Fechar Ads

O domínio brasileiro na Copa Libertadores

Mais do que tornar a Libertadores em uma "Copa do Brasil", a consolidação de alguns poucos times brasileiros como participantes das competições sul-americanas também aumenta as distâncias internas entre nossos clubes
Por  Cesar Grafietti -
info_outline

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

Chegamos ao final da temporada do futebol sul-americano. Novamente, vemos um domínio considerável dos brasileiros na Libertadores e na Sul-Americana. Nesta coluna, vamos tratar de alguns desdobramentos sobre o tema.

Começaremos analisando o histórico de finalistas da Copa Libertadores desde a sua criação, na década de 1960.

Veja que, na década de 1990, houve um período de forte dominação do futebol brasileiro, que venceu por seis vezes consecutivas a Libertadores, além de ter um vice-campeonato. Na década seguinte, tivemos apenas dois campeões, mas por oito vezes os clubes brasileiros foram vice-campeões.

Chegando mais próximo, entre 2010 e 2019, foram seis os títulos, sem nenhum vice-campeonato. Na década atual, já são três finais apenas com clubes brasileiros.

Note, portanto, que a presença de brasileiros nas finais não chega a ser novidade. De 1990 para cá, os brasileiros ocuparam 42% das vagas das finais da Libertadores. Quem chegou mais perto foram os argentinos, com 24% das vagas. E precisamos lembrar que, por algum tempo, foram proibidas finais entre dois clubes do mesmo país, o que diminuiu a chance de termos dois brasileiros nas finais.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Muito já se falou sobre o tema. Mas vamos reforçar o básico: a economia brasileira é muito maior e, naturalmente, os clubes brasileiros possuem mais receitas e capacidade competitiva que os adversários sul-americanos.

Além da distância natural sob o ponto-de-vista econômico e de renda, temos o tamanho das populações, que permitem maior gama de torcedores capazes de consumir e gerar receitas para os clubes, e aspectos mais pontuais, como as crises econômicas que muitos países sul-americanos vêm sofrendo, impactando a taxa de câmbio e reduzindo a capacidade de contratar e reter atletas de alto nível.

O aumento de clubes que participam das competições, seja a Libertadores ou a Sul-Americana, também trabalha a favor do aumento da supremacia de clubes brasileiros nas competições. Exceto por alguma exceção na Argentina, normalmente Boca Juniors ou River Plate, os demais clubes dos nossos vizinhos possivelmente não estão entre as 15 maiores receitas do Brasil. Ou seja, os clubes brasileiros que disputam a Libertadores estão entre os 10 maiores em termos de receitas. Portanto, é natural que uma boa parte deles se classifique para as oitavas-de-final.

Entre 2018 e 2022, o Brasil classificou seis dos 16 clubes que disputaram as oitavas-de-final da Libertadores. Nas últimas duas competições (2021 e 2022), teve cinco dos oito clubes que disputaram as quartas-de-final. Qual a chance de chegarmos em grande quantidade às semifinais e finais? Enorme.

Esse movimento é uma forma de retroalimentar as distâncias e diferenças, tanto em termos continentais como nacionais. Estamos, de certa forma, emulando a Champions League, competição em que os grandes sempre disputam e, por isso, acessam mais receitas, mantendo suas posições de força financeira.

Passando rapidamente pela Champions League, é quase impossível imaginar uma competição sem Real Madrid, Barcelona, Benfica, Porto, Juventus, Inter, Milan, Bayern, PSG e Ajax. Apenas na Inglaterra é que sempre há um pouco mais de disputa, com seis ou sete clubes atrás das quatro vagas.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Com essa recorrência de participações, todos já entram na temporada com pelo menos € 24 milhões em prêmio de participação por alcançar as oitavas-de-final, fora os prêmios por vitórias e o dinheiro do matchday. Isso explica a luta de equipes que não estão nessa lista por uma vaga na principal competição de clubes do mundo.

No Brasil, estamos iniciando um processo semelhante, no qual os clubes que se classificam para a Libertadores acessam mais dinheiro e, como eles sempre se classificam, aumentam ainda mais a distância em relação aos que a disputam ocasionalmente. Sem falar nada, já dá para imaginar que estamos falando dos suspeitos de sempre.

Antes de falar neles, vamos aos prêmios por participação na competição:

Agora, vamos ver como os brasileiros se classificam e se comportam na competição.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Na tabela acima, temos os clubes brasileiros classificados para a Libertadores pelo Brasileirão. Note que, nos últimos cinco anos, apenas dois clubes participaram de todas as edições: Flamengo e Palmeiras, os suspeitos de sempre.

Considerando a força e o desempenho recente, dá para dizer, sem grande chance de erro, que esses clubes contam com pelo menos € 5,6 milhões de receitas por chegar nas quartas-de-final, sem contar a bilheteria. Falamos de algo como R$ 29 milhões. Parece pouco para quem fatura acima de R$ 750 milhões, mas esse valor representa quase um mês de folha salarial, que é alta.

Se considerarmos o desempenho recente na competição continental, temos o seguinte:

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

São clubes que têm avançado de forma consistente até as quartas e ocupado as semifinais, o que indica maior acesso a receitas. Isso retroalimenta as estruturas, o que costuma levar a um engano por parte das gestões de outros clubes: a ideia de que gastar mais leva a conquistas, que aumentam receitas e pagam a conta de dar o “all in”. Eles acessam receita porque se organizaram, cresceram e agora podem gastar e conquistar.

Temos ouvido muitos comentários e lamentações de jornalistas sul-americanos a respeito da força dos clubes brasileiros, que estaria tornando a Libertadores – e, em certa escala, a Sul-Americana – em uma espécie de Copa do Brasil. É verdade, e é irreversível. Mas, mais que isso, a consolidação de poucos times como participantes recorrentes da competição também funciona como uma forma de aumentar as distâncias internas.

Eles não vencerão sempre, mas participar sempre e com estrutura é um caminho importante para aumentar a chance de conquistas. Não adianta reclamar da sorte ou da falta dela. É preciso primeiro entender quem somos, onde estamos, aonde queremos chegar e como. Ou faça as suas apostas e tente a sorte com um par de 2.

Cesar Grafietti Economista, especialista em Banking e Gestão & Finanças do Esporte. 27 anos de mercado financeiro analisando o dia-a-dia da economia real. Twitter: @cesargrafietti

Compartilhe

Mais de Cesar Grafietti