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4 de março de 2016

Como se comunicam os peixes-elétricos

Já imaginou se fosse possível entender a comunicação entre os animais?

Comum na América do Sul, e no cardápio brasileiro, a Gymnotus carapo, uma espécie de peixe-elétrico conhecida popularmente como Tuvira, foi estudada pelo pesquisador Paulo Matias, em um trabalho de doutorado orientado pelo Prof. Dr. Jan Frans Willem Slaets e co-orientado pelo Dr. Lirio Onofre Baptista de Almeida, do Grupo de Física Computacional e Instrumentação Aplicada do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP). Paulo criou uma técnica experimental inovadora que poderá ajudar a compreender a comunicação (ou eletrocomunicação) do peixe-elétrico, a partir de modelos matemáticos.

Comumente usada como isca por muitos pescadores, tuvira_250a Tuvira emite sinais elétricos tanto para se comunicar com outros peixes (principalmente para se acasalar e disputar território), como para localizar objetos ou outros animais que estejam ao seu redor. O estudo desses pulsos elétricos começou a ganhar notoriedade em meados da década de 1970, quando o pesquisador Max Westby, da University of Sheffield (Reino Unido), aplicou as Cadeias de Markov nas análises da comunicação desses animais.

As Cadeias de Markov são ferramentas utilizadas por pesquisadores para indicar probabilidades de transição. Um exemplo bastante simples para compreender o conceito desses métodos está nas possibilidades que existem para se chegar mais rápido em um ambiente. Suponha que alguém esteja na sala de um apartamento, mas deseja ir até a cozinha. Para chegar lá, é necessário passar por alguns cômodos adjacentes, tais como corredores. Qual seria o caminho mais curto até a cozinha? As Cadeias de Markov poderiam lhe predizer as possíveis transições para se chegar até ela e o caminho mais rápido para fazer isso.

Atendendo a que essas Cadeias geram probabilidades de transição, elas foram aplicadas em estudos sobre linguística, para prever as possibilidades que existem de se estruturar uma frase, tendo como base uma única palavra: quando alguém inicia uma frase com um sujeito, muito provavelmente essa pessoa usará algum verbo em seguida. Isso é uma probabilidade que dá forma a uma estrutura gramatical e foi com base nesse contexto que Max Westby transformou os sinais emitidos pelos peixes-elétricos em dados binários. Ele tentou associar a sequência das pulsações dos peixes-elétricos com os comportamentos que esses animais tinham nos instantes em que os sinais eram emitidos, tendo mostrado que havia uma relação entre o comportamento e a pulsação elétrica.

Contudo, a tecnologia disponível naquela época fez com que Westby e outros pesquisadores interessados nos estudos com peixes-elétricos abandonassem esses trabalhos e se dedicassem à análise comportamental de outros seres-vivos, como, por exemplo, das abelhas. “O interessante de se estudar os peixes-elétricos é que seus sinais são emitidos pelos neurônios e não passam pelo processo de transdução [no qual os sinais emitidos pelos neurônios de um indivíduo, por exemplo, são convertidos em fala pelas cordas vocais, vibrando o tímpano de uma segunda pessoa e permitindo que ela ouça e entenda a mensagem]. Ou seja, no caso dos peixes, não há transdução e sim a amplificação desses sinais. Nesse sentido, percebe-se que o sistema de comunicação desses peixes permite um estudo mais direto que o de outros animais”, explica Paulo Matias.

No IFSC/USP, a série de estudos com peixes-elétricos teve início quando o Prof. Dr. Reynaldo Daniel Pinto veio do Instituto de Física da USP (IF/USP) para integrar o corpo docente do Grupo de Física Computacional e Instrumentação Aplicada do IFSC, onde desenvolveu alguns trabalhos com a Dra. Caroline Garcia Forlim, ex-pesquisadora desta Unidade, que também foi aluna do docente no IF/USP. “A Caroline retomou esses estudos quando veio ao IFSC e usou ferramentas de teoria da informação para quantificar os bits [dígitos binários] úteis de informação que um peixe-elétrico transmitia para outro”, diz Matias, destacando que os estudos da pesquisadora permitiu analisar o quanto havia de redundância (fenômeno recorrente na natureza) nesses sinais, tendo em vista que pode haver ruído durante o processo de emissão dessas pulsações elétricas.

