a de moedas e medalhas, uma referência
para a numismática no Brasil, cujo catálogo foi publicado no século XIX.11
(CAVALCANTI, 1889)
Ainda sobre o leque, uma nota escrita por Eloy, o Herói, em sua Chroniqueta
de 21 novembro de 1891, publicada no jornal carioca A Estação, comenta que o
leque foi visto no atelier dos Bernardelli. O texto traz a transcrição das citações
deixadas por várias personalidades até esta data e faz alusão às notas musicais
assinadas por Carlos Gomes e Arthur Napoleão. O cronista nota que havia
muito espaço em branco no leque da Viscondessa. (A ESTAÇÃO, 1891, p. 127)
O “voo” empreendido pelo leque de autógrafos finda em 1945, um ano antes
da morte da Viscondessa, que com sua própria assinatura desce do palco social
no qual foi protagonista.
10 Desde 1931, a Escola está integrada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
11 A obra citada foi revisada, aumentada e publicada em Paris, em 1910.
Arthur Napoleão, Carlos Gomes, Camille Saint-Saens e Jean-Henry Ravina...
369
Figura 13 – Retrato da Viscondessa de Cavalcanti.
Óleo sobre marfim (fotopintura), autoria ilegível
Fonte: acervo Museu Mariano Procópio.
Figura 14 – Detalhe do leque, assinatura da Viscondessa de Cavalcanti, 4 de dezembro de 1945
Fonte: acervo Museu Mariano Procópio.
Mas o que a história desse leque deixa de mais instigante são suas conexões,
contextualizações e também a noção do que um objeto tridimensional aparentemente desligado do mundo da música provoca no pesquisador. Ainda não
nos desprendemos da utilização da imagem apenas como ilustração em nossos
trabalhos. Temos que ter o cuidado de olhar as imagens em sua profundidade
370
Iconografia musical na América Latina
e sermos críticos ao utilizá-las. Qualquer obra de arte tem um conjunto enorme
de intenções escondidas. Relações de poder, amores proibidos, crítica social,
sarcasmo, em outras palavras, tudo o que se mostra na superfície de uma imagem
pode na verdade querer que o espectador mergulhe e não apenas molhe os pés.
Estudos sobre iconografia musical deve se aproximar de outras disciplinas para
produzir uma densidade na interpretação. Um mundo de possibilidades se abre
a nossa volta, basta estarmos atentos.
Referências
A ESTAÇÃO. Rio de Janeiro: [s. n.], 30 nov. 1891.
A MANHÃ. Rio de Janeiro: [s. n.], ano 6, n. 1398, p. 6, 28 fev
1946. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.
aspx?bib=116408&pasta=ano%20194&pesq=%22viscondessa%20de%20
cavalcanti%22. Acesso em: 13 maio 2013.
BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/
ark:/12148/btv1b531395582/f1.highres. Acesso em: 28 ago. 2018.
BRIENEN, Rebecca Parker. O envolvimento mitológico do Brasil Holandês:
interpretação dos trabalhos de Albert Eckhout e Frans Post (1637-2011). In:
VIEIRA, Hugo Coelho, GALVÃO, Nara Neves Pires; SILVA, Leonardo Dantas
(org.). Brasil holandês: história, memória e patrimônio compartilhado. São Paulo:
Alameda, 2012. p. 75-90.
CAVALCANTI, Amélia Machado Coelho Cavalcanti de Albuquerque, Viscondessa
de. Catalogo das Medalhas Brazileiras e das Estrangeiras referentes ao Brazil: colleção
Numismática Brazilica pertencente á Viscondessa de Cavalcanti. Rio de Janeiro:
[s. n.], 1889.
CAROZZE, Valquíria Maroti. A menina boba e a discoteca. 2012. Dissertação
(Mestrado em Filosofia) – Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2012.
CAZARRÉ, Marcel Macedo. Um virtuose de Além-Mar em terras de Santa Cruz: a
obra pianística de Arthur Napoleão (1843-1925). 2006. Tese (Doutorado em
Música) – Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, 2006.
Arthur Napoleão, Carlos Gomes, Camille Saint-Saens e Jean-Henry Ravina...
371
CHIMÈNES, Myriam. Mécènes et musicien: du salon au concert à Paris sous la IIIº
République. Paris: Fayard, 2004.
CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. O mundo cabe num leque. Revista de História
da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, n. 44, p. 78-81, maio 2009.
CHRONIQUETA. A Estação, Rio de Janeiro, p. 127, 30 nov. 1891. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=709816&pasta=ano%20
189&pesq=leque. Acesso em: 15 maio 2013.
COELHO, Lauro Machado. Carlos Gomes: a ópera Italiana após 1870. São Paulo:
Perspectiva, 2002.
CORREIO DA MANHÃ. Rio de Janeiro: [s. n.], ano 7, n. 2677, p. 1, 12
nov. 1908. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.
aspx?bib=089842_01&pasta=ano%20190&pesq=%22viscondessa%20de%20
cavalcanti%22. Acesso em: 10 out. 2013.
CORREIO DA MANHÃ. Rio de Janeiro: [s. n.], p. 1, 24 nov. 1935.
Suplemento. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.
aspx?bib=089842_04&pasta=ano%20193&pesq=%22viscondessa%20de%20
cavalcanti%22. Acesso em: 24 out. 2013.
CORREIO DA MANHÃ. Rio de Janeiro: [s. n.], p. 6, 27 fev. 1946.
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.
aspx?bib=089842_05&pasta=ano%20194&pesq=%22viscondessa%20de%20
cavalcanti%22. Acesso em: 15 nov. 2013.
CORREIO DA MANHÃ. Rio de Janeiro: [s. n.], ano 59, p. 9. n. 20580, 30 abr.
1960. 1º Caderno. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.
aspx?bib=089842_07&pasta=ano%20196&pesq=%22viscondessa%20de%20
cavalcanti%22. Acesso em: 23 nov. 2013.
COSTA, Angelita Maria Rocha Ferrari da. A coleção de pinturas em miniatura da
Viscondessa de Cavalcanti no Museu Mariano Procópio. 2010. Dissertação (Mestrado
em História) – Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de
Fora, Juiz de Fora, 2010.
COSTA, Carina Martins. Uma arca das tradições: educar e comemorar no Museu
Mariano Procópio. 2011. Tese (Doutorado em História) – Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getúlio Vargas,
Rio de Janeiro, 2011.
372
Iconografia musical na América Latina
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro: [s. n.], ano 25, n. 9726, p. 8, 20
jul. 1954. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.
aspx?bib=093718_03&pasta=ano%20195&pesq=%22viscondessa%20de%20
cavalcanti%22. Acesso em: 18 out. 2013.
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro: [s. n.], ano 25, n. 9826, 15 nov. 1954.
Seção feminina. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.
aspx?bib=093718_03&pasta=ano%20195&pesq=%22viscondessa%20de%20
cavalcanti%22. Acesso em: 21 nov. 2013.
DREYFUS, Jenny. Arte menor. São Paulo: Anhembi, 1959.
EDMUNDO, L. O Rio de Janeiro do meu tempo. Correio da Manhã, Rio de Janeiro,
p. 1, 24 nov, 1935. Suplemento.
FERRAZ, Rosane Carmanini. A formação da coleção de fotografias oitocentistas
no acervo do Museu Mariano Procópio – Juiz de Fora (MG). In: SIMPÓSIO
INTERNACIONAL DE HISTÓRIA PÚBLICA: A HISTÓRIA E SEUS PÚBLICOS,
2012, São Paulo. Anais eletrônicos [...]. São Paulo: USP, 2012. p. 30-41. Disponível
em: http://redebrasileiradehistoriapublica.files.wordpress.com/2013/01/ahistc3b3ria-e-seus-pc3bablicos-_-anais.pdf. Acesso em: 28 nov. 2013.
GAZETA DA TARDE. [S. l.: s. n.], ano XVIII, n. 26, p. 1, 26 jan. 1897.
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.
aspx?bib=226688&pasta=ano%20189&pesq=%22viscondessa%20de%20
cavalcanti%22. Acesso em: 5 nov. 2013.
GAZETA DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro: [s. n.], ano 51, n. 113, 14 maio 1926a.
GAZETA DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro: [s. n.], 14 maio 1926b.
GAZETA DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro: [s. n.], 19 fev. 1928a.
GAZETA DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro: [s. n.], ano 51, n. 113, p. 2,
14 maio 1926. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.
aspx?bib=103730_05&pasta=ano%20192&pesq=%22viscondessa%20de%20
cavalcanti%22. Acesso em: 13 out. 2013.
GAZETA DE NOTÍCIAS, Rio de Janeiro: [s. n.], ano 52, p. 12, 19 fev.
1928b. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.
aspx?bib=103730_05&pasta=ano%20192&pesq=%22viscondessa%20de%20
cavalcanti%22. Acesso em: 17 out. 2013.
Arthur Napoleão, Carlos Gomes, Camille Saint-Saens e Jean-Henry Ravina...
373
GAZETA DE NOTÍCIAS, Rio de Janeiro: [s. n.], ano 52, n. 55, p. 6, 6 mar.
1928c. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.
aspx?bib=103730_05&pasta=ano%20192&pesq=%22viscondessa%20de%20
cavalcanti%22. Acesso em: 14 nov. 2013.
LYS, Edmundo. Maravilhas a admirar - um dos belos museus do mundo numa
província brasileira. Revista Ilustração. Lisboa, ano 13, n. 294, p. 12-13,
16 mar. 1938.
MARTINS, José Eduardo. Henrique Oswald: personagem de uma saga romântica.
São Paulo: Ed, 1995.
MEDEIROS, Alexandre Raicevich de. Memórias de Arthur Napoleão. In:
ENCONTRO REGIONAL DA ANPUH-RIO - MEMÓRIA E PATRIMÔNIO, 14.,
Rio de Janeiro. Anais [...]. Rio de Janeiro: ANPUH, 2010. Disponível em: http://
www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1276017543_ARQUIVO_
TEXTOANPUH.pdf. Acesso em: 28 nov. 2013.
O PAÍS. Rio de Janeiro: [s. n.], ano12, n. 4071, p. 2, 24 nov. 1895
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.
aspx?bib=178691_02&pasta=ano%20189&pesq=%22viscondessa%20de%20
cavalcanti%22. Acesso em: 18 out. 2013.
O PAÍS. Rio de Janeiro: [s. n.], 24 set 1922, ano 38, n. 13853, p. 5, 24
set. 1922. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.
aspx?bib=178691_05&pasta=ano%20192&pesq=%22viscondessa%20de%20
cavalcanti%22. Acesso em: 27 out. 2013.
RATNER, Sabina Teller. Camille Saint-Saens: 1835-1921: a thematic catalogue
of his complete Works. Oxford: Oxford University Press, 2002. v. 1 - The
instrumental works.
ROBERTSON, Lisa J. Warriors and warfare. In: DEAL, William E. Handbook
to Life in edieval and Early Modern Japan. Oxford: Oxford University Press, 2006.
p. 131-184.
TOLEDO, L. Legado feminino. Tribuna de Minas, Juiz de Fora,18 set. 2011.
Disponível em: https://tribunademinas.com.br/noticias/cultura/18-09-2011/
legado-feminino.html. Acesso em: 20 set. 2013.
ÚLTIMA HORA. Rio de Janeiro: [s. n.], 5 out. 1912.
374
Iconografia musical na América Latina
VIRMOND, Marcos da Cunha Lopes. Construindo a ópera Condor: o pensamento
composicional de Antônio Carlos Gomes. 2007. Tese (Doutorado em Música) –
Instituto de Artes, Universidade de Campinas, Campinas, 2007.
WIKIMEDIA COMMONS. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/
wikipedia/commons/4/47/Camille_Saint-Sa%C3%ABns.jpg. Acesso em: 28
ago. 2018.
Arthur Napoleão, Carlos Gomes, Camille Saint-Saens e Jean-Henry Ravina...
375
A Hora da Música em Uma Casa
Brasileira na Belle Époque paulista
Representações de uma sociedade
em transição
Diósnio Machado Neto
1 Introdução
A Belle Époque paulista foi um período marcado por uma
profunda modificação nas estruturas socioeconômicas da
região. O avanço da industrialização, que vinha na esteira da
pujante economia agrícola que se desenvolvia desde 1870,
impulsionava a riqueza da região. Nessa conjuntura, a elite da
terra pôs em marcha um processo de transformação socioeconômico-cultural inédito, no que diz respeito à promoção
do modelo civilizacional através da cultura artística. Já para
a década de 1890, o governo paulista estruturou instituições
e políticas públicas para uma elevação da crítica culta no
estado. Por essa estratégia, entre outras ações, foram criados
a Pinacoteca do Estado (1905) e o “pensionato artístico”,
que era um projeto que enviava jovens artistas para a Europa,
subsidiados pelo governo.
377
Em todo esse processo, dois pintores tornaram-se as referências do que se
buscava: Almeida Júnior e Oscar Pereira da Silva. Ambos produziram obras
que formaram a coluna vertebral da Pinacoteca do estado de São Paulo, e em
ambos era preponderante o discurso da paulistanidade. Suas pinturas ajudaram consideravelmente a elite da terra a definir uma tipologia de São Paulo
buscando retratar os personagens fundadores da raça, a paisagem da região e
os costumes e hábitos do cotidiano. Não só discursavam sobre uma tradição,
por vezes, inventada como a dos bandeirantes, mas criavam representações de
uma nova ordem social, apresentando em seus quadros os modelos da vida
urbana desejável às famílias que, pouco tempo atrás, vivam ainda nos moldes
coloniais luso-brasileiros.
Nesse movimento, os dois artistas também observam que a prática musical
também foi afetada. No último quartel do século XIX, o piano entrou na sala
de visitas da nova burguesia, substituindo o tradicional apego pelos cordofones
dedilhados. As canções deram lugar as árias das óperas italianas. Enfim, houve
uma profunda transformação das sonoridades que sustentava a transformação
do lugar da cultura.
Todo esse novo cenário pode ser discutido por duas telas de Oscar Pereira
da Silva: Uma casa Brasileira (s.d.) e Hora da Música (1901). É por elas que este
texto buscará analisar uma conjuntura dos novos lugares de escuta, não só
analisando o modelo que se impunha à sociedade emergente, mas, também,
os contrapontos das tensões vigentes pelo desvelamento das oposições entre
o tradicional e o moderno como parte de uma pedagogia iconográfica que se
tornou uma ponta de ação da política pública da época. Dessa forma, buscarei
não apenas sublinhar a polarização entre o bandeirante e o caipira, como e,
principalmente, expor as práticas musicais em dois ambientes paralelos que
nunca perderam vigência no Brasil: a música do âmbito rural – que hoje ressurge
nas muitas faces do movimento sertanejo musical – e a moderna sala de visita
da Belle Époque paulista – hoje transferida para as salas de concertos.
No terceiro Congresso Brasileiro de Iconografia Musical – organizado pelo
Repertório Internacional de Iconografia Musical no Brasil (RIdIM-Brasil) em
2015 –, desenvolvi o tema da formação da iconografia do caipira usando como
base a obra do pintor paulista Almeida Júnior (1850-1899). Destaquei de sua
produção o quadro O violeiro, de 1899, para argumentar que o campo tópico
do caipira se constituiu por um jogo transcultural que mediava uma nova
378
Iconografia musical na América Latina
realidade paulista: o encontro entre os antigos moradores das zonas rurais com
os imigrantes italianos. (MACHADO NETO, 2015) Tratei de demonstrar que
tal formação tópica amalgamava diversos ícones que eram comuns não só ao
homem do campo, mas a toda uma definição da cultura brasileira. Isso porque
considerei que essa iconografia ressaltava principalmente a representação de
uma indolência que desde tempos remotos era atribuída ao nativo. Um dos
principais ícones dessa construção era a relação com a família dos cordofones
dedilhados, como a viola, o violão, o machete, o cavaquinho etc.
Assim ficava marcada uma realidade sentida, uma certa impossibilidade civilizacional que deveria ser resgatada pela urbanização, branqueamento, letramento
e acesso à cultura artística. Nesse espaço, da cultura artística, o ícone que fazia o
contraponto à indolência caipira era o piano. O piano representava a educação
civilizadora, o meio de acesso à grande cultura. Não só era o instrumento com
que a sinhazinha exibia seus melhores dotes, mas também o novo símbolo da
casa urbana da nova burguesia. Enfim, era parte do índice que representava a
elite da terra através de um espelhamento do que se entendia como reprodução
dos ambientes dos melhores centros civilizados. Esse é o aspecto que tratarei de
desenvolver por duas telas de Oscar Pereira da Silva: Uma Casa Brasileira (s.d.) e
Hora da Música (1901).
2 A marca da sociedade em transição:
inventando tradição e impondo superação
Para compreender o processo representado nas duas telas anteriormente
destacadas, é necessário, primeiro, compreender a conjuntura paulista, principalmente no que diz respeito à construção de um discurso geocultural que
buscava sedimentar não só um passado, mas principalmente uma tradição.
Nesse processo, que se caracteriza pela modernização da sociedade paulista
impulsionada, desde a década de 1870, pela economia agrícola, uma ação
fundamental foi a construção de um acervo iconográfico. O que estava em jogo
era o que Pierre Nora chamava de “lugares de memória”. Um espaço onde não
só o concreto, mas também o simbólico, forjam um sentido de pertenças que
alinhavam discursos e sustentavam zonas de influência e poder. Pode-se dizer
que justamente foi a conjuntura do progresso econômico de São Paulo que
A Hora da Música em Uma Casa Brasileira na Belle Époque paulista
379
exigiu essa ação sobre a memória. Inclusive se considerarmos alguns aspectos
da conjuntura política em que se deu a transição paulista para uma economia
pré-industrializada, que precisava alterar as antigas mentalidades de negócios
das famílias tradicionais com as novas práticas que exigia a economia capitalista
que se impunha.
A principal característica desse processo foi que a antiga oligarquia agrária
do interior de São Paulo e os comerciantes do passado imperial conseguiram
manter o controle da política local estabelecendo uma comunhão com os
novos ricos, em sua maioria italianos. Esse aspecto do processo de transição
socioeconômico-cultural de São Paulo foi fundamental, pois ao mesmo tempo
em que criou alicerces nas estruturas seculares de poder, encontraram redes de
negociantes já estabelecidas na lógica capitalista do comércio de exportações.
Ademais, entre 1890 e 1930, uma bem-sucedida articulação com a oligarquia
mineira sustentou uma aliança vitoriosa conhecida como “a política do café com
leite” que projetou o modelo socioeconômico paulista para o cenário nacional.
No entanto, foi nesse cenário que surgiram alguns dos momentos mais agudos
da política brasileira daquela época, como a greve geral de 1917, a Revolta
Paulista de 1924 e, principalmente, o Movimento Constitucionalista de 1932.
Essas revoltas sociais desvelavam tensões locais constituídas na desarticulação
entre o processo civilizatório posto em marcha e a condição social do grosso
da população. Havia nelas toda uma questão da alteridade entre a velha elite
e a população então formada já no caldeirão da imigração, assim como por
uma população multiétnica que acumulava deficits socioculturais-educacionais
no decorrer de séculos de abandono a estados de natureza – em 1920 a taxa de
analfabetismo era de aproximadamente 65% da população. (INEP, 2001, p. 6)
As sedições, assim, eram potencializadas por uma questão de fundo mal confessada, ou pelo menos evitada: o desenvolvimento de São Paulo trazia como
marca o encontro de várias etnias que se conjugavam na formação do que seria
o paulista, amealhadas pela incapacidade técnica e crítica de suprir as demandas
da economia capitalista. Aos poucos, começavam a surgir as ambiguidades de
um processo que parecia constituído numa linha evolutiva sem máculas desde o
mito fundacional de João Ramalho, passando pelos bandeirantes e culminando
nos potentados aristocráticos das grandes fazendas do interior. No entanto, os
novos tempos mostraram algumas fragilidades do modelo de poder diante dos
inúmeros desafios sociais que o processo de transição trazia, principalmente,
380
Iconografia musical na América Latina
questionando os tratos trabalhistas que nos tempos do Império eram impensáveis para as oligarquias dominantes.
Em síntese, três séculos após a primeira saga paulista, por onde se olhasse a
história de São Paulo havia a marca da miscigenação e do descuido civilizacional.
Não era diferente agora, pois a transição da antiga estrutura colonial para o
processo de economia capitalista tinha uma forte marca do transculturalismo.
As monoculturas de café prosperaram com a força de trabalho da imigração
italiana. No contraponto do agronegócio cafeeiro, a diversificação da lavoura
teve forte impulso com a imigração japonesa, a partir de 1908. A infraestrutura
urbana e de transporte foram feitas a partir de investimentos e transferências de
tecnologias inglesas; a The City Company (companhia de geração e distribuição
elétrica) e a São Paulo Railway (companhia ferroviária) tiveram grande impacto
nesse processo. A modernização do porto de Santos amealhou trabalhadores
de diversas etnias, inclusive imigrantes europeus, como espanhóis, que organizaram movimentos políticos desconhecidos de então, como o anarquista e o
comunista. O fomento à industrialização no início do século teve como marca
a inserção do empresário de origem europeia; as tecelagens e o setor moveleiro
eram quase monopólio dos italianos.
Esse movimento levou a uma transformação geocultural e impactou frontalmente todo o processo sociocomunicativo da região. Já em 1920, a população
paulistana de oriundi chegou a tal dimensão que uma parte da imprensa escrita
tinha o italiano como idioma. As artes não ficaram de fora desse processo e
tiveram profundo impacto através da colônia italiana; os conservatórios e toda
a vida teatral de grande porte, como a temporadas de óperas, eram controladas pela colônia italiana. No entanto, as belas artes buscavam na França a
orientação estética. O francês, aliás, era a língua franca entre os intelectuais da
época, a tal ponto de que nas reuniões na Villa Kyrial se usava preponderantemente esse idioma.
Assim, diante de uma realidade de conjuntura social sincrética, o espírito
político modulava o discurso legitimador em direção à questão da raça. No
entanto, os sentimentos difusos quanto à pedra de toque sobre esse estatuto
tornavam a problematização da representação paulista um campo de difícil
articulação. Inclusive porque a corrente filosófica-científica que sustentava o
discurso da organização social, o determinismo racial, tinha como base crer na
impossibilidade civilizacional de povos miscigenados. Isso impactava de frente
A Hora da Música em Uma Casa Brasileira na Belle Époque paulista
381
o discurso da independência intelectual da raça paulista, formada na esteira de
muitos encontros étnicos e, então, dependente economicamente dessa gente.
Enfim, reconhecer João Ramalho, o fundador da paulistanidade, como patriarca
dos mamelucos e os bandeirantes como origem dos caboclos, entre outros símbolos, era uma possibilidade descartada pelos donos das narrativas históricas,
na verdade era uma impossibilidade discursiva. Dessa forma, o transculturalismo
da própria condição econômica do progresso impôs uma única saída à parcela
hegemônica da nova civilidade: criar uma tradição.
Desenvolver uma iconografia da raça seria, assim, natural. Era, sobretudo,
um processo pedagógico diante de tantas etnias constituintes do novo paulista.
Era, também, um contraponto regionalista diante de culturas já afirmadas no
consciente coletivo da brasilidade, como a cultura aristocrática carioca e baiana.
Enfim, a nova potência econômica brasileira necessitava criar símbolos para a
sua afirmação. Símbolos que deveriam ter uma identidade inequívoca, inclusive
porque deveriam afirmar a raça paulista como os verdadeiros pioneiros da terra
brasílica.
3 A política pública na representação de
um projeto regionalista
Entre 1870 e 1930, se desenvolveram alguns projetos de construção de uma
identidade paulista. Buscando afirmar uma natureza liberal-progressista, porém
arraigada numa tradição de homens desbravadores de inquebrantável determinação, a elite da terra atuou em muitos espaços, forjando ideias, discursos,
políticas públicas e ações de propaganda. Era, sobretudo, uma ação discursiva
prática, consciente, que envolvia um jogo complexo de representações.
Inúmeros espaços de discursos foram utilizados na construção de uma
tradição que ao mesmo tempo afirmava o nacional, o fazia desde a perspectiva regional de São Paulo. No campo da história, Ferretti e Capelato (1999)
afirmam que a elite intelectual “mobilizou algumas das mais importantes personalidades do mundo político e cultural, paulista e não paulista, destacando-se Alberto Salles, Afonso de Taunay, Alfredo Ellis Jr., Paulo Prado, Oliveira
Vianna, Washington Luís, Graça Aranha, dentre outros”. Em síntese, para
uma pedagogia regionalista, marcada nos feitos e fatos dos paulistas, tanto os
382
Iconografia musical na América Latina
homens de negócios, intelectuais, artistas e a pequena burguesia, sustentavam
governos que atuaram decididamente na projeção de uma ideia de estado de
raiz nacional com um destino de liderança; forjaram a ideia de São Paulo como
a “Locomotiva do Brasil”.
O processo, no entanto, começou com a projeção de uma política de formação de quadros técnicos, e não mais intelectuais, como foi a base da elite
paulista no período pós-Independência, tendo a Faculdade de Direito do Largo
São Francisco como a força motriz da distinção da sociedade paulista. Somente
em 1873, a elite paulista entendeu a necessidade da instrução pública como
fator de transformação social. Surgiu nessa perspectiva o Lyceu de Artes e Ofícios
que se projetou como campo fértil para duas outras instituições de formação
técnica, tanto no campo das ciências como das artes: a Escola Politécnica, de
1893, e a Pinacoteca do Estado de São Paulo, de 1905.
Já na formação de um corpo artístico que sustentasse os ideais de representação regional, o processo foi incrementado na esteira de políticas de bolsas
sistematizados na época imperial. Assim, o governo do estado de São Paulo,
assim como ocorria no seio da Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro,
destinou fundos para um programa de pensão para jovens artistas estudarem na
Europa. Já a partir de 1912, São Paulo criou o programa Pensionato Artístico,
que teve em Freitas do Valle seu maior articulador. Esse projeto, aliás, impulsionou a segunda etapa do projeto da “arte nacional”, pois foi a mola propulsora
para artistas ligados ao Movimento Modernista, como Anita Malfatti, Victor
Brecheret, Francisco Mingnone e Camargo Guarnieri.
Nessas ações, pode-se relacionar, ainda, a formação do Museu Paulista, em
1895; a publicação, a partir de 1924, da saga histórica dos Bandeirantes por
Afonso d’Escragnolle Taunay – inclusive resgatando a iconografia de Hercule
Florence –; a construção do Theatro Municipal de São Paulo, em 1911 – e que, em
1922, acrescentou ao seu conjunto arquitetônico, indexando a paulistanidade,
a estátua de Carlos Gomes de Luigi Brizzolara. Como reflexo dessas políticas
públicas, também podemos incluir o movimento da sociedade civil organizada,
através da formação da Sociedade Cultura Artística, em 1903.
