REPRESENTATIVIDADE

Espelho além das medalhas: Daiane dos Santos e Rebeca Andrade inspiram atletas do futuro

Mulheres pretas, ginastas e medalhistas. Daiane dos Santos e Rebeca Andrade falam das semelhanças e da inspiração que representam para toda uma geração de brasileiros

Camila Leonel
online@acritica.com
06/02/2023 às 18:18.
Atualizado em 06/02/2023 às 18:18

As duas grandes ginastas brasileiras, mulheres pretas, representam a esperança da volta por cima para milhões de jovens que as enxergam como espelho (Fotos: Ricardo Bufolin/CBG (Rebeca) e Getty Images (Daiane))

Entre a medalha de ouro de Daiane dos Santos e Rebeca Andrade passaram-se quase 20 anos. Daiane brilhou no solo de Anaheim, Estados Unidos, em 2003 e, ao som de Brasileirinho, levou o Brasil ao lugar mais alto do pódio, em agosto daquele ano. Já Rebeca repetiu o feito da compatriota no fim de 2022. Com seu Baile de Favela, a paulista fez a bandeira brasileira tremular mais uma vez, só que no individual geral. Daiane foi eleita naquele ano a melhor atleta mulher do Brasil, outro feito que Rebeca repetiu ao ser escolhida como Atleta do Ano durante o Prêmio Brasil Olímpico, que aconteceu na última quinta-feira. 

Muito da caminhada de Rebeca foi inspirada pela trajetória de sucesso que Daiane começou a trilhar anos antes, quando a ginasta paulista tinha apenas cinco anos. Hoje, no Centro de Treinamento da Ginástica Artística, que fica no Comitê Olímpico Brasileiro (COB), as duas atletas estão lado a lado em um quadro que decora as paredes do local, o que representa um motivo de orgulho para Rebeca.

Rebeca Andrade é ouro nas Olimpíadas (Foto: Ricardo Bufolin/ Panamerica Press/ CBG)

"Eu me espelhei muito na Dai desde o início, foi com quem eu me identifiquei pela explosão, por ser uma mulher preta, pela alegria e por tudo o que ela fez pelo Brasil e pela ginástica. Então me orgulho muito por ter minha foto ali do lado dela, é algo que me orgulha demais: alcançar o tanto que ela alcançou. Se hoje eu sou uma inspiração para tantas pessoas assim como ela foi e como ela é, porque ela continua sendo minha inspiração", disse Rebeca Andrade.

Medalhista nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, Rebeca Andrade emocionou e fez o Brasil torcer durante a exibição da ginástica, uma delas foi Daiane dos Santos, que participava da transmissão das competições como comentarista. Aliás, uma das coisas marcantes foi o choro da ex-ginasta com a prata olímpica no individual geral, algo que Daiane não chegou a conquistar. Rebeca levou ainda ouro, no salto, e prata, no individual geral.  

No Mundial de 2003, Daiane derrotou a favorita romena Catalina Ponor, que levaria o ouro em Atenas 2004, no solo, enquanto a brasileira ficou em quinto. Daiane participou de outros quatro Mundiais, faturando nove medalhas de ouro em etapas da Copa do Mundo.

(Foto: Ricardo Bufolin)

"A ginástica feminina esperou durante muitos anos. A gente tava com isso entalado aqui (aponta para a garganta) há muito tempo. Foi comigo, foi com a Dani (Daniele Hypólito), foi com a Laís (Laís Nunes), foi com Jade (Jade Barbosa), foi com Flávia (Flávia Saraiva) e batia e voltava, só que eu falo: Deus é muito certo. Era pra ser com ela (Rebeca) porque além da medalha, era pra vir com todas essas características que estão embutidas na medalha", disse Daiane destacando a trajetória de Rebeca.

"A Rebeca, quando ela esteve ali, era a representação real da maioria das mulheres brasileiras: filha de mãe solo -a maioria do Brasil é construída por mulheres que trabalham, se matam para sustentar os filhos -,  menina preta, vinda de uma comunidade que entrou no esporte por acaso, se é que tem acaso, porque a tia levou em um lugar que era público porque a maioria eram particulares essa história é a história das meninas brasileiras.  E olhar pra isso não tem como a gente não se emocionar , não tem como não torcer pela questão da gente querer muito a medalha. Tanto que eu chorei muito na primeira, a de prata e falava sabe quantos anos a gente esperou tudo isso? Era pra ser naquele momento a gente tá numa construção de valorização do trabalho da mulher e pessoas pretas", disse Daiane dos Santos, se emocionando mais uma vez ao relembrar o feito.

Além da medalha em Tóquio, no Mundial de 2022, Rebeca conquistou o ouro do individual geral e bronze no solo e ajudou o Brasil a conquistar um inédito quarto lugar por equipes.