Para quantificar os bits em várias situações, Caroline Forlim utilizou uma montagem experimental, constituída por dois aquários, dois peixes-elétricos (sendo que o peixe A ficava no aquário A, e o peixe B, no aquário B) e um circuito eletrônico, que, por sua vez, media o sinal dos peixes e o retransmitia. Portanto, quando o peixe A emitia um sinal, essa pulsação era retransmitida para o peixe B. O mesmo processo ocorria quando o peixe B emitia alguma pulsação elétrica.

Mas, será que seria possível saber qual peixe (A ou B) emitia determinado sinal, caso ambos fossem colocados em um mesmo aquário ou estivessem na natureza? Foi a partir desse questionamento que Paulo deu inicio à sua pesquisa de mestrado, na qual utilizou métodos de aprendizado de máquina – em que algoritmos são treinados para identificar automaticamente uma série de situações -, tendo permitido analisar, com 95% de acerto, qual peixe emitia determinada pulsação. “O novo método permitiu observar uma série de comportamentos que não acontecia nos experimentos anteriores, quando os peixes estavam em aquários diferentes”.

Após isso, Matias deu início ao seu projeto de doutorado, no qual aumentou essa porcentagem de PAULO_MATIAS_300acerto para 99,99%, além de ter construído um sistema capaz de realizar essa detecção de modo tão rápido quanto um peixe elétrico. “No doutorado, consegui trabalhar com disparos quase simultâneos, porque, por vezes, quando um peixe disparava uma pulsação, um segundo peixe-elétrico emitia outra logo em seguida”, explica Paulo que, além de ter utilizado a técnica de aprendizado de máquina, aplicou um método que permitiu descobrir qual peixe emitia determinado sinal, a partir da análise de uma série de sequência de disparos já emitida pelo animal. Os dados eram captados por oito eletrodos distribuídos pelas vértices de um aquário, enquanto as análises das informações eram processadas em um computador, com o apoio de um circuito eletrônico especialmente projetado pelo pesquisador para essa tarefa, e de um software capaz de produzir resultados em tempo real.

Com o objetivo atingido e o doutorado finalizado, o pesquisador comenta que seu sistema abre novas possibilidades para se estudar o comportamento desses animais a partir do disparo de pulsos elétricos artificiais. “Será que eu posso disparar uma terceira pulsação elétrica, quando dois peixes-elétricos estão disputando território, de modo a fazê-los pensar que a minha emissão corresponde à de um outro peixe dominante?”, indaga Paulo, cujo grupo de pesquisa tem trabalhado em parceria com a equipe do Prof. Angel Caputi, um dos principais pesquisadores sobre o assunto, que atua no Instituto de Investigaciones Biológicas “Clemente Estable” (IIBCE), no Uruguai.

Os resultados da pesquisa de doutorado de Matias originaram uma nova etapa dessa série de estudos, que agora está sendo complementada pelo pesquisador Rafael Tuma Guariento, doutorando do IFSC/USP, que deverá aplicar as técnicas usadas por Max Westby, em 1970, juntamente com métodos mais atuais de linguística computacional, para tentar decodificar a linguagem dos peixes-elétricos e converter as pulsações emitidas pela Tuvira em frases.

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Atualmente, acredita-se que o desafio para a compreensão da comunicação dos peixes-elétricos está em correlacioná-la com o comportamento desses animais, que varia de acordo com o intervalo de cada pulsação elétrica. Uma vez decifrada a eletrocomunicação da Tuvira, Paulo Matias espera que essa linha de pesquisa contribua tanto para a área de pesquisa básica, que poderá estudar com mais eficiência a comunicação de outros animais (além da comunicação “interna” entre diferentes neurônios de um organismo), como para a indústria que atua na área ambiental. “O professor Reynaldo Pinto, por exemplo, já foi procurado pela Petrobras para verificar a possibilidade de esses peixes-elétricos serem utilizados na detecção de vazamentos de petróleo em dutos. Ou seja, se conseguirmos entender a comunicação dessa espécie, talvez possamos monitorar o comportamento dos peixes que vivem próximos a esses canais, de modo a descobrir se há, ou não, vazamentos”. Nesse contexto, num futuro próximo, o comportamento desses peixes-elétricos talvez possa ser analisado, inclusive, para a verificação da qualidade da água nas bacias hidrográficas do Brasil.

Na imagem 3: O Rio Amazonas, principal rio da Bacia Hidrográfica Amazônica. Com 40% de sua área localizada em território brasileiro, a Bacia Amazônica é a maior do mundo (Foto: Portal de notícias da Veja).

Assessoria de Comunicação – IFSC/USP

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Instituto de Física de São Carlos - IFSC Universidade de São Paulo - USP
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