Diante do exposto, é fácil compreender que a Pinacoteca do Estado de São
Paulo nasceu justamente nesse projeto de transformação cultural de São Paulo.
Inaugurada em 1905 na gestão de Bernardino de Campos, o seu acervo desde
cedo refletiu o projeto político-ideológico da “tradicionalização” do paulista. O
A Hora da Música em Uma Casa Brasileira na Belle Époque paulista
383
maior destaque da coleção era Almeida Júnior, considerado, então, o principal
nome do que se entendia por “arte nacional”. Nesse cenário, o artista marcou o
rumo que se seguiria nas futuras gerações: o dito “nacional” era de fato o elogio
regionalista. Aliás, os periódicos voltados para a divulgação da Cultura Artística
estavam sempre atentos a essa questão da política pública da Pinacoteca do
estado e seu vínculo com o ideário do discurso com tintas regionais. A maior
prova dessa política era o próprio acervo que o museu organizava, já que a
grande maioria das obras adquiridas descortinavam as múltiplas dimensões da
vida paulista.
Entre as estratégias de discurso, destaco o que considero o mais eloquente,
a oposição entre dois campos poderosos de persuasão: a tragédia, retratada na
imobilidade do homem rural, pelo caipira; e o heroico, forjada sobre a figura
destemida do bandeirante. Sobre essa plataforma se desdobrava outro discurso:
a oposição entre a tradição e o novo.
4 Tradição e modernidade na formação do discurso
iconográfico da paulistanidade
Como já afirmei anteriormente, a geração de artistas que fundou a estética
da primeira manifestação da “arte nacional”, como Almeida Júnior e Oscar
Pereira da Silva, entre outros, tinha como desafio revelar a idiossincrasia paulista, sem perder o contato com o academicismo. A premissa primordial era que
a formação desse capital cultural devia conjugar tanto os valores tradicionais
das grandes civilizações, como as características reconhecidas no estatuto da
terra e da raça na formação dos novos padrões culturais operados pelo desejo
e fantasia da sociedade liberal industrializada.
Dois elementos, além da representação das paisagens da terra, afloraram
quase que naturalmente nesse projeto, como venho sublinhando: o bandeirante
e o caipira. Justificava-se esse filtro pelo entendimento de que um era a exposição
da verve desbravadora, indômita, e o outro representava o pulsar ingênuo, puro,
do homem paulista em estado de natureza.
O bandeirante era a representação do homem de armas; era um tipo-ideal
para o projeto da ideologia progressista coeva. Por ele se fazia o paralelo com
um acervo do heroísmo arcaico, mas também com os conquistadores do Novo
384
Iconografia musical na América Latina
Mundo, como os peregrinos americanos, ou mesmo os navegadores europeus.
Era um personagem mítico, muito diferente do que foram em verdade os homens
seiscentistas que buscaram minerais e escravos gentios no sertão americano. O
bandeirante era o símbolo da raça em movimento (Figura 1).
Figura 1 – Luigi Brizzolara, Estátua de Antônio Raposo Tavares, 1922, Museu Paulista
Fonte: Museu... (2018).
Por outro lado, o caipira era um tipo-real, um espelho de uma realidade a
ser superada. Assim, no discurso progressista ele foi mitificado por forças que
se potencializavam na crítica progressista sobre as comunidades tradicionais
rurais. Nessa narrativa, o roceiro da antiga tradição colonial foi apresentado,
então, na indolência do abandono, quando não do autoabandono; o que era
mais sintomático em tempos de mudança. A tragédia representada no caipira
estava assentada numa apatia, inerente do campo, que o mergulhava em muitos
vícios, inclusive numa mística insuperável das crendices da religiosidade popular,
sincrética em sua natureza (Figura 2). Assim, corretamente descreve Fabíola
Rosa (2017, p. 28):
Este cidadão foi visto, num primeiro momento, como um ser indolente, sem
trato, vadio, ladrão, bêbado, ignorante, preguiçoso, sujo, incapaz, doente,
não-civilizado, de baixa inteligência e mais outras adjetivações negativas e
A Hora da Música em Uma Casa Brasileira na Belle Époque paulista
385
preconceituosas que o definiam assim como um tipo não adequado para os
ideais civilizados e de progresso do Brasil.
Figura 2 – Almeida Júnior, Apertando o Lombilho, 1895, óleo sobre tela, 64 x 88 cm.
Pinacoteca do Estado de São Paulo
Fonte: Apertando... (2017).
No entanto, o caipira trazia uma ambiguidade. Isso porque, bandeirante e
caipira se confundiam como criador e criatura, e que residia na contiguidade
do espaço de vida de ambos personagens. Isso porque, o caipira não encaixava
plenamente como elemento da ironia do novo homem diante da imobilidade
histórica da raça. Como habitantes abandonados por uma estrutura sociopolítica
historicamente centrada no litoral, tanto o caipira como o bandeirante tiveram
suas sagas vividas a partir do domínio de uma natureza inóspita. Se a arma do
bandeirante foi transformar sua realidade, pondo-se em movimento, a arma do
caipira era a inércia em um estado de natureza. No entanto, essa inércia que ao
“não saber nada” poderia, ao mesmo tempo, ser uma salvaguarda de um pulsar
386
Iconografia musical na América Latina
original, impedia o discurso unilateral do desprezo. E apesar dos incontáveis
vícios, o caipira tinha sobre controle, e de forma peculiar, a sobrevivência em
ambientes fundamentais para o autorreconhecimento da tradição: o campo.
Dessa forma, era difícil historicamente relegar ao caipira apenas o prejuízo de
uma raça caída. O caipira representava, também, uma energia da conquista da
terra, da raça original, que agora, na figura do bandeirante, se impunha como
modelo de personalidade empreendedora.
Em síntese, o caipira era a raça assentada no atraso que deveria ser superada
pela dinâmica do progresso. Portanto, sendo o bandeirante a raça em movimento e o caipira seu estado de inércia, de apatia, o discurso funcionaria para
a comparação entre o desbravador e o conformista; um mesmo ser envolvido
por estímulos diferentes. Logo, ao se sublinhar a figura do caipira pela iconografia orgânica, se projetava algo que, mesmo direcionado para o elogio do
cosmopolitismo, se resguardava um espaço memorial das distinções com outras
raças brasílicas, como o cortesão carioca, o sertanejo nordestino ou mesmo o
gaúcho dos pampas.
A iconografia, assim, conseguiu opor duas figuras aparentemente incongruentes para mostrar o potencial da raça: o Jeca, um anti-herói do tempo coevo,
era um farol apontado para um passado mítico onde o heroico Anhanguera
aparecia como fonte da raça. Por essa estratégia, concretizada por um acervo
oficial tanto do Museu Paulista como da Pinacoteca do estado, assim como pela
reprodução de ilustrações icônicas na literatura e nos muitos livros históricos e
didáticos sobre a paulistanidade, firmava-se sobre os novos homens de negócios
da Paulicéia a imagem mística desbravadora, mas ciente de uma terra que o
definia. Era o antigo e o novo conjugados numa iconografia que expunha uma
narrativa antropológica da raça paulista.
Para Ferretti e Capelato (1999, p. 70), havia nessa ordem discursiva uma
clara intenção que “identificava no paulista uma série de atributos que não eram
encontrados nos demais brasileiros”:
Os ‘brasileiros’ seriam caracterizados pela submissão e dependência frente ao
governo, pela falta de iniciativa, indolência e preguiça. Já os paulistas seriam
marcados pelo desenvolvido ‘espirito empreendedor’, pela iniciativa, tenacidade, energia e independência perante o governo. Disso concluía-se que o
paulista era uma ‘exceção’ no conjunto do império e o rápido crescimento da
A Hora da Música em Uma Casa Brasileira na Belle Époque paulista
387
província e sua participação no movimento republicano, devido única e exclusivamente ao espirito empreendedor de seus filhos, comprovaria tal fato.
Olhando por esse viés, o surgimento de uma iconografia que confrontava o
bandeirante e o caipira parece ter sido uma estratégia pensada para mostrar o
que o paulista era e o que poderia. Tudo mediado pelo projeto de urbanização e
desenvolvimento de uma economia capitalista voltada para o comércio exterior.
Quanto ao acervo iconográfico da paulistanidade, em si, esse foi se consubstanciando desde o último quartel do século XIX até meados da década de 1930.
Artistas como Almeida Júnior (1850-1899), Benedito Calixto de Jesus (18531927), Henrique Bernardelli (1858-1936), Oscar Pereira da Silva (1867-1939),
Monteiro França (1876-1944), entre os mais destacados, pintaram obras que
formaram o índice que projetou o discurso paulista. Trabalharam sobre temas
como a cultura caipira, a saga desbravadora do bandeirante e o cotidiano
urbano, retratando as paisagens, costumes e moradias dos paulistas. A eles se
juntavam, entre outros, fotógrafos como Militão Augusto de Azevedo (18371905) e Valério Vieira (1862-1941); os escultores Ettore Ximenes (1855-1926),
Luigi Brizzolara (1868-1937) e Nicola Rollo (1889-1970); também o cartunista
Benedito Bastos Barreto, o Belmonte (1896-1947).
Deve-se ainda marcar que a ação discursiva da paulistanidade vinha amparada pelo elogio ao academicismo. Essa era uma expressão de uma ideia de
elevação civilizacional que considerava a “cultura artística” uma condição inerente da civilidade. Por cultura artística entendia-se o desenvolvimento do gosto
dentro dos padrões canônicos clássico-românticos europeus. Assim, os salões
de concertos, os teatros de ópera, conservatórios, liceus de artes e ofícios, pinacotecas, museus, e as sociedades lítero-musicais constituíam um espaço onde a
elite da terra promovia sua visão de progresso e civilização. Aliás, a elitização da
arte era entendida como uma condição de uma “existência consciente”, como
fica explícita num artigo que defendia o canto em português intitulado “Pela
Evolução da Arte Nacional”, de José Josué Francisco Basile:
Implantam-se estabelecimentos de ensino por toda a parte. A engenharia, o
direito, a medicina, os conservatórios, as academias de belas artes, à porfia
vão fundindo aceleradamente em seus cadinhos milhares e milhares de mentes
que representarão no futuro os graus evolutivos de geração em geração. E são
388
Iconografia musical na América Latina
estes por sua vez os dirigentes de amanhã dessas mesmas atividades. (GAZETA
ARTÍSTICA, 1911b, p. 4)
No entanto, o mesmo colunista afirma que se por um lado o desenvolvimento
de uma cultura artística só poderia se concretizar na esteira das experiências
estéticas das grandes nações, acredita que fazê-la automaticamente seria uma
perigosa inocência:
É justificável que nos brasileiros, não tendo uma tradição experimental estabelecida, copiemos os modelos de outras nações mais velhas e mais experimentadas, pois impossível seria armar de chofre um trabalho razoável, pautado pelas múltiplas necessidades do momento presente e tendo a virtude de
produzir no futuro com a presteza dos antigos milagres.//As mesmas nações
já definidas por uma longa prática, vêm-se na conjuntura de remediarem quotidianamente as novas exigências acomodando-se à evolução.//Feitas, porém,
tais considerações com respeito à circunstância de não haver obra definitiva,
amesquinharmo-nos copiando cegamente como autômatos os moldes de
outras nações, sem a mínima obediência às indicações dos nossos interesses
presentes e futuros, é por demais inconsciência ou preguiça, é declarar falida a
fé nas próprias forças. (GAZETA ARTÍSTICA, 1911b, p. 4)
Havia no ar uma vontade de representar-se por matizes próprias. Assim,
nota-se em outra coluna da Gazeta Artística nº 15, de 1911. Num texto assinado
por Raul Rudge, as qualidades de paisagista de Antônio Parreiras (1860-1937)
são tratadas como um fenômeno isolado entre os nacionais. Para que isso não
fosse uma característica que se perdesse, instava por uma política pública de
imersão na realidade regional:
O remédio seria que o Estado de São Paulo, que mostra interessar-se pelo que
respeita à arte, o que já demonstrou com a fundação da Pinacoteca, e cabalmente com a manutenção de diversos moços na Europa, fizesse melhor, em vez
de afastar do contato da nossa terra os futuros artistas nacionais, importando
por sua conta e risco dois ou três mestres de gêneros que mais se avizinham às
nossas tendências. [...] Não tardaria em desenvolver-se o gosto artístico por
esses gêneros, entre os quais sobressairia fatalmente a paisagem, tornando-se
a nossa melhor pintura, por motivos numerosos e facilmente perceptíveis//E
dupla vantagem nos favoreceria: nacionalizar os nossos artistas e naturalizar,
certamente, os seus próprios mestres em contato com a radiante natureza brasileira onde a primavera é imorredoura. (GAZETA ARTÍSTICA, 1911a, p. 4)
A Hora da Música em Uma Casa Brasileira na Belle Époque paulista
389
Para o colunista, a Pinacoteca do estado tinha papel preponderante numa
política de disseminação de uma ideia de cultura artística, mas uma cultura
artística compromissada com uma pauta nacional, que era mais bem regional,
como venho frisando:
É forçoso que o Estado, por qualquer forma, proceda a uma seleção, e firme
um critério seguro para vedar a entrada de produções medíocres, que só vêm
deturpar a ideia louvável e importantíssima desse fator propaganda de arte e de
educação artística. A Pinacoteca não é, não pode ser uma simples coleção cuja
importância decorra de uma quantidade avultada de quadros que possuam:
não é também um meio de se dispensar proteção descabida a artistas sem
mérito, ou um salão onde se exibem telas oferecidas pela mediocridade. O seu
fim é muito nobre, muito justo, quiçá indispensável para a salubridade da alma
popular. É tão-somente produzir o prazer espiritual para aquele que tem apurado o gosto pela arte, e concorrer para a educação estética daqueles que ainda
não obtiveram essa grandiosa ventura. Para que se desempenhe dessa missão
é preciso o máximo cuidado, o escrúpulo de submeter à censura, as telas quer
oferecidas, quer adquiridas com gastos para o Estado. (GAZETA ARTÍSTICA,
1911c, p. 5)
Como se nota, a questão do discurso do acervo, como um lugar de memórias,
era uma questão fremente nos formadores de opinião da época. Sobre este manto
de pedagogia pela arte, o discurso regional que estava fortemente vinculado a
criar uma ideia de paulistanidade, ainda muito tênue no grosso da população.
5 A casa “brasileira”:
a iconografia musical para marca da distinção
Se até o presente momento vim sublinhando o esforço de caracterização
dos personagens míticos da paulistanidade pelos artistas da Belle Époque. No
entanto, a ação se expandia para além das entidades representativas da saga
da terra. Em paisagens e ambientes domésticos, a narrativa da raça também se
consubstanciava. Por elas, desvelava-se algo da moradia rural, como nas pinturas
de Almeida Júnior, mas também alguns costumes das casas urbanas.
Nesse sentido, a Belle Époque inaugurou, também, o gosto pela nova mídia
iconográfica, a fotografia. Por fotos nos chegaram as imagens dos salões, das
casas abastadas e, também, das casas da pequena burguesia que rapidamente
390
Iconografia musical na América Latina
se estruturavam nos moldes da cidade capitalista europeia. Apenas por fotografia pudemos hoje conhecer a Villa Kyrial, a casa icônica da Belle Époque onde
grande parte da intelectualidade artística de São Paulo se reunia em tertúlias
organizadas por Freitas Valle. Destaco, também, que foi nesse campo que surgiu
um dos primeiros momentos do modernismo paulista: as fotomontagens de
Valério Vieira; inclusive a foto icônica do movimento de renovação artística de
São Paulo, como é Os Trinta Valérios (Figura 3), de 1901, e que se molda ao redor
de uma seção musical num salão da terra.
Porém, são nas telas que se revela uma interessante representação da atividade musical no ambiente doméstico urbano. Nelas estão não só as possíveis
representações das realidades das casas, utensílios e costumes, mas também a
projeção de discursos tal qual trabalhado na formação dos personagens representativos da raça. Em outras palavras, a iconografia musical era um importante
índice de localização dos topos discursivos.
Figura 3 – Valério Vieira, Os Trinta Valérios, 1901, Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
Fonte: Vieira ([1901?]).
A Hora da Música em Uma Casa Brasileira na Belle Époque paulista
391
Primeiro há que se dizer que reproduções de telas com temas musicais não
eram raras na produção nacional da época. Há inúmeras pinturas que tratam do
tema, e por elas podemos observar a retórica que sustentava as representações
de estratos sociais, quanto ao espaço, usos e costumes. O movimento do academicismo brasileiro nesse aspecto foi generoso em gerar iconografia musical,
tanto dentro de um viés estético do romantismo como do realismo, pós 1870.
Assim, desde as obras da Missão Francesa do início do século XIX até os realistas
paulistas como Almeida Júnior e Oscar Pereira da Silva a iconografia musical
quase sempre ilustra uma questão: o instrumento como elemento de localização
numa geografia cultural e socioeconômica. Em linhas gerais, os instrumentos
musicais serviam para uma alegoria da distinção, no século XIX e início do XX.
Marcando as classes altas, da aristocrática aos grandes potentados agrícolas,
estavam os pianos, as harpas e o canto feminino. Esses instrumentos, aliás,
conjugavam-se com a representação dos salões aristocráticos no início do século
XIX e, posteriormente, nos saraus das casas da burguesia emergente, em geral.
Já para o final do século XIX, a pequena burguesia comercial urbana passou a
adotar a representação por esses antigos ícones aristocráticos, ou seja, a presença
de instrumentos de arte, acrescentando ao piano, o violoncelo e até o violino.
No outro extremo, a representação de uma sociedade de costumes arcaicos,
independente de seu lugar na pirâmide social, a iconografia se vale do uso de
instrumentos como os diversos tipos de friccionados cordofones dedilhados –
viola, violão, machete, e, principalmente, a família das rabecas. Nessa retórica,
entram, também, instrumentos de sopro como a flauta. A percussão, ou o
batuque, era o ícone para a gente miúda ou nos interstícios dos vícios impostos
pela sociedade sincrética; esses instrumentos, junto com a viola, marcavam as
representações de festas populares, e sua relação interétnica, como os folguedos
da religiosidade popular.
A tela de Augusto Bracet (1881-1960), Dom Pedro compondo o hino da Independência
(1921 – Figura 4), é referencial na representação da iconografia musical de alta
dignidade. Quase como uma regra, as cenas eram marcadas pela atenção dos
personagens sobre o pianista. O ato da escuta era concentrado demostrando
o poder da música para o envolvimento das pessoas; era a liturgia da escuta na
perspectiva romântica que se projetava século XIX adentro.
392
Iconografia musical na América Latina
Figura 4 – Augusto Bracet, Dom Pedro compondo o hino da Independência, 1922, óleo sobre tela, 190 x
250 cm. Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro
Fonte: Reprodução de fotografia de Rômulo Fialdini.
No contraponto dessa retórica, a música no ambiente privado no Brasil, por
vezes, era retratada como uma atividade mais leve, quando não indolente. Os instrumentos, nesse tipo de discurso, são tocados sem as formalidades da execução
escolar. A audição não se realiza de forma concentrada ao redor do músico, mas
sugere que ela forma parte de um ambiente onde muitas coisas acontecem, além
da música. Há uma dissociação da música com uma introspecção causada por
ela. No máximo pode haver o estímulo ao corpo – dança, por exemplo –, mas
nunca ao intelecto. Um dos principais exemplares dessa narrativa é a litografia
de Debret, de 1835, Les dèlassements d’une aprés diner (Figura 5).
As mesmas retóricas estão presentes em duas outras telas. A primeira é a de
autor anônimo de ca. 1829, Negra ao violão, padre dançando (Figura 6). A outra
de José Correia de Lima (1814-1857), Maestro Francisco Manuel ditando o Hino
Nacional, de 1850 (Figura 7).
A Hora da Música em Uma Casa Brasileira na Belle Époque paulista
393
Figura 5 – Les dèlassements d’une aprés diner, Debret, 1835 (2e Partie, Pl. 8), litografia em cores
Fonte: Debret (1835).
Figura 6 – Anônimo, Negra ao violão, padre dançando, ca. 1829, Coleção Particular
Fonte: Negra... (2008).
394
Iconografia musical na América Latina
Figura 7 – José Correia de Lima, Maestro Francisco Manuel ditando o Hino Nacional, 1850,
óleo sobre tela, 238 x 175 cm. Museu Nacional de Belas Artes
Fonte: Xexéo, Abreu e Dias (2007, p. 94).1
Comparando as quatro iconografias emerge um discurso de imediato, como
já afirmei: a dignidade dos instrumentos em relação às representações de dois
ambientes distintos. Por exemplares como as telas de Bracet e Lima, podemos
dizer que salões ou casas de gente de instrução e de distinção representam-se
na atenção meditativa sobre a música ou a presença de um instrumento como o
piano representando a dignidade do ambiente e costumes familiares. Por sua vez,
em Debret e a gravura anônima o foco está no ambiente doméstico ordinário,
1 Ver em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d9/José_Correia_de_Lima_-_
Maestro_Francisco_Manuel_ditando_o_Hino_Nacional.jpg.
A Hora da Música em Uma Casa Brasileira na Belle Époque paulista
395
não miserável, mas sem a dignidade e pompa dos homens da corte; poderia
ser a casa da pequena burguesia, ainda sem o apego ao mundo das letras e as
liturgias da cultura artística. É recorrente, também um discurso que se tornaria
canônico: o piano, a harpa e o canto seriam os instrumentos de uma prática
musical da educação elevada, da melhor sensibilidade, do intimismo grave e,
portanto, instrumentos de composições e não de dedilhados galhofeiros, como
os que se relacionariam aos cordofones da terra, como a viola, o machete, o
cavaquinho.
Quem melhor define essa perspectiva é Machado de Assis, em “O Machete”.
No conto, o escritor carioca descreve qual a diferença entre o violoncelo e a
rabeca para Inácio Ramos, um músico de altas aspirações e reverente aos grandes
mestres europeus. Machado de Assis (1997, p. 857) sublinha que para o músico
de profissão “havia no violoncelo uma poesia austera e pura, uma feição melancólica e severa que casavam com a alma de Inácio Ramos”. A rabeca era para
Inácio um instrumento que se ganha a vida, de contentação do exterior, mas
insuficiente para a sua identidade que aspirava às grandes composições; para
isso, usava o violoncelo apreendido com um “mestre alemão”.
Para acentuar essa escolha, Machado de Assim contrastou Inácio Ramos
com um anti-herói, Barbosa, o tangedor de machete. Nesse momento define o
problema do conto, o machate “era efetivamente outro gênero”, assim como
seria, em certo modo, a rabeca. Desenvolve a ideia asseverando que impossível
seria acercar-se com o machete aos grandes monumentos da inspiração musical.
Falando sobre a arte de Barbosa, a narrativa é taxativa: “O que ele tocou não
era Weber nem Mozart; era uma cantiga do tempo e da rua, obra de ocasião”.
(ASSIS, 1997, p. 857) No entanto, tais instrumentos, como o machete e a rabeca,
revelavam o gosto público formado por gente de trato simples, sem letras ou
hábitos superiores no trato da música, também perdidos nos tempos onde a
tecnicidade da sociedade capitalista não alcançava. Definido o campo cultural,
a adesão à música de Barbosa vinha até do círculo mais íntimo da casa de Inácio
Ramos: “Carlotinha [a esposa] foi a denunciadora; ela achara infinita graça
e vida naquela outra música, e não cessava de o elogiar [Barbosa] em toda a
parte”. (ASSIS, 1997, p. 857) O conto termina com a fuga de Carlotinha com
Barbosa. Resignado Inácio Ramos diz ao filho cônscio de uma força que não
havia como superar, e estava na música: “hás de aprender machete; machete é
muito melhor”. (ASSIS, 1997, p. 857)
396
Iconografia musical na América Latina
Nos projetos iluministas para a elevação social pela cultura artística da nova
burguesia da Belle Époque paulista, não cabia a resignação de Inácio Ramos.
Jornais e revista de vulgarização dos “bons costumes” sublinhavam quais as
práticas musicais condizentes com a condição moderna de civilidade, principalmente, em relação à condição feminina.
Em uma coluna publicada na Revista Commercial de Santos, em 28 de outubro
de 1858, assinada pelo jornalista e escritor português José Feliciano de Castilho
Barreto e Noronha2 (1810-1879), ou Felício de Noronha, fica explícito o lugar
comum na relação do aprendizado do instrumento com os dotes desejados
para o decoro da mulher:
Há muito que os malcriados dizem que as senhoras tem todas grande propensão para a música, especialmente para a rabeca, instrumento que ninguém
afina com tamanha perfeição; eu cá não vou para aí e dou a palma ao feio sexo
[...] Eu zango com a atitude de uma mulher, a serrar com o arco da rabeca,
como uma endiabrada; atitude elegante só a da harpa e lyra [sic], mas Deus
me livre de ver mulher minha a tocar rabeca, flauta, corne, serpentão, berimbáo
[sic] ou zabumba. (REVISTA COMMERCIAL, 1858, p. 4)
A partir de meados do século XIX, nos grandes centros urbanos do Centro-Sul
brasileiro, os cordofones dedilhados, especialmente o violão e a viola, foram
sendo relegados a instrumento de menor dignidade na exposição dos dotes
públicos da mulher, principalmente. Aliás, já é canônico na nossa historiografia
que o violão mudou de endereço, dos salões aristocráticos ibero-americanos
do século XVIII para as casas de portas abertas para a rua, ou mesmo o morro,
onde a população pobre habitava. O violão tornou-se o instrumento de uma
figura emblemática do Brasil: o malandro.
No entanto, na prática, não ocorreu uma devassa do instrumento, como deixa
explícito o próprio conto de Machado de Assis. A tradição colonial fazia desses
instrumentos uma pertença estimada nas práticas musicais domésticas, principalmente longe dos palacetes dos capitalistas e comerciantes emergentes das
principais cidades brasileiras. São inúmeros os relatos de viajantes que apontam
nas casas reuniões onde o violão ou viola era o instrumento central, principalmente na primeira metade do século XIX. Isso pode-se deduzir, por exemplo,
2 José Feliciano radicou-se no Rio de Janeiro, em 1846. Entre muitas atividades literárias, colaborava com a Revista do Conservatório Real de Lisboa.
A Hora da Música em Uma Casa Brasileira na Belle Époque paulista
397
dos relatos de Johann Baptist Von Spix e Carl Friedrich Philipp Von Martius, em
1817. Especificamente sobre o Rio de Janeiro, os dois naturalistas bávaros não
deixaram dúvidas sobre o gosto dos luso-brasileiros pelos cordofones dedilhados:
“O violão, tanto como no sul da Europa, é o instrumento favorito; o piano é
um dos móveis mais raros e só se encontra na casa dos abastados. As canções
populares, cantadas com o acompanhamento do violão, são parte originárias
de Portugal, parte inspiradas pela melodia indígena”. (SPIX; MARTIUS, 1981,
v. 1, p. 57) E, apesar de ser curiosa a afirmação sobre a influência melódica
indígena, os seus relatos coloriam um estado de coisas confirmado por tantas
outras fontes. Os cordofones dedilhados eram presença segura nos saraus e nos
divertimentos diuturnos de muitas casas brasileiras.
