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Lado B da Copa: Uma década depois, como Austrália mudou de continente para elevar o seu futebol

1974, Alemanha. Primeira participação da Austrália em Copas do Mundo. E durante muito tempo, foi a única. O país sem tradição – e sorte – fez sequer um gol naquela edição.

Confira a matéria em vídeo no WatchESPN.

Sempre destacaram-se enfrentando os times da Oceania nas eliminatórias, mas a Confederação de Futebol da Oceania nunca teve uma vaga direta para o Mundial. E na repescagem, não tinham a mesma facilidade que encontravam contra os times de seu continente, com isso, a equipe sempre acabava fora da competição.

Após 32 anos, na repescagem para a Copa do Mundo de 2006, voltaram a se classificar para o Mundial, derrotando nos pênaltis o mesmo Uruguai que eliminara os australianos quatro anos antes

E, coincidência ou não, a competição era de novo na Alemanha, último país em que os ‘Socceroos’ (Soccer + Kangoroos) jogaram a competição mais importante do futebol, depois de sete edições.

Em 2005, mesmo ano do jogo contra o Uruguai, passaram a integrar oficialmente a Confederação Asiática de Futebol.

A Fifa nunca deu às classificatórias da Oceania uma vaga direto para a Copa do Mundo, apenas à repescagem. Já na Ásia é diferente, os primeiros colocados têm vaga garantida na competição.

Pensando em desenvolver o esporte no país e participar com regularidade das Copas, a Federação Australiana de Futebol entrou com pedidos na Fifa para disputar as eliminatórias asiáticas, alegando que os australianos estavam alguns níveis acima dos adversários da Oceania – e realmente estavam. Os resultados eram assustadoramente elásticos, como a vitória contra a Samoa Americana por 31 a 0.

A imprensa do país apoio a ideia e teve um papel fundamental para a aceitação dessa mudança. Sebastian Hasset, jornalista do canal SBS TV confirma:

"Muitas pessoas da mídia defenderam por muito tempo que a Austrália só ia desenvolver o futebol nacional quando enfrentasse um nível de competição mais elevado, algo que não iria acontecer caso continuasse na Oceania. É preciso destacar que o único adversário competitivo na OFC por muito tempo era a Nova Zelândia e esse cenário permanece o mesmo até hoje."

Ninguém se opôs à ideia, e, para a Copa de 2010, os Socceroos disputaram contra os asiáticos a vaga para jogar a Copa do Mundo da África do Sul. Em dez jogos, venceram oito e empataram dois. Vaga garantida na edição de 2010.

Para quem ficou 32 anos sem nenhuma aparição, participar duas vezes seguidas foi realmente uma conquista, mas a alegria durou pouco e acabaram eliminados ainda na fase de grupos.

As participações são discretas, mas se tornaram mais frequentes para os fãs do futebol na Austrália. A mudança para a Ásia não foi um problema para nenhum dos lados envolvidos (Ásia e Oceania), já que ambas viram com bons olhos a seleção australiana disputar uma eliminatória mais forte.

Do lado da Oceania, as outras seleções – que são em sua maioria amadoras, ou semiprofissionais, como é o caso da Nova Zelândia – ficaram satisfeitas ao ver o time mais preparado, que sempre ficava com as vagas de competições maiores, migrando para outro continente, assim deixando vagas para os outros países brigarem por títulos e classificações para as competições, que antes eram de predominância australiana.

Por exemplo, a vaga para a repescagem da Copa do Mundo, agora seria disputada por seleções que tiveram pouquíssimas, ou nenhuma, chance de participar da competição.

Como foi o caso da Nova Zelândia, que se classificou para a Copa de 2010, na África do Sul, pela repescagem. Os neozelandeses haviam participado apenas da Copa do Mundo de 1982, na Espanha, e logo nas primeiras eliminatórias que não contaram com a participação da equipe australiana carimbando o primeiro lugar, os “All Whites” conseguiram se classificar.