Assim como Daiane inspirou a geração de Rebeca, a agora atleta, Rebeca Andrade, acredita que com as medalhas poderá ser espelho para as crianças e atletas do futuro. Quanto a isso, a jovem atleta diz que a principal missão é mostrar que o processo pode ser difícil, mas que vale a pena"

"Eu sou uma pessoa muito tranquila, então eu mostro através da minha ginástica mesmo e quando eu tenho a oportunidade de falar, que as crianças têm alguma dúvida, ou perguntam alguma coisa só pela curiosidade mesmo. Eu acho muito legal compartilhar a minha história, mostrar que realmente não foi fácil chegar até aqui, mas que eu acreditei muito no processo que eu passei, acreditei muito que conseguiria chegar até aqui, voltar de todas as lesões acreditei nos profissionais que estavam comigo. Porque é isso: você confiar mesmo sem saber, não falo cegamente, até porque eu confio no trabalho deles e acreditar que vai dar certo e fazer acontecer, então é isso o que eu consigo passar, esse amor que eu tenho pela ginástica e essa vontade de vencer e se você quer, você tem que fazer acontecer e abrir mão de várias coisas porque no final vai valer a pena".

Chorinho e Funk

Além de se enxergar uma na outra por conta da raça, da trajetória e das conquistas, outro fato que une Daiane e Rebeca é que as duas subiram no lugar mais alto do pódio levando ritmos brasileiros para suas apresentações. 

Enquanto Daiane encantou o mundo com um exercício complexo ao ritmo de um chorinho composto pelo violonista e cavaquinista Waldir Azevedo em 1947, Rebeca levou o funk brasileiro mundo agora. O ritmo popular no país, que por muitas vezes foi visto com desdém e até desclassificado quando se fala em cultura brasileira.

(Foto: Ricardo Bufolin/CBG/Direitos reservados)

Lançado em 2015 pelo MC João, o Baile de Favela fez sucesso nas festas dos jovens brasileiros entre 2015 e 2016. Com algumas adaptações, foi levada para os Jogos Olímpicos e se tornou uma das marcas de Rebeca, tanto que durante a premiação de Atleta do Ano, a trilha sonora do momento em que subiu ao palco para receber o prêmio, foi justamente o funk que deu a Rebeca o ouro.

Sobre a coincidência de fazer história com dois ritmos que carregam muito da cultura brasileira, Daiane diz que é uma forma de mostrar que a cultura popular também pode chegar longe e trazer bons resultados para o país.

"Brasileirinho é a melodia que embala a minha carreira. Foi um momento que a gente quis agraciar a cultura do Brasil fazendo essa conexão esportiva com o que o brasileiro é e assim como foi com o Brasileirinho, que é um chorinho. O Baile de Favela passou por um processo parecido. Algumas pessoas não vêem o funk como forma de cultura, isso lá na época que o pessoal falava que era música pra vagabundo e menosprezavam o funk e vem a Rebeca e é campeã com o funk mostrando que cultura popular também é cultura, também trazem medalhas. Eu até tinha uma noção de como isso atingia as pessoas fora, mas hoje as pessoas têm mais essa noção de como a piscina, a quadra impacta a vida dos brasileiros. e ela ser campeã com uma música popular, de comunidade isso mostra que a comunidade, a favela venceu", declarou.

Rebeca também acredita que o sucesso dela também tem a ver com a popularidade do funk. Além disso, a combinação da música com a personalidade dela fez com que ela conseguisse transmitir toda a explosão, intensidade e alegria da batida.

"Eu acho que representou demais o Brasil:as favelas, as pessoas pretas e eu como pessoa preta que levou isso para o mundo inteiro acho que faz toda a diferença também. E o funk é um ritmo que alegra todo mundo e levantou todo mundo. Parecia que não tinha público em Tóquio, mas os voluntários, a arbitragem, as meninas ficaram encantadas porque a batida é muito legal e a música é sensacional. E combinou muito comigo e eu fazia com gosto, com sorriso e quando encaixa com a música, acho que tudo fica diferente. Além de todas as coisas a música é boa, forte e pela dança" descreveu.

Mas Rebeca não pretende ser uma ginasta de apenas uma música. Para este ano, ela disse que deve vir música e coreografia nova, mas que ainda não sabe que surpresa a comissão técnica preparou para ser a próxima apresentação da atleta.

"Até eu tô esperando para descobrir. Eu não tenho nada ainda e tô muito ansiosa. A gente vai começar o camping e o Rony tá vindo aí, espero que ele já venha com alguma surpresa porque eu também não sei, tô tão ansiosa quanto vocês", disse Rebeca.

Pronta para o Camping de Treinos da Seleção Brasileira de Ginástica Artística, que começou na última semana no Centro de Treinamento do COB, Rebeca diz que o foco é a próxima competição: o Brasileiro, em abril.

Daiane recebe prêmio

Além de toda a inspiração que Daiane representa para atletas do Brasil inteiro, a gaúcha recebeu um reconhecimento especial na última quinta durante o Prêmio Brasil Olímpico: o Troféu Adhemar Ferreira da Silva. Pela relevância da atuação dentro e fora das competições, ela disse que se sentiu honrada pela premiação e por estar no hall de atletas ilustres.

"Me sinto muito grata. Tava contando aqui que o prêmio acontece desde 2001 e entre os prêmios que aconteceram até hoje, eu sou a sexta mulher a receber, então eu estou entre essas outras cinco mulheres que eu admiro muito: Maria Lenk, Aida dos Santos, Hortência, Jackie Silva são mulheres que tive contato e escreveram a história Olímpica do Brasil não só do esporte e fazer parte deste quadro é gratificante, é inspirador fazer isso não só como atleta, servindo ao esporte de uma forma diferente: trabalhando, engajando e lutando pelo direito dos atletas fazer parte desse quadro. Não tem como descrever é um orgulho muito grande. É um momento muito nosso"

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