Além da costumeira crítica ao atraso dos costumes, tal condição da prática
musical aparece, também, na narrativa sobre a cidade de São Paulo: “O fato de
ser a música, igualmente, ainda caótica, e à busca de seus elementos primitivos,
não nos estranhava; pois, além do violão predileto para o acompanhamento
do canto, nenhum outro instrumento é estudado. Quanto ao próprio canto, o
gosto do paulista já é mais desenvolvido”. (SPIX; MARTIUS, 1981, v. 1, p. 141)
John Luccock (1975, p. 84) foi outro que, em datas iniciais do século XIX,
confirmava que a seresta ao violão era uma constante no Brasil, e se intensificava
mais quanto mais rural fosse o lugar das cidades:
Fora das cidades, especialmente se a lua estiver cheia, o entardecer encontra
os convidados remanecentes em plena alegria de espírito; o sono já dissipou
os vapores do alcool, se é que dele se abusou, a roda aumentou com a concorrência dos vizinhos e as guitarras soam, pois que todos sabem tocar; as
canções se sucedem, geralmente em tons macios e plangentes, e a dança não
fica esquecida.
O mesmo tipo de narrativa encontra-se em John Mawe, Auguste de SaintHilaire, Daniel Kidder, Johann Moritz Rugendas, para citar os viajantes mais
conhecidos. Porém, avançando para segunda metade do século, as narrativas
sobre essa prática musical rareiam e, por vezes, aparecem mais nos romances
do que nas cartas ou relatos de viajantes, como sucede com Machado de Assis,
em “O Machete”, ou mesmo em Aluísio Azevedo (1857-1913), em O Mulato.
Por outro lado, a segunda metade do século foi generosa em mostrar como
o piano tornou-se um índice da dignidade familiar. Na medida em que o tempo
398
Iconografia musical na América Latina
avançava, desenvolvia-se a “pianolatria” a tal ponto de que não havia conto
que falasse da casa brasileira nos centros urbanos que não contivesse cenas ao
redor do piano, mesmo quando fosse para demonstrar o conflito entre o gosto
ordinário e a demonstração das novas luzes, como ilustra Machado de Assis
(1977, p. 115): “a visita dos dois homens (que a namoravam de pouco) durou
cerca de uma hora. Maria Regina conversou alegremente com eles, e tocou ao
piano uma peça clássica, uma sonata, que fez a avó cochilar um pouco”.
Em síntese, diversos tipos de narrativas nos falam sobre como a prática
musical marcava a distinção da posição cultural, e geográfica, das famílias. Os
cordofones, na medida que avançava o século XIX, caracterizava-se numa prática
que não mais condizia com os ambientes urbanos, a não ser na gente miúda sem
pretensão a uma elevação social nos novos moldes cosmopolitanos. O violão,
a viola, o machete ou o cavaquinho era um domínio das práticas rurais ou do
entretenimento com as “canções da rua”. Já o piano se projeta dos hábitos
cortesões para dentro das casas de uma burguesia que tinha na metonímia da
presença dos salões europeus a sua pretensão de distinção. O piano tornou-se,
assim, o símbolo da transição dos antigos costumes do Brasil colonial para
uma sociedade que aspirava participar de um modelo civilizacional baseado no
liberalismo econômico. Ter um piano em casa, mais do que habilitar-se à prática
elegante dos saraus, era ter um ícone do bom gosto e da cultura artística que
pedia a época. Mesmo que fosse para tocar música ligeira e para bailar com os
galopes da terra.
6 O tradicional e o moderno em duas telas da Belle Époque
Todo o discorrido pode ser ilustrado por duas telas de Oscar Pereira da Silva:
Uma Casa Brasileira (Figura 8) e Hora da Música (Figura 9).
Ambas telas têm na iconografia musical seu centro de discurso. Isso é inegável.
No entanto, o que é difícil tratar é que elas trazem um interessante problema: a
questão do tempo de representação. Desde um primeiro momento se questiona
se são telas que representam o tempo vivido. Isso porque em Uma casa brasileira,
o artista apresenta um ambiente doméstico que mais bem seria verossímil para
o começo do século XIX. O violão como centro da cena, promovendo a atenção
A Hora da Música em Uma Casa Brasileira na Belle Époque paulista
399
dos que estão ao seu redor, inclusive uma moça sentada em uma rede, não seria
plausível para o discurso da Belle Époque paulista.
Figura 8 – Oscar Pereira da Silva, Uma Casa Brasileira, óleo sobre tela, 40 x 59 cm.
Coleção Particular
Fonte: Wikimedia.org (2018).
Figura 9 – Oscar Pereira da Silva, Hora da Música, 1901, o.s.t., 65 x 50 cm.
Pinacoteca do Estado de São Paulo
Fonte: Google Arts & Culture (2018).
400
Iconografia musical na América Latina
Diante disso, poderíamos levantar várias questões: seria Uma casa brasileira
um discurso retórico que recorreria a modelos canônicos de representação das
casas abastadas ainda numa perspectiva colonial, como aparece em telas de
Rugendas ou Debret? Ou seria coeva para um mundo rural, distantes dos novos
costumes e utensílios dos brasileiros imersos na nova ordem sociocultural?
Primeira questão é o ambiente. Oscar Pereira, em Uma Casa Brasileira (Figura 8),
parece nos remeter mais a uma moradia rural, uma casa de fazenda. As grandes
portas internas e externas eram típicas das sedes de fazendas, na arquitetura
imperial dos grandes latifúndios. Outrossim, desenha a cena a partir de hábitos
e utensílios antigos da sala de visitas, como redes, esteiras e móveis sem encosto,
onde as mulheres se sentavam com pernas cruzadas à mourisca. Os ornamentos
também são indícios de casa rural tradicional. O quadro com uma imagem de
santa e um outro, provavelmente uma foto que sustenta uma palma presa à
parede – ainda hoje se vê no interior ramos de flores postos em quadros com
imagens de santos –, nos sugere um tipo de catolicismo rústico que as moradias
urbanas da Belle Époque descartavam. Na cultura moderna urbana, os símbolos
da religiosidade popular foram gradativamente sendo substituídos por quadros
de paisagens, natureza morta ou retratos pintados dos membros da família,
como vemos na outra tela de Oscar Pereira da Silva, Hora da Música.
A cena musical de Uma Casa Brasileira também está mais próxima das narrativas do mundo rural e rural dos tempos do primeiro império. Além do violão,
já um índice da prática mais antiga e/ou rural, parece que o outro personagem
sentado canta de forma espontânea, como se cantava qualquer canção popular,
como os lundus ou modinhas imperiais. Soma-se a isso, o personagem em pé.
O desenho deixa em aberto se esse personagem, de bengala e chapéu inglês,
está no galanteio para uma dança, ou se soma à roda num cumprimento de
quem chega. Aliás, os trajes não são mais condizentes com o homem de negócio
urbano da virada do século XX.
Toda essa disposição constrói uma ambiguidade. Primeiro, porque a cena
realmente nos remete a um mundo desconhecido da Belle Époque paulistana,
onde trabalhava Oscar Pereira. A cena, aliás, se assemelha muito ao que narra o
Príncipe Maxialiano sobre sua visita a uma fazenda baiana, em 1817: “À noite,
encontrei na fazenda de Areias várias famílias reunidas, e especialmente os moços
das redondezas. Como era domingo, todos procuravam divertir-se cantando
A Hora da Música em Uma Casa Brasileira na Belle Époque paulista
401
com acompanhamento de viola e fazendo toda a sorte de brincadeiras”. (WIED
NEUWIED, 1940, p. 438)
No entanto, tudo remeteria a uma representação do passado se não fosse
por um detalhe, ou melhor, dois. Primeiro, os trajes femininos que em nada se
assemelham a tempos ancestrais. Segundo, o que está paralelo à cena musical:
duas moças, brancas, uma no cuidado da criança e outra servindo o refresco.
Nada impedia o artista remeter ao verossímil da criadagem negra no trato dos
serviços da sala de visita, principalmente, as duas ações pintadas. Assim, parece
que tal deslocamento, no sentido da verossimilhança, está sobre um paralelismo
cultural ainda existente em seu tempo: os hábitos e moradas da sociedade rural.
De qualquer forma, tudo fica ambíguo, pois a tela chama-se genericamente de
“uma” casa.
Tal interpretação se potencializa se compararmos a cena de Uma Casa Brasileira
à Hora da Música (Figura 9). Nessa obra, ao contrário da anterior, estão todos
os índices da cultura artística desejada pela sociedade urbana da Belle Époque.
Primeiro, a própria questão da música. Se em Uma casa brasileira, a prática é
feita na memória, aprendida na tradição oral, na tela de 1901 não só há uma
partitura aberta que demonstra a reverência ao florilégio musical, como a postura das musicistas indica uma educação escolar. Nesse caso, a corporalidade
revela a distinção.
Além dos personagens músicos, outro ponto de comparação é de quem
escuta. Apesar da representação corporal da ouvinte se assemelhar da pintada em
Uma casa brasileira, a mulher que ouve segura um livro que indica o domínio das
letras, o que era uma nova condição da moça na sociedade moderna. Ademais,
tanto em uma tela, como na outra, a mulher que escuta segura a cabeça e descansa outro braço no colo, como se estivesse muito envolvida na música. É sem
sombra de dúvidas a postura da escuta romântica em que a música é uma via
de um intimismo profundo. Em Uma Casa Brasileira, esse intimismo da ouvinte
feminina é quebrado, no entanto, pelo movimento do homem em frente à cena
musical, o que deixa ambíguo o discurso da atenção.
Por fim, ao contrário da tela Uma Casa Brasileira, em Hora da Música toda a
mobília e adornos remete à casa urbana coeva. Inclusive os quadros, com temas
que sugerem o alinhamento com o academicismo romântico, e um biombo, que
muito remete ao gosto por utensílios assimilados de culturas não europeias – era,
por que não, o reflexo romântico pelos exotismos que a ópera tão bem soube
402
Iconografia musical na América Latina
explorar e cristalizar na formação da crítica pública e suas formas de representação, como no design dos interiores domésticos vistos pelo biombo.
7 Conclusão
O primeiro aspecto a ser concluído é sobre o esforço iconográfico feito por
uma elite paulista no processo de transição para uma sociedade urbana, liberal,
letrada e imersa nos cânones da cultura artística europeia. Nesse processo, a
intervenção estatal jogou um importante papel fundando instituições como
a Pinacoteca do estado e, sobretudo, reunindo um acervo que continha uma
narrativa das grandezas da raça, mesmo quando por discursos aparentemente
contraditórios ou ambíguos.
Tratei de discutir que esse discurso não só estava na apresentação dos
pilares do homem, mas na representação da moradia, e seus usos e costumes
cotidianos. Nesse processo, coube a arte uma espécie de pedagogia iconográfica, onde os artistas foram instados por políticas públicas a desenvolver uma
pintura de verossimilhança, reproduzindo utensílios, vestimentas e práticas,
como a música. O faziam, primeiro, amparados numa retórica assimilada do
academicismo novecentista. Segundo, usando a estratégia da oposição: o caipira
versus o bandeirante; o violão na oposição com o piano; o canto lírico marcando
a canção popular.
Nessa perspectiva do discurso, enquanto a Hora da Música é uma tela absolutamente sincronizada com a época, Uma casa brasileira abre fendas sobre a
representação do tempo que só podem ser resolvidas por pequenos detalhes,
como a ação e representação das mulheres na sala de visitas.
Assim, comparando as duas telas de Oscar Pereira da Silva, há suficientes
evidências para discutirmos que nesse processo buscava-se, também, harmonizar o tradicional e o moderno para dar a Belle Époque não só um sentido de
progresso, mas de um progresso que assimilava suas raízes.
Enfim, considerando a mesma autoria das duas telas, e sobrepondo um histórico onde um mesmo artista se dedicava a pintar o rústico e o moderno, as duas
obras de Oscar Pereira da Silva revelam mais do que estava retratado. Revelam,
sobretudo, o entreato de realidades que deveria ser exposto para a superação
definitiva de um passado que não poderia ter uma solução de continuidade no
A Hora da Música em Uma Casa Brasileira na Belle Époque paulista
403
processo de atualização social da nova sociedade urbana, e capitalista. Enfim,
um discurso Iluminista que, ao mesmo tempo em que aproximava mundos e
tempos paralelos criando pilares de sustentação no passado, o apresentava como
uma realidade inconciliável, por vezes. Era, sobretudo, narrativas para uma pedagogia, através da iconografia alinha aos princípios da cultura artística. As cenas
musicais, nesse sentido, ganhavam o mesmo discurso usado na constituição da
gênese da raça. Opunham o tradicional e o moderno, como o bandeirante e
o caipira, mas ao mesmo tempo projetavam ambos no novo homem paulista:
branco, empreendedor e imerso nos modelos da cultura artística europeia. Aliás,
esse era o novo impulso colonizador, representando a modernidade através de
valores, como a sociedade industrial, que já se impunha em São Paulo pelas
mãos de muitos estrangeiros ou estrangeirados.
Por fim, resta dizer que alguns anos mais tarde, a leitura de estrangeirismo
imposto vai impulsionar toda uma geração de intelectuais paulistas a um movimento de nacionalização estética política que teve seu marco fundamental na
Semana de Arte Moderna de São Paulo, ocorrida em fevereiro de 1922.
Referências
APERTANDO o Lombilho. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura
Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: http://enciclopedia.
itaucultural.org.br/obra933/apertando-o-lombilho. Acesso em: 27 ago. 2018.
INEP. Mapa do Analfabetismo no Brasil. Brasília, DF: INEP, [2001
Disponível em: http://inep.gov.br/documents/186968/485745/
Mapa+do+analfabetismo+no+Brasil/a53ac9ee-c0c0-4727-b216035c65c45e1b?version=1.3. Acesso em: 15 jan. 2017.
ASSIS, Machado de. Obras completas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. v. 2.
ASSIS, Machado de. Várias Histórias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
DEBRET, Jean Baptiste. La diner / Les delassemens d´une aprés diner. Paris:
Firmin Didot Frères, 1835. 50,4 x 33,4 cm. Disponível em: http://www.
brasilianaiconografica.art.br/obras/18735/la-diner-les-delassemens-dune-apresdiner. Acesso em: 27 ago. 2018.
404
Iconografia musical na América Latina
FERRETTI, Danilo José Zioni; CAPELATO, Maria Helena Rolim. João Ramalho
e as Origens da Nação: os paulistas na comemoração do IV centenário da
descoberta do Brasil. Tempo: revista do Departamento de História da UFF, Rio de
Janeiro, v. 4, n. 8, p. 67-87, 1999.
GAZETA ARTÍSTICA: revista de literatura, música e bella-artes. São Paulo, [s. n.],
ano II, 1911.
GAZETA ARTÍSTICA. São Paulo: [s. n.], n. 15, p. 4, 1911a.
GAZETA ARTÍSTICA. São Paulo: [s. n.], n. 16, p. 4, 1911b.
GAZETA ARTÍSTICA. São Paulo: [s. n.], n. 14, p. 5, 1911c,
GOOGLE ARTS & CULTURE. Disponível em: https://artsandculture.google.com/
asset/hora-da-música/MwHanh464gCTRA?hl=pt-BR. Acesso em: 27 ago. 2018.
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes Meridionais do Brasil (18081818). São Paulo: Edusp; Belo Horizonte: Itatiaia, 1975.
MACHADO NETO, Diósnio. As imagens do músico caipira: ideias topificadas
e tropificadas na consubstanciação de uma referência cultural paulista. In:
CONGRESSO BRASILEIRO DE ICONOGRAFIA MUSICAL, 3., 2015, Salvador.
Anais [...]. Salvador: RIdIM-Brasil; UFBA, 2015. p. 149-162.
MUSEU do Ipiranga. In: WIKIMEDIA Commons. [S. l.], 2018. Disponível em:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Museu_do_Ipiranga_2018_043.jpg.
Acesso em: 27 ago. 2018.
NEGRA ao violão, padre dançando. In: WIKIMEDIA Commons. [S. l.], 2008.
Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Negra_ao_violão,_
padre_dançando.jpg? uselang=pt-br-filelinks. Acesso em: 27 ago. 2018.
REVISTA COMMERCIAL. Santos: [s. n.], ano 9, 1858.
ROSA, Fabíola. Recantando muitos cantos: a música caipira como espaço de
articulação de encontros. 2017. Dissertação (Mestrado em Musicologia) – Escola
de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.
SPIX, Johann Baptist von MARTIUS, Karl Friedrich Philipp von. Viagem pelo Brasil,
1817-1820. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EdUSP, 1981. v. 1.
VIEIRA, Valério. Os trinta Valérios. [S. l.: s. n.], [1901?]. 22 x 28,7 cm em cartão 31
x 37,5. Disponível em: http://acervo.bndigital.bn.br/sophia/index.asp?codigo_
sophia=443. Acesso em: 27 ago. 2018.
A Hora da Música em Uma Casa Brasileira na Belle Époque paulista
405
WIED NEUWIED, Maximiliano. Viagem ao Brasil (1815-1817). São Paulo: Editora
Nacional, 1940.
WIKIMEDIA.ORG. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/
commons/5/5e/Oscar_Pereira_da_Silva_-_Uma_Casa_Brasileira.jpg. Acesso em:
27 ago. de 2018.
XEXÉO, Pedro Martins Caldas; ABREU, Laura Maria Neves de; DIAS, Mariza
Guimarâes. Missão artística francesa: coleção Museu Nacional de Belas Artes. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 2007.
406
Iconografia musical na América Latina
O Sicim
Uma aplicação tecnológica para uma
melhor classificação organológica1
Pedro Ivo Araújo
1 Preâmbulo
A identificação, descrição e análise organológica realizada a
partir de fontes visuais relativas à cultura musical pode não
ser uma tarefa simples. Seu resultado depende não somente
do entendimento do sistema de classificação organológica
utilizado, mas também do estudo do instrumento enquanto
elemento inserido em um contexto sociocultural e histórico,
incluindo a qualidade da representação e a discriminação entre
o real e o alegórico. Nesse entendimento, visando diminuir as
eventuais inconsistências e falhas na classificação de instrumentos musicais representados numa fonte visual, também
1
Versão revista e ampliada do texto apresentado durante o 4º Congresso
Brasileiro de Iconografia Musical e 2º Congresso Brasileiro de Pesquisa e
Sistemas de Informação em Música, realizado em Salvador, Bahia, e merecedor do 1º lugar no Prêmio Mercedes Reis Pequeno 2017, outorgado
pelo capítulo brasileiro da International Association of Music Libraries,
Archives and Documentation Centres (IAML-Brasil).
407
aplicável a instrumentos reais, apresentaremos, neste capítulo, o Sistema de
Classificação de Instrumentos Musicais (Sicim).
O Sicim foi desenvolvido a partir de uma revisão exaustiva da bibliografia
relativa ao sistema de classificação, proposto por Hornbostel e Sachs (H-S) em
1914, incluindo, além das diversas traduções dele apresentadas por autores
como Baines e Wachsmann (1961); Bermudez (1985); Llimona (2012); Equipe
da Universidad Complutense de Madrid (UCM) (2012) e Rocha (2012), as
críticas, ampliações e desenvolvimentos produzidos por Kartomi (1990), Juan i
Nebot (1998), Pinto (2001), o projeto MIMO (2011) e Arce e Gili (2013). Assim,
foram detectados problemas em diversos níveis. Dentre eles, destacamos os
lexicográficos e terminológicos, fundamentalmente por não se dispor, até agora,
de nenhuma tradução ao português brasileiro que fosse adequada e completa
do sistema de classificação H-S.
Por sua vez, a tradução parcialmente apresentada aqui – e disponível no
Sicim – tenciona resolver tanto a falta de consistência observada no relativo à
descrição dos diversos níveis de classificação organológica, previstos na estrutura
geral multinível do sistema H-S, quanto a clareza na formulação das referidas
descrições, facilitando assim o seu uso.
Inicialmente desenhado para ser utilizado no conjunto de ferramentas da
base de dados do Repertório Internacional de Iconografia Musical no Brasil
(RIdIM-Brasil), a utilização do Sicim fora da mesma está sendo elaborada.
Destarte, apresentaremos, neste capítulo, as características e funcionamento
do Sicim enquanto ferramenta tecnológica no auxílio de uma melhor e mais
completa classificação organológica, dos instrumentos musicais, quer no Brasil,
na América Latina ou no mundo.
2 Classificação de instrumentos musicais
Um dos objetivos da organologia, no âmbito musicológico, é organizar os
instrumentos musicais em sistemas de classificação. Essa sistematização pode se
dar de diversas formas, seja a partir da análise da produção sonora, do tipo de
material vibrante, da morfologia do objeto ou da origem – incluindo, período e
cultura. (DOURNON, 1996, p. 17; HOOVER, 1996, p. 4; MYERS, 1989, p. 17;
PINTO, 2001, p. 265; PIRES FILHO, 2009, p. 11)
408
Iconografia musical na América Latina
O primeiro sistema de classificação de que se tem conhecimento foi desenvolvido pelos chineses aproximadamente no século VIII a.C. Eles vinculavam a
matéria prima utilizada na confecção de instrumentos a estações climáticas,
ventos, produção agrícola, bem-estar humano, riqueza e poder político, a partir
de um pensamento cosmológico e ritualístico. Na música chinesa, o material que
constitui o objeto e o seu som são como corpo e alma, ou seja, manifestações
do mesmo fenômeno, sendo considerado mais do que um meio de produção
sonora. Assim, os chineses distinguiam os instrumentos musicais em oito categorias (Figura 1), conforme o tipo de material2: a seda das cordas; o couro dos
tambores; o metal dos sinos; a madeira das matracas e dos bastões friccionados;
a pedra dos litofones; o bambu das flautas tubulares; a argila (barro) das flautas
globulares e a cabaçã da caixa de ressonância do órgão de boca. (ARCE; GILI,
2013, p. 44; HORNBOSTEL; SACHS, 1914, p. 554; KARTOMI, 1990, p. 37;
PINTO, 2001, p. 267; SACHS, 2006, p. 164)
Figura 1 – Relação das estações e pontos cardinais com os instrumentos
Fonte: Kartomi (1990, p. 39).
2
Kartomi (1990, p. 37) ressalta que a princípio os instrumentos chineses eram classificados em
quatro categorias. Entretanto, as fontes não são precisas quanto à divisão, categorizando vezes
como instrumentos de metal, couro (pele), bambu e pedra, e outras vezes como instrumentos de
metal, pedra, seda e bambu. De acordo com Pinto (2001, p. 267), a divisão foi “concebida para
um instrumentário bem-definido, o número finito de instrumentos musicais da cultura chinesa”.
O Sicim
409
De acordo com Arce e Gili (2013, p. 44), as primeiras classificações europeias só vieram a partir do século XVI com Martin Agrícola (Musica instrumentalis
deudsch, 1529), Pierre Trichet (Traité des instruments de musique, ca. 1640) e padre
Marin Mersenne (Traité de l’hamonie universelle, 1627). Esses autores organizavam
os instrumentos musicais em quatro grupos: corda, sopro, percussão e outros.
Na época, os conjuntos orquestrais europeus utilizavam essencialmente os instrumentos de cordas e sopros, sendo a percussão pouco importante e os outros
considerados como inclassificáveis. Ainda, ela é incoerente por não ter um único
critério de subdivisão. A divisão das cordas e sopros era feita segundo os componentes que entram em vibração para produzir o som; no caso da percussão, a
divisão se dava de acordo com a técnica e a categoria; os instrumentos que não
se enquadravam nas categorias anteriores eram incluídos na categoria “outros”.
A subdivisão dessas categorias era feita de acordo com o tipo de material de
que os instrumentos foram construídos, o que funcionava na categoria dos
instrumentos de sopro de madeira ou de bronze.
Em 1880, Victor Mahillon idealizou um esquema de classificação que distinguia os instrumentos de acordo com o elemento que entra em vibração para
produzir o som. Esse novo método buscava unificar os critérios para a divisão,
utilizando como referência a palavra grega “fono” para obter uma maior precisão
na nomenclatura. (ARCE; GILI, 2013, p. 44-45) Mahillon (1880, p. 3), portanto,
dividiu seu esquema em quatro classes (Quadro 1): a primeira, cujo som é produzido pela elasticidade dos próprios corpos, são os instrumentos autófonos; a
segunda, cujo som é produzido pela vibração de membranas tensionadas, são
os instrumentos de membrana (membranofones); a terceira são os instrumentos
de sopro (aerofones), cujo som é produzido pelo movimento vibratório do ar
contido no instrumento; e, por fim, a quarta classe, os instrumentos de cordas
(cordofones), cujo som é produzido pela vibração de uma ou mais cordas. Já
as subdivisões se davam de acordo com a maneira que o intérprete colocava a
matéria do instrumento para vibrar. Dessa forma, Mahillon (1880) considerava
que iria obter uma maior consistência na classificação dos instrumentos.
410
Iconografia musical na América Latina
Quadro 1 – Sistema de classificação de Mahillon
CLASSE
DESCRIÇÃO
Autófonos
instrumentos cujo som é produzido pela elasticidade dos
próprios corpos
Membranofones (de
membrana)
instrumentos cujo som é produzido pela vibração de
membranas tensionadas
Aerofones (de sopro)
instrumentos cujo som é produzido pelo movimento vibratório
do ar contido nele
Cordofones (de corda)
instrumentos cujo som é produzido pela vibração de uma ou
mais cordas
Fonte: adaptação de Mahillon (1880, p. 3).
Conforme Hornbostel e Sachs (1914, p. 553), a classificação dos instrumentos
musicias é uma metodologia extremamente importante tanto para a descrição
dos itens de uma coleção, quanto para o estudo investigativo dos instrumentos
musiciais.