A Copa de 2010 foi a primeira vez em que duas equipes da Oceania disputaram o mesmo mundial Copa do Mundo, com a Austrália se classificando em primeiro lugar no grupo A da Ásia e a Nova Zelândia vencendo Bahrein (terceiro colocado do grupo da Austrália), na repescagem.

Na Oceania, o clima era de festa, já que agora todos tinham chances de participar dos torneios, e a Austrália poderia desenvolver seu futebol, local e nacional, enfrentando as equipes asiáticas, sendo pela seleção ou pelos times que, com a mudança, começaram a disputar a Liga dos Campeões da Ásia.

Na Ásia, de onde poderia vir a relutância, a mudança acabou sendo bem vista também. Com mais uma boa seleção disputando as eliminatórias, e boas equipes disputando a Liga dos Campeões do continente, as seleções e equipes asiáticas teriam que se preparar mais e, consequentemente, se tornariam mais fortes.

Ainda assim, mesmo com os pontos positivos para o desenvolvimento, as negociações demoraram. Reuniões e mais reuniões ocorreram entre a Federação Australiana e a AFC (Confederação Asiática de Futebol). Eram discutidos todos os pontos com cautela para que não ficasse desentendido a participação da seleção australiana como um “país asiático”, pelo menos no futebol, nas competições.

Agora, participariam da Copa da Ásia e não mais da Copa da Oceania, disputariam a Copa do Mundo como um país asiático, e mesmo que o campeonato nacional australiano não tivesse influência de fora, no sentido de seguir as regras dos campeonatos asiáticos, os primeiros colocados disputariam a Liga dos Campeões da Ásia com os outros campeões do continente.

E após as negociações, em 2005, a Confederação Asiática de Futebol decidiu, por unanimidade, oficialmente convidar a Federação Australiana de Futebol para juntar-se à zona asiática.

O presidente da AFC na época, Mohammed Bin Hammam, disse que a decisão foi um importante passo, pois a Austrália é um país desenvolvido no futebol, assim como na economia, e traria benefícios enormes para todos os membros da Confederação. “Faz sentido para ambos. Do ponto de vista da Oceania, e para a Ásia é bom que tenhamos mais um forte país na disputa”.

Na época, o então presidente da Fifa, Joseph Blatter, alegou que ambas as partes estavam felizes e satisfeitas com a mudança (o que viabiliza, dentro da Fifa, a mudança de seleções entre continentes) e que a Austrália era muito forte para disputar a OFC (Confederação da Oceania de Futebol), bloqueando as chances de classificação das outras 11 seleções. “Pelo menos, agora, a Nova Zelândia e as ilhas do Pacífico têm uma chance. Será um sucesso.”

NOVA ZELÂNDIA E O CAMINHO ABERTO

O país, potência no rugby, participou apenas de duas edições do Mundial: na Espanha, em 1982, e na África, em 2010. Para participar de mais Copas do Mundo, os neozelandeses não deveriam seguir os passos dos australianos?

Cássio Oliveira, brasileiro e ídolo do Adelaide United, diz que os torcedores da Nova Zelândia não são tão ligados ao futebol como os australianos, mas acredita que “eles estão soberanos na Oceania, com certeza, mas não ao ponto de chegar na Ásia, na liga da Ásia, e competir de igual para igual. Futebol não dá para prever, mas não estariam preparados”.

Mesmo classificando-se para a edição de 2010, fazendo uma bela campanha e surpreendendo o mundo, a Nova Zelândia não parece perto de desenvolver o futebol no país. Cássio também diz que “o campeonato local é muito fraco”, os times são, em sua maioria, amadores. Mas, “com planejamento, desenvolvendo as crianças, fazendo programas para desenvolver o futebol”, acredita que seja possível, no futuro, procurar um local mais forte para disputar.

No entanto, o jornalista australiano Sebastian Hasset discorda do jogador e acredita que a Nova Zelândia deve seguir o mesmo caminho da Austrália. "Para uma nação, de 4 milhões de habitantes, seria muito benéfico enfrentar times mais fortes, com mais frequência e isso com certeza seria possível no futebol asiático."