3 O sistema Hornbostel-Sachs de classificação
No ano de 1914, Erich von Hornbostel e Curt Sachs reuniram o conhecimento
organológico que se tinha na época e, fundamentando-se nos princípios da teoria
evolutiva biológica e da filogenia,3 desenvolveram um sistema de classificação
de instrumentos musicais, cuja hierarquia foi estruturada com base no sistema
decimal de Dewey, possibilitando o acúmulo de subdivisões de classificação e
eliminando barreiras linguísticas, pois símbolos não verbais podem ser utilizados
como linguagem universal. O sistema H-S baseou-se também no esquema idealizado por Mahillon, mencionado anteriormente. Hornbostel e Sachs adaptaram
o princípio da classificação de Mahillon por ele já permitir incorporar novas
classes instrumentais. No entanto, alteraram o prefixo “auto” dos autófonos
para “idio”, buscando evitar confusões entre instrumentos que soam por si
mesmo e os automáticos ou automatizados. Assim, as quatro classes ficaram
da seguinte forma: Idiofone; Membranofone; Cordofone; e Aerofone. (ARCE;
GILI, 2013, p. 45-51; BRANDÃO; SANTOS; GUEDES, 2014; KARTOMI, 1990,
3
A história evolutiva de um grupo, incluindo as relações de parentesco entre suas espécies ancestrais em vários níveis e as espécies descendentes. (AMORIM, 2002, p. 148)
O Sicim
411
pp. 167-174; LIBIN, 2001, p. 657; MANN, 2007, p. 119; PIRES FILHO, 2009,
p. 18, 142) Posteriormente, com o desenvolvimento dos sistemas de classificação,
surgiu uma quinta classe: os eletrofones.4
Hornbostel e Sachs (1914, p. 557-558) estabeleceram que o princípio da
divisão das classes em subclasses deveria se dar conforme a natureza e uso do
instrumento (Figura 2). Entretanto, pela ampla extensão de subdivisões e pela
necessidade de permitir sempre adicionar novas, aumentando ainda mais essa
extensão, os autores propositalmente não dividiram os diferentes grupos principais de acordo com um princípio uniforme, deixando o princípio de divisão
conforme a natureza do grupo em questão, de modo que as classificações de
uma determinada posição dentro de um grupo nem sempre correspondessem
com as de outro grupo.
Figura 2 – Exemplo da estrutura de classificação dos idiofones
Fonte: Kartomi (1990, p. 170).
Atualmente, o sistema H-S ainda é considerado o mais indicado e utilizado
como ferramenta metodológica, em nível mundial. Ele permite entender um
4
412
De acordo com Kartomi (2001, p. 285), a categoria eletrofone foi incluída em 1937 por Francis
Galpin e, posteriormente, por Curt Sachs (1940), Heinz Drager (1948) e a equipe formada
por Michael Bakan, Wanda Bryant, Guangming Li, David Martinelli e Kathryn Vaughn (1990).
Por sua vez, Ballesté (2012, p. 10) acrescenta também que o grupo de trabalho do Musical
Instruments Museums Online (2012), liderado por Margaret Birley (The Horniman Museum,
Londres) e tendo contribuições de Arnold Myers (Universidade de Edinburgh) e Saskia Willaert
(Musical Instruments Museum, de Brussels), propôs mudanças nas quatro categorias do sistema
H-S e a inclusão da classe de Eletrofones, englobando nela a guitarra elétrica, sintetizadores e
outros instrumentos eletrônicos.
Iconografia musical na América Latina
instrumento musical como parte de um sistema de modelos acústicos aplicados
em diferentes épocas e locais para obter resultados sonoros semelhantes. Assim,
possibilita uma melhor compreensão da descrição da especificidade acústica de
cada tipo organológico. O sistema permite também utilizar os conceitos de grupo,
família ou parentesco organológico, definindo, de acordo com determinados
parâmetros, as tendências estético-sonoras de uma área cultural, ajudando a
identificar casos de convergências, mestiçagem, difusão, evolução, parentesco,
divergência e ausências. Ainda, o sistema permite a inclusão de novas classes e
subclasses, resultando bastante abstrato e geral para a variedade de instrumentos
que aparecem representados nas fontes iconográficas ocidentais. Também,
aborda os instrumentos musicais segundo padrões internacionais que existem
para a documentação de bens patrimoniais. Por último, porém não menos
importante, a forma como o sistema foi idealizado possibilita sua sistematização
em meios digitais. Sabe-se que no mundo atual a evolução tecnológica vem
mudando nossos paradigmas assim como a forma como vivemos e como lidamos
com as coisas, muitas vezes, de maneira positiva. Assim, transformar um sistema
complexo como o H-S numa aplicação tecnológica facilitaria sua utilização,
diminuiria falhas e possibilitaria novas pesquisas no âmbito da organologia.
4 Traduções e adaptações do sistema H-S
Na comparação dos trabalhos realizados por autores, instituições e projetos (Quadro 2), foi possível detectar problemas em diversos níveis. Dentre
eles, destacamos os lexicográficos e terminológicos, fundamentalmente porque
não se dispunha, até agora, de nenhuma tradução ao português brasileiro que
fosse adequada ao Sistema Hornbostel-Sachs (H-S) e completa em relação a
ele (incluindo todos os desenvolvimentos posteriores). Dos trabalhos listados,
só há três traduções em português: o de Pinto (2001) traduzido ao português
brasileiro; Rocha (2012) traduzido ao português de Portugal; e Monteiro (2013),
também traduzido ao português brasileiro. O trabalho de Pinto e o de Monteiro,
embora brasileiros, são resumidos – e, portanto, incompletos – e não acompanham o desenvolvimento de trabalhos feitos internacionalmente até o período.
Por sua vez, Rocha também não acompanha a ampliação do sistema H-S por
O Sicim
413
outros autores, além de trazer, ao usuário brasileiro, problemas lexicográficos
por ser realizado em português de Portugal.
Quadro 2 – Lista de trabalhos realizados por autores, instituições e projetos
ANO
AUTORES
IDIOMAS
1961
Baines & Wachsmann
Inglês
1985
Bermudez
Espanhol
1990
Kartomi
Inglês
1998
Juan i Nebot
Espanhol
2001
Oliveira Pinto
Português (Brasil)
2008
Montagu
Inglês
2011
Projeto MIMO
Inglês
2012
Llimona
Espanhol
2012
Equipe UCM
Espanhol
2012
Rocha
Português (Portugal)
2013
Arce & Gili
Espanhol
2013
Monteiro
Português (Brasil)
Fonte: Araújo e Sotuyo Blanco (2017, p. 538).
É importante destacar aqui o trabalho de revisão bibliográfica fez parte da tese
de doutorado e o quadro que auxiliou a análise comparativa das descrições organológicas pode ser encontrado nos apêndices da tese. (ARAÚJO, 2018, p. 179)
5 Problemas lexicográficos e terminológicos
Conforme Duckles e demais autores (2001, p. 499), a lexicografia e a terminologia, enquanto disciplinas no campo Musicológico, têm como objetivo
condensar, organizar – normalmente em ordem alfabética – e esclarecer os
termos utilizados na música. Coover (2001, p. 306) acrescenta que essas disciplinas tentam suprir a “necessidade cotidiana das pessoas de compreender as
ideias, palavras, fatos e coisas”. Para Duckles e demais autores (2001, p. 500),
os problemas oriundos do campo da lexicografia e terminologia são precisão,
conteúdo, equilíbrio e parcialidade. As traduções e transliterações também
causam grandes discordâncias no conteúdo, podendo ter como soluções a utilização de palavras-chave multilíngues e abreviaturas padronizadas, juntamente
414
Iconografia musical na América Latina
com documentação mais precisa de fontes. A guisa de exemplos dos possíveis
problemas detectáveis na lexicografia e terminologia, fundamentalmente devidos
à tradução e usos locais, vejamos as Figuras 3 e 4.
Figura 3 – A pintura de Baburen e a harpa de boca
Fonte: Web Gallery Of Art ([1996]) e Jew’s… (2006).
A pintura de Dirck van Baburen (ca. 1595-1624), representada na Figura 3,
cujo título é Ragazzo che suona uno scacciapensieri5 (1621 – Museu Central de Utrecht,
Holanda), apresenta a imagem de um menino aparentemente tocando uma jew’s
harp6 (propriamente jaw’s harp). A harpa de boca é uma “[...] armação metálica
de forma circular ou elíptica tendo uma lâmina presa numa das extremidades e
que atravessa a região central da armação”. (FRUNGILLO, 2003, p. 145) Para
produzir o som,
a armação [...] [deve ser segurada] pela borda por uma das mãos e colocada
contra a boca e os lábios entreabertos. Com um dos dedos da mão livre é
pinçada a extremidade da lâmina central sendo a vibração amplificada pela
cavidade bucal. Ao mesmo tempo o instrumentista emite leve sopro com diferentes afinações feitas pelas cordas vocais, o que possibilita executar melodias.
(FRUNGILLO, 2003, p. 145)
Recorrendo ao sistema H-S, a harpa de boca recebe o código 121.2 e sua
descrição organológica é: “[...] a língua é disposta no interior de uma armação em
5
Tradução: "Menino que toca uma harpa de boca".
6
Tradução: "Harpa de boca ou harpa de mandibular".
O Sicim
415
forma de haste ou placa e a boca funciona como um ressoador”.7 (HORNBOSTEL;
SACHS, 1914, p. 567, tradução nossa) Na análise comparativa das traduções
(Quadro 3), pode-se observar que Oliveira Pinto não apresenta nenhuma descrição para este subnível. Ou seja, se buscarmos classificar esse instrumento a
partir da tradução de Oliveira Pinto, chegaremos apenas ao subnível 121 cuja
descrição é “Idiofones dedilhados inserido em aro”. (PINTO, 2001, p. 272) Rocha
(2012, p. 226), que traduziu ao português de Portugal, apesar de incluir esse
subnível, não nos oferece uma descrição do instrumento, apresentando apenas o
termo “berimbau” para sua identificação. É importante ressaltar que, no Brasil,
o Berimbau é um instrumento muito específico. A tradução de Monteiro é a que
apresenta menos problemas: “Tambor [sic] de boca. A lingueta repousa dentro
de uma moldura em forma de haste ou de plaqueta e depende da cavidade bucal
do músico como ressoador”. (MONTEIRO, 2013, p. 123)
Quadro 3 – Problemas lexicográficos e terminológicos: harpa de boca
Código
H-S, 1914
Pinto, 2001
Rocha, 2012
Monteiro, 2013
121
In Rahmenform Die Zunge schwingt
innerhalb eines
Rahmens oder Bügels.
Idiofones
dedilhados
inserido em aro.
Idiofones
beliscados com
caixilho.
Idiofones tangidos
em forma de
moldura.
121.1
Cricri - Die Zunge
ist aus einer Schale
herausgeschnitten,
so dass sie in dieser
einen Resonator hat.
Melanesien.
Cricri
Cricri. A lingueta é
esculpida de uma
casca de fruta,
que serve como
ressoador.
121.2
Maultrommeln - Die
Zunge sitzt innerhalb
eines stab - oder
plattenförmigen
Rahmens und bedarf
des Mundes als
Resonators.
Berimbau
Tambor de boca.
A lingueta repousa
dentro de uma
moldura em forma
de haste ou de
plaqueta e depende
da cavidade bucal
do músico como
ressoador.
-
-
Fonte: Araújo e Sotuyo Blanco (2017, p. 540).
7
416
“Maultrommeln – Die Zunge sitzt innerhalb eines stab – oder plattenförmigen Rahmens und bedarf des
Mundes als Resonators.”
Iconografia musical na América Latina
Um outro exemplo dos eventuais problemas acima referidos é o caso da
matraca (Figura 4), instrumento que
consiste em um jogo de lâminas plásticas ou de madeira afixadas em uma
das extremidades internas de uma pequena caixa vazada retangular. Ao se girar
a caixa por meio de uma haste, as lâminas estalam seguidamente sobre uma
espécie de roda dentada, fazendo produzir estalidos que lembram os tiros de
uma metralhadora. (DOURADO, 2004, p. 198)
Figura 4 – A matraca, simulacro de metralhadora
Fonte: Teixeira (2013)8 e Matracas (2017).
Segundo Frungillo (2003, p. 207), a matraca é utilizada em diferentes ocasiões: religiosa, militar e comercial. Durante a Revolução Constitucionalista de
1932, a matraca foi utilizada para simular o ruído de uma rajada de metralhadora. (DONATO, 2002, p. 115; KUPPER, 2008, [p. 9]) A classificação desse
instrumento apresenta o mesmo problema relatado anteriormente com a harpa
de boca. Oliveira Pinto e Monteiro não apresentam definição nesse subnível e
Rocha apresenta apenas o termo “Cegarregas”9 (Quadro 4).
8
Fotografia do jornalista José Teixeira que registrou a comemoração dos 81 anos da Revolução
Constitucionalista de 1932. Nela, pode-se observar um soldado aparentemente tocando uma
matraca.
9
Termo encontrado no Novo Diccionário da Língua Portuguesa que significa “Cigarra. Instrumento
que imita o retinir da cigarra. Fam. Pessôa muito faladora, de voz desagradável e impertinente”.
(FIGUEIREDO, 1913, p. 407)
O Sicim
417
6 Problemas de desvios estruturais?
A primeira subdivisão da classe dos idiofones no sistema H-S, distingue os instrumentos pela maneira em que são postos a vibrar. Entretanto, o projeto MIMO
parece misturar os princípios estruturantes do sistema, acrescentando dois novos
tipos que se referem ao material que compõe o instrumento (Quadro 5).
Tabela 4 – Problemas lexicográficos e terminológicos: matraca
Código
112.2
H-S, 1914
Oliveira Pinto,
2001
Rocha,
2012
Schrap-idiophone - Der
Spieler führt unmittelbar
oder mittelbar eine
Schrapbewegung aus: ein
nichtklingender Körper
fährt über einen gezahnten
klingenden und wird
abwechselnd durch die Zähne
Idiofones raspados
gehoben und gegen die
Idiofones de
(raspador,
Oberfläche geschnellt, oder
raspagem.
reco-reco).
ein elastischer klingender
Körper fährt über einen
gezahnten nichtklingenden
und erhält auf die gleiche
Weise eine Serie von
Schlägen. Diese Gruppe
darf nicht mit den ReibIdiophonen verwechselt
werden.
Monteiro, 2013
Idiofones
raspados
(matraca,
reco-reco).
112.21
Schrapstäbe - Ein Zahnstab
wird mit einem Stöckchen
geschrapt.
-
-
Lâminas de
raspagem.
112.211
Schrapstäbe ohne Resonator.
-
-
Lâminas de
raspagem sem
ressoador.
112.212
Schrapstäbe mit Resonator.
-
-
Lâminas de
raspagem com
ressoador.
112.22
Schrapröhren.
-
-
Tubos raspados.
112.23
Schrapgefäße - Ein Gefäß mit
gefurchter Oberfläche wird
geschrapt.
-
-
Vasos raspados.
418
Iconografia musical na América Latina
Código
H-S, 1914
Oliveira Pinto,
2001
Schrapräder oder Ratschen
- Ein Zahnrad, dessen
Achse als Stiel dient, und
eine Zunge innerhalb eines
112.24
frei um den gleichen Stiel
drehbaren Rahmens; beim
Herumschwingen schlägt die
Zunge gegen die Zähne des
Rades.
Fonte: Araújo e Sotuyo Blanco (2017, p. 542).
-
Rocha,
2012
Monteiro, 2013
-
Cegarregas
Quadro 5 – Novas categorias do projeto MIMO
Código
H-S, 1914
MIMO, 2012
Araujo e Sotuyo Blanco, 2012
11
Schlag-idiophone.
Struck idiophones.
Idiofone percutido.
12
Zupf-idiophone.
Lamellaphones
(or plucked idiophones).
Idiofone de flexão.
13
Reib-idiophone.
Friction idiophones.
Idiofone friccionado.
14
Blas-idiophone.
Blown idiophones.
Idiofone soprado.
15
-
Metal sheets
Idiofone de metal.
16
-
Flexed diaphragms
Idiofone de diafragma
flexionado.
Fonte: Araújo e Sotuyo Blanco (2017, p. 543).
Diante disso, surgem duas questões:
1. Quais os princípios estruturantes do sistema H-S?
2. Como se define cada nível ou subnível do sistema?
Analisando o sistema H-S, pode-se observar que ele atende em geral a
três questões:
1) Qual a matéria que produz o som?
2) De que maneira essa matéria é posta a vibrar (relacionada à execução)?
3) Qual é a natureza, forma (relacionada à construção)?
Contudo, essa estrutura não é hierarquicamente fixa, à exceção do primeiro
nível, como foi mencionado em seção anterior. Ou seja, a primeira questão
define sempre o primeiro nível, enquanto as outras duas questões podem ter
ordens diferentes na definição dos subníveis. O sistema H-S é muito complexo,
sendo difícil sua estrutura funcionar de forma unívoca, isto é, cada instrumento
O Sicim
419
receber uma única classificação. Montagu (2007, p. 2) alerta para a existência
de anomalias e problemas em todos os sistemas, incluindo também o H-S. Em
1971, ele e John Burton tentaram resolver alguns desses problemas. Entretanto,
decidiu que, com a grande vantagem que o sistema H-S trazia pela sua grande
aceitação e o fato dele não ter, aparentemente, nenhum viés cultural, seria melhor
continuar com um sistema que as pessoas utilizam do que sugerir um que não
seria utilizado. É importante ressaltar que o trabalho de Hornbostel e Sachs era
um experimento, em que se esperavam discussões para sua melhoria e elaboração gradual, as quais não aconteceram de forma significativa, provavelmente
devido à Primeira Guerra Mundial. Assim, nunca houve o esforço direcionado
para preencher algumas lacunas do sistema, entre elas, o problema de prolongá-lo longitudinalmente tanto quanto se deseja, para definir grupos menores com
mais detalhes. Isso causa problemas na introdução de um tipo de instrumento
recém-descoberto ou recém-reconhecido.
Com relação aos instrumentos que compreendem mais de uma categoria,
Hornbostel e Sachs (1914, p. 559-560) já haviam pensado numa maneira de
reconfigurar códigos numéricos para destacar aspectos diferentes de um determinado instrumento. De acordo com Arce e Gili (2013, p. 50), problemas como
filogenias paralelas, instrumentos intermediários (ex. flautas semifechadas),
mestiçagem entre tipos filogeneticamente diferentes, classificação indefinida
e instrumentos que soam diferente conforme a forma que são tocados, foram
solucionados pelos autores com o acréscimo do sinal “-” no final para incluir
características ao instrumento ou o sinal “+” para acrescentar outras categorias
ao instrumento.
Diante do que foi discutido anteriormente, surgiu a necessidade de desenvolver uma tradução mais consistente e que levasse em consideração todos os
desenvolvimentos e ampliações do sistema. Assim, foi desenvolvida uma nova
ferramenta, nomeada a princípio como Sistema de Classificação de Instrumentos
Musicais (em diante Sicim).
420
Iconografia musical na América Latina
7 O Sistema de Classificação de Instrumentos Musicais
(Sicim)
A partir da revisão bibliográfica, mencionada anteriormente, foi desenvolvida
uma aplicação, que a princípio foi desenhada para ser utilizada no conjunto de
ferramentas incluídas na base de dados RIdIM-Brasil, principalmente a partir
da categoria Instrumentos nos Termos Controlados. Tal aplicação, nomeada
Sicim, se propõe pedagógica e técnica, sendo capaz de crescer com o avanço
do seu uso. O Sicim tenciona resolver tanto a falta de consistência observada
na revisão bibliográfica no relativo à descrição dos diversos níveis de classificação organológica, quanto à clareza na formulação das referidas descrições,
facilitando assim o seu uso.
Atualmente, vislumbra-se a utilização do Sicim fora da base de dados RIdIMBrasil, podendo ter uma vida autônoma como ferramenta de auxílio à pesquisa
de campo e estudos organológicos, independente da iconografia, servindo de
base organológica musical para o Brasil.
A ferramenta possui duas visões: uma administrativa, na qual o usuário/
administrador da base de dados tem o controle de toda a tabela com os níveis,
subníveis e suas respectivas descrições e vínculos com instrumentos; e outra do
usuário/catalogador, auxiliando o usuário a classificar um instrumento que foi
identificado em uma fonte relativa à música.
Na tela administrativa, as categorias são apresentadas em forma de lista
numa tabela, indicando o código, o nome do nível e ações (Figura 5). Com o
cursor sobre o nome do nível, aparecerá a descrição organológica. Caso se queira
adicionar uma nova categoria no mesmo nível, basta clicar no botão “adicionar
novo nível”, que se encontra acima da tabela (Figura 6).
O Sicim
421
Figura 5 – Visão administrativa: primeiro nível da classificação H-S
Fonte: https://adohm.ufba.br/dbridimbrasil/hornbostelsachs.
Figura 6 – Visão administrativa: adicionando um novo nível.
Fonte: https:// adohm.ufba.br/dbridimbrasil/hornbostelsachs/cadastrar/.
422
Iconografia musical na América Latina
Ao clicar em “adicionar novo nível”, o usuário será direcionado a um formulário de cadastro solicitando o nome da categoria, a descrição organológica
e, se for o caso, vincular instrumentos à nova categoria. O primeiro campo do
formulário (Código H-S) é preenchido automaticamente pelo sistema.
Ao clicar em um nível, a nova tela exibirá o código e a descrição organológica
da categoria selecionada, além dos instrumentos relacionados a ela, que estão
cadastrados na base de dados RIdIM-Brasil (Figura 7). É importante ressaltar
que os instrumentos classificados são adicionados também aos subníveis superiores a ele, assim como, ao excluir um instrumento de um subnível, caso ele
esteja classificado em subníveis superiores e inferiores, será excluído apenas dos
inferiores. Vale observar também que, à medida que vamos adentrando pelos
subníveis, a descrição organológica vai sendo ampliada cumulativamente.
Figura 7 – Visão administrativa: primeiro subnível dos idiofones
Fonte: https://adohm.ufba.br/dbridimbrasil/hornbostelsachs/index/id/1/c/1/n/2/.
Entre as opções apresentadas ao usuário/administrador, quando em um subnível, vale ressaltar a de adicionar um sufixo, ou seja, indicar uma característica
O Sicim
423
do instrumento que pode não pertencer à sua estrutura física, ou que não é
comum (Figura 8).
Figura 8 – Visão administrativa: adicionando um sufixo
Fonte: https://adohm.ufba.br/dbridimbrasil/hornbostelsachs/cadastrarsufixo/id/1.
Já na visão do usuário/catalogador, na adição de um novo instrumento
como termo controlado, os campos “código Hornbostel-Sachs” e “descrição
organológica” são preenchidos a partir da ferramenta (Figura 9). Portanto, para
classificar o instrumento, o usuário deverá clicar no botão “classificar” que se
encontra abaixo do campo “código Hornbostel-Sachs”. Em seguida, surgirá uma
lista, em árvore de níveis de descrição, onde o usuário poderá ir selecionando
até alcançar o nível desejado ou que tenha conhecimento. Ao selecionar um
nível, a descrição será exibida no campo “descrição organológica” (Figura 10).
424
Iconografia musical na América Latina
Figura 9 – Visão usuário/catalogador: adicionando novo instrumento
Fonte: Araújo e Sotuyo Blanco (2017, p. 545).
Figura 10 – Visão usuário/catalogador: classificando instrumento
Fonte: Araújo e Sotuyo Blanco (2017, p. 546).
O Sicim
425
Para adicionar mais de uma classificação a um instrumento, o usuário deverá
clicar em “acrescentar”. O sistema acrescentará um sinal de “+” e iniciará um
novo processo de seleção do nível de classificação. Selecionando o nível desejado,
o sistema incluirá no campo “Descrição organológica” o texto “Este instrumento
também é:” e a descrição do nível (Figura 11).
Figura 11 – Visão usuário/catalogador: acrescentando nova classificação
Fonte: Araújo e Sotuyo Blanco (2017, p. 546).
8 Conclusões
O Sicim surge como uma ferramenta que proporciona um usuário sem
nenhum conhecimento sobre organologia ser capaz de classificar um instrumento
musical, buscando evitar eventuais erros ocorridos no processo de classificação,
mesmo quando feita por pessoas capacitadas. No entanto, é importante promover sua discussão a fim de desenvolvê-lo, ampliá-lo e melhorá-lo, unindo
426
Iconografia musical na América Latina
esforços para que de fato se torne uma base organológica que sirva de fonte de
pesquisa e possibilite futuros estudos.
Com relação às traduções e entendendo que as variantes “português de
Portugal” e “português do Brasil” têm relevância, como vimos nos exemplos
apresentados, é válido ter uma tradução ao português do Brasil, compreendendo
que uma base organológica deve levar em consideração todas as variantes para
que seu alcance seja o mais amplo possível.
Referências
AMORIM, Dalton de Souza. Fundamentos de sistemática filogenética. Ribeirão Preto,
SP: Holos Editora, 2002.
ARAÚJO, Pedro Ivo Vieira e Assis. Patrimônio documental musicográfico e iconográfico
musical no Brasil: problemas e soluções. 2018. Tese (Doutorado em Música) –
Escola de Música, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.
ARAÚJO, Pedro Ivo; SOTUYO BLANCO, Pablo. O SICIM: uma aplicação
tecnológica para uma melhor classificação organológica. In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE ICONOGRAFIA MUSICAL, 4., CONGRESSO BRASILEIRO DE
PESQUISA E SISTEMAS DE INFORMAÇÃO EM MÚSICA, 2., 2017, Salvador.
Anais [...]. Salvador (BA): RIdIM-Brasil, 2017. p. 533-550.
ARCE, José Pérez de; GILI, Francisca. Clasificación Sachs-Hornbostel de
instrumentos musicales: uma revisión y aplicación desde la perspectiva
americana. Revista Musical Chilena, Santiago de Chile, año 67, n. 219, p. 42-80,
enero/junio 2013.
BAINES, Anthony; WACHSMANN, Klaus P. Classification of Musical Instruments:
translated from the original german. The Galpin Society Journal, Oxford, v. 14,
p. 3-29, Mar. 1961. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/842168. Acesso
em: 9 mar. 2015.
BALLESTÉ, Adriana Olinto. Classificação de instrumentos musicais e sua
aplicação no Museu Virtual Delgado de Carvalho. In: ENCONTRO NACIONAL
DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 8., 2012, Salvador. Anais
[...]. Salvador: UFBA, 2012. p. 1-18. Disponível em: http://repositorios.
questoesemrede.uff.br/repositorios/handle/123456789/671. Acesso em: 14
ago. 2017.
O Sicim
427
BRANDÃO, Dolores Castorino; SANTOS, Maria José Veloso da Costa; GUEDES,
Vânia Lisboa da Silveira. Organização do Museu Instrumental Delgado de
Carvalho da Escola de Música da UFRJ a partir da representação documentária
de instrumentos musicais. Revista Brasileira de Música, Rio de Janeiro, v. 27, n. 1, p.
115-146, 2014.
COOVER, James B. Dictionaries and encyclopedias of music. In: SADIE, Stanley
(ed.). The new grove dictionary of music and musicians. 2nd. ed. New York: Oxford
University Press, 2001. v. 7, p. 306-320,.
DONATO, Hernâni. História da Revolução Constitucionalista de 1932: comemorando
os 70 anos do evento. São Paulo: IBRASA, 2002.
DOURADO, Henrique Autran. Dicionário de termos e expressões da música. São Paulo:
Editora 34, 2004.
DOURNON, Geneviève. Mémoire des peuples: guide pour la collecte des musiques et
instruments traditionnels. Paris: UNESCO, 1996.
DUCKLES, Vincent H.; PASLER, Jann; STANLEY, Glenn et al. Musicology. In:
SADIE, Stanley (ed.). The New Grove Dictionary of Music and Musicians. 2nd. ed. New
York: Oxford University Press, 2001. v. 17, p. 488-533.
EQUIPO UCM; LUCIA ROCHA. Tesauro de instrumentos musicales: Sachs
& Hornbostel (en español / portugués). In: BORDAS IBÁÑEZ, Cristina;
RODRÍGUEZ LÓPEZ, Isabel (ed.). Imágenes es música: recursos para la
catalogación y estudio de fuentes de Iconografía Musical en España y Portugal.
Madrid: Universidad Complutense de Madrid, 2012. p. 239-293.
FIGUEIREDO, Candido de. Novo dicionário da língua portuguesa. Lisboa: Liv.
Clássica Ed, 1913.
FRUNGILLO, Mário D. Dicionário de percussão. São Paulo: Ed. UNESP: Impresa
Oficial do Estado, 2003.
HOOVER, Cynthia Adams. Musical instrument collections: a special challenge.
Museum International, Oxford, v. 48, n. 1, p. 4-5, 1996.
HORNBOSTEL, Erich M. von; SACHS, Curt. Systematik der Musikinstrumente.
Zeitschrift für Ethnologie, Berlim, v. 4, n. 5, p. 553-590, 1914.
JEW’S harp. In: WIKIMEDIA COMMONS. [S. l.], 2006. Disponível em: https://
commons.wikimedia.org/wiki/File:Jew%27s_harp.jp g?uselang=pt-br. Acesso em:
18 jul. 2017.
428
Iconografia musical na América Latina
JUAN I NEBOT, María Antonia. Versión castellana de la clasificación de
instrumentos musicales según Erich von Hornbostel y Curt Sachs: Galpin
Society Journal XIV, 1961. Zaragoza: Instituto Fernando el Católico, Diputación
Provincial, 1998.
KARTOMI, Margaret J. On concepts and classifications of Musical Instruments. Chicago:
The University of Chicago Press, 1990.
KARTOMI, Margaret J. The Classification of Musical Instruments: changing trends
in research from the late nineteenth century, with special reference to the 1990s.
Ethnomusicology, Middletown, v. 45, n. 2, p. 283-314, 2001. Disponível em: http://
www.jstor.org/stable/852676. Acesso em: 12 jun. 2017.
KUPPER, Agnaldo. São Paulo 1932: uma explosão em busca de novos rumos.
Revista Eletrônica de Educação, Londrina, ano 2, n. 3, ago./dez. 2008. Disponível em:
http://web.unifil.br/docs/revista_eletronica/educacao3/Artigo4.pdf. Acesso em:
17 jul. 2017.
LLIMONA, Romà Escala I. La clasificación decimal de los instrumentos musicales de
Erich von Hornbostel y Curt Sachs. 2012. Vesión revisada y traducida al castellano
por Romà Escala i Llimona, Fundación La Fontana – Recursos instrumentos
– Clasificación H-S.Disponível em: http://www.fundacionlafontana.org/es/
recursos/documentacion-sobre-instrumentos. Acesso em: 20 ago. 2018.
LIBIN, Laurence. Organology. In: SADIE, Stanley (ed.). The new grove dictionary
of music and musicians. 2nd ed. New York: Oxford University Press, 2001. v. 18,
p. 657-658.
MAHILLON, Victor-Charles. Catalogue descriptif & analytique du Musée Instrumental du
Conservatoire Royal de Bruxelles. Gand: Typographie C. Annoot-Braeckman, 1880.
MANN, Steve. Natural Interfaces for Musical Expression: physiphones and
a physics-based organology. In: CONFERENCE ON NEW INTERFACES FOR
MUSICAL EXPRESSION, 7., 2007, New York. Proceedings […]. New York: [ACM],
2007. p. 118-123.
MATRACAS. In: WIKIMEDIA Commons. [S. l.], 2017. Disponível em: https://
commons.wikimedia.org/wiki/File:Matracas.jpg?uselang=pt-br. Acesso em: 18
jul. 2017.
MONTEIRO, Eduardo. Classificação resumida dos instrumentos musicais de
acordo com Hornbostel-Sachs. In: BRANDÃO, Dolores Castorino. Representação
documentária de instrumentos musicais: contribuição para a organização do Museu
O Sicim
429
Instrumental Delgado de Carvalho da Escola de Música da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ). 2013. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização
em Políticas de Informação e Organização do Conhecimento) – Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, 2013. p. 122-129.
MONTAGU, Jeremy. Origins and development of musical instruments. Maryland, USA:
Scarecrow Press, 2007.
MORAIS, Fernando Luís Barreto de. Livro III do tratado Da Música de Aristídes
Quintiliano: introdução, tradução e comentários. 2016. Dissertação (Mestrado em
Letras) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2016.
MUSICAL INSTRUMENT MUSEUMS ONLINE – MIMO. Revision of the
Hornbostel-Sachs Classification of Musical Instruments by the MIMO
Consortium. Londres: MIMO, 2011. Disponível em: http://www.mimointernational.com/documents/Hornbostel%20Sachs.pdf. Acesso em: 23
mar. 2016.
MYERS, Arnold. Cataloguing standards for instrument collections. CIMCIM
Newsletter, [s. l.], n. 14, p. 14-28, 1989. Disponível em: http://www.euchmi.ed.ac.
uk/itnXIVc.html. Acesso em: 26 jun. 2017.
PINTO, Tiago de Oliveira. Som e música. Questões de uma Antropologia Sonora.
Revista de Antropologia, São Paulo, v. 44, n. 1, p. 221-286, 2001.
PIRES FILHO, Jorge Costa. Classificação de instrumentos musicais em configurações
monofônicas e polifônicas. 2009. Dissertação (Mestrado em Engenharia Elétrica) –
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
SACHS, Curt. The history of musical instruments. Mineola, NY: Dover Publication,
INC., 2006.
TEIXEIRA, José Henrique. Revolução constitucionalista em Jaú. Jaunews, Jáu, 9
jul. 2013. Disponível em: http://www.jaunews.com.br/album/273/revolucaoconstitucionalista-em-jau.htm. Acesso em: 18 jul. 2017.
WEB GALLERY OF ART. Dirck van Baburen – Man Playing a Jew’s Harp. [1996].
Disponível em: https://www.wga.hu/frames-e.html?/html/b/baburen/jewsharp.
html. Acesso em: 20 ago. 2018.
430
Iconografia musical na América Latina
O violão em fontes iconográficas
Uma narrativa sobre as suas
representações no espaço brasileiro
Beatriz Magalhães-Castro
1 Introdução
Este trabalho foi elaborado a partir de um interesse sobre a farta
iconografia do violão produzida no Brasil e se, de início, com
um viés organológico especialmente sobre os séculos XVI ao
início do XIX e suas raízes ibero-americanas, este desenvolveu-se rapidamente para o estudo da sua representação iconológica neste mesmo espaço. O processo partiu do estudo sobre
a exposição realizada por Mercedes Reis Pequeno, Três séculos
de iconografia da música no Brasil (1974)1 para logo centrar-se
sobre o violão a partir de orientações de trabalhos de
1
Exposição realizada em 1974 no contexto das ações de Mercedes Reis
Pequeno (1921-2015) enquanto chefe da então Seção de Música e
Arquivos Sonoros, hoje Divisão de Música e Arquivos Sonoros (Dimas),
da Biblioteca Nacional do Brasil, exposição sobre a qual escrevi capítulo
para o livro Estudos Luso-Brasileiros em Iconografia Musical. (MAGALHÃESCASTRO, 2015)
431
pós-graduação na Universidade de Brasília (UnB) nos quais um aprofundamento
sobre as origens do instrumento no Brasil foi necessário.2
A pesquisa das imagens foi extraída de diversas fontes e, em alguma medida,
da minha própria memória e interesses, mas principalmente foram utilizados os
bancos de dados do Répertoire International d’Iconographie Musicale (RIdIM
internacional) – que possui poucas imagens referentes ao Brasil – e do Repertório
Internacional de Iconografia Musical no Brasil (RIdIM-Brasil), que possui cerca
de 152 imagens com violão catalogadas. O volume total é, contudo, bastante
mais amplo e incluiu textos e fontes diversificadas.
Portanto, me propus aqui tratar esse conjunto de forma orgânica a partir
das observações feitas, contribuindo para a sua discussão.
2 Mudando o olhar historiográfico
Leo Treitler (1990, p. 315) uma vez afirmou,
Se pudéssemos pensar na história menos como se esta fosse um ponto central
que avança varrendo tudo em torno de si e mais de acordo com a tentativa
revolucionária de Darwin – ainda não totalmente bem sucedida – de reorientar
o foco do historiador das propriedades modais de grupos para a variação real
entre coisas reais, o presente não pareceria um tal problema.3
As mudanças dos modelos do pensamento historiográfico pós-moderno,
relevantes para a construção de narrativas históricas, tomaram conta de todas
as áreas do conhecimento sistemático. Análises pós-estruturalistas não somente
reconhecem, mas também almejam a uma ampliação das narrativas históricas
por meio da identificação de uma singularidade (contextos) e uma individualidade (grupos e pessoas), assim como dos mecanismos econômicos e sociais que
afetam a cultura humana. Ultrapassando as limitações da perspectiva dicotômica
entre centro/periferia e global/local, os pontos determinantes de articulação
2
Agradecemos as revisões do arquiteto Daniel Gonçalves Mendes e da alaudista Aria Rita
Waengertner Pires, orientanda do Programa de Iniciação Científica (Proic) da UnB.
3
“If we could think of history less as though it were an advancing central point that cleans up all
around itself as it goes and more in accordance with Darwin’s revolutionary attempt – not yet
fully successful – to reorient the historian’s focus from the modal properties of groups to the
actual variation among actual things, the present would not seem such a problem”.
432
Iconografia musical na América Latina
dessas narrativas podem se situar em diferentes situações histórico-geográficas,
mudando de forma dinâmica focos e equilíbrios presumidos.
Essas questões não somente afetaram como também apoiaram o desenvolvimento de narrativas ditas do “sul”, historicamente engajadas como reflexos
de um “outro” – o outsider do “norte.” Essas tensões, como primeiro reveladas
nas relações colonizador/colonizado, foram discutidas por Aimé Césaire no seu
Discours sur le colonialisme de 1955, em sua revisão da teoria Marxista, revertendo
a ênfase sobre a “revolução proletária” para a “luta anticolonial” como “o movimento histórico fundamental do período”. (KELLEY, 2000, p. 10)
Não abraçar tais perspectivas e processos de pensamento implica na renúncia
de se compreender conceitos tais como a hierarquia cultural e o barbarismo
europeus, o qual foi somente transcendido com a expansão dos estudos pós-coloniais no próprio pensamento europeu. Essas contribuições únicas foram vitais
para consolidar a construção de narrativas históricas e percepções geográficas
distintas, como aquelas encontradas em fronteiras culturais não geopolíticas.
O debate também expandiu e/ou teve implicações sobre os conceitos de
alteridade/identidade e seus processos, dimensionando a percepção do “outro”
tanto como entidade necessária e interdependente que entra em jogo na noção
fenomenológica do “estar-no-mundo”,4 na qual, o “eu” como ser social é
modelado por interações sociais e “todo outro é verdadeiramente outro, mas
ninguém é inteiramente outro”,5 como discutido por Emmanuel Lévinas (1980)
no conceito de “ética como filosofia primeira”.
No caso de narrativas construídas em países que foram submetidos a regimes
colonialistas, o outro tem abertamente atravessado a construção de narrativas
históricas colocando um debate aparentemente sem fim sobre quem, afinal, é
o outro. Tal debate vem pelo desdobramento de uma sucessão de processos de
identidade com a mesma questão, mesmo em distintos níveis internos, já que o
outro pode ser encontrado na própria hierarquia e estratificação social – criando
o outro dentro do outro. Esse processo assume assim uma dialética contraditória,
já que o outro passa a se tornar responsável pela construção do eu.
Em última análise, essa dinâmica foi responsável pela construção do Manifesto
Antropófago de Oswald de Andrade no contexto do movimento modernista da
4
“Being-in-the-world”.
5
“Every other is truly other, but no other is wholly other”.
O violão em fontes iconográficas
433
semana de 1922. “Tupi, or not tupi that is the question” era o seu lema principal.
Em seus ideais por uma “revolução Caraíba, maior que a revolução Francesa,”
ao afirmar que “sem nós a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos
direitos do homem”, os antropófagos anteciparam o movimento anticolonialista
de Césaire e outros, evidenciando as desconfortáveis implicações do discurso e
das ações de caráter imperialista.
Brasilidade é então definida em termos da sua relação com o solo – “Em
comunicação com o solo” –, raízes primais em oposição às “elites vegetais”,
aquelas que simplesmente imitavam modelos europeus sem a capacidade crítica
que fomenta a mudança.
A despeito de se situar “contra as histórias do homem que começam no
Cabo Finisterra”,6 isso não implicaria em ruptura ou abandono do pensamento
crítico ocidental europeu do século XVIII: “O contato com o Brasil Caraíba.
Ori Villegaignon [sic] print terre. Montaigne. O homem natural. Rosseau [sic].
Da Revolução Francesa ao Romantismo, à Revolução Bolchevista, à revolução
Surrealista e ao bárbaro tecnizado de Keyserling”. Assim, desta forma, “caminhamos”. (ANDRADE, 1928, p. 3)
Foi caminhando que Mário de Andrade promoveu em 1936 uma das maiores
missões para desvendar os traços do Brasil, brotando do “solo” as suas práticas
autóctones. A partir desse esforço, podemos desde já examinar um desenho
de uma Viola de Juazeiro (Figura 1), a qual mesmo não possuindo um interesse
iconográfico particular, provê uma referência sobre o foco dessa expedição
etnográfica direcionada a revelar tal brasilidade.
6
434
Referência ao ciclo dos grandes descobrimentos portugueses ultramarinos iniciados em 1421,
sob o comando do Infante Dom Henrique, filho de D. João I, que, para o reino de Portugal, culminou com a descoberta do Brasil em 1500; o cabo Finisterra é o conhecido acidente geográfico
de Sagres, ou seja, um cabo composto de rochas altas, um lugar remoto e de trágica beleza de
onde partiram as primeiras expedições portuguesas oceânicas, ou seja, a expansão do homem
europeu; na realidade, essas expedições sob o comando do Infante Dom Henrique partiram da
cidade de Lagos, localizado aproximadamente a 30 km a leste de Sagres, na região do Algarve.
Iconografia musical na América Latina
Figura 1 – Viola de Juazeiro (1938)
Fonte: Caderneta de Campo da Missão de Pesquisas Folclóricas (CA-5 p. 53). Acervo Histórico
da Discoteca Oneyda Alvarenga / Centro Cultural São Paulo / SMC / PMSP.7
Contudo, como esperamos demonstrar, as inconsistências de tais modelos,
imbuídos de um conteúdo ideológico e político, inclusive em reação a exigências
internas e externas, podem ser visualizados nas representações iconográficas
do violão como um exemplo de construção de alteridade/identidade dentro do
discurso histórico-musical brasileiro.
3 Uma vez árabe…
A discussão apresentada em Pequim (2012), onde explorei problemas metodológicos em iconografia e organografia como perspectivas de significado em
contextos globalizados, incitou questionamentos sobre a construção de narrativas histórico-musicais e os processos identitários no contexto dos estudos
7
Também disponível em Fenske (2011).
O violão em fontes iconográficas
435
musicológicos ibero-americanos e suas relações com as culturas árabes. Sem
hesitar, John Fryer (2000, p. 1) ao discutir as origens do repente no Brasil,
afirma que,
O repente luso-brasileiro e as contendas versificadas provençais e catalães compartilham um ancestral comum, aparentemente. O fato que os europeus devem
seus versos trovadorescos e esquemas métricos aos árabes da península ibérica
‘não está mais seriamente posto em dúvida.’ Não somente o sentido de forma
dos trovadores, mas também as suas temáticas foram emprestados daquela
fonte, ‘a principal diferença sendo que aqueles colocam o seu refrão ao final ao
invés do começo.’ A própria palavra ‘trovador’ é quase certamente derivada de
uma de duas palavras árabes próximas: tarrab (‘menestrel, aquele que afeta os
ouvintes com uma execução musical’) ou tarraba (‘executar musicalmente’).8
Assim, a interconectividade moldando tais transferências culturais é revelada
em camadas sucessivas de locais e tempo quando o fenômeno é executado em
um dado lugar antes de mover-se ao próximo, não podendo ser reduzida a um
único fato ou legado matricial. Assim, no caso do Brasil como em qualquer outra
cultura, podemos considerar qualquer número de camadas que queiramos ou
não estudar, retroagindo nossos estudos tão remotamente ou longinquamente
como exigido pelo próprio objeto. Nesse sentido, o exercício do outro se torna
uma experiência espelhada infinita, limitada apenas pelo nosso próprio sentido
de afirmação, identificação ou rejeição. Tal é evidenciado por Fryer (2000, p. 2),
quando considera as divergências entre discursos sobre o impacto das influências
árabes no contexto musical português.
Muito da música tradicional portuguesa, como aquela da Espanha, mostra
alguma influência árabe, apesar do quanto seja ainda uma questão disputada. De
acordo com uma autoridade, ‘do ponto de vista musical, os mouros não deixaram quaisquer traços que predominem na nossa música [portuguesa]. A
música popular portuguesa não é de nenhuma forma similar à música árabe
e não retém qualquer elemento deste, nem mesmo nas raras canções do tipo
8
436
“Luso-Brazilian challenge singing and Provençal and Catalan verse debates share a common
ancestor, it seems. That Europe owes troubadour verse and its metrical schemes to the Arabs of
the Iberian peninsula is ‘no longer seriously in doubt.’ Not only the troubadours’ sense of form
but also their subject matter was borrowed from that source, ‘the chief difference being that they
put their refrain at the end instead of the beginning.’ The very word ‘troubadour’ is almost certainly derived from one of two related Arabic words: tarrab (‘minstrel, one who affects listeners
with a musical performance’) or tarraba (‘to perform musically’)”.
Iconografia musical na América Latina
melismático’ [FREITAS, 1984, p. 9]. [...]. Outra autoridade tem um ponto de
vista diferente: ‘a música portuguesa [...] frequentemente usa tambores, tamborins e triângulos – um legado, junto com alguns ritmos, do período árabe...
A música de Portugal, especialmente a do Sul, foi influenciada pela dominação árabe (embora não tão fundamentalmente como no sul da Espanha)’
[ROBERTS, 1973, p. 81-82].9 (FRYER, 2000, p. 2, grifo nosso)
Além do já estabelecido fato histórico sobre a origem do instrumentarium até
hoje utilizado no mundo ocidental, esse processo é particularmente exemplificado
desde o século XIII nas Cantigas de Santa Maria na assimilação dos instrumentos
árabes no contexto ibérico (Figura 2).
Figura 2 – Exemplos de guitarra latina, mandora ou guitarra morisca, vihuela de arco, viola da
mano, rabel e alaúde. Cantigas de Santa Maria
Fonte: Galería de Instrumentos Medievales (2017) e Aquel Trovar ([20--]).
9
“Much of Portugal’s traditional music, like that of Spain, shows a certain Arab influence, though
how much is a matter of dispute. According to one authority, ‘from the musical point of view, the
Moors left no traces which predominate in our [Portuguese] music. Portuguese popular music
is in no way similar to Arab music and retains no kind of element from it, not even in the rare
songs of melismatic type’ [FREITAS, 1984, p. 9] [...]. Another authority takes a different view:
‘Portuguese music [...] quite regularly uses drums, tambourines and triangles – a legacy, along
with some of the rhythms, of the Arab period... [T]he music of Portugal, especially southern
Portugal, was influenced by the Arab domination (though not as fundamentally as southern
Spain)’ [ROBERTS, 1973, p. 81-82]”.
O violão em fontes iconográficas
437
Decorrendo dos problemas de identificação e contextualização de fontes
iconográficas musicais então apresentadas, o instrumento a ser eventualmente
designado como um ‘violão’ no Brasil exemplifica uma plasticidade no sentido
de uma renovação do seu significado em lócus culturais distintos por meio de
transferências a partir de fontes orientais e ocidentais. Ou como diria Treitler,
“reorientando o foco do historiador das propriedades modais de grupos para a
variação entre coisas reais, para que o presente não pareça tão problemático”.10
4 Uma vez na península ibérica…
A historiografia musical brasileira, práticas musicológicas e corpus de trabalho
têm sido sujeitos a paradigmas históricos e ideológicos; a sua relação e visão
sobre fontes ibéricas tem mais recentemente se desenvolvido devido ao aumento
dos programas de pesquisa e a maior disponibilidade de fontes digitais. Nesse
sentido, – e evidenciado em projetos muito recentes delineando histórias globais
da música, – a iconografia e organologia têm uma função fundamental especialmente na inserção do discurso local no contexto de quadros mais amplos,
tanto no nível interno como externo. Ultrapassando os debates regionais – por
exemplo, na península ibérica –, nos interessa também entender os caminhos
prévios – mesmo os mais remotos – num mundo (mesmo então) globalizado e
interconectado.
Por outro lado, o influxo de práticas musicais conectadas com ocupações
ibéricas e outras ocupações estrangeiras do território brasileiro, demanda escopos
analíticos ampliados para compreender a complexidade de tais dinâmicas – uma
única matriz (ou o “ponto central que avança varrendo tudo em torno de si” de
Treitler) é inviável a partir do momento em que práticas locais assumem usos e
conotações adicionais.
No caso específico, um foco sobre a vihuela – seu reconhecido ancestral no
Brasil, não poderia omitir a sua própria variabilidade em fontes anteriores na
medida em que a sua interação com realidades locais modificou a natureza dos
seus usos originais. À parte do assunto – algo controverso – sobre a sua origem
10 “reorienting the historian’s focus from the modal properties of groups to the actual variation
among actual things, so the present would not seem such a problem”.
438
Iconografia musical na América Latina
exata, a disseminação da vihuela, com seu fundo plano e facilidade de uso,
disseminou-se sobretudo em toda a Espanha, Itália e Portugal.
Cronologicamente, a representação de Marcantonio Raimondi (ca. 1480 – ca.
1530) datado de ca. 1510 de um homem tocando a viola da mano (Figura 3),11
é conhecida como a mais antiga imagem identificável de um tocador de viola.
Algumas fontes o consideram como o primeiro mestre da gravura na Itália, ativo
desde 1510 em Roma e em contato notadamente com artistas como Rafael
e Michelangelo. A representação de Marcantonio, provavelmente sobre um
original de Francesco Francia (ca. 1450-1517), é um retrato do poeta italiano
Giovanni Filoteo Achillini (1466-1533) de Bolonha, um famoso improvisatori de
poemas com acompanhamento instrumental. Uma cópia dessa gravação se
encontra na Coleção Rosenwald (1943.3.7347) da National Gallery of Art, em
Washington D.C.12
Por outro lado, o Libro de música de vihuela de mano intitulado El Maestro de Luis
de Milán (ca. 1500 – ca. 1561) é o primeiro dos sete livros de vihuela produzidos
durante o século XVI, desde o de Milán (1536) ao de Daça (1576).13 No seu
fólio, vi-verso traz uma gravura com a representação de Orfeu tocando uma
vihuela (Figura 4), aclamando-o como o seu inventor: “El grande Orpheo primero
inventor, Por quien la vihuela parece en el mundo, Si el fue el primero no fue sin
segundo, Pues Dios es de todos de todo hazedor”. O livro é dedicado a D. João III
e contêm seis villancicos em português, denotando as interconexões entre Portugal
e Espanha, – o primeiro logo a entrar sob domínio espanhol entre 1580 e 1640.
11 A teminologia de Sachs & Hornbostel (1914) diferencia as violas, segundo a qual são classificadas sob os cordófonos compostos (32), tipo alaúde com braço conectado ou esculpido à
caixa (321.322), nos quais se inserem igualmente tanto as violas da braccio (e violinos) como as
violas da gamba (e violoncelos).
12 Disponível em: https://www.nga.gov/collection/art-object-page.10143.html.
13 Essa serie inclui El Maestro (1536) de Luis de Milán, Los seys libros del Delphin (1538) de Luis de
Narváez, Tres Libros de Música (1546) de Alonso Mudarra, Silva de sirenas (1547) de Enríquez de
Valderrábano, Libro de música de Vihuela (1552) de Diego Pisador, Orphénica Lyra (1554) de Miguel
de Fuenllana e El Parnasso (1576) de Estevan Daça.
O violão em fontes iconográficas
439
Figura 3 – Marcantonio Raimondi (ca. 1480 – ca. 1530). Giovanni Filoteo Achillini. Gravura
Fonte: National Gallery of Art. EUA. Bartsch, no. 469, Rosenwald Collection, 1943.3.7347.14
14 Disponível em: https://www.nga.gov/collection/art-object-page.10143.html
440
Iconografia musical na América Latina
Figura 4 – Representação de Orfeu tocando vihuela (Milán, 1536, fl. vi-verso)
Fonte: Biblioteca Nacional de España. Biblioteca Digital Hispánica.15
Assim, apesar do seu amplo fluxo em Espanha, Portugal e Itália, de acordo
com Budasz (2001), somente “três códices em tablatura musical para a viola
(guitarra [barroca] de cinco ordens) do início do século XVIII [2 em Lisboa e
1 em Coimbra] é aproximadamente tudo o que resta do repertório português
para aquele instrumento até a publicação do livro de Manuel da Paixão Ribeiro
15 Também disponível em Eats lutes and leaves. Lute nuggets. Por la gracia de dios. Ver: http://eatslutes.blogspot.com/2009/11/this-splendid-picture-is-from-el.html.
O violão em fontes iconográficas
441
em 1789”.16 Não obstante, Budasz lembra “parte do seu conteúdo parece se
ajustar numa zona cinzenta entre a música dita de concerto, de tradição escrita,
e a música de tradição oral”.17 (BUDASZ, 2001, p. xii)
5 Uma vez no Brasil…
É reconhecido que a vihuela foi primeiro introduzida no contexto das atividades
missionárias jesuíticas no Brasil a partir de 1549, na conversão religiosa de povos
indígenas. Essa prática envolvia a encenação de inúmeros autos – ou autos de fé,
o mais antigo registrado em 1564 – que eram reprisados em diferentes cidades
e rearranjados musicalmente para o mesmo texto.
Contudo, de acordo com Jerônimo de Nadal, em tratado escrito entre 15461577, a tradição portuguesa Jesuíta não tinha “canto em nossas escolas e casas”.
(HOLLER, 2010, p. 151) Segundo Nadal (apud HOLLER, 2010, p. 151), tradições
nem eram as mesmas em todas as escolas: “na Espanha o canto Gregoriano
não era usado, mas sim o unitonus; em Viena, o canto figurado”. Ainda, segundo
Holler (2010, p. 152), um estudo específico sobre a prática musical jesuítica em
Portugal ainda não está disponível, uma vez que a documentação arquivística
não foi consolidada, contrariamente àquela já publicada no Brasil ou mesmo,
por exemplo, na Índia.
Apesar dessas limitações, o uso dos Jesuítas da vihuela – também denominada
viola em Portugal e no Brasil, assim como o instrumento de cinco ordens – é
congruente ao da prática ibérica desse instrumento, seja assimilada à devoção
religiosa, assim como em performances privadas. O instrumento foi frequentemente representado nas mãos de anjos (Figuras 5 e 6) cuja música consistia em
adaptações da música polifônica contrapontística.
16 “three early-eighteenth-century codices of music in tablature for the viola (five-course guitar) [2
in Lisbon and 1 in Coimbra] are about all that remains from the Portuguese repertory for that
instrument up to the publication of Manuel da Paixão Ribeiro’s book in 1789”.
17 “part of their content seems to fit into a gray area between so-called art music, of written transmission, and music of the oral tradition”.
442
Iconografia musical na América Latina
Figura 5 – Vihuela baixo
Fonte: Juan de Juanes. (Valência, c. 1507-Bocairente, 1579) – detalhe.
Original no Convento de Santa Clara, Valência, Espanha.
Fonte: Vihuela... ([2008]).
Figura 6 – Anjo tocando uma Vihuela (afresco ibérico do século XVI), Anônimo
Fonte: Wikimedia Commons.
O violão em fontes iconográficas
443
Já em Portugal, destacamos a rara imagem encontrada na Igreja da Misericórdia
em Abrantes (Figuras 7 e 8), com a sua detalhada representação de uma viola
com 11 cravelhas.18
Figura 7 – Anjo músico. Anônimo (Portugal, século XVI) - Original na Igreja da Misericórdia,
Abrantes, Portugal
Fonte: Batov (2005).
Figura 8 – Detalhe das 11 cravelhas da viola na figura 7
Fonte: Batov (2005).
18 Cabe também destacar, no âmbito organológico, as violas com 11 cravelhas construídas por
Belchior Dias em 1581 (com alguns exemplares custodiados pelo Royal College of Music em
Londres, com imagens disponíveis em: http://museumcollections.rcm.ac.uk/rcm_collections/
guitar-belchior-dias-lisbon-1581/), de cujo estudo se ocupou Batov (2005, 2017).
444
Iconografia musical na América Latina
Contudo, já no século XVII, os seus usos no Brasil se deslocarão desde uma
vihuela palaciana ou de conversão Jesuítica para uma viola de cinco ordens como
meio para execução de poemas improvisados com acompanhamento instrumental, surgindo como instrumento preferido por figuras trovadorescas como
o poeta Gregório de Matos Guerra (1636-1696),19 como aliás já era prefigurado
na representação de Achillini do gravador Raimondi (Figura 3). Gregório de
Matos tornou-se conhecido pelos seus poemas satíricos, recebendo o apelido
de “Boca do Inferno”, posteriormente exilado em Angola em 1694. Proibido
de entrar na Bahia e distribuir a sua poesia, morreu em Recife em 1696. Diz-se
que antes de morrer solicitou a presença de dois padres católicos para que se
posicionassem de cada lado do seu corpo para que morresse entre dois ladrões,
como Jesus na sua crucificação.20
Apesar de ter vivido em Portugal entre 1652 a 1679 (dos seus 16 aos 43 anos),
nos seus textos, Matos descreve extensivamente a vida musical escutada nas
ruas, conventos, casas e bordeis do Brasil do século XVII, ilustrando com vividez
danças africanas, e parafraseando e parodiando tonos e romances ibéricos.
Tinha ainda um gosto especial por modas profanas que ele considerava como
“canções que os ‘chulos’ cantavam” (BUDASZ, 2004, p. 7), também referidas
como canções do diabo como relatado por outros autores.
19 Gregório de Matos e Guerra nasceu em Salvador, Bahia, filho de Gregório de Matos (nobre
português) e Maria da Guerra. Estudou no Colégio Jesuíta e viajou para Lisboa em 1652, ingressando na Universidade de Coimbra, onde completou sua titulação em cânones em 1661. Lá
tornou-se amigo do poeta Tomás Pinto Brandão (1664-1743), casou-se com D. Michaella de
Andrade e em 1663 foi designado como Juiz de Fora em Alcácer do Sal. Serviu diversos cargos
e funções nomeado pela Corte portuguesa entre 1668 e 1674, mas foi destituído do cargo de
procurador. Em 1679, retornou ao Brasil viúvo. Em 1682, D. Pedro II, rei de Portugal, nomeou
Gregório de Matos como tesoureiro-mor da Sé, um ano depois de ter tomado ordens menores.
Em Portugal, já ganhara a reputação de poeta satírico e improvisador. Foi destituído dos cargos
pelo novo arcebispo, frei João da Madre de Deus, por não querer usar batina nem aceitar a
imposição das ordens maiores, de forma a estar apto para as funções a que tinha sido incumbido. Casou-se pela segunda vez em 1691 com Maria dos Povos, mas levou uma vida boêmia.
Descontente, criticava a igreja, governo e todas as classes sociais baianas (“canalha infernal”),
os nobres (“caramurus”). Os seus escritos irreverentes e satíricos e seu comportamento livre acabaram por obrigá-lo a exilar-se em Angola em 1694, onde se diz ter contraído uma doença letal.
Muito doente, ele conseguiu retornar ao Brasil no ano seguinte, mas foi proibido de entrar na
Bahia e de distribuir a sua poesia. Ao invés, foi para o Recife onde morreu em 1696. Seu irmão
mais velho foi o pintor e orador Eusébio de Mattos (1629-1692). (GREGÓRIO..., [2017])
20 Anedota também referida em Guimarães (2008).
O violão em fontes iconográficas
445
Tocando a viola para acompanhar os seus textos, segundo um dos seus biógrafos, Manuel Pereira Rebelo, ele teria usado um instrumento feito a partir de
uma cabaça que seria proximamente relacionada – ou poderia até mesmo ser – o
banza (Figura 9) – um tipo de viola ainda em uso em algumas partes do Brasil.
Budasz (2001, p. 9) “[...] considera a propagação deste repertório no Brasil,
como visto na poesia [de Gregório de Matos] e como o Brasil pode ter atuado
como um mediador entre África e Portugal no desenvolvimento de parte deste
repertório”. Ele reforça a “[...] interação entre práticas populares e da música de
concerto, assim como práticas de diferentes grupos sociais e raciais” já que “um
número substancial de danças de provável origem africana […] eram comuns no
Brasil antes da época de compilação dos [3] códices, o que fortemente sugere
uma etapa brasileira no seu desenvolvimento”. (BUDASZ, 2001, p. 9)
Figura 9 – Banza, ou Banjar
Fonte: Sloane (1707, prancha III, p. 163).
No Brasil, a viola foi ao longo do tempo assimilada como um instrumento
de acompanhamento, relacionando-a primeiramente aos romances, cantigas,
tonos e modos do início dos séculos XVI e XVII e logo aos lundus e modinhas
446
Iconografia musical na América Latina
do final dos séculos XVII e XVIII. A sua versatilidade também denota variantes
na sua construção, desde um instrumento de seis ordens (como a vihuela), até
um instrumento de cinco ordens (guitarra barroca). Esta última originaria as
várias violas regionais portuguesas e as violas brasileiras – inclusive a moderna
viola caipira –, ilustrada em seis variantes exemplificadas abaixo (Figuras 10 a
15, gentilmente cedidas por Roberto Corrêa).
Figura 10 – Viola caipira (imagem completa e detalhes)
Fonte: arquivo pessoal de Roberto Corrêa.
O violão em fontes iconográficas
447
Figura 11 – Viola Paulista (imagem completa e detalhes)
Fonte: arquivo pessoal de Roberto Corrêa.
Figura 12 – Viola de Queluz (imagem completa e detalhes)
Fonte: arquivo pessoal de Roberto Corrêa.
448
Iconografia musical na América Latina
Figura 13 – Viola de Fandango (imagem completa e detalhes, incluindo etapas de fabricação)
Fonte: arquivo pessoal de Roberto Corrêa.
Figura 14 – Viola de Buriti (imagem completa e detalhes)
Fonte: arquivo pessoal de Roberto Corrêa.
O violão em fontes iconográficas
449
Figura 15 – Viola de cocho (imagem completa e detalhes)
Fonte: arquivo pessoal de Roberto Corrêa.
Essas práticas são também corroboradas pela presença de outras Ordens
Terceiras, como os Franciscanos e Dominicanos, especialmente no culto de
São Gonçalo, na realidade, o Beato Gonçalo de Amarante (Figura 16), já que
o mesmo nunca teria sido canonizado, o suposto santo patrono dos violeiros,
celebrado nas Festas de São Gonçalo do Amarante em Portugal.
Figura 16 – São Gonçalo do Amarante, padroeiro dos violeiros
Fonte: São Gonçalo... (2011).
450
Iconografia musical na América Latina
6 Brasil Colônia ao Primeiro Império
As primeiras representações da viola no contexto brasileiro surgem a partir do
século XVII sobretudo tocadas por músicos negros. Para Budasz (2001), a viola
leva uma espécie de vida dupla durante o século XVII, já que Francisco Manuel de
Melo (1608-1666), escritor, político e militar português exilado na Bahia entre
os anos de 1655 a 1658, afirma em sua Carta de guia de casados (1651) que “[...]
sendo um excelente instrumento, era suficiente para que negros e patifes aprendessem a tocá-la, os homens honrados não mais queriam pô-la em seus braços”
(MELO, 1992, p. 67 apud BUDASZ, 2001, 166), como retratado na figura 17.
Figura 17 –Negra ao violão, padre dançando. Anônimo
Fonte: Wikimedia Commons.21
A inclusão de violeiros negros é encontrada no teatro ibérico a partir da
segunda metade do século XVI, como no Auto da Natural Invenção de Antônio
Ribeiro Chiado, de ca. 1580 e nas Novelas Ejemplares de Miguel de Cervantes, se
desenvolvendo durante os séculos XVII e XVIII (Figura 18).
21 Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Negra_ao_viol%C3%A3o,_padre_
dan%C3%A7ando.jpg.
O violão em fontes iconográficas
451
Figura 18 – Auto da Natural Invenção de Antonio Ribeiro Chiado, ca. 1580 (capa do livro)
Fonte: Chiado (1917, p. [109]).
Contudo, no Brasil, as práticas musicais dos negros foram extensivas e
influentes, infiltrando-se na vida musical, uma vez que eram frequentemente
adotadas durante as atividades cotidianas. Podemos identificar uma visão
local nas imagens de Carlos Julião (1740-1811), artista considerado português
nascido na Itália, que posteriormente passou a integrar o exército português,
no qual identificamos uma viola – com fitas coloridas naquela tocada por uma
mulher – vista nas mãos de membros de cortejos reais africanos (Figura 19).
452
Iconografia musical na América Latina
Figura 19 – Carlos Julião (1740-1811). Coroação do Rei e da Rainha Negra na Festa de Reis
(detalhes à direita)
Fonte: Biblioteca Nacional do Brasil. Acervo digital.22
O mesmo ocorre nas representações incluídas em Bildern aus dem Menschenleben
de Spix e Martius (Figura 20), extraído do Atlas que acompanha seu Reise in
Brasilien (1826-1831), resultado das viagens feitas entre 1817 e 1820, que
retratam um panorama de cenas abrangendo o Rio de Janeiro, Minas Gerais e
Bahia. Na Figura 20 (detalhe da figura anterior), que representa uma cena da
Festa da Rainha, em Minas Gerais, pode-se identificar uma viola, aparentemente
de seis ordens, nas mãos de um músico negro, à esquerda gravura.
22 Disponíveis em: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_iconografia/iconc1_2_8i39.
jpg (Coroação do Rei - acima) e http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_iconografia/
iconc1_2_8i37.jpg (Coroação da Rainha - abaixo).
O violão em fontes iconográficas
453
Figura 20 – Oito cenas brasileiras reunidas em Bildern aus dem Menschenleben
Fonte: Spix e Martius ([ca. 1830], p. 34).23
Figura 21– Festa da Rainha, in Minas24
Fonte: Spix e Martius ([ca. 1830], p. 34).
23 Também disponível no Acervo digital da Biblioteca Nacional, em: http://objdigital.bn.br/
acervo_digital /div_iconografia/icon1250074/icon1250074_36.jpg.
24 Detalhe centro inferior da Figura 20.
454
Iconografia musical na América Latina
Em inícios do século XIX, o alemão Johann Moritz Rugendas (1802-1858) já
demonstra afastamento de representações reconhecíveis da viola, já que vemos
um instrumento com formato arredondado ou piriforme, abobadado, com braço
alongado (Figuras 22 e 23) (semelhante a um tambur?), agora já nas mãos de
indivíduos brancos e abastados, apesar de inseridos em contexto urbano (Rio
de Janeiro, 1823) e rural (São Paulo, 1835).
Figura 22 – Costumes do Rio de Janeiro (1823)
Fonte: Rugendas (1835, pl. 16).25
25 Disponível no site Biblioteca do Senado Federal, em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/
id/227417. Ver também BD RIdIM-Brasil (ID 140), disponível em: ttps://adohm.ufba.br/
dbridimbrasil/catalogacao/visualizar/popup/1/id/140.
O violão em fontes iconográficas
455
Figura 23 – Costumes de São Paulo26
Fonte: Rugendas (1835, pl. 17).27
26 18, lâmina 50 (1835). In: Malerische Reise in Brasilien. Paris: Engelmann & Cie., 1835.
27 Ver também em BD RIdIM-Brasil (ID 141), disponível em: https://adohm.ufba.br/dbridimbrasil/
catalogacao/visualizar/popup/1/id/141.
456
Iconografia musical na América Latina
O mesmo ocorre com Jean-Baptiste Debret (1768-1848), o qual, em Les
délassements d’un après-diner d’hommes riches (1835, Figura 24), entre as suas inúmeras ilustrações musicais, retrata um tipo similar de instrumento arredondado,
abobadado, com braço mais curto (semelhante a um bandolim?), inserido em
um grupo de aparentemente mulatos em lazer (‘hommes riches’), quase como
antecipação de faunos em tardes lascivas mas aqui representados em ambientes
tropicais. Contudo, não será uma viola aqui retratada.
Figura 24 – Debret. Les dèlassements d’une aprés diner, 1835 (2e Partie, Pl. 8), litogr. em cores
Fonte: Debret (1835).28
Nessas representações do Brasil pós-independência, se discernirmos determinados contextos – rural, semiurbano ou urbano – já não podemos identificar
os instrumentos do ponto de vista organológico devido à variabilidade de suas
representações. Ou seja, a exatidão dessas representações não corresponde a
instrumentos em uso corrente à época. Artistas como Rugendas e Debret, avançando no plano estético na elaboração dessas representações, já calcadas em
28 Também disponível (sem cores) no Acervo digital da Biblioteca Nacional, em: http://objdigital.
bn.br/acervo_digital/div_iconografia/icon326377/icon326377_091.jpg.
O violão em fontes iconográficas
457
alguns casos em contextos pós-kantianos do idealismo alemão, muitas vezes,
não teriam feito seus desenhos no Brasil, mas sim de retorno aos seus países de
origem, produzindo imagens seja da memória de algo visto, seja de instrumentos
utilizados e situados fora do espaço brasileiro.
Essas representações elaboradas pelo outro suscitam questionamentos sobre
o espelhamento de transferências culturais a partir de fontes exógenas e, no
caso da viola no Brasil, de fontes sejam essas ocidentais ou orientais. Onde nos
espelhamos? A partir de qual ou quais pontos?
7 Brasil República ao modernismo
Caracterizado pela abolição da escravatura e Proclamação da República
(1889), o final do século XIX é marcado por uma revisão do programa nacional
influenciado pelo crescente antiestrangeirismo e valorização da cultura francesa, agora revolucionária. Não obstante, o nacionalismo desenvolvendo-se no
liberalismo contrário à restauração monárquica, compelem a adoção de novas
linguagens e construção de imagens representativas dessas novas realidades.
Nesse âmbito, nessas representações indigenistas “os índios idealizados nunca
foram tão brancos; assim como o monarca e a cultura brasileira tornavam-se
mais e mais tropicais”. (SCHWARCZ, 1998, p. 148)
Tal dicotomia entre o real e o imaginado na representação de instrumentos
musicais é visível na obra de Almeida Júnior (1850-1899). Com inúmeras participações em salões franceses e influenciado pelo realismo de Courbet na representação de personagens e pessoas da vida cotidiana, identificamos em Descanso
da Modelo (1882, Figura 25) um instrumento piriforme, similar a um bandolim
italiano, ao invés do instrumento usado em terras brasileiras.
458
Iconografia musical na América Latina
Figura 25 – Descanso da modelo (1882), Almeida Júnior
Fonte: Wikimedia Commons.29
Contudo, já no célebre Violeiro (1899, Figura 26) e Oscar (s.d., Figura 27),
Almeida Junior retrata o instrumento plenamente reconhecível como uma viola,
do tipo popular, empunhado pelo caipira como nova personagem da república
emergente.
Figura 26 – O violeiro (1899), óleo sobre tela, Almeida Júnior
Fonte: Wikimedia Commons.30
29 Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Descanso_do_Modelo_
(Almeida_J%C3%BAnior)#/media/File:Jos%C3%A9_ferraz_de_almeida_jr,_riposo_della_
modella,_1882.JPG. Ver também em BD RIdIM-Brasil (ID 8), Disponível em: https://adohm.
ufba.br/dbridimbrasil/catalogacao/visualizar/popup/1/id/8.
30
Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1b/
Almeida_J%C3%BAnior_-_O_ Violeiro_%282%29.jpg. Ver também em e BD RIdIM-Brasil (ID
811), disponível em: https://adohm.ufba.br/dbridimbrasil/catalogacao/visualizar/popup/1/
id/811.
O violão em fontes iconográficas
459
Figura 27 – Almeida Júnior. Oscar (s.d.), óleo sobre tela
Fonte: Pinterest.31
Cândido Portinari (1903-1962), apesar da excepcionalidade em termos
cronológicos em relação à Semana de 1922 desta tela datada de 1924, inicialmente focará pessoas reais num baile popular (Baile na roça, 1924, Figura 28),
considerado como a sua primeira tentativa em retratar temática brasileira, num
ambiente realista, mas ainda com pinceladas impressionistas.
31 Disponível em: https://br.pinterest.com/pin/125326802108289334/.
460
Iconografia musical na América Latina
Figura 28 – Portinari, Baile na Roça (1924), óleo sobre tela, 97 x 134 cm
Fonte: Projeto Portinari Baile na Roça.32
Esse cenário nacionalista parnasiano mudaria definitivamente com o advento
do movimento antropófago da Semana de 1922. Nessa caricatura de Belmonte
(ou Benedito Bastos Barreto, 1897-1947, Figura 29), para um reclame de divulgação da Semana de 1922, o movimento modernista é retratado como o D.
Quixote em São Paulo com os próprios modernistas empunhando cartazes criticando pintores e escultores como Almeida Júnior (“...não pagava o padeiro”) e
Bernardelli (“...é um fazedor de moringas”), compositores como Carlos Gomes
(“...é um burro”), ou modelos românticos como Chopin (“...era um tocador de
berimbau”). Todos esses representariam as correntes tradicionalistas românticas
anteriores, parnasianas, simbolistas e academicistas.
32 Ver também em BD RIdIM-Brasil (ID 168), dosponível em: https://adohm.ufba.br/dbridimbrasil/
catalogacao/visualizar/popup/1/id/168.
O violão em fontes iconográficas
461
Figura 29 – Belmonte. Caricatura anúncio para a Semana de 1922
Fonte: A semana... (2017).
Necessário aqui observar o impulso dado por Lasar Segall (1891-1957) como
um dos precursores do modernismo no Brasil, especialmente a exposição realizada em 1913, sobre a qual Oswald (e não Mário!)33 de Andrade relataria em
1944: “Enquanto eu fazia um jornalzinho tumultuário, Segall realizava cronologicamente a primeira exposição de pintura não acadêmica em nosso país”. Ou
33 Ao examinar a referência para atribuição desta frase, a saber o número da Revista Acadêmica
dedicado a Lasar Segall, p. 34 (apud BRITO, 1978), constatei que a atribuição é errada e repetida em várias fontes, e deve ser corrigida para Oswald de Andrade. Texto original do número da
Revista Acadêmica disponível em: http://icaadocs.mfah.org/icaadocs/THEARCHIVE/FullRecord/
tabid/88/doc/1110322/language/en-US/Default.aspx.
462
Iconografia musical na América Latina
seja, teria simbolizado o primeiro ponto de contato no Brasil com as tendências
vigentes na Europa. No entanto, em texto publicado na mesma Revista Acadêmica
de 1944, na página 10, será Mário de Andrade que afirmará que: “A presença
do moço expressionista [Lasar Segall] era por demais prematura para que a arte
brasileira, então em plena unanimidade acadêmica, se fecundasse com ela”.
Esse processo seria gradual já que segundo o mesmo Oswald de Andrade
(1921) estaríamos “atrasados cinquenta anos em cultura, chafurdados ainda
em pleno parnasianismo”. Será então no muito citado banquete no palácio do
Trianon, em homenagem ao lançamento de As Máscaras de Menotti del Picchia,
em 9 de janeiro de 1921, que Oswald de Andrade faz um discurso (BRITO,
1978), cuja “palavra de ordem” é, segundo Brito (BRITO, 1978, p. 184), “Daqui
para diante”, como “um agressivo toque de reunir, um chamamento à luta, a
declaração de que estão dispostos a aceitarem as horas difíceis e adversas que
estão por vir, e, com elas, os martírios fecundos”.
Mas resumindo as confrontações entre tradicionalistas e futuristas, Monteiro
Lobato, como crítico de arte do jornal Estado de São Paulo, não poupa comentários negativos sobre as novas tendências estéticas em seu célebre A Propósito
da Exposição Malfatti. Publicado em 20 de dezembro de 1917, o texto que ficou
conhecido como Paranoia e mistificação, em sua republicação de 1919, é considerado como o real catalisador do movimento que culminaria na Semana de 1922.
Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que veem normalmente as
coisas [...]. A outra espécie é formada pelos que veem anormalmente a natureza
e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas
rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. [...] Embora
eles se deem como novos, precursores de uma arte a vir, nada é mais velho do
que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranoia e a mistificação.
[...] Essas considerações são provocadas pela exposição da srª Malfatti onde se
notam acentuadíssimas tendências para uma atitude estética forçada no sentido das extravagâncias de Picasso e companhia. (LOBATO, 1917, p. 4)
Em meio a essas tensões, as representações de Lasar Segall (1891-1957)
atuariam como ponto referencial e articulador introduzindo estéticas externas
no contexto brasileiro intermediadas por um estrangeiro no país. Assim, vemos
aqui o processo inverso: as cores brasileiras e seus costumes influenciando a
temática do estrangeiro. Há uma inversão do outro já que o estrangeiro encontrará no Brasil um espelho para os seus anseios capaz de lhe revelar uma nova
O violão em fontes iconográficas
463
estética ao adotar os usos, luzes, práticas e paisagens locais. Contudo, em dado
momento esse outro desaparecerá criando referencial local inseparável de uma
nova representação desta identidade.
Identificamos 15 representações do violão34 na obra de Segall as quais poderiam ser subdivididas em dois grupos: obras com (12); e sem figuras humanas
(3). Contudo, aqui propomos destacar duas vertentes, inclusive ambas iniciando-se em 1924: representação do violão com figura epecíficamente feminina (8);
e violão sem figuras humanas (3). As quatro demais obras trazem figuras de
diversos gêneros, idades e contextos.
Na primeira vertente, obras associando o violão e a figura feminina, exemplificamos três obras: a Tocadora de violão cega (1924, Figura 30), Jovem com violão
(1941, Figura 31) e Tocadora de violão num ateliê (1948, Figura 32).
Figuras 30, 31 e 32 – Lasar Segall. Tocadora de violão cega (1924 – esq.),
Jovem com violão (1941 – centro), e Tocadora de violão num ateliê (1948 – dir.)
Fonte: Museu Lasar Segall.
Tocadora de violão cega (1924), possivelmente um músico popular, inaugura
esse tipo de composição, mas será a assistência de [Dora] Lucy Citti Ferreira
(1911-2008), – pintora e desenhista brasileira formada em Paris (1930-1934),
34 O museu foi contatado e o resultado é a identificação de 50 obras com instrumentos musicais (violão 15, acordeom 17, outros instrumentos 18) e oito fotografias (autores diversos) de
Dora Lucy Citti Ferreira (1911-2008), a qual serviu como sua modelo para várias dessas obras,
Ferreira tocando violão ou acordeom. Desde já agradecemos a colaboração do pesquisador
Daniel Rincon Caires, Coordenador do Setor de Pesquisa do Museu Lasar Segall (MLS). Lasar
Segall ainda não consta na base de dados do RIdIM-Brasil o qual será prontamente atualizado.
464
Iconografia musical na América Latina
sua modelo no período em que foi sua aluna em São Paulo entre 1935 e 1946 –,
que produzirá uma clara articulação da figura feminina com o violão como vista
nas figuras acima. Na fotografia a seguir (Figura 33), vemos Lucy empunhando
um violão, mas a veremos também ao acordeão (Figura 34) o que produzirá
não menos que outras 13 obras com Lucy nesse instrumento.
Figura 33 – Dora Lucy Citti Ferreira posando em sua casa (1947),
autor não identificado. Número de tombo: F. 01950
Fonte: Museu Lasar Segall.
O violão em fontes iconográficas
465
Figura 34 – Lasar Segall pintando Lucy, 1940.
Foto de Hildegard Rosenthal. 18,6 x 24,9 cm Número de tombo: F.00212
Fonte: Museu Lasar Segall.
Na segunda vertente, também iniciada em 1924, exemplificamos com outras
três obras: Projeto de cor para decoração do Baile Futurista do Automóvel Clube (1924,
Figura 35), Paisagem e natureza morta-Campos do Jordão (1942, Figura 36) e Natureza
morta com violão (1944, Figura 37).
Figuras 35, 36 e 37 – Lasar Segall. Baile Futurista do Automóvel Clube (1924 – esq.), Paisagem e natureza
morta (Campos do Jordão, 1942 - centro) e Natureza morta com violão (ca. 1944)
Fonte: Museu Lasar Segall.
466
Iconografia musical na América Latina
Será em Tocador de violão (Figura 38), gravura para o livro Poemas Negros (1947)
de Jorge Lima (1893-1953),35 que Lasar Segall representará o violão com uma
figura masculina expressiva até pelo fato dessa figura se encontrar de costas
para quem o visualiza, ocultando o instrumento. Parece-nos ainda denotar
abstraimento não só do ponto de vista da atitude do violonista ao ocultar o
instrumento, como também da sua superposição sobre um plano subjetivo na
contemplação da ação representada (tocar o violão).
Figura 38 –Tocador de violão, Lasar Segall36
Fonte: Museu Lasar Segall.
Como se poderá observar a seguir, a contribuição de Lasar Segall terá sido
primordial para o projeto antropófago e sobretudo dos seus desdobramentos
35 Jorge Lima (1893-1953) é um político, médico, poeta, romancista, biógrafo, ensaísta, tradutor
e pintor alagoano, e como parte do dito segundo tempo modernista é autor de obra poética
que oscila entre o formalismo, o misticismo, as recordações da infância e a figura do negro. Sua
obra mais reconhecida é a dita “epopeia barroco-surrealista” Invenção de Orfeu (1952). Segundo
Camilo (2013), participa da consolidação do cânone da poesia afro-americana.
36 Gravura original do livro Poemas Negros, 1947. Litografia a três cores sobre papel. 23 x 19 cm.
Número de tombo: MLS 0435 (MLS).
O violão em fontes iconográficas
467
na utilização da figura feminina como ventre fértil da brasilidade, associando
uma simbologia do feminino a cenas da vida cotidiana. O corpo feminino e suas
inúmeras possibilidades narrativas e inscrições sutis se desdobram a partir da
ideia do nu como gênero,
[...] considerado como forma ideal de arte (Clark 1971), buscando sempre a
mimesis do belo, com isso ele é um indicador da ideia dominante da arte e seu
papel na sociedade (Mahon 2005:29), ou até os boundaries dela (Nead 2003:7),
porque é a representação do corpo possível de ser mostrada dentro da moral
regente e de cada sociedade. (BATISTA, 2011)
A representação desses instrumentos já não mais teria qualquer preocupação
organológica assumindo agora um valor iconológico, numa brasilidade almejada
pelos modernistas ao articular no país as tendências mais recentes da pintura
internacional – futurismo, dadaísmo, expressionismo, surrealismo e cubismo.
8 Desdobramentos: o nu e o vestido
Como idealizador da Semana de 1922, Di Cavalcanti (1897-1976) retrata
o violão,37 agora completamente assimilado às práticas musicais urbanas em
reuniões de música popular – Carnaval, serestas, serenatas, gafieira, samba etc.
Acompanha essas representações a sua apreciação pelas curvas femininas como
definidas nas suas mulatas. Em Serenata (1925, Figura 39), vemos tais curvas
refletidas na anca da figura feminina no primeiro plano e pela curva superior do
violão no segundo plano, tensionado pela inclinação dos rostos de ambas essas
figuras, que aparentam possuir um ritmo introspectivo próprio, justaposto às
demais figuras que aparentam estar em movimento, em ritmo distinto.
37 Foram identificadas cerca de 20 obras que incluem o violão em sua composição; a BD RIdIMBrasil possui 18 entradas.
468
Iconografia musical na América Latina
Figura 39 –Serenata (1925), Di Cavalcanti
Fonte: Edi Cavalcanti.38
Já em Moças com violões (1937, Figura 40), vemos uma suavização dos traços
apontando para as representações do corpo feminino que se tornaram uma
marca identificável na sua obra. Sua produção possui temas de caráter realista
em diálogo com a construção de uma identidade nacional, na qual o violão está
imerso e retratado como ícone simbólico desse novo contexto cultural.
Figura 40 –Moças com violões (1937), Di Cavalcanti
Fonte: Moças... (2017)39
38 Ver: BD RIdIM-Brasil (ID 22), em: https://adohm.ufba.br/dbridimbrasil/catalogacao/visualizar/
popup/1/id/22.
39 Ver também em BD RIdIM-Brasil (ID 577), Disponível em: https://adohm.ufba.br/dbridimbrasil/
catalogacao/visualizar/popup/1/id/577.
O violão em fontes iconográficas
469
De forma mais explícita, Héctor Julio Páride Bernabó ou Carybé (1911-1997),
argentino estabelecido e naturalizado brasileiro, retrata a sua Mulata Grande
(1980, Figura 41). Essa figura feminina já se desnuda e se torna uma espécie
de Vênus primal brasileira, uma figura maternal parindo uma brasilidade em
continuidade às mulatas de Di Cavalcanti.
Figura 41 – Carybé. Mulata Grande (1980).
Óleo sobre tela e papel. 61 x 45cm
Fonte: Barreto (2008).
Sobre o nu na pintura, Batista (2011) observa que durante o século XIX o
nu nunca foi tão cultivado, enquanto que na vida cotidiana o corpo nunca foi
tão zelosamente ocultado, sobretudo o corpo da mulher. Já o nu masculino,
com muitos poucos exemplares conhecidos especialmente no espaço brasileiro,
ganha tons de virilidade e patriotismo se sobrepondo ao feminino que mantêm
os traços idealizados de uma perfeição estética. De acordo com Batista (2011),
Peter Brooks chega à conclusão de que a concepção de um nude moderno consiste em um oxymoron (1989, p. 16), ou melhor ainda, contradictio in adiecto, quer
dizer, uma figura retórica de uma formulação contraditória. Aqui há a contradição do adjetivo ‘moderno’ que vincula as associações real, contemporâneo,
ordinário, individual, breve, a uma forma particular contra o significado do
substantivo nude, uma representação de forma ideal, bela e clássica. [...] Eis
470
Iconografia musical na América Latina
uma narrativa inscrita num corpo moderno que tem como elo uma controvérsia
ideológica sobre o tradicional e o novo que move todo campo da arte, e além
deste, outros bens simbólicos da sociedade. Eis agora um nu que conta uma
estória moderna...
Tais transformações no espaço brasileiro possuem particularidades identificáveis desde o ensino na Academia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro,
no culto à beleza greco-romana e preceitos clássicos da figura humana. Havia
ainda falta de modelos especialmente masculinos para as aulas de desenho,
sendo esses encontrados em camadas mais baixas da população, muitas vezes
negros, desnutridos ou em idade avançada, dificilmente servindo para representações da virilidade clássica. Já os nus femininos, muitas vezes, eram feitos em
ateliers particulares, e quando no estrangeiro, segundo Batista (2011), “obrigava
o artista a imaginar um corpo brasileiro com um modelo francês, italiano ou
de outro país; impondo-se ao artista a necessidade de lembrar e construir uma
‘ficção real do corpo nacional’ a partir da memória”.40
Mas a importância do corpo feminino no imaginário nacional é destacada
desde a célebre Moema (1866, Figura 42) de Vitor Meirelles de Lima (1832-1903),
a qual segundo Batista (2011),
une o indianismo tanto ao romantismo sentimental quanto ao erotismo dentro
de uma paisagem tropical. O cadáver monumental num idílio trágico concentra
no próprio corpo feminino a busca de uma construção identitária (Migliaccio
2000:42). História e mito caminham lado a lado, nomeiam a indígena mitificada como ‘bom selvagem’, com qual a jovem Nação quer fazer as pazes do seu
passado (Schwarcz 1998:147), uma maquiagem da era colonial e novo símbolo
do império brasileiro.
40 Este mesmo processo ocorreria com as representações do violão no caso de artistas estrangeiros
que após o seu regresso deveriam recriar detalhes dos instrumentos.
O violão em fontes iconográficas
471
Figura 42 – Moema (1866), Vitor Meireles. Óleo sobre tela, 129 x 190 cm
Fonte: Collections... (2018).
Todas essas transformações na representação da figura feminina, e desta
quando combinada com as curvas voluptuosas do violão, e ainda quando
inseridas numa paisagem tropical, unem-se exibindo algum nível de erotismo
simbólico na busca de uma construção identitária que permite contar uma narrativa moderna. Ou nas palavras de Brooks (1989), “gerando uma controvérsia
ideológica sobre o tradicional e o novo movendo todo campo da arte, e além
deste, outros bens simbólicos da sociedade”.
Essas figuras se contrapõem às representações do violão nas mãos de figuras
masculinas, os quais são retratados sempre vestidos e em contextos boêmios
e populares, quase que de forma impessoal, como no negro (Debret, Spix &
Martius, Segall, Portinari) ou brancos abastados (Rugendas).
Um exemplo que atinge maior complexidade narrativa, o Oscar (Figura 26)
de Almeida Junior se comparado ao seu Derrubador brasileiro (1879, Figura 43),
retrata uma antítese do ideal viril do século XIX ao colocá-lo em postura recostada, em repouso do trabalho árduo, o que denota para Batista (2011) um “afastamento do ideal heroico” promovido por “vertente das novas representações da
472
Iconografia musical na América Latina
masculinidade desde o século XVII, como ela foi inaugurada com o Hércules do
escultor francês Pierre Puget (1620-1694), segundo Herding (2004)”. Recostado,
[n]uma transposição da virtude de uma ação heroica-trágica em um carregamento sensual do corpo masculino pelo não fazer. A pose passiva de repouso
do derrubador encarna um erotismo lascivo que é reforçado pela vestimenta.
O corpo do homem meio vestido realça, através da calça, novos contornos
que lançam atenção a seu sexo ocultado. É por causa do vestuário que o nu
masculino ganha em experiência da carne e aparece mais vivo, longe de uma
idealização clássica. Portanto, o Derrubador brasileiro ocupa o lugar de um corpo
moderno e regional trazendo consigo narrativas do interior como exótico e
carregadas sensualmente, em contraposição à virtude tradicional heroica.
(BATISTA, 2011)
Figura 43 – Derrubador brasileiro (1879), Almeida Júnior. Óleo sobre tela. 227x182cm
Fonte: Almeida... (2008).
O violão em fontes iconográficas
473
Tal complexidade não é encontrada nas representações do masculino pós-semana de 1922. Por exemplo, Cândido Portinari, incorporando o cubismo
e o surrealismo ao retratar personagens populares – com cerca de 28 imagens
incorporando o violão –,41 concentra-se sobre as principais práticas musicais
urbanas contemporâneas como o choro e o samba (Figuras 44 e 45).
Figura 44 – Chorinho (1942), Cândido Portinari. Painel a têmpera/tela. 225x300 cm
Fonte: Projeto Portinari.42
41 Segundo dados levantados na base RIdIM-Brasil, disponível em: https://adohm.ufba.br/
dbridimbrasil.
42 Disponível em: http://www.portinari.org.br/#/acervo/obra/3754/detalhes. Ver também em e
BD RIdIM-Brasil (ID 219), disponível em: https://adohm.ufba.br/dbridimbrasil/catalogacao/
visualizar/popup/1/id/219.
474
Iconografia musical na América Latina
Figura 45 – Samba (1956), Cândido Portinari. Integra série Cenas Brasileiras (Revista O Cruzeiro).
Óleo sobre tela. 198 x 168 cm
Fonte: Projeto Portinari Chorinho.43
Contudo, uma nova narrativa produzida sobre a figura masculina associada
ao violão materializa-se na recriação, em 1956, do mito de Orfeu. Transformado
em uma “tragédia carioca em três atos”, Orfeu, agora negro, tocando um violão,
tenta vencer um conflito contra a morte, dando rosto a uma figura masculina
representativa e não mais impessoal. Nos cartazes produzidos à época para a peça
de teatro e a seguir o filme, vemos uma espécie de substituição do violão figurativo de Djanira (Figura 46) em um violão abstrato de Carlos Scliar (Figura 47),
e, posteriormente, em uma mulher (Eurídice) no cartaz para o filme (Figura 48).
Em outra abstração figurativa, vemos a capa do Long Play (LP) de lançamento
da trilha sonora pelo selo Odeon, em 1956 (Figura 49), elaborada por Raimundo
Nogueira.44
43 Ver também em BD RIdIM-Brasil, (ID 388, Disponível em: https://adohm.ufba.br/dbridimbrasil/
catalogacao/visualizar/popup/1/id/388.
44 Informação extraída da contracapa do LP com notas de Vinícius de Moraes.
O violão em fontes iconográficas
475
Figuras 46 e 47 – Cartaz da peça Orfeu Negro (Djanira, 1956 – esq.) e cartaz da peça Orfeu Negro
(Carlos Scliar, 1956 – dir.)
Fonte: VM Cultura ([200-]).
Figuras 48 e 49 – Cartaz do filme Orphée Noir dirigido por Marcel Camus (1959 – esq.)
e capa do disco LP, com arte de Raimundo Nogueira (1956 – dir.)
Fonte: VM Cultura ([200-]).
476
Iconografia musical na América Latina
Segundo o sítio web dedicado a Vinícius de Moraes,
Entre 1942 e 1960, portanto, dezoito anos separam Orfeu de sua morada em
uma favela carioca para o imaginário mundial. Sua história deu uma nova
dimensão internacional sobre o Brasil e sua cultura. A peça de Vinícius de
Moraes quebrou tabus, fundou amizades, inaugurou parcerias e iluminou o
mundo com a história mítica de seu herói trágico. (VM Cultura ([200-])
O impacto de Orfeu Negro originará uma iconografia relacionando o violão a
figuras masculinas não sem, contudo, gerar algum nível de ambiguidade, ou um
oximoron, numa oscilação entre tradição e modernidade mas também outra de
caráter social ao expressar e ao mesmo tempo enraizar num contexto pós-guerra
dos anos 1950, um Brasil apartado das suas realidades sociais severas como o
analfabetismo e a fome.
Além de filme premiado em festivais internacionais,45 não deixará de estar
imbuído de uma polissemia, já que este negro Orfeu foi uma criação de intelectuais brancos abastados, formados e habitantes das zonas urbanas nobres
do Rio de Janeiro, como Vinícius de Moraes (um diplomata), Oscar Niemeyer
(arquiteto) e Tom Jobim (compositor). A estreia da obra no Teatro Municipal
em 25 de setembro de 1956 foi amplamente divulgada nos jornais da época,
como publicada no jornal Última Hora (1956), cuja manchete anuncia a obra
como “nova etapa da história do teatro brasileiro” (Figura 50), no qual não se
deixou de registrar a assistência da elite social e intelectual carioca.
Dessa forma, não será somente um Orfeu negro, mas talvez novos Orfeus –
mulatos, brancos, negros – que se sucederão nesse movimento, primeiramente
com Vinícius de Moraes e Tom Jobim aqui representados nesta emblemática
fotografia da década de 1950 (Figura 51).
45 Prêmios recebidos: Cannes Film Festival, Palme d’Or (1959); Academy Awards, Best Foreign
Language Film (1960); Golden Globes (USA), Best Foreign Film (1960); BAFTA Awards, nomeado
como Best Film from any Source (1961).
O violão em fontes iconográficas
477
Figura 50 – “Orfeu da Conceição” – Nova etapa na História do Teatro Brasileiro
Fonte:. Instituto Antônio Carlos Jobim.46
Figura 51 – Vinícius de Moraes e Tom Jobim [década de 50]
Fonte: Tolentino (2014).
46 Jornal Última Hora, Rio de Janeiro, [26 set.1956].
478
Iconografia musical na América Latina
O violão, logo integrado pela bossa-nova, se torna o maior símbolo tanto
de brasilidade como de intimidade, uma forma particular de falar para e com a
alma brasileira. Provoca assim um movimento mais amplo ao incorporar outros
Orfeus, agora baianos, como João Gilberto (Figura 52) e logo Dorival Caymmi,
como também Baden Powell, João Bosco, e tantos outros que acabaram ressignificando a figura do trovador medieval, o Orfeu original da vihuela de Luis de
Milán, atingindo ainda os ditos cantautores nos países hispânicos.
Figura 52 – João GIlberto, entre Luiz Roberto e Quartera, de Os Cariocas,
Tom Jobim e Vinicius de Moraes, nos anos 1960, no Rio de Janeiro
Fonte: Werneck (2012).
Não será assim sem dado grau de contradictio in adiecto, – uma figura retórica
de uma formulação contraditória, nessa narrativa construída por e sobre classes
em extremos do espectro social. Mesmo assim, enquanto simboliza Orfeu, o
violão será utilizado extensivamente, desconstruído, rearranjado, reinterpretado,
como o símbolo da voz e poder de Orfeu (Figura 53).
O violão em fontes iconográficas
479
Figura 53 – Fotografias de divulgação da produção de Orfeu em 1956 e em 2010 dirigido por
Aderbal Freire-Filho, e apresentado em 3 capitais: Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília
Fonte: Instituto Moreira Sallese ShowBras.
O enraizamento dessa iconografia produzida desde o século XIX ainda perdura em várias reinterpretações, apropriações, montagens, desconstruções e
reconstruções, como nas imagens irreverentes abaixo (Figuras 54, 55 e 56).
Figura 54 –Chico Violeiro (s.d.), Maurício de Souza
Fonte: Vírus da Arte & Cia.47
47 Disponível em: https://i2.wp.com/virusdaarte.net/wp-content/uploads/2015/05/chico-violeiro.jpg.
480
Iconografia musical na América Latina
Figura 55 – Montagem sobre Almeida Junior (s.d.), Braz Junior
Fonte: Haag (2009).
Figura 56 – Amarildo. Ilustração para artigo sobre o Rio de Janeiro
e Bossa Nova publicado no Jornal A Gazeta
Fonte: Blog do Amarildo.48
48 Disponível em: https://amarildocharge.files.wordpress.com/2008/11/violao-rio-pao-de-acucar-mar.jpg.
O violão em fontes iconográficas
481
9 Por último…
Apesar da possibilidade de descoberta do outro em nós mesmos, podemos
considerar níveis de proximidade e distanciamento deste outro, porque mesmo
que o processo criativo seja explorado de forma similar, o observador – o “olhar”
– nunca realiza processo idêntico, seja esse espacial ou temporal. Assim, a
compreensão sobre o locus é relevante para uma análise que se pretenda crítica.
Nesse sentido, as perspectivas inerentes ao artista em relação ao objeto
retratado e como essas representações são utilizadas e se tornam significativas,
exigem uma “compreensão da gramática profunda” das estruturas sociais brasileiras – como discutido na sociologia dual de Roberto DaMatta (1981, p. 23),
na percepção da “dominância relativa de ideologias e idiomas através dos quais
certas sociedades representam a si próprias”. Nesse sentido, nossa especificidade
seria uma dualidade constitutiva que ora tratará o indivíduo, ora tratará a pessoa.
no drama do ‘você sabe com quem está falando?’ somos punidos pela tentativa
de fazer cumprir a lei ou pela nossa ideia de que vivemos num universo realmente igualitário. Pois a identidade que surge do conflito é que vai permitir hierarquizar. [...] A moral da história aqui é a seguinte: confie sempre em pessoas e
em relações (como nos contos de fadas), nunca em regras gerais ou em leis universais. Sendo assim, tememos (e com justa razão) esbarrar a todo momento
com o filho do rei, senão com o próprio rei. (DAMATTA, 1981, p. 167)
Nesse contexto, a representação do violão acompanha o desenvolvimento
de uma rede de significados e subjetivações entre este outro e nós, na qual o
outro se torna nós, e nós nos tornamos o outro. Processo que se torna particularmente complexo em culturas colonizadas e logo descolonizadas, quando a
desconstrução de tais processos demanda manutenção e ruptura de tradições.
Por esse mesmo motivo, a construção de narrativas historiográficas demandará
exercício fino na desconstrução desses significados.
Como proposta para enquadramento de estudos futuros, citamos o processo de desmitificação, também utilizado na teoria ator-rede – Actor-Network
Theory (ANT) –, e especialmente na ‘sociologia da tradução’, na qual se busca
problematizar a fase inicial de um processo de tradução e a criação de uma
rede. Para Michel Callon (1984), essa problematização envolve dois elementos:
482
Iconografia musical na América Latina
1. Interdefinição de atores na rede;
2. Definição do programa problema/tópico/ação, referido como um ponto
de passagem obrigatório – Obligatory Passage Point (OPP).
Um OPP pode ser entendido como o final estreito de um funil, forçando os
atores a convergirem sobre um determinado tópico, propósito ou questão, se
tornando um elemento necessário para a formação de uma rede e um programa
de ação, ao mediar interações entre atores numa rede e definir o seu programa
de ação. Pontos de passagem obrigatórios permitem redes locais a configurar
espaços de negociação que os permitem um grau de autonomia da rede global
de atores envolvidos.
Nesse sentido, desde um ponto de vista crítico, à medida em que consideramos o impacto do discurso imagético, no que este retrata um dado espaço
geográfico brasileiro, refletindo a sua ocupação demográfica e econômica, a
identidade subjetiva decorrente dessa representação cria espaços onde estas
subjetividades são negociadas com relativos graus de autonomia da rede global
de significados possíveis.
Assim, podemos estar fadados a nos tornarmos mestiços, mas não sem profundas características musicais brasileiras, imersa na nossa própria diversidade
criativa interna, plasticidade e natureza adaptativa.
Referências
ALMEIDA Júnior - O Derrubador Brasileiro. In: WIKIMEDIA commons.
[S. l.], 2008. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Almeida_J%C3%BAnior_-_O_Derrubador_ Brasileiro.jpg. Acesso em: 13
maio 2017.
ALMEIDA, Renato. História da música brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: F.
Briguiet, 1942.
ANDRADE, Oswald de. Manifesto antropófago e Manifesto da poesia pau-brasil.
Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha. Revista de Antropofagia, São Paulo, ano
1, n. 1, p. 3-4, maio 1928.
ANDRADE, Oswald de. Paul Fort príncipe. Jornal do Commercio, São Paulo, 9
jul. 1921.
O violão em fontes iconográficas
483
AQUEL TROVAR. Guitarra medieval. [S. l.], [20--]. Disponível em: http://www.
aqueltrovar.com/instrumentos/edad-media/guitarra-medieval. Acesso em: 13
maio 2017.
BARRETO, José de Jesus Barreto. Gente da Bahia – Carybé. In: JEITO BAIANO.
Salvador, 2009. Disponível em: https://jeitobaiano.wordpress.com/2009/05/19/
gente-da-bahia-%E2%80%93-carybe/. Acesso em: 13 maio 2017.
BATISTA, Stephanie Dahn. O corpo falante: narrativas e inscrições num corpo
imaginário na pintura acadêmica do século XIX. 19&20, Rio de Janeiro, v. 6,
n. 1, jan./mar. 2011. Disponível em: http://www.dezenovevinte.net/obras/
corpo_academia.htm. Acesso em: 13 maio 2017.
BATOV, Alexander. The Vihuela and Guitar Crossroads: looking for evidence. 2017.
Disponível em: http://www.vihuelademano.com/vgcrossroads.htm. Acesso em:
13 maio 2017. Acesso em: 13 maio 2017.
BATOV, Alexander. The Royal College Dias - guitar or vihuela? 2006. Disponível em:
http://www.vihuelademano.com/rcmdias.htm.
BIBLIOTECA NACIONAL DE ESPAÑA. Disponível em: http://bdh-rd.bne.es/
viewer.vm?id=0000022795. Acesso em: 13 maio 2017.
BOPP, Raul. Vida e morte da antropofagia. Rio de janeiro: J. Olympio, 2006.
BRITO, Mário da Silva. História do Modernismo Brasileiro. Antecedentes da Semana
de Arte Moderna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
BROOKS, Peter. Storied Bodies, or Nana at Last Unveiled. Critical Inquiry, Chicago,
v. 16, n. 1, p. 1-32, Autumn 1989.
BUDASZ, Rogério. The five-course guitar (viola) in Portugal and Brazil in the late
seventeenth and early eighteenth centuries. 2001. Dissertation (PhD in Music
History and Literature) – University of Southern California, Los Angeles, 2001.
BUDASZ, Rogério. A música no tempo de Gregório de Mattos: música ibérica e afrobrasileira na Bahia dos séculos XVII e XVIII. Curitiba: DeArtes, 2004.
CALLON, Michel. Elements of a sociology of translation: Domestication of the
Scallops and the Fishermen of St Brieuc Bay. In: LAW, John (ed.). Power, Action and
Belief: A New Sociology of Knowledge? London: Routledge, 1984. p. 196-233.
CAMILO, Vagner. Jorge de Lima no contexto da poesia negra americana. Estudos
Avançados, São Paulo, v. 27, n. 77, p. 299-318, 2013. Disponível em: http://www.
484
Iconografia musical na América Latina
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142013000100021&lng=en
&nrm=iso. Acesso em: 23 nov. 2019.
CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (org.).
Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro:
Campus, 1997.
CESAIRE, Aimé. Discours sur le colonialisme. trans. Joan Pickham, trans. New York:
Monthly Review Press, 2000.
CHIADO, Antonio Ribeiro. Auto da Natural Invenção. Lisboa: Ferreira Editores,
1917. Disponível em: https://archive.org/details/autodanaturalinv00ribe/page/
n123. Acesso em: 13 maio 2017.
COLLECTIONS of the Museu de Arte de São Paulo. In: WIKIMEDIA commons. [S.
l.], 2018. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Collections_
of_the_Museu_de_Arte_de_ S%C3%A3o_Paulo_(May_2018)_11.jpg#filelinks.
Acesso em: 13 maio 2017.
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
DEBRET, Jean-Baptiste. La diner / Les delassemens d´une aprés diner. Paris:
Firmin Didot Frères, 1835. 50,4 x 33,4 cm. Disponível em: http://www.
brasilianaiconografica.art.br/obras/18735/la-diner-les-delassemens-dune-apresdiner. Acesso em: 13 maio 2017.
DEBRET, Jean-Baptiste. Voyage pittoresque et historique au Brésil ou Séjour d’un artiste
français au Brésil: depuis 1816 jusq’en 1831 inclusivement, époques de l’avènement et de
l’abdication de S. M. D. Pedro 1er., fondateur de l’Empire brésilien. Tome deuxième. Paris:
Firmin Didot Frères, 1835.
EDI CAVALCANTI. Serenata. Disponível em: http://www.dicavalcanti.com.br/
anos20/obras_20/serenata.htm. Acesso em: 13 maio 2017.
FENSKE, Elfi Kürten. Mário de Andrade e a construção da cultura brasileira.
Templo Cultural Delfos, [s. l.], jun. 2011. Disponível em: http://www.elfikurten.com.
br/ 2011/06/mario-de-andrade.html. Acesso em: 13 maio 2017.
FREITAS, Frederico de. O fado, canção da cidade de Lisboa; suas origens e
evolução. In: COLÓQUIO sobre música popular portuguesa: comunicações e
conclusões. [Lisboa]: Instituto Nacional para Aproveitamento dos Tempos Livres
dos Trabalhadores, 1984.
O violão em fontes iconográficas
485
FRYER, John. Rhythms of resistance: the African heritage in Brazil. London: Pluto
Press, 2000.
GALERÍA DE INSTRUMENTOS MEDIEVALES. Disponível em: https://cantigas.
webcindario.com/imagenes/albuminstrumentos/indice.htm. Acesso em: 13
maio 2017.
GREGÓRIO de Matos. In: WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. [S. l.], [2017].
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Greg%C3%B3rio_de_Matos. Acesso
em: 13 maio 2017.
GUIMARÃES, Ana. Histórias do boca do inferno. Portal MEC, Brasília, DF, 3 abr.
2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/ultimas-mnoticias/225-sistemas1375504326/10232-sp-1041408236. Acesso em: 13 maio 2017.
HAAG, Carlos. Saudades do Jeca no século XXI. Revista Pesquisa FAPESP, São
Paulo, ed. 164, out. 2009. Disponível em: http://revistapesquisa.fapesp.
br/2009/10/01/ saudades-do-jeca-no-seculo-xxi/. Acesso em: 13 maio 2017.
INSTITUTO ANTÔNIO CARLOS JOBIM. Disponível em: http://www.jobim.org/
jobim/handle/2010/8982. Acesso em: 13 maio 2017.
INSTITUTO MOREIRA SALLES. Rádio Batuta. Disponível em: http://radiobatuta.
com.br/episodios/10-orfeu-sobe-ao-palco/. Acesso em: 13 maio 2017.
KELLEY, Robin D. G. A poetics of anticolonialism. In: CESAIRE, Aimé. Discours
sur le colonialisme. trans. Joan Pickham, p. 7-28. New York: Monthly Review
Press, 2000.
LÉVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito. Tradução José Pinto Ribeiro. Lisboa:
Edições 70, 1980.
LOBATO. Monteiro. A Propósito da Exposição Malfatti. O Estado de S. Paulo, São
Paulo, p. 4, 20 dez. 1917.
LUCIE-SMITH, Edward. Adam-the male figure in art. East Sussex: Weidenfeld &
Nicolson, 1998.
MAGALHÃES-CASTRO, Beatriz. Três séculos de iconografia da música no Brasil
de Mercedes Reis Pequeno: Visualidade e construção de identidades na prática
musical brasileira. In: SOTUYO BLANCO, Pablo (org.). Estudos Luso-Brasileiros em
Iconografia Musical. Salvador: Edufba, 2015. p. 11-31.
MARTINS, Paula Marinelli. Configuração de Monteiro Lobato na crítica à
Anita Malfatti (1930). Revista Vernáculo, Curitiba, n. 36, p. 31-46, 2. sem. 2015.
486
Iconografia musical na América Latina
Disponível em: https://revistas.ufpr.br/vernaculo/article/view/36507.
Acesso em: 13 maio 2017.
MELO, Francisco Manuel de. Carta de guia de casados. Mem Martins: Publicações
Europa-América, 1992.
MIGLIACCIO, Luciano. Mostra do redescobrimento: arte do século XIX-19th-Century
Art. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2000.
MILÁN, Luis de. Libro de música de vihuela de mano intitulado el maestro. Valencia:
Francisco Diaz Romano, 1536.
MOÇAS com Violões. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura
Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2011. Disponível em: http://enciclopedia.
itaucultural.org.br/obra4725/mocas-com-violoes. Acesso em: 13 maio 2017.
NATIONAL GALLERY OF ART. Disponível em: https://www.nga.gov/collection/
art-object-page.10143.html. Acesso em: 13 maio 2017.
PINTEREST. Disponível em: https://br.pinterest.com/
pin/125326802108289334/. Acesso em: 13 maio 2017.
POULTON, Diana. S.v. “Vihuela”. In: SADIE, Stanley (ed.). The new grove dictionary
of music and musicians. New York: MacMillan, 1980.
PROJETO PORTINARI. Chorinho. Disponível em: http://www.portinari.org.br/#/
acervo/obra/3754/detalhes. Acesso em: 13 maio 2017.
PROJETO PORTINARI. Baile na roça. Disponível em: http://www.portinari.org.
br/#/acervo/obra/2305/detalhes. Acesso em: 13 maio 2017.
REVISTA ACADÊMICA. Rio de Janeiro: [s. n.], ano 10, n. 64, jun. 1944. Número
de homenagem a Lasar Segall.
ROBERTS, John Storm. Black music of two worlds. London: Allen Lane, 1973.
RUGENDAS, Johann Moritz. Malerische reise in brasilien. Paris: Engelmann &
Cie., 1835.
SÃO GONÇALO Padroeiro dos Violeiros. In: BLOG Fãs Programa Terra da
Padroeira. [S. l.], 2011. Disponível em: http://fasterradapadroeira.blogspot.
com/2011/12/sao-goncalo-padroeiro-dos-violeiros.html. Acesso em: 13
maio 2017.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador. São Paulo: Cia das Letras, 1998.
O violão em fontes iconográficas
487
(A) SEMANA de Arte Moderna. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e
Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: http://
enciclopedia.itaucultural.org.br/obra11223/a-semana-de-arte-moderna. Acesso
em: 13 maio 2017.
SHOWBRAS. Disponível em: http://www.showbras.com.br/orfeu/orfeu_
ABERTURA.html. Acesso em: 13 maio 2017.
SLOANE, Hans. A voyage to the islands of Madeira, Barbados, Nieves, St. Christophers and
Jamaica. Londres: B.M., 1707. 2 v.
SOTUYO BLANCO, Pablo (org.). Estudos Luso-Brasileiros em Iconografia Musical.
Salvador: Edufba, 2015.
SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Atlas zur Reise in
Brasilien von Dr. v. Spix und Dr. v. Martius. [München: Verf., ca. 1830].
SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Reise in Brasilien
auf Befehl Sr. Majestät Maximilian Joseph I. König von Baiern in den Jahren 1817-1820
gemacht und beschrieben. München: M. Lindauer, 1823. v. 1.
SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Reise in Brasilien
auf Befehl Sr. Majestät Maximilian Joseph I. König von Baiern in den Jahren 1817-1820
gemacht und beschrieben. München: Lentner, 1828. v. 2.
SPIX, Johann Baptist von; MARTIUS, Carl Friedrich Philipp von. Reise in Brasilien
auf Befehl Sr. Majestät Maximilian Joseph I. König von Baiern in den Jahren 1817-1820
gemacht und beschrieben. München: Fleischer, 1831. v. 3.
TABORDA, Márcia. Violão e identidade nacional. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2011.
TOLENTINO, Eustáquio. 945 - Essas duplas fantásticas. Eustáquio Tolentino Espinosa.
In: TOLENTINO, Eustáquio. Blog Eustáquio Tolentino Espinosa. Montes Claros,
MG, 5 abr. 2014. Disponível em: https://eustaquiotolentinoespinosa.blogspot.
com/2014_04_05_archive.html. Acesso em: 13 maio 2017.
TREANOR, Brian. Aspects of alterity: Levinas, Marcel, and the contemporary
debate. Fordham University Press Series Issue 54 of Fordham perspectives in
continental philosophy. New York: Fordham University Press, 2006.
TREITLER, Leo. History and Music. New Literary History, Baltimore, v. 21, n. 2, p.
299-319, Winter 1990.
488
Iconografia musical na América Latina
VIHUELA-basso JuanDeJuanes. In: Wikimedia Commons. [S. l.], [2008].
Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Vihuela-basso_
JuanDeJuanes.jpg. Acesso em: 13 maio 2017.
VÍRUS DA ARTE & CIA. Disponível em: https://i2.wp.com/virusdaarte.net/
wp-content/uploads/2015/05/chico-violeiro.jpg. Acesso em: 13 maio 2017.
VM CULTURA. Orfeu no teatro. Rio de Janeiro, [200-] Disponível em: http://www.
viniciusdemoraes.com.br/pt-br/teatro/orfeu-da-conceicao. Acesso em:
13 maio 2017.
WERNECK, Paulo. Livro busca decifrar enigma João Gilberto. Folha Ilustrada,
São Paulo, 6 jun. 2012. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/
ilustrada/2012 /06/1100915-livro-busca-decifrar-enigma-joao-gilberto.shtml.
Acesso em: 13 maio 2017.
WIKIMEDIA.ORG. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/
commons/7/75/Vihuela-angel-G_Iberia_16th.jpg. Acesso em: 13 maio 2017.
O violão em fontes iconográficas
489
Sobre os autores / Sobre los autores
Egberto Bermúdez Cujar
Egberto Bermúdez realizó estudios de musicología e interpretación de música
antigua en el Guildhall School of Music y el King’s College de la Universidad
de Londres.
Actualmente es Profesor titular de la Universidad Nacional de Colombia,
docente del Instituto de Investigaciones Estéticas de dicha universidad, del cual
fue director durante el período 2009-2014. Ha publicado numerosos libros y
artículos sobre temas musicales como: “Los Instrumentos musicales de Colombia
(1985), Música Religiosa: Siglos XVI y XVII (1988). Fue el director musical de la
colección discográfica titulada: “Música Tradicional y Popular Colombiana”, elaborada por Procultura en 1987, y de la colección de casetes sobre compositores
colombianos y latinoamericanos publicada por el Banco de la República en 1989.
Ha mantenido una intensa labor como formador y director de jóvenes músicos
con los que ha participado en festivales de música como el de Zipacón. Fundó
y dirigió el grupo CANTO, especializado en repertorio español y latinoamericano del periodo colonial. En 1992, junto a Juan Luís Restrepo, estableció la
Sobre os autores / Sobre los autores
491
Fundación de Música, entidad cuyo objetivo es dar a conocer a todos los públicos
los resultados de la investigación sobre el pasado musical colombiano. Fue
presidente de la Historical Harp Society desde 1998 hasta el 2001. Desde 2017
es vicepresidente de la Sociedad Internacional de Musicologia – International
Musicological Society (IMS).
492
Iconografia musical na América Latina
Juan Pablo Gonzalez
Director del Instituto de Música de la Universidad Alberto Hurtado SJ de
Santiago y Profesor Titular del Instituto de Historia de la Pontificia Universidad
Católica de Chile. Obtuvo su Doctorado en Musicología por la Universidad de
California, Los Ángeles en 1991. Ha sido pionero en el estudio musicológico de
la música popular del siglo XX en Chile y sus esferas de influencia, realizando
contribuciones en los ámbitos histórico-social, socio-estético y analítico. También
realiza estudios de música de arte del siglo XX considerando la relación entre
vanguardias internacionales y lenguajes locales en Chile. Dirige la Compañía Del
Salón al Cabaret, con la que realiza conciertos teatrales como parte y resultado
de su labor de investigación. Ha contribuido a la formación musicológica en la
región creando programas de pregrado y posgrado en distintas universidades
chilenas e impartiendo regularmente seminarios de posgrado en Argentina,
Colombia, Brasil y México. Junto a sus abundantes monografías publicadas en
revistas científicas internacionales es coautor de En busca de la música chilena
(Santiago, 2005); de dos volúmenes de Historia social de la música popular en
Chile (La Habana 2005, Santiago, 2009) y de Cantus firmus: mito y narrativa
de la música chilena de arte del siglo XX (Santiago 2011), y autor de Pensar la
música desde América Latina. Problemas e interrogantes (Santiago y Buenos
Aires, 2013).
Sobre os autores / Sobre los autores
493
Juliana Guerrero
Doctora en Historia y Teoría de las Artes, por la Universidad de Buenos Aires.
Actualmente se desempeña como Investigadora asistente en el CONICET y es
docente en la Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires.
Es editora asociada de la revista El oído pensante. Participa en los proyectos de
investigación “El análisis estilístico en el rock, el folclore y el tango en la Argentina.
Aportes para la historia y la enseñanza terciaria/universitaria de la música
popular en el país” (UNLP) y “El saber del archivo. Los documentos referidos
a las actividades musicales de la Colección Digital Biblioteca Criolla (Instituto
Ibero-Americano de Berlín)” (CONICET).
494
Iconografia musical na América Latina
Alfredo Nieves Molina
Etnomusicólogo de la Facultad de Música de la Universidad Nacional Autónoma
de México (UNAM). Actualmente dirige el departamento de Comunicación Social
y la Educación Continua del Instituto de Investigaciones Antropológicas, UNAM.
Ha colaborado como investigador en el proyecto Ritual Sonoro Catedralicio,
por parte del CIESAS, Unidad Pacífico, y publicado artículos para el INAH y
CIESAS. Participó como organizador del Primer Congreso de Etnomusicología
de la UNAM. Fue Jefe del Departamento de Educación Continua de la Facultad
de Música, UNAM, responsable del diseño y planeación de cursos, talleres,
diplomados y festivales en colaboración con facultades y universidades de México
y Brasil. Ha realizado investigación en los centros penitenciarios de la Ciudad
de México sobre las prácticas musicales de los internos, música catedralicia
novohispana del Siglo XVI, mujeres al piano en el siglo XIX en México y la cultura
del rock y heavy metal. Actualmente cursa la maestría en Musicología la Facultad
de Música y es miembro investigador del Laboratorio de Iconografía Musical
de la Facultad de Música, UNAM. Es uno de los coordinadores del Seminario
Permanente de Estudios sobre Heavy Metal por el Instituto de Investigaciones
Antropológicas de la UNAM y colaborador del Rock & Metal Encounter de la
Universidad de Jaén en su edición 2018.
Sobre os autores / Sobre los autores
495
Erika Salas Cassy
Erika Salas Cassy nació en la Ciudad de México. Es Licenciada en
Etnomusicología, obtuvo la medalla Gabino Barreda al mérito universitario
conferida por la UNAM. Realizó el curso de Musicología “Protección y difusión
del patrimonio artístico Iberoamericano” Cátedra Robert Stevenson en la Real
Academia de Bellas Artes de San Fernando en Madrid. Fue miembro del proyecto
de investigación Musicat del Seminario Nacional de Música en la Nueva España
y el México Independiente del Instituto de Investigaciones Estéticas, UNAM.
Colaboró con el Center of Italian Opera Studies de la University of Chicago en
la investigación para el volumen Gioachino Rossini Music for Band. Trabajó
para el Apoyo al Desarrollo de Archivos y Bibliotecas de México (ADABI) en
el catálogo del Archivo Musical de la Catedral de México. Participó en el proyecto de investigación de Iconografía Musocal Novohispana auspiciado por la
UNAM (2011-2014). Realizó sus estudios de maestría en Etnomusicología en el
Programa de Maestría y Doctorado en Música de la UNAM, donde actualmente
estudia el doctorado en esa misma área. Ha presentado trabajos en congresos
nacionales e internacionales y cuenta con diversos artículos publicados.
496
Iconografia musical na América Latina
Marcelo Nogueira de Siqueira
Bacharel em Arquivologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro (UNIRIO), especialista em História do Brasil Pós-1930 pela Universidade
Federal Fluminense (UFF), mestre em História Social pela Universidade Estadual do
Rio de Janeiro (UERJ), doutorando em Ciência da Informação pela Universidade
de Coimbra, Portugal. Arquivista do Arquivo Nacional do Brasil, membro
da Câmara Técnica de documentos audiovisuais, iconográficos, sonoros e
musicais do Conselho Nacional de Arquivos (Brasil) e professor assistente do
Departamento de Arquivologia da UNIRIO. Atualmente, é investigador do Centro
de História da Sociedade e da Cultura da Universidade de Coimbra, Portugal.
Possui diversas publicações nas áreas de arquivologia e história. Participa do
grupo de trabalho do Repertório Internacional de Iconografia Musical no Brasil
(RIdIM-Brasil), no Rio de Janeiro.
Sobre os autores / Sobre los autores
497
Thais Fernanda Vicente Rabelo Maciel
Professora adjunta na Universidade Federal de Sergipe (UFS) e Colégio de
Aplicação da UFS (CODAP) e doutoranda em Música (Área de concentração:
música e cultura) pelo Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), sob orientação da Prof.ª Dr.ª Edite Rocha. Vem
desenvolvendo pesquisas em torno da história da música de Sergipe. É Licenciada
em Música pela UFS e possui mestrado em Musicologia pela Universidade Federal
da Bahia (UFBA). Foi vencedora do Prêmio Música nas Nuvens – Comunicação
(2017) e do Prêmio do Repertório Internacional de Iconografia Musical no Brasil
(RIdIM-Brasil), em 2015. Atualmente, também desenvolve atividade de harpista
na Orquestra Sinfônica de Sergipe.
498
Iconografia musical na América Latina
Belinda Maria de Almeida Neves
Artista visual, pesquisadora e arte-educadora. Desde 2012, se dedica ao
estudo da Companhia de Jesus nos aspectos históricos, iconográficos e artísticos,
com especial dedicação à antiga Igreja do Colégio da Bahia – Catedral Basílica
de São Salvador.
É doutoranda em Artes Visuais – Linha de História e Teoria da arte – pela
Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (UFBA), sob orientação
do Prof. Dr. Luiz Alberto Ribeiro Freire. É mestre em Artes Visuais pela mesma
instituição, também sob orientação do Prof. Dr. Luiz Alberto Ribeiro Freire.
É especialista em Arteterapia Junguiana pelo Instituto Junguiano da Bahia;
especialista em Arte-Educação – Cultura brasileira e linguagens artísticas contemporâneas pela Escola de Belas Artes da UFBA; especialista em Treinamento
e Desenvolvimento pela Fundação Universidade Federal do Paraná (FUNPAR)
do Instituto de Estudos em Gestão Empresarial (IEGE), em Curitiba (1989);
graduação em Comunicação Social pela Escola Superior de Propaganda e
Marketing (ESPM) – São Paulo (1987).
A sua produção sobre iconografia musical foi merecedora do 1º lugar no
Prêmio do Repertório Internacional de Iconografia Musical no Brasil (RIdIMBrasil) 2017 e de Menção Honrosa no Prêmio RIdIM-Brasil 2015.
Sobre os autores / Sobre los autores
499
Luciane Viana Barros Páscoa
Possui graduação em Artes Plásticas e em Música pela Universidade Estadual
Paulista (UNESP), mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP) e doutorado em História Cultural pela Universidade
do Porto. Atualmente, é professora adjunta da Universidade do Estado do
Amazonas (UEA), lotada no curso de Música e coordenadora do Programa de
Pós-Graduação em Letras e Artes (PPGLA). Ainda nessa instituição, realiza atividade de pesquisa no Laboratório de Musicologia e História Cultural, e lidera o
do grupo de pesquisa Investigações sobre memória cultural em artes e literatura
(MemoCult), do PPGLA da UEA. É autora do livro Artes Plásticas no Amazonas:
o Clube da Madrugada, publicado pela Editora Valer em 2011, e do livro Álvaro
Páscoa: o golpe fundo, publicado pela Edua em 2012.
Desde 2013, coordena o grupo de trabalho do Repertório Internacional de
Iconografia Musical no Brasil (RIdIM-Brasil) no Amazonas, junto com Máscio
Páscoa, seu marido.
500
Iconografia musical na América Latina
Márcio Páscoa
Doutor em Ciências Musicais Históricas pela Universidade de Coimbra, fez
mestrado em Musicologia no Instituto de Artes da Universidade Estadual de
São Paulo (UNESP), mesmo lugar onde se graduou em Instrumentos Antigos.
Atualmente, é professor do Curso de Música da Universidade do Estado do
Amazonas (UEA), onde coordena o Laboratório de Musicologia e História
Cultural. Dirige a Orquestra Barroca do Amazonas. Autor de diversos livros dos
quais se destacam a série Ópera em Manaus e Ópera em Belém.
Desde 2013, coordena o grupo de trabalho do Repertório Internacional de
Iconografia Musical no Brasil (RIdIM-Brasil) no Amazonas, junto com Luciane
Páscoa, sua esposa.
Sobre os autores / Sobre los autores
501
Isabel Nogueira
Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq). Musicóloga, pianista e cantora, professora do Departamento de Música
do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Professora e orientadora do Programa de Pós-Graduação do mestrado e doutorado em Memória Social e Patrimônio Cultural do Instituto de Ciências Humanos
(ICH) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Graduada em Piano pela UFPel
e doutora em Musicologia pela Universidade Autônoma de Madri, Espanha.
Coordena o grupo de pesquisa em Musicologia e Performance da UFRGS e participa do grupo de pesquisa em Práticas Interpretativas da UFRGS e Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Membro do grupo de
pesquisa em Estudos de Gênero da Sociedade da Sociedad de Etnomusicología
(Sibe) e da Transcultural Music Review (TRANS). Membro do Grupo de Estudos
em Música e Mídia (Musimid). Tem experiência e publicações na área de música,
com ênfase em musicologia, atuando principalmente nos seguintes temas: iconografia musical; música e gênero; musicologia e performance; música popular;
acervos musicais; memória e patrimônio musical do Rio Grande do Sul.
Participa do grupo de trabalho do Repertório Internacional de Iconografia
Musical no Brasil (RIdIM-Brasil), no Rio Grande do Sul.
502
Iconografia musical na América Latina
Mary Angela Biason
Graduada em Composição e Regência na Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho (UNESP), continuou seus estudos de Musicologia em Portugal,
é mestre em Artes pela Universidade de São Paulo (USP). Tem-se especializado
na organização de acervos de documentos musicais, desenvolvendo trabalhos
no Museu da Inconfidência, em Minas Gerais, no Museu Carlos Gomes, em
Campinas, como também a catalogação e divulgação do repertório produzido
no Brasil nos períodos colonial e imperial, além do repertório tradicional das
bandas de música do município de Ouro Preto através de festivais que coordena.
Entre os vários trabalhos realizados, destacam-se as publicações de catálogos
temáticos e de obras transcritas vocacionadas para o repertório brasileiro dos
séculos XVIII e XIX e curadoria de exposições. Além da Musicologia, estudou
Museologia na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e restauração de papéis no Istituto per l’Arte ed il Restauro “Palazzo Spinelli”, em
Florença como bolsista da Rotary Foundation. É membro da Câmara Técnica
de Paleografia e Diplomática (CTPADI) e da Câmara Técnica de Documentos
Audiovisuais, Iconográficos, Sonoros e Musicais (CTDAISM), ambas do do
Conselho Nacional de Arquivos (Conarq).
Participa nos grupos de trabalho do Repertório Internacional de Iconografia
Musical no Brasil (RIdIM-Brasil), em Minas Gerais e em São Paulo.
Sobre os autores / Sobre los autores
503
Diósnio Machado Neto
Diósnio Machado Neto é professor livre-docente da Escola de Artes, Ciências
e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo (USP) e professor do
programa de Pós-Graduação em Musicologia da Escola de Comunicação e
Artes (ECA) da USP. É membro do Italian and Ibero American Relationships
Study Group (RIIA), sediado no Istituto per lo studio della musica latinoamericana durante il periodo coloniale (IMLA), em Veneza; do Study Group
da International Musicological Society (IMS) Early Music in the New Word; e
do Núcleo Caravelas do Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical
(Cesem) da Universidade Nova de Lisboa. Recebeu menção honrosa no Prêmio
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em
2009 pela tese Administrando a festa: Música e iluminismo no Brasil colonial. É fundador da Associação Regional para América Latina e Caribe (ARLAC) da IMS
e da Associação Brasileira de Musicologia (ABMUS). Coordena o Laboratório
de Musicologia (LAMUS).
Participa ativamente no Grupo de Trabalho do Repertório Internacional de
Iconografia Musical no Brasil (RIdIM-Brasil) em São Paulo.
504
Iconografia musical na América Latina
Pedro Ivo Araújo
Doutor em Música, área de concentração Musicologia, pelo Programa de
Pós-Graduação em Música (PPGMUS) da Universidade Federal da Bahia (UFBA),
é licenciado em Música pela mesma universidade e bacharel em Sistemas de
Informação pelo Centro Universitário Estácio da Bahia (Estácio FIB). Tem experiência em Artes, com ênfase em música, atuando principalmente nos seguintes
temas: Musicologia, Arquivologia e Documentação musical, Iconografia Musical
e Tecnologias de Informação e Comunicação. Professor de Música e coordenador no Colégio Oficina, também é colaborador do Acervo de Documentação
Histórica Musical (AdoHM) da UFBA, participa ativamente do Núcleo de Estudos
Musicológicos (NEMUS) da UFBA e dos projetos do Repertório Internacional
de Fontes Musicais no Brasil (RISM-Brasil) e do Repertório Internacional de
Iconografia Musical no Brasil (RIdIM-Brasil), sendo membro da Comissão Mista
Estadual do RIdIM-Brasil, na Bahia.
Sobre os autores / Sobre los autores
505
Beatriz Magalhães-Castro
Primeiro prêmio do Conservatoire National Supérieur de Musique de Paris
frequentando ainda as Classes de História da Música e Análise naquele conservatório; mestrado em Música pela Master of Musical Arts (MMA) – The
Juilliard School of Music e doutorado em Música pela Doctor of Musical Arts
(DMA) – The Juilliard School of Music. Realizou estudos de pós-doutoramento
em Musicologia na Universidade Nova de Lisboa como pesquisadora-bolsista da
Fundação para a Ciência e Tecnologia de Portugal. Prêmios semelhantes foram
concedidos pela Bibliothèque Nationale de France – Départament de Musique
(Programme Profession Culture, 2007), Fundación Carolina-CSIC-Instituición
Milà y Fontanals de Barcelona. Atualmente, conclui monografia resultante da
pesquisa como recipiente do Prêmio Bolsa de Pesquisa do Ministério da Cultura
/ Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, edição 2009-2010, focado
sobre a Coleção Teresa Christina Maria e a prática da música instrumental
durante os I e II Reinados. É coordenadora do Comitê do Répertoire International
de Littérature Musicale (RILM), no Brasil e membro do Comitê do Répertoire
International des Sources Musicales (RISM) no Brasil, e presidente da Seção
brasileira da Associação Internacional de Bibliotecas de Música, Arquivos e
Centros de Documentação Musical (IAML/AIBM), a qual fundou e coordenou
desde 2009 até a sua formalização em 2014 – aprovação na Assembleia Geral
da IAML, Antuérpia, 2014. Como professora associada III da Universidade de
506
Iconografia musical na América Latina
Brasília (UnB), é editora-chefe da revista Música em Contexto e coordenadora
do Programa de Pós-Graduação Música em Contexto da UnB, o qual fundou
e atuou como primeira coordenadora. Membro da Sociedade Internacional
de Musicologia (IMS) e do Comitê Gestor para a constituição da Associação
Brasileira de Musicologia (ABMUS). Coordena ações de organização e preservação da obra de Claudio Santoro do Laboratório de Musicologia da UnB.
Coordena o grupo de trabalho do Repertório Internacional de Iconografia
Musical no Brasil (RIdIM-Brasil), no Distrito Federal.
Sobre os autores / Sobre los autores
507
Pablo Sotuyo Blanco
Docente e pesquisador da Universidade Federal da Bahia (UFBA) onde
também obteve seu doutorado em 2003, é um dos iniciadores de diversos projetos nacionais relacionados à documentação relativa à música, incluindo o estabelecimento do Repertório Internacional de Iconografia Musical no Brasil (RIdIMBrasil) do qual é atualmente o presidente do capítulo nordestino do Repertório
Internacional de Fontes Musicais no Brasil (RISM-Brasil). Coordena o Acervo de
Documentação Histórica Musical (ADoHM) da UFBA e preside a Câmara Técnica
de Documentos Audiovisuais, Iconográficos, Sonoros e Musicais (CTDAISM) do
Conselho Nacional de Arquivos (Conarq) em representação da UFBA.
Ativo compositor e musicólogo, tem publicado amplamente a sua produção
científica sobre música e iconografia musical no Brasil e no exterior. Atua na
área de música com ênfase em musicologia histórica, teoria e análise musical,
e ciência da informação aplicada em documentação musical.
508
Iconografia musical na América